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Pregação ICS 31/07/2022 – Parábola do filho pródigo

Texto base: Lucas 15:11-32


Para explicar ainda melhor esse assunto, contou-lhes a seguinte
parábola: “Um homem tinha dois filhos. Quando o mais jovem
disse ao pai: ‘Pai, eu quero agora a minha parte da herança’, o pai
concordou em dividir a fortuna entre os filhos.
“Poucos dias depois este filho mais jovem juntou toda a parte
dele, viajou para uma terra distante, e ali gastou todo o dinheiro
de maneira irresponsável. Quando o dinheiro dele acabou, uma
grande fome espalhou-se sobre a terra, e ele começou a passar
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necessidade. Foi então a um fazendeiro local pedir para trabalhar


na fazenda; este o mandou para o seu campo para cuidar dos
porcos. O jovem andava com tanta fome que desejava encher seu
estômago com as vagens que os porcos comiam, mas ninguém lhe
dava nada.
“Quando ele finalmente voltou ao seu juízo, disse consigo
mesmo: ‘Lá em casa até os empregados do meu pai têm comida
de sobra, e aqui estou eu, morrendo de fome! Eu vou para casa,
junto do meu pai, e lhe direi: “Pai, eu pequei contra o céu e
contra o senhor. E já não mereço ser chamado seu filho. Por
favor, trate-me como um dos seus empregados” ’. Então ele
levantou-se e voltou para casa, para junto de seu pai.
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“E quando ainda estava longe, seu pai o viu, e seu coração se


encheu de compaixão, e ele correu em direção ao seu filho, o
abraçou e beijou.
“E o filho disse: ‘Pai, eu pequei contra o céu e contra o senhor, e
não mereço ser chamado seu filho’.
“Mas o pai disse aos seus servos: ‘Depressa! Tragam a melhor
roupa da casa para vestir nele. Coloquem um anel em seu dedo e
sandálias em seus pés! Matem o novilho gordo. Precisamos fazer
uma festa e alegrar-nos. Porque este meu filho estava morto e
voltou à vida. Estava perdido e foi achado’. E começaram a festa.

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“Mas o filho mais velho estava nos campos trabalhando; quando


ele voltava para casa, ouviu a música das danças e perguntou a
um dos servos o que estava acontecendo. ‘Seu irmão voltou’,
contou ele, ‘e o seu pai matou o novilho gordo e preparou uma
grande festa para comemorar a volta dele ao lar, vivo e com
saúde’.
“O filho mais velho ficou muito irado e não queria entrar. O pai
saiu e insistiu com ele. Porém ele respondeu ao pai: ‘Estes anos
todos eu tenho trabalhado como um escravo para o senhor, e
nunca me recusei a obedecer às suas ordens; e durante todo este
tempo o senhor nunca me deu nem mesmo um cabrito para
festejar com os meus amigos. Mas quando volta esse seu filho,
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depois de gastar o dinheiro do senhor com prostitutas, o senhor


comemora matando o novilho gordo!’
“ ‘Olhe, meu filho’, disse-lhe o pai, ‘você está sempre comigo e
tudo o que tenho é seu. Porém é justo comemorarmos, pois ele é
o seu irmão; estava morto e voltou a viver, estava perdido e foi
achado!’ ”

Introdução
A parábola do filho pródigo vem na sequência de parábolas do
capítulo 15 de Lucas, sendo a primeira a da ovelha perdida, a
segunda a da moeda perdida, e a terceira a do filho perdido,
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também conhecida como do filho pródigo. É por isso que o texto


começa com “Para explicar ainda melhor esse assunto…”. Mas,
que assunto era esse? É o que veremos a seguir.

Vejamos qual foi a plateia de Jesus, cf. os versos 1 e 2 do mesmo


capítulo:
“Todos os cobradores de impostos e outras pessoas de má fama
estavam reunidos para ouvir Jesus. Mas os fariseus e os mestres
da lei começaram a se queixar: Este homem está fazendo amizade
com aquelas pessoas de má fama e até está comendo com elas”!

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Então, as pessoas às quais Jesus conta essas três parábolas são,


de um lado, pessoas de má fama, notórios pecadores, e, de outro
lado, pessoas reconhecidas pela sua religiosidade, líderes no
judaísmo.

