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Capítulo 2

MAKRON
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Um Conto de Duas
Empresas Aliadas

No Capítulo l, citamos alguns exemplos de empresas conhecidas que procuraram ajuda nas alianças
para poder competir no ambiente global emergente. Tentaremos agora apresentar uma visão geral
mais abrangente do papel que as alianças desempenham nessas empresas, inclusive a maneira pela
qual elas podem ser incorporadas à estrutura estratégica geral das empresas-parceiras. Em termos
específicos, examinamos de que maneira duas importantes empresas americanas, de ramos bem
diferentes, fizeram excelente uso estratégico das alianças.
Uma delas, a Ford Motor Company (com 80 anos) está em um ramo maduro, que
compreende sobretudo empresas norte-americanas, europeias e japonesas extremamente
competitivas.1 Internacionalizado somente a partir da década de 1960, o ramo não teve ultimamente
qualquer novo participante global.2 A outra, a Motorola Inc., está no setor de semicondutores, um
ramo em rápido desenvolvimento que, embora dominado por empresas americanas e japonesas, foi
lançado na arena competitiva global no início desse desenvolvimento. Ainda hoje se vêem novas
empresas entrando, segundo a memorável expressão de um observador do ramo, "recém-saídas da
cumeeira". Na busca de posições competitivas sustentáveis, as duas julgaram necessário trilhar
caminhos semelhantes, em ramos tão diferentes, rumo a estratégias de alianças.
Tanto a Ford quanto a Motorola sofreram muita pressão competitiva no fim da década de
1970 e início da década de 1980. Diante de severas restrições de recursos, e tentando superar as
ameaças competitivas dos concorrentes domésticos e estrangeiros, as duas empresas preferiram adotar
estratégias globais mesmo nos casos em que enfrentavam uma competitividade considerada flácida.
Recorreram ao uso inovador das alianças, aprendendo, no processo, a arte de formar e gerir
eficazmente alianças proveitosas. Hoje caminham no sentido de montar uma rede externa e bem-
integrada de alianças para complementar sua rede interna de subsidiárias internacionais.

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32 Alianças Estratégicas Cap. 2

AS ALIANÇAS ESTRATÉGICAS DA FORD MOTOR COMPANY

O uso que a Ford deu às alianças estratégicas pode ser compreendido no contexto de um sem-número
de conjuntos inter-relacionados de questões que assolaram a empresa no fim da década de 1970 e início
da década de 1980: a crise de energia e as exigências que impôs em termos de necessidades
tecnológicas e de desenvolvimento de produto, a intensificação da concorrência global na indústria
automobilística e as exigências que impôs em termos dos investimentos de desenvolvimento de
tecnologia do processo e as severas restrições de recursos que a empresa enfrentou no seu embate
para satisfazer as exigências anteriores. Esses desafios, isoladamente, já teriam sido enormes;
combinados, eram um desafio esmagador. O uso que a Ford deu às alianças foi uma saída ousada,
arriscada, mas muito criativa, do buraco no qual se viu. Para compreender essa estratégia baseada em
alianças, precisamos entender como a estratégia competitiva básica da Ford evoluiu no tempo.

A Evolução da Estratégia Global da Ford


A estratégia competitiva da Ford Motor Company vem de longa data, desde as primeiras décadas do
século XX, quando o lançamento do Modelo T de Henry Ford propiciou à empresa a posição de
produtora de carros de baixo custo para o segmento mais baixo. Então a estratégia revolucionava em
torno dos conceitos gémeos de produção em massa e comercialização em massa. O motivo central era
reduzir preços com a queda dos custos, fazendo assim com que o modelo sedan estivesse mais
acessível a um público cada vez maior. Isto, por sua vez, aumentou o volume e propiciou novo ciclo
de custos e preços baixos.
Nos meados da década de 1930, a Ford passou por uma transição, tornando-se uma
produtora e comercializadora mais diferenciada de automóveis. O lançamento das marcas Lincoln,
Mercury e Thunderbird, nas várias décadas a seguir, indicou seu descontentamento em concorrer
apenas como produtora no segmento mais baixo, cedendo grande parte do mercado para sua
concorrente mais diferenciada, a General Motors (GM), cujo lema era "Um carro para cada bolso".
Quando a Ford enfim adotou a estratégia da GM, segmentancro o mercado automobilístico em
pontos de preço e produzindo carros para satisfazer as necessidades de cada segmento, outra faceta
de sua estratégia já estava em vigor.
Antes mesmo da Segunda Guerra Mundial, a Ford já começara a abastecer lucrativos
mercados no exterior. No pós-guerra, o passo da internacionalização se acelerou, e a Ford localizou
algumas operações de primeira montagem, e depois algumas fábricas, na Europa e América Latina.
No início da década de 1970, sua presença no exterior levou-a a falar em termos de "estratégia
global" e a propor a ideia de um automóvel mundial. Que ela falava a sério em concorrer
mundialmente por uma estratégia integrada, e em projetar e fabricar um carro para ser vendido em
várias partes do mundo, está refletido na amplitude da contribuição do mercado externo para as
vendas e os lucros da Ford.
Cap. 2 Um conto de duas empresas aliadas 33

