recusou a cumprir uma ordem legal e preferiu ir preso a demolir um casebre, é um analfabeto.
Não conseguiria defender seu gesto com argumentos,
muito menos argumentos contra as letras da lei. O casebre era uma construção clandestina no terreno de outros. Se era ilegal, sua demolição era legal, e indiscutível. Podia ser legal, pensou o seu Amilton, mas não era direito.
"De onde vêm as ideias justas?", perguntava-se, anos
atrás, nos debates sobre natureza humana e ideologia. Elas caem do céu? O seu Amilton não saberia explicar a origem da sua conclusão de que aquilo não era direito. Não era uma ideia, não era uma tese, não era sequer uma convicção: era um sentimento. Era uma coisa no peito. Elas não caem do céu.
Argumentos e teses racionais não faltam do outro
lado:
- A lei deve ser cumprida!
- Quem não cumpre a lei está ameaçando a ordem social.
- Há recursos legais contra leis injustas, mas o critério
não pode ser a compaixão analfabeta de um momento. Não pode ser uma coisa sem nome no peito. - Onde acabaríamos, se a execução da lei dependesse da emoção dos seus executores?
- Se qualquer tratorista solidário com a miséria alheia
pudesse deter uma ação judicial e virar um herói dos bons sentimentos? O seu Amilton não teria resposta para nenhum destes argumentos. Seria bombardeado com todo o alfabeto da lei e só poderia dizer:
- Sim, mas não é direito.
- É a lei, seu Amilton! É a Constituição contra o seu
coração, seu Amilton!
- Mas não é direito. Simplesmente (ao contrário de
legalmente) não é direito. Na próxima reforma das leis sobre propriedade etc. deveriam chamar o seu Amilton para equacionar o que é legal com o que é justo.
Ou contratá-lo como consultor do Supremo, só para
dizer no ouvido da lei o que é direito e não é, revogadas todas as letras em contrário.
É preciso, urgentemente, institucionalizar o coração
O Absurdo Das Denúncias Genéricas (Ou, o Mágico de Oz e o Estado-Leviatã, Uma Simbiose Sinistra) - Por Jacinto Nelson de Miranda Coutinho e Edward Rocha de Carvalho - Empório Do Direito