Mas, o que vem a ser uma parábola? Parábola é uma pequena


estória com a finalidade específica de ensinar uma lição.

Era a maneira mais comum de Jesus trazer valores do Reino de


Deus ao conhecimento do povo de Israel que não tinha muita
intimidade com as Escrituras e não tinha muito acesso ao
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conhecimento religioso, que era quase uma exclusividade dos


sacerdotes, escribas e outros líderes do judaísmo de então.

E o que significa filho pródigo? Na verdade, essa descrição, como


outras que muitas Bíblias trazem, não consta do texto original,
serve apenas para encontrarmos facilmente na Palavra uma
determinada passagem, ou para termos uma noção antecipada
do assunto que a seção a seguir vai falar.

Trata-se, portanto, da parábola do filho perdido, se formos seguir


a mesma lógica utilizada por Jesus para as outras duas parábolas,
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filho este que foi perdulário, desperdiçador, e é isso que significa


pródigo, alguém que desperdiça seus bens.

Essa estória tem três personagens principais, os dois filhos e o pai,


e vários figurantes, mas, como em toda parábola, os detalhes não
são tão importantes quanto a mensagem principal que o autor
queria contar, ou seja, o relacionamento daquele pai com seus
filhos.

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1 – O caso do primeiro filho


O maior foco da estória é o primeiro filho, o mais novo dos dois.
São os versos de 12 a 21, que começam quando ele diz ao pai:
“Pai, eu quero agora a minha parte da herança”.

Gente, vejam só a “audácia” dessa pessoa.

No Direito, tanto hoje como desde sempre e de maneira quase


universal, a herança que alguém deixa para seus filhos só está
disponível uma vez que essa pessoa morra. Dizendo em outras
palavras, não existe herança de pessoa viva.
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Na verdade, enquanto é viva, o patrimônio que a pessoa possui é


seu para ela fazer o que ela quiser…

Esse é o primeiro aspecto sobre herança nessa estória, o jurídico.


O jovem não tinha Direito algum a pleitear, mas quando decide
fazê-lo, isso na verdade se revelou numa ofensa muito grande,
que é o segundo aspecto, o aspecto da honra, ou falta dela, do
filho em relação ao Pai.

Que ofensa era essa? Ao exigir para si algo que dependeria da


morte do pai, era o mesmo que ele dizer “Eu quero que você
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morra, pra que eu herde logo o que é meu”. Imaginem qualquer


pai ouvir isso de um filho, a tristeza e a decepção que sentiria, e
depois a humilhação pública quando seus vizinhos e parentes
soubessem daquilo.

O Pai, contudo, mesmo sem ter obrigação nenhuma, e mesmo


diante de tamanha falta de respeito e ingratidão, resolve atender
o pedido do filho. Ele lhe dá a parte que lhe caberia dos bens e o
deixa livre para fazer conforme ache melhor.

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De fato, uma das lições que tiramos desse texto é a lição da


liberdade que Deus nos dá. Tudo que temos veio dEle em alguma
medida, a começar pelo dom da vida, a saúde, até aquilo que
achamos que conquistamos pelo nosso próprio esforço passa
necessariamente por sua graça, generosidade e providência.
Somos livres, mas até certo ponto.

Autores clássicos da igreja, falando sobre o tema da liberdade,


divergem muito, alguns dando ênfase maior ou menor em como o
ser humano é livre em suas escolhas, mas eu tendo a concordar
com a visão de que o homem natural, ou seja, aquele que é
nascido em pecado e, portanto, nascido escravo, como afirmou
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Lutero, ele tem sua consciência manchada e, como consequência,


suas escolhas são cativas daquele senhor, o pecado, sempre se
dirigindo para satisfazer suas, ou nossas na verdade, necessidades
mais básicas por prazer em qualquer de suas formas.

Resumindo, nós nascemos, vivemos e morremos para realizar os


desejos pecaminosos da carne; nossa natureza pecadora sempre
nos inclinará para esse destino – mesmo que isso venha
disfarçado de algo bom ou supostamente altruísta, e isso então
rouba a liberdade que achamos que possuímos.