No fim da década de 1970, 43% das vendas da Ford tinham origem no exterior. Em termos de lucros, a
proporção era ainda maior. Porém, enquanto cresciam as vendas e os ganhos no exterior, outros
acontecimentos ameaçavam a própria existência da empresa.
Concorrência global. Entre eles, o primeiro foi a globalização da concorrência no ramo
automobilístico. As empresas europeias foram as primeiras a chegar aos Estados Unidos. A crescente
popularidade dos automóveis fabricados por empresas como Volkswagen, Mercedes-Benz e BMW
já causava danos aos produtores internos, quando as empresas japonesas Toyota, Nissan e Honda
começaram a conquistar participação no mercado americano às custas das Três Grandes. Entre 1975 e
1980, o quinhão das fábricas estrangeiras no mercado automobilístico americano saltou de 14% para
26%, e grande parte desse aumento coube aos japoneses. Durante o mesmo período, a participação da
própria Ford no mesmo mercado caiu de 23% para 17%.
Importante contribuição para o êxito cada vez maior das fábricas japonesas foi a crise do
petróleo de 1973, que pegou de surpresa as fábricas americanas, inclusive a Ford. 4 Era tradição entre as
empresas americanas fabricar veículos maiores, mais confortáveis e agradáveis ao olhar, mas não com
maior eficiência de combustível, e a resposta das fabricas ame^pçanas de automóveis ao aumento
de 400% nos preços do petróleo foi de consternação. Os produtores americanos, entre eles a Ford,
não conseguiram satisfazer a uma clientela que exigia maior eficiência de combustível. As fábricas
japonesas, por outro lado, habituadas a projetar e fabricar modelos menores de maior eficiência de
combustível, responderam com vigor. As empresas americanas, inclusive a Ford, depararam-se com a
perspectiva de investir pesadamente em desenvolvimento de produto ou entregar para os japoneses o
segmento dos carros pequenos.
Investimentos obsoletos. A mudança na demanda de mercado, de carros grandes para carros pequenos,
causou outros danos às empresas americanas. A menor demanda de carros grandes significava que
os vultosos investimentos fixos em plantas e instalações das fábricas de automóveis americanas
tinham de ser distribuídos por um volume menor de carros. Também a mão-de-obra, ao menos no
curto prazo, era para muitas fábricas um custo fixo que teve de ser alocado ao menor volume de
vendas. O consequente aumento de preços afastou os consumidores dos produtos locais e levou-os
para as importações de custo mais competitivo, detonando uma espiral viciosa. Se essa mudança na
preferência do consumidor se tornasse permanente, como parecia provável a muitos, as dispendiosas
fábricas da Ford, novas em alguns casos, poderiam tornar-se obsoletas em razão do embate
competitivo que viria.

A mudança no equilíbrio competitivo. A entrada de importadores agressivos e oportunistas transformou


o mercado automobilístico americano de um aconchegante oligopólio em um aguerrido campo de
batalha. "Já não são mais as Três Grandes que mandam no ramo no país", comentou um dos
executivos da alta administração da Ford em 1980. "Agora são os Sete Grandes." Na conta, ele
incluiu a Honda, Toyota, Nissan e Volkswagen. Essa mudança na dinâmica competitiva exerceu seu
impacto próprio no destino da Ford e de outras fábricas americanas.
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Os recém-chegados ao mercado americano provocaram uma desordem nas estratégias