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A verdadeira liberdade descobre aquele que, uma vez recebendo


a Cristo como Senhor de sua vida, não mais chama o pecado de
mestre, já não tem suas mãos e pés presos por esses grilhões e aí,
então, verdadeiramente é livre para decidir viver uma vida para
glorificar a Deus.

A busca pela liberdade daquele filho é a mesma busca pela


liberdade do homem desde Adão até hoje, uma liberdade sem
Deus que sempre descamba em libertinagem. Até o prazer, algo
legítimo e bom, criado por Deus para ser aproveitado no contexto
adequado, é colocado como ídolo em nossa sociedade hedonista

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que justifica qualquer comportamento desde que resulte em algo


que aparente felicidade.

Vejam que o verso 13 diz que aquele rapaz “viajou para uma terra
distante, e ali gastou todo o dinheiro de maneria irresponsável”, e
obviamente ninguém precisa sair da casa dos pais para viver
dessa forma, mas não deixa de ser curioso como Jesus enfatiza
que o jovem foi para bem longe do Pai, como se não bastasse nós,
seres humanos, querermos nossa liberdade…

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Não, nós querermos estar distantes do olhar “julgador”,


“acusador” do nosso Pai, que, na verdade, é o olhar de amor, de
cuidado, que todo pai teria ao ver seu filho tomar más decisões e
já antever o resultado de dores e traumas que aquilo trará.

No caso do primeiro filho, suas más escolhas o empurram para


um estilo de vida absolutamente abominável para um judeu,
cuidar de porcos, um animal impuro segundo seus costumes,
especialmente para aquele “filhinho de papai” tão acostumado a
ter pessoas lhe servindo tudo do bom e do melhor.

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Ah, meus irmãos, como essa estória pode ser parecida com a de
muitos aqui, no passado, ou talvez ainda hoje. Quantos de nós
temos abandonado a casa do nosso Pai celeste e nos voltado às
paixões da nossa mocidade, gastando nosso tempo, saúde,
dinheiro, relações familiares, tudo que possuímos de mais
importante em pessoas, coisas e circunstâncias que simplesmente
não valem a pena?!

Quantas pessoas não se iludem com drogas, bebidas e farras,


caminhando tão distantes dos valores de Deus e de sua vontade
para nós, tudo em busca de “liberdade”, de prazer, de
autoafirmação, “eu posso”, “eu sou”. A idolatria do “eu”!
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Para muitos, é mais importante o orgulho e a vaidade vazia de


dizer que manda no seu próprio nariz, mesmo afundado até o
pescoço na lama, do que, estando bem cuidado, admitir que
precisa do colo do Pai.

Mas, como tudo na vida é passageiro, a aparente e irrefletida


alegria daquele moço termina assim que acaba seu dinheiro. Os
“amigos” que ele supunha ter fecham-lhe as portas na cara,
param de responder suas mensagens no Whatsapp,
desconversam e dizem estar ocupados quando ele liga… Será que
podemos nos relacionar com essa situação?

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A verdade é que, na vida, momentos de alegria e de tristeza, de


fartura e de escassez se alternam como a subida e descida de uma
roda gigante, então aquele jovem não se preparou para a hora
mais escura, quando só podemos contar com nosso Criador.

Quando agimos de maneira irresponsável com nossos bens, nosso


tempo e, principalmente, com nossos relacionamentos,
rapidamente as ondas do mar da vida nos sacodem e podem nos
afogar, nos levando a fazer escolhas muito limitadas, e aceitar
realidades terríveis apenas tentando sobreviver, algo que não
precisaria acontecer com aquele filho, e não precisa acontecer
conosco hoje.
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Felizmente para o jovem da estória, ela não acaba aqui, como


para muitos que se perdem nas drogas, pessoas irreconhecíveis
até para seus parentes, que se vendem por um pedaço de pão ou
um trocado qualquer para alimentar o seu vício.

Em determinado momento, verso 17, o texto diz que “ele


finalmente voltou ao seu juízo”, ou seja, depois de “comer o pão
que o diabo amassou”, depois de experimentar tamanha
humilhação e necessidade, o jovem passa a se lembrar da casa do
Pai. Alguns de nós precisamos levar esse “sacode” da vida para
aprendermos, mas felizes os que aprendem; muitos – teimosos,

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passam por tudo isso e até mais, mas só sabem blasfemar, e


acabam morrendo sem abrir mão do seu “eu”.

O que é o “voltar ao juízo” senão a primeira parte do


arrependimento, aquela reflexão interior que fazemos, que
possui um aspecto intelectual, ou seja, quando raciocinamos e
reconhecemos as besteiras que fizemos, de onde partimos, onde
chegamos, quem nos tornamos; mas possui também um aspecto
emocional, da tristeza provocada pelo remorso do pecado
cometido, que não é simplesmente resultado da exposição –
como menino pequeno pego em flagrante fazendo algo que não
deveria, mas sim é aquela tristeza promovida pelo próprio
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Espírito Santo de Deus com o propósito de fazer retornar o filho


ao seu seio, cf. 2 Coríntios 7:8-11.
Não estou arrependido por ter-lhes enviado aquela carta, ainda
que estivesse muito triste durante algum tempo, percebendo
como ela seria dolorosa para vocês. Entretanto, ela só os
entristeceu por um curto momento.
Agora, alegro-me por tê-la remetido, não porque ela os
entristeceu, mas porque a dor fez com que vocês se voltassem
para Deus. Foi uma espécie de tristeza que Deus quer que o seu
povo tenha, e assim não causamos nenhum mal a vocês.

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Porque Deus às vezes utiliza a tristeza em nossas vidas para nos


ajudar a nos afastarmos do pecado, nos arrependermos, para,
assim, nos levar à salvação. Já a tristeza do homem incrédulo não
é a tristeza do arrependimento verdadeiro e produz a morte.
Vejam só quanto bem lhes fez essa tristeza enviada pelo Senhor!
Vocês não encolheram mais os ombros, mas tornaram-se
fervorosos e sinceros, e muito ansiosos para se libertarem do
pecado acerca do qual eu lhes tinha escrito. Ficaram preocupados
e com medo com o que sucedera. Vocês fizeram tudo que podiam
para corrigir a situação.

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Não é toda dor que tem esse propósito ou é usada desta maneira,
mas felizes seremos se a dor puder servir de instrumento para
nos fazer retornar ao Senhor.

Vejam que o jovem relembra seu Pai, de como os trabalhadores


de sua casa são bem tratados, percebe sua situação de penúria, e
pensa em como tentar restabelecer seu relacionamento
quebrado, ainda que venha a ser tratado agora apenas como um
empregado doméstico e não mais com a honra de filho.

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A segunda parte do arrependimento é a que nos faz sair do


estado mental para a ação, cf. verso 20, quando ele se levanta e
volta pra casa e isso é muito importante, porque talvez nós
adquirimos essa consciência do pecado, da nossa queda, até
entendemos que Jesus é quem pode nos resgatar, mas não
tomamos o passo necessário para completar o processo, que é a
entrega total do nosso “eu” ao seu senhorio.

A caminhada de volta ao lar que aquele filho fez, sujo,


maltrapilho, sujeito à fome e à humilhação, é a mesma que
devemos trilhar hoje. Não adianta permanecermos com fome
junto aos porcos, nem mesmo reconhecermos nossa situação de
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miséria apenas em nossa mente, se isso não nos levar a pedir


ajuda a quem nos pode socorrer, o nosso Pai.

2 – O caso do segundo filho


Na estória que Jesus conta, a parte do segundo filho vai dos
versos 25-31. Na verdade, este é o filho mais velho, o
“responsável”, o que ficou em casa cuidando das coisas do Pai. É
o filho “bonzinho”, certo?

Quando Jesus propôs essa parábola, seu público-alvo foi em parte


uma plateia formada de fariseus e outros líderes religiosos. Então
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se o filho pródigo diz respeito às pessoas comuns desse mundo


que desperdiçam sua vida fugindo de Deus, o filho mais velho é
uma metáfora daqueles que tiveram uma vida aparentemente
regrada e religiosa, mas que, como vimos no texto lido, era
apenas aparência, da boca pra fora, seu coração também estava
tão ou mais distante do que o de seu irmão perdido.

Meus irmãos, deixem eu confessar aqui um pecado pra vocês. Eu,


por muito tempo, luto contra o mesmo pecado do segundo filho,
alguém que vive mais por regras do que por graça e misericórdia.