competitivas^euidadosamente arquitetadas, de empresas como a Ford e a GM. A sabedoria
convencional sobre segmentação de mercado dizia que as empresas deviam optar entre serem
produtoras genéricas ou especializadas, fossem elas a GM, a Ford ou a BMW, e que o meio-termo não
existia. A Ford sempre fora uma produtora genérica, concorria através de produtos padronizados e
da presença de seu emblema em todo o mercado automobilístico americano. O desenvolvimento de
carros de melhor desempenho, mas relativamente mais baratos, das fábricas japonesas em diferentes
segmentos e a introdução de novos modelos de diferentes tamanhos eram indício de que havia
bastante espaço para as estratégias criativas.7 Isto pressionou a Ford a desenvolver produtos para
segmentos especializados do mercado, mesmo já enfrentando o problema de ter de investir em
desenvolvimento de tecnologia voltada para uma maior eficiência de combustível.
Ao mesmo tempo, os recém-chegados começaram uma caça desenfreada às estratégias
vitais das empresas nacionais. A Ford, como produtora genérica, possuía a capacidade de alocar os
enormes custos indiretos do grupo, tanto os administrativos quanto os de pesquisa e
desenvolvimento, a um grande volume de automóveis. Essa estratégia exigia que a empresa fosse
competitiva em termos de custos para lograr êxito no mercado, mas também na área dos custos as
fábricas japonesas ameaçavam a liderança das empresas americanas. Quando as fábricas
automobilísticas americanas melhoraram a eficiência de combustível e o estilo, descobriram que os
concorrentes japoneses já o faziam a custo mais baixo.8 Um estudo do Departamento de Transportes
dos Estados Unidos revelou que os produtores japoneses detinham uma vantagem de 1.000 a 1.500
dólares de custo em relação aos produtores americanos, resultante de salários mais baixos, reduções de
impostos e menos regulamentação. Com efeito, os produtores japoneses fixaram para os preços dos
carros americanos um teto tão baixo que os responsáveis da Ford acharam que a empresa não teria
lucro.9 Assim, no instante preciso em que precisava fazer vultosos investimentos em
desenvolvimento de produto e de tecnologia de processo, a Ford era privada dos necessários lucros e
receita de caixa.
A rivalidade japonesa não parou nos preços. Os carros japoneses, cujos preços eram
próximos ou inferiores aos da Ford, eram também melhores em qualidade. No fim da década de 1970,
a Ford foi vítima da fama da má qualidade e segurança. Uma sucessão de processos na Justiça, muito
divulgados, que diziam respeito a explosões em tanques de gasolina, ferrugem precoce, desintegração
de ventoinhas e transmissões problemáticas, tinha abalado a confiança do consumidor na empresa. Já
perdendo vendas para os concorrentes, a Ford enfrentava a necessidade de efetuar vultosos
investimentos na tecnologia de processo necessária para satisfazer as exigências mercadológicas de
melhor qualidade e segurança dos automóveis.
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O Desafio Estratégico
No fim da década de 1970, a direção da Ford enfrentou um desafio assustador: como reconquistar a
competitividade sob pressão intensa e agravante? O fluxo de caixa da empresa vinha sendo afetado
pelo mau desempenho no mercado, em uma época em que a Ford precisava investir milhões de
dólares em desenvolvimento de produto e de tecnologia de processo, desfazer-se das fábricas
antigas e construir novas e treinar novamente seu pessoal quanto às práticas da qualidade. Os
grandes lucros das operações europeias encobriram toda uma década de declínio da lucratividade no
mercado americano da Ford. Mas a recessão de 1980 na Europa, somada aos grandes lucros das
empresas japonesas na Europa e América do Norte, resultou no pior desempenho da Ford nas
últimas décadas. A empresa perdeu 1,5 bilhão de dólares em vendas mundiais de 37 bilhões de
dólares. Diante dessa ameaça profunda à saúde financeira da empresa, a alta direção teve de repensar
a investida estratégica geral da Ford.
A análise das realidades competitivas do mercado levou a Ford a concluir que tinha duas
opções. A primeira seria ajustar a estratégia à sua base de recursos existentes. 10 Por exemplo, poderia
optar por se reestruturar como empresa automobilística norte-americana, com alguns apêndices úteis
e proveitosos, mas nada além disso, na Europa e em outras regiões. A Chrysler, mais ou menos na
mesma época, em face de pressões competitivas semelhantes, optara por essa resposta estratégica.11
Como outra alternativa, a Ford poderia formular uma resposta mais empreendedora. Poderia, por
exemplo, escolher uma estratégia condizente com suas tradições competitivas que contivesse a pro-
messa de viabilidade a longo prazo e, a seguir, buscasse meios de assegurar os recursos necessários.12
Escolher a segunda opção seria arriscado para a Ford, e exigiria implementação criativa.
A alta direção decidiu que a Ford seria um fabricante global de automóveis que ofertaria
carros em todas as linhas à maioria dos segmentos do mercado, senão a todos. Os administradores da
Ford raciocinaram, corretamente ao que parece, que participar no plano regional em um ramo cada
vez mais global seria um convite ao declínio e à morte.
O primeiro passo da Ford foi submeter-se a um agressivo programa de racionalização. A
empresa eliminou as gorduras, reduziu os custos operacionais e a capacidade ociosa. Só em 1980,
cortou 1,5 bilhão de dólares em custos fixos das operações norte-americanas. Em dois anos, 1979 e
1980, eliminou 16.000 cargos administrativos, fechou duas fábricas importantes e equilibrou os
estoques de peças. Em 1980, o controller Allan Gilmour disse a um repórter: "A gordura acabou...
Só falta fazermos algumas reestru-turações na parte comercial".13 As reestruturações, ao final das
contas, iriam se basear no uso extensivo e criativo de alianças.