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Quantas vezes eu pensei, e às vezes ainda faço isso, que era mais
merecedor, eu que nasci e me criei num lar cristão evangélico,
nunca me desviei em perversões como essas pelas quais passou o
filho pródigo e talvez alguns aqui; eu já julguei irmãos “poxa, já
caiu de novo?!”; já critiquei como alguém que levava uma vida
promíscua, entregue ao álcool ou às drogas, ou quem sabe até
mesmo de crime, pode merecer o amor de Deus; e, como esse
filho mais velho, me achei superior, afinal eu “não caí”…

Que engano, que engano… Posso não ter caído na mesma espécie
de pecado, mas e o orgulho — a “vaidade gospel”, e a falta de
misericórdia, a ira, e tantos outros pecados ocultos que muitas
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vezes acalentamos com tanto carinho, enquanto nos ofendemos


profundamente com os pecados e as lutas de outras pessoas, só
porque não são ou não foram as nossas lutas, como se as suas
fossem de algum modo piores ou mais graves que as nossas?!

A estória do filho mais velho se parece com a vida de alguém que


serve na igreja, talvez canta no louvor, ajuda nas obras sociais,
lidera um ministério, quem sabe até pregue aqui em cima…

Infelizmente, em muitos casos, essa pessoa pode também só


estar preocupada com seus próprios interesses. O relacionamento
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que ela cultiva com o Pai, e o que lhe levou a também não ir
embora, era simplesmente aproveitar as bençãos que a condição
de filho lhe proporciona, e não aprofundar a intimidade. Então,
no fim das contas, o que difere um e outro filho é o desperdício
dos bens, porque ambos desperdiçaram o relacionamento que
possuíam.

Jesus, confrontando os líderes religiosos de sua época em muitas


oportunidades justamente por esse tipo de comportamento,
certa vez disse o seguinte:

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“Ai de vocês, especialistas da Lei! Pois guardam a chave que abre


a porta do conhecimento. Vocês mesmos não entram, e impedem
os outros de terem uma oportunidade de entrar”. - Lucas 11:52

É como o filho mais velho, embora morasse com o Pai, não tinha
intimidade, não tinha alegria, não tinha satisfação, e também não
gostava quando o outro filho desejava ter essas coisas.

Ou, como alguns de nós hoje, que impomos regras e mais regras
aos novos convertidos, dizendo que têm de fazer isso ou aquilo,
ou deixar de fazer isso ou assado, coisas que talvez o próprio Pai
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vai ensiná-los em sua caminhada individual, mas nós queremos


que se tornem imediatamente como nós, frios e secos em uma
religião mecânica feita de robôs absolutamente iguais.

O verso 28 nos fala que o filho mais velho ficou irado, e é até
certo ponto compreensível a ira do filho, afinal o pai acolhe com
alegria e até festa (!) um filho desperdiçador… Mas ele falhou em
entender o principal, que era estender misericórdia a um irmão
seu, não era nem um desconhecido, talvez um empregado, era
seu irmão, sangue do seu sangue, sua família, e que, ao voltar
para casa, também desejava voltar a se relacionar com ele.

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Meus irmãos, que “pecadozinho” sorrateiro é esse da ira, viu…


Quantos de nós não somos tentados diariamente e caímos com
muita frequência para esse inimigo tão menosprezado. E esse é
um pecado que afeta muito os relacionamentos: entre casais,
entre pais e filhos, parentes entre si, nos ambientes de trabalho, e
até na igreja! É só pensarmos nessa época de discussões violentas
em razão de política e das eleições…

Existem dois versículos bem conhecidos sobre esse assunto, e não


vou me estender muito, mas só para lembrar a todos nós, eu
principalmente, admito, que devemos levar em rédea muito curta
esse “cachorro bravo” chamado ira.
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Efésios 4:26 diz: “Irai-vos, e não pequeis; não se ponha o sol sobre
a vossa ira”. Em outra tradução, “Quando estiverem irados, não
pequem alimentando seu próprio rancor. Não deixem que o sol se
ponha antes de resolverem as suas diferenças”.

Percebam que quando o apóstolo Paulo diz “irai-vos, e não


pequeis”, ele não está dando uma ordem, nem mesmo uma
concessão ou permissão. Não! A segunda tradução deixa mais
claro esse texto. Quando estivermos irados, não devemos colocar
mais lenha na fogueira, não acrescentar brasas de modo a tornar
essa situação e as emoções geradas em algo mais duradouro, algo
que vá contaminar e azedar as relações daí em diante.
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É por essa mesma razão que ele manda resolver as diferenças


antes do sol se por. Não é por uma razão cosmológica, ou de
astronomia, meus irmãos, como se por um passe de mágica a
rotação da Terra, ou o passar de algumas horas de sono fosse
resolver um problema que ficou sem resolver, muito pelo
contrário! Devemos, especialmente nós homens em nossos
relacionamentos com nossas esposas, tentar resolver o mais
rápido possível as nossas diferenças para que aquilo não piore e
vire uma bola de neve e o conflito que talvez fosse bem pequeno
agora está enorme e muito mais difícil de reconciliar.

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Eu sei que eu luto muito com isso, porque como homem, o mais
natural pra mim é evitar o conflito, ou melhor, ficar calado
achando que com isso estou evitando o conflito, enquanto que
para a mulher, normalmente conversar logo é a maneira mais
eficaz de fazer isso, então devemos achar um meio termo entre
ambos: deixar a poeira baixar um pouco, mas tendo sempre em
mente de não esticar demais, não deixar passar tempo demais
enquanto o problema segue fermentando…

O segundo texto sobre ira é o de Tiago 1:19,20:

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“Queridos irmãos, nunca se esqueçam de que cada um deve estar


pronto para ouvir, mas demorar para falar e ficar irado; pois a ira
humana não produz a justiça de Deus”.

A ira humana não produz a justiça de Deus, e nós achando que


temos razão em estarmos irados… Quanta injustiça e remorso
tardio já foram produzidos até mesmo entre irmãos em razão de
ira?! É só lembrarmos do exemplo de Caim e Abel.

Voltando ao texto de Lucas, o irmão mais velho ficou irado, e não


procurou conversar com seu irmão, não procurou conversar com
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seu pai, apenas saiu e se fechou em si mesmo e em sua ira. Meus


irmãos, muitas vezes a ira produz um sentimento explosivo, mas
tenham em mente que tão ou mais perigoso quanto as explosões
de um sentimento ou temperamento irados, são as “implosões”,
por assim dizer, aqueles sentimentos venenosos que acabam
criando raízes de amargura na vida de uma pessoa e destroem
seus relacionamentos com igual ou pior resultado que o de uma
pessoa explosiva.

É, porque o comportamento explosivo é facilmente detectável,


então pode ser tratado, mas quando a pessoa alimenta sua ira

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interna e aquilo vai fervendo, muitas vezes o resultado só aparece


quando já não dá mais pra reagir e recuperar.

Os versos 29 e 30 nos mostram a resposta desse filho quando


indagado de seu comportamento por parte do pai: “Estes anos
todos eu tenho trabalhado como um escravo para o senhor, e
nunca me recusei a obedecer às suas ordens; e durante todo este
tempo o senhor nunca me deu nem mesmo um cabrito para
festejar com os meus amigos. Mas quando volta esse seu filho,
depois de gastar o dinheiro do senhor com prostitutas, o senhor
comemora matando o novilho gordo”!

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Ira, sentimento de merecimento, ingratidão, falta de misericórdia,


de honra e de reconhecimento, considerar seu relacionamento
com o pai como uma mera relação de trabalho, e, igualmente ao
seu irmão, tratar o pai somente por aquilo que de bom pôde
proporcionar, e não apenas por quem é, seu pai! Esses foram os
pecados de um filho que se achava perfeito e não via o quão
distante também estava, apesar de nunca ter ido embora.

3 – O caso do Pai
Fato é, meus irmãos, que o personagem principal dessa estória é
o Pai de ambos os irmãos. Agora que sou pai, e pai de dois,

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embora ainda pequenos, começo a aprender certas lições que a


paternidade nos ensina.

Cada filho é diferente: temperamentos, jeito, comportamento, e


até as demonstrações de afeto não são iguais. Por essa razão,
requerem o mesmo amor, mas demonstrado de formas
diferentes. Eu, como filho, muitas vezes enxerguei isso como
favoritismo, e nós seres humanos acabamos fazendo isso mesmo,
ou seja, nos dedicarmos mais a um filho do que a outro.