A Ford decidiu utilizar uma sucessão de "parcerias" e "vinculações" estratégicas com outras
fábricas, fornecedores-chave e empresas em áreas tecnológicas pertinentes, de modo a apoiar sua
posição competitiva. Ao mesmo tempo, decidiu tirar proveito de sua experiência internacional, e
vinculou suas subsidiárias europeias a Detroit para promover a fertilização cruzada de ideias. Com
Detroit servindo de câmara de compensação e facilitadora de inovações originadas em suas
subsidiárias e parceiros aliados, a Ford iria evitar a duplicidade de esforços e gastos e estar em
posição de alavancar os recursos de seus parceiros.

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Evolução da Estratégia Aliada
A estratégia aliada da Ford evoluiu porque a direção percebeu que a empresa precisava de parceiros
para ser um atuante global. Os parceiros iriam possibilitar à Ford dividir seus problemas de recursos,
abandonar áreas nas quais carecesse de experiência técnica e entregá-las a empresas especializadas e
propiciar oportunidades de aprendizado.
No fim da década de 1960, quando o mercado japonês passava por rápido crescimento e as
fábricas japonesas tornavam-se uma potência com que medir forças, a Ford viu no Japão uma base
para produzir a baixo custo e capaz de servir ao mercado americano. Uma aliança com uma empresa
japonesa permitiria à Ford familiarizar-se com as práticas gerenciais e operacionais japonesas. Em
1969, a Ford selecionou a Toyo Kogyo (depois rebatizada Mazda) e a Nissan para parceiros em uma
joint venture para fabricar transmissões automáticas. As empresas japonesas dividiam a participação
de 50%. A Ford era dona da outra metade e cedeu à joint venture os direitos de patente da transmissão
automática.18 Depois, percebendo o rápido crescimento do mercado doméstico, e estimulada pela
participação de capital da GM na Isuzu e da Chrysler na Mitsubishi,19 quis expandir sua presença no
Japão. Dadas as restrições governamentais, a participação limitada de capital em uma empresa
existente era a única possibilidade viável. A Toyota e a Nissan eram candidatas inviáveis; a Ford
considerava-as fortes e independentes demais, e por isso concentrou-se na Mazda.
No curso das negociações, as operações norte-americanas da Ford resolveram encomendar
a fabricação de um caminhão compacto para ser vendido com seu emblema, o que permitiu à Ford
ingressar em um segmento de mercado em expansão até conseguir lançar seu modelo Ranger em 1982.
Como a rodada inicial de negociações não permitiu a participação de capital da Ford, a empresa
expandiu a relação, encomendando carros pequenos à Mazda, a serem vendidos na Austrália, para
enfrentar a crescente concorrência japonesa nesse mercado.
A relação da Ford com a Mazda amadureceu, e depois de quatro anos tornou-se uma forte
aliança. E a Ford, enquanto trabalhava no sentido de estreitar seus elos com a Mazda por meio de
relações contratuais, começou a explorar outras perspectivas. Já iniciara conversas preliminares com a
Nissan e a Toyota, sobre possíveis relações de cooperação, e com a BMW alemã, sobre a produção
conjunta de motores diesel. Embora sem resultados imediatos, essas explorações preliminares mais
tarde colocaram a Ford em boa posição.