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Mas, coloque-se um momento na posição do pai da estória, que


reflete o próprio Deus. Será que Deus não se alegraria, ou na
verdade se alegra, quando um pecador se arrepende e volta para
os seus braços? Vejamos o que diz as Escrituras.
Diga-lhes: Juro pela minha vida, palavra do Soberano, o Senhor:
Vocês podem ter absoluta certeza de que não fico contente
quando o pecador morre com a culpa de seus pecados. Minha
maior alegria é ver o pecador se arrepender, deixar seu mau
caminho e viver. Por isso, povo de Israel, arrependa-se!
Arrependa-se! Abandone seus maus caminhos! Para que morrer
sem razão, Israel? - Ezequiel 33:11

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Jesus confronta aqueles religiosos, como a mim e a vocês hoje:


será que temos sido excessivamente duros com as pessoas que se
achegam maltrapilhas e sujas na casa de Deus buscando
restauração? Será que temos sido misericordiosos, ou, ao
contrário, pisamos em seus pescoços e terminamos de apagar a
pequena chama de fé e esperança que eles ainda carregam?

Mateus 9:13 diz o seguinte:


Depois ele acrescentou: “Vão aprender o significado deste
versículo da Escritura: ‘Não são os sacrifícios de vocês que me
interessam — mas que tenham misericórdia’! Meu trabalho aqui

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na terra é chamar os pecadores, e não aqueles que se acham


bons, para que voltem para Deus”.

Meus irmãos, aqueles que “se acham bons” não reconhecem sua
situação de miséria e pecado, não entendem a necessidade de
salvação e de um salvador, que é Jesus, e esses então estão mais
perdidos do que os muitos filhos pródigos que estão, nesse
mesmo instante, em etapas diferentes de seu retorno para o Pai:
seja aquele momento inicial de reflexão e reconhecimento do
estado em que se encontram; seja a difícil caminhada de volta
carregada de remorso e vergonha; seja o reencontro com o Pai, e

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sua restauração à condição de filho, com todos os privilégios e


responsabilidades que ela proporciona.

A participação do Pai nessa estória continua no verso 20 onde


lemos que “quando ainda estava longe, seu pai o viu”. Aquele Pai
nunca deixou de esperar seu filho retornar. A ideia aqui é que
Deus nunca desiste de nós, e está sempre esperando que nós,
seus filhos, nos arrependamos de nossos pecados, de nossas más
escolhas, e voltemos para seus braços amorosos.

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Em seguida o texto diz que “seu coração se encheu de


compaixão”. Deus, como aquele pai retratado na parábola, não é
mesquinho em seus sentimentos para com seus filhos. Deus se
enche de compaixão para com a menor centelha de
arrependimento.

Perceba que o filho estava longe. Nós muitas vezes também ainda
estamos longe, abatidos pelas lutas da vida, mas Deus vê nossa
condição interior e exterior e sente profunda compaixão de nós,
porque Ele se lembra de que nos criou à sua própria imagem e
semelhança. Ainda que o pecado tenha nos deformado e afastado
dEle, Deus não se esquece!
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E a compaixão de Deus, meus irmãos, não é como nossa piedade


humana, não é uma “peninha” meia-boca que a gente sente
quando vê algo que nos comove mas não leva necessariamente a
uma ação. Não! A compaixão que Deus tem e demonstra pelo
homem tem o poder de restaurar relacionamentos quebrados e
perdidos, fazendo brotar vida de pessoas consideradas mortas,
como bem diz o Pai ao filho mais velho no verso 31 “estava morto
e voltou a viver”. É recuperar o irrecuperável, ressuscitar o morto,
corrigir o impossível de ser corrigido, algo que só Ele pode fazer!

Outra lição que aprendemos do pai da estória é que “ele correu


em direção ao seu filho, o abraçou e beijou”. A iniciativa é sempre
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de Deus. Ele está à nossa espera, mais vai além, Ele se move em
nossa direção, nos estende a mão em nosso favor e faz isso sem
demora! Aquele homem se humilhou publicamente mais uma vez
para fazer o que ele fez, pois era inadmissível uma pessoa de
maior posição fazer aquilo em direção a outra de menor posição,
especialmente depois da ofensa pública recebida anteriormente.