Cap. 2 Um conto de duas empresas aliadas 37


As pressões competitivas sobre a Ford intensificaram-se no final da década de 1970 e início
da década de 1980. A lucratividade foi reduzida, impedindo sua capacidade de investir, em uma época em
que as exigências de um mercado em mutação e a realidade competitiva exigiam vultosos desembolsos
de capital. A crescente rivalidade global ameaçava a estratégia da Ford de usar toda sua linha e
explorar o âmbito global, e expunha o calcanhar-de-Aquiles da empresa: a fraqueza em tecnologia de
processo. Como as concorrentes enfatizavam automação e qualidade, a Ford foi forçada a responder
com pesados investimentos em tecnologia de processo. Caçava, nas palavras de um observador do
ramo, um alvo móvel; suas concorrentes, sobretudo as japonesas, não estavam paradas, estavam
sempre melhorando o próprio desempenho.
Quando a Ford percebeu que as alianças estratégicas poderiam não ser apenas
um paliativo temporário, e sim parte de uma abordagem de longo prazo, inovadora e
permanente, a estratégia competitiva aliada tornou-se ainda mais atraente. No início de
1979, depois de perceber um sem-número de benefícios no negócio, tratou de fortalecer
sua aliança com a Mazda e não perdeu a oportunidade de comprar até 25% do capital da
empresa. A Mazda continuaria como fonte confiável de caminhões pequenos e poderia
produzir a próxima geração de carros pequenos de que a Ford precisava para completar
sua linha de produtos. A Ford assim poderia assegurar o segmento mais baixo da linha de
produtos sem gastar recursos de desenvolvimento e fabricação para produzir um carro
novo. /
Três anos depois, adquiriu uma participação de 15% na Kia Motors da Coreia, em que a
Mazda já participava com 15%. O motivo então foi criar uma base alternativa para fabricar carros
pequenos e baratos na expectativa de que o iene aumentasse de valor em relação ao dólar americano. A
união com a Kia também apresentava à Ford a oportunidade de entrar no crescente mercado coreano.
Durante toda a década de 1980 e início da década de 1990, a relação Ford-Mazda expandiu
consideravelmente e beneficiou os dois parceiros. As empresas participaram de um grande número de
projetos conjuntos que envolviam projetos de novos carros. A evolução da natureza dos projetos
aconteceu, no decorrer dos anos, de modo a atestar a excelente relação de trabalho que ambas
edificaram. A cooperação inicial envolvia o fornecimento, da Mazda para a Ford, de componentes-
chave, como motores ou carros já totalmente montados. Depois a relação se expandiu, passando a
incluir o desenvolvimento de novos modelos e a construção de uma nova fábrica da Ford no México, em
que a Mazda desempenhava importante papel com sua experiência em fabricação. No fim da década de
1980, a relação deu outro grande passo: como a Mazda não tinha um utilitário próprio para
comercializar nos Estados Unidos, decidiu encomendar ao parceiro uma versão do Explorer.
As empresas ligaram-se ainda mais no início de 1992, quando a Ford adquiriu 50% da
propriedade e do controle gerencial da fábrica americana da Mazda. A Ford forneceu ainda um
caminhão pequeno a ser vendido nos Estados Unidos com o emblema da Mazda. Segundo um artigo de
1992 da Business Week, a Ford e a Mazda trabalharam

38 Alianças Estratégicas Cap. 2


juntas em dez modelos atuais; um em cada quatro modelos da Ford vendidos nos Estados Unidos em
1991 tinha alguma contribuição da Mazda e dois em cada cinco carros vendidos da Mazda tinham
alguma influência da Ford.20
Quando voltou a atenção para outro segmento para o qual precisava melhorar a oferta, o
mercado dos minifurgões, a primeira opção da Ford parece ter sido a Toyota. Porém, quando as
conversações foram interrompidas devido a certas diferenças em obje-tivos estratégicos, a Ford tentou
uma segunda cartada. Depois de muito negociar, a Ford e a Nissan anunciaram em 1988 que iriam
fabricar e vender juntas um novo minifurgão nos Estados Unidos. À Nissan caberia a maior parte do
design e da engenharia e à Ford caberia expandir suas instalações em Avon Lake, Ohio, para acomodar
as necessidades de produção das duas empresas.
Nessa época, a Ford começara a trabalhar estreitamente com um seleto grupo de fornecedores
em projetos relacionados aos componentes principais. Essas alianças de trabalho permitiram-lhe
melhorar a qualidade dos componentes e com isto a qualidade do produto final. Ao mesmo tempo,
a Ford adquirira participação minoritária em algumas empresas de software, que recrutara para
trabalhar em projetos de automação.
A Ford não se omitiu em colaborar na área das tecnologias de vanguarda. A alta direção da
empresa, reconhecendo o imenso potencial da microeletrônica, campo nascente para a indústria
automobilística, concluiu que era essencial aos pesquisadores, engenheiros e projetistas de produtos da
empresa familiarizar-se com as possibilidades das novas tecnologias. Para fincar pé nas tecnologias
emergentes, a Ford mais uma vez recorreu às alianças, em geral com participações minoritárias em
empresas-parceiras.
Segundo Donald Petersen, então diretor-presidente da Ford, a empresa, além do acesso à
tecnologia de vanguarda, queria também criar um ambiente em que as pequenas empresas que a
desenvolviam pudessem medrar. As alianças eram um meio de assegurar equilíbrio entre a estabilidade
e a autonomia necessárias ao fomento da inovação. "Temos tentado informar ao nosso pessoal de
operações que dispomos de fundos para pequenas aquisições ou investimentos, caso essas operações
decidam que este é o melhor meio de adquirir uma nova tecnologia ou o melhor meio de aplicar
uma nova tecnologia a um compartimento do negócio", explicou Petersen.21 John Wallace, chefe de
operações mi-croeletrônicas da Ford, assim delineou a visão da empresa: "Temos alguns excelentes
acordos de cooperação com importantes fábricas de semicondutores, que achamos irão nos dar
acesso a muitas filosofias e tecnologias diferentes, e a uma grande capacidade de fabricação sem
termos de comprar [as fábricas]".22
Assim, a Ford usou uma variedade de afiliações. Compare as alianças da Ford com a
tipologia apresentada no Capítulo 1. A Ford formou elos pró-competitivos (com fornecedores de
componentes-chave), elos pré-competitivos (com empresas de software e na microeletrônica), relações
não-competitivas (com a Kia) e alianças competitivas (com a Nissan).

Cap. 2 Um conto de duas empresas aliadas 39


Além disso, a aliança da Ford com a Mazda ilustra vários argumentos importantes que
postulamos no capítulo anterior. Primeiro, às vezes é difícil distinguir entre os tipos de alianças. Ao
contrário da Nissan e da Ford, a Mazda atua em nicho, por isso é fácil pensar na relação Ford-Mazda
como uma aliança não-competitiva. Por outro lado, a Ford e a Mazda de fato concorrem em alguns
segmentos, e neste caso a aliança é competitiva. Segundo, as alianças podem evoluir e mudar de um
tipo para outro. A associação Ford-Mazda pode ter começado como uma aliança não-competitiva,
mas hoje pode ser vista mais como competitiva. Terceiro, parte da arte de formar e gerir alianças
está na maneira como estas são estruturadas, de modo a administrar melhor seus processos de
evolução. Assim deve ser vista a intenção da Ford de obter uma participação substancial na Mazda.
Voltaremos ao assunto da estruturação de alianças em capítulo posterior.
As alianças possibilitaram à Ford alavancar seus recursos, humanos e materiais, e assim
realizar muito mais do que poderia ter feito só. Harold Poling, então vice-diretor-presidente,
reconheceu o papel delas no processo de alocação de recursos da Ford. Ao anunciar o negócio com
a Nissan, ele comentou que a Ford simplesmente não tinha engenheiros e pessoal técnico
suficientes para desenvolver o minifurgão sem reduzir programas de maior potencial. Com efeito,
segundo um analista da indústria automobilística, a associação com a Nissan por si só iria
economizar mais ou menos l bilhão de dólares para a Ford, em custos de projeto e
desenvolvimento.23 As alianças liberaram recursos que foram utilizados em outros setores, como
pode atestar o ingresso bem-sucedido da Ford no segmento de carros aerodinâmicos.
Semelhantes considerações quanto à alocação e utilização de recursos estão subjacentes às
outras alianças da Ford. Sua rede de alianças estratégicas possibilitou-lhe, além de alavancar seus
recursos, reduzir o perfil do risco. Ao atrair a Mazda e a Nissan para alianças de desenvolvimento
de produto e propor participações apenas minoritárias em empresas de alta tecnologia, a Ford pôde
minimizar seu risco de perder muito, caso um determinado produto ou tecnologia não lograsse êxito.
A distribuição dos investimentos entre tecnologia e desenvolvimento de produto possibilitou à Ford
manter em aberto suas opções futuras.24 Como veremos, a Ford também galgou acesso às tecnologias de
processo de seus aliados e depois reduziu seus riscos através de mecanismos de controle admi-
nistrativo.25

AS ALIANÇAS ESTRATÉGICAS DA MOTOROLA

Se o uso pioneiro que a Ford fez das alianças ocorreu em um ramo maduro, a formação das alianças
da Motorola realizou-se em um ramo bem mais jovem da alta tecnologia, especificamente os
semicondutores. Embora as fábricas de semicondutores sejam conhecidas por seu uso extensivo de
acordos de terceirização e licenciamentos cruzados, as alianças do tipo aqui discutido ainda não
foram tentadas por qualquer empresa do ramo. Contudo, a abordagem que a Motorola conferiu às
alianças era muito ousada.

40 Alianças Estratégicas Cap. 2


A Evolução da Estratégia Global da Motorola
A Motorola, assim como a Ford, empregou as alianças estratégicas no contexto de um sem-
número de desafios que a empresa enfrentou, em grande parte relacionados à concorrência, desde
meados da década de 1970 até o início da década de 1980. A empresa começou em 1928 como fábrica
de rádios, ramificou-se em meados da década de 1960 em rádios bidirecionais e outros produtos de
comunicação e passou no início de 1970 a atuar com destaque na eletrônica de consumo. Sua gerência
conservadora, às voltas com um mercado concorrido, carecia de uma estratégia coesa que lhe
permitisse crescer. No final da década de 1960 e início da década de 1970, com tantos superávits
gerados por suas atividades essenciais, a Motorola comprou, e mais tarde descartou, uma série de
negócios nos mais variados ramos, como rádios para aviões, aparelhos de audição, produtos
químicos e recreação. Esse mundo aconchegante da estratégia de tentativa e erro, amparado pêlos
lucros fáceis advindos das atividades em maturação, foi interrompido abruptamente em meados da
década de 1970.
Concorrência global. Na época, a Motorola estava em apuros. Apoiadas pelo volume global e pelo
reconhecimento cada vez maior da qualidade japonesa por parte do consumidor, empresas como a
Matsushita e a Sony estavam invadindo agressivamente o setor de rádio e televisão da Motorola,
deixando-a estagnada em quarto lugar no mercado americano, enquanto outras concorrentes
japonesas começavam a ameaçá-la no setor de semicondutores. A administração da Motorola
enfrentou esses desafios submetendo-se a uma reavaliação séria e abrangente da abordagem
estratégica da empresa. "Antes, apenas reagíamos às ideias dos demais", disse Kenneth Bane, então
vice-presidente e diretor de estratégia da empresa, "mas [então] começamos a pensar estrategicamente.
Começamos a ponderar sobre que rumo queríamos para a empresa". A Motorola resolveu remodelar-
se, abandonar os negócios que foram seu esteio por décadas a fio. Mudou o enfoque, passou da
eletrônica de consumo para a eletrônica industrial de alta tecnologia, incluindo telecomunicações
avançadas (por exemplo, telefones celulares) e semicondutores avançados (por exemplo,
microprocessadores).
Se o salto da eletrônica de consumo para a alta tecnologia já fora "incomum" e "pró-ativo",
como dizem alguns,28 a nova estratégia competitiva da Motorola era igualmente ousada. A empresa
decidira adotar uma estratégia global em todo ramo de negócio em que estivesse envolvida. Bob
Galvin, diretor-presidente, declarou que queria conservar a empresa em primeiro lugar nas
comunicações radiofónicas bidirecionais e tomar o primeiro lugar na linha dos semicondutores, ambos
no plano internacional. Stephen Levy, então vice-presidente executivo, comentou ao lembrar do fato:
"Aprendemos a lição com a experiência em eletrônica de consumo. Nunca mais vamos nos aferrar a
uma estratégia baseada apenas no mercado americano".

Para Levy, a estratégia era global também em outro sentido; de forma específica, a Motorola pensava em
termos das diferentes aplicações nos negócios em que concorria, principalmente semicondutores e
comunicações. Os semicondutores da Motorola, por exemplo, eram usados em uma variedade de
produtos, que iam do vídeo e dos receptores de áudio populares às câmaras, aos computadores para
controle de sistemas de automação industrial e automotivos, aos equipamentos de defesa. Segundo
ele, a Motorola não queria ceder qualquer aplicação para outra empresa.

Cap. 2 Um conto de duas empresas aliadas 41


Nos semicondutores, é apenas uma questão de tempo que uma aplicação voltada
para um campo se torne o ponto de partida conveniente para outro, sem qualquer
relação com o primeiro. Nesse negócio, a arte está em procurar sempre esticar a
utilidade da biblioteca. Afinal, já foram necessários pesados investimentos para
desenvolver a tecnologia. Por que então não extrair dela a máxima quilometragem?

De igual importância era a razão competitiva: uma aplicação ignorada pode ser a porta de entrada de um
concorrente em potencial.
Lógica semelhante prevalecia no ramo das comunicações bidirecionais da Motorola, que
vendia equipamentos e serviços para usuários do setor público, como repartições assistenciais e
policiais, bem como clientes do setor privado, como empresas de táxis e hospitais. Os
desenvolvimentos e as inovações técnicas de um setor logo encontravam aplicação em outros.
A alteração no equilíbrio competitivo. A adoção de uma estratégia global por parte da Motorola foi
providencial. Em meados da década de 1970, quando a empresa tomou essa rota, seus principais
concorrentes eram nacionais - General Electric e E. F. Johnson, nas comunicações; Texas Instruments,
Intel, National Semiconductor e Fairchild nos semicondutores. As empresas japonesas e europeias
estavam bem atrás. Isto logo mudou na década de 1980.
No início da década de 1980, a Motorola acrescentou ao rol dos principais concorrentes a
NEC, a Matsushita e a Fujitsu, do Japão, e a L. M. Ericsson, da Suécia, nas comunicações; e a Philips,
da Holanda, a Siemens, da Alemanha, e a NEC, a Toshiba e a Hitachi, do Japão, nos semicondutores.
Essas empresas, assim como a Motorola, vendiam para clientes de vários ramos em todo o mundo,
garantindo à Motorola a ettncorrência global, nos dois sentidos do termo. Ao contrário da Motorola,
entretanto, a maioria dos novos concorrentes eram empresas diversificadas.
Para agravar a situação, o equilíbrio competitivo dos ramos de atuação da Motorola,
sobretudo nos semicondutores, estava em mutação. Segundo um relatório preparado em 1986 pela
Secretaria de Defesa dos Estados Unidos, os concorrentes japoneses da Motorola, nenhum dos quais
constava entre os dez primeiros em vendas em 1975, ali já estavam por volta de 1980, assim como
seus novos concorrentes japoneses nas telecomunicações, NEC, Hitachi, Fujitsu e Mitsubishi.

42 Alianças Estratégicas Cap. 2


As empresas japonesas diferiam da Motorola e seus concorrentes tanto na abordagem
estratégica quanto nas vantagens que gozavam no país. As fábricas japonesas de semicondutores
tendiam a ser grandes e diversificadas, e uma porção substancial das vendas ia para outras divisões.
Isto as auxiliava de duas maneiras. Os engenheiros da divisão de semicondutores podiam trabalhar
estreitamente com seus colegas da divisão de consumo no desenvolvimento e aprimoramento de chips
para aplicações específicas, e depois adaptá-los e comercializá-los com outros usuários. Em períodos
de queda brusca -ocorrência frequente no ramo -, a preferência das compras das divisões de
consumo favorecia a produção interna, garantindo um volume estável de negócios. Como a lucra-
tividade era em grande parte uma questão de produção, de aprender com a experiência e de fixar
preços futuros, a estabilidade da demanda era uma vantagem importante. Além disso, a crescente
participação do Japão nas vendas globais de semicondutores, que subira de 20% em 1975 para 30% em
1981, refletia a maior penetração japonesa em chips novos e mais potentes. Isto trazia agourentas
implicações para as fábricas americanas, pois ameaçava tornar obsoletos seus principais
investimentos.30
Investimentos obsoletos. Para entender as implicações da crescente participação japonesa no mercado de
chips de memória mais potentes, é preciso entender a economia da tecnologia dos semicondutores. No
ramo dos semicondutores, o aprendizado com a experiência - a curva da experiência, no jargão do
ramo - e a produção são críticos.
O conceito de acionadores do processo inclui o efeito da curva de experiência padrão:
quanto maior a experiência de fabricação, tanto maior a produção de chips de memória sem
defeitos. Como a maioria dos custos de fabricação são fixos, quanto maior a produção, maior o lucro.
Os motivadores do processo também exercem impacto sutil na competitividade a longo prazo. A
fabricação de chips de memória básicos aciona a tecnologia não só no setor de memórias, mas
também no setor de microprocessadores'(os microprocessadores absorvem centenas de milhares e às
vezes milhões de chips de memória). Como diagnosticar um defeito é mais rápido no chip do que na
unidade micro-processadora (UMP), aprender a aumentar a produção no setor de memórias aciona
a tecnologia de fabricação no setor de UMP. Assim, é preciso ganhar experiência de fabricação no setor
de memórias para acionar a tecnologia no setor de UMP.
Os desenvolvimentos no mercado global de semicondutores no início da década de 1980
ameaçaram a capacidade de acesso das empresas americanas aos acionadores de tecnologia,
prejudicando assim os grandes investimentos em formação de capital fixo e também humano, como
no caso do treinamento de pessoal-chave. As empresas americanas primeiro tentaram abrir mão da
participação de mercado das empresas japonesas concentrando-se em chips especiais diferenciados
que propiciavam margens maiores. Os volumes, porém, eram pequenos e limitavam o potencial de
empresas como a Motorola