E mais, ao fazê-lo, o pai apregoa a todos que quisessem ouvir que


estava restaurando publicamente seu filho perdido ao estado
inicial. Aquele jovem não voltaria em condição inferior, desigual,
de subordinação, como um “mero” empregado. Teria restaurada

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sua condição e honra de filho, por meio do anel e das sandálias


que o pai manda aos servos que providenciem.

Deus, em Cristo, se abraça ao pecador imundo. Em Cristo, Ele nos


beija, porque o Deus santíssimo que odeia o pecado passa a ver
em nós, pecadores, a justiça e a santidade que são inerentes ao
seu próprio filho Jesus.

E a festa é grande para receber esse filho, demonstrando


finalmente quão grande amor seu Pai sente por ele, por nós. Não
se poupam despesas, assim como não podem ser medidas as
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bençãos espirituais que recebemos quando voltamos aos seus


braços. Deus dá o exemplo daquilo que espera que nós mesmos
façamos, cf. Lucas 6:36-38:
Sejam misericordiosos, assim como o Pai de vocês é
misericordioso.
“Não julguem, e vocês não serão julgados. Não condenem, e
vocês não serão condenados. Perdoem, e serão perdoados. Deem
aos outros, e será dado a vocês! Suas dádivas voltarão a vocês em
medida cheia, calcada, sacudida e transbordante. A medida que
vocês usarem, será usada para medir vocês”.

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Isso, Deus faz em relação aos perdidos neste mundo. Aos


perdidos dentro de casa, o papo é outro. Vejamos o verso 28, “O
pai saiu e insistiu com ele”. Assim como o Pai sai à espera do filho
perdido, o mesmo pai também sai em busca de reconciliar o filho
que ficou com seu irmão e consigo próprio, insistentemente!

Aos que vivem uma religião baseada em obras, em mérito


próprio, que busca apenas as mãos de um Deus abençoador e não
sua face, como a teologia da prosperidade e a teologia coach
pregam hoje em dia, esses Deus chama para repensar o
relacionamento que achavam que possuíam e, na verdade, não

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têm. Não conhecem, de fato, esse Pai amoroso e generoso para


todos os filhos, disposto a amar a todos quanto o procurem.

O filho mais velho errou em achar que era ele o responsável por
castigar os pecados de seu irmão. Sua função, como a nossa, é
acolhê-lo de volta ao lar, e cabe ao Pai corrigir a cada um
conforme a demanda vai surgindo, e, acreditem, Ele não deixa de
fazer isso, porque é do seu próprio interesse ter bons filhos.

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Conclusão
Essa estória narrada por Jesus nos mostra diferentes aspectos do
relacionamento de Deus para conosco, por meio da ilustração de
um pai com seus filhos, um que vai e um que fica.

É importante observarmos se nos encaixamos em algum desses


papéis em nossa história, como na figura do filho mais moço,
desperdiçando nossos anos mais preciosos com coisas que não
valem a pena, ou talvez na figura do filho mais velho, vindo à
igreja mas apenas pra “cumprir tabela”, somente “esquentando

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banco”, ou mesmo atuando bastante na obra de Deus, mas com o


coração distante do Pai.

Mas, ainda que eu ou você não nos encontremos nessas situações


descritas por Jesus, e para além das lições que retiramos do texto
e que podemos aproveitar, não podemos esquecer de modo
algum do tipo de pai que Jesus retrata nessa estória, um Pai que
ama seus filhos e se preocupa com eles, um Pai que sempre toma
a iniciativa de restaurar o relacionamento, um Pai que ensina a
generosidade e a misericórdia, e que espera isso também de seus
filhos.

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Será que esse não é um Pai com quem vale a pena nos
relacionarmos? Será que não fazemos bem em caminharmos cada
dia mais perto dele, em amizade, em intimidade? Será que essa
estória não deve nos levar também a repensar nossos
relacionamentos com nossos irmãos em Cristo, que muitas vezes
desprezamos ou tratamos como cidadãos de segunda categoria?

A minha oração hoje é para que a gente possa se apropriar dessas


lições de forma bem prática para nossas vidas, refletindo bem em
como estamos nos relacionando com Deus e com nossos irmãos.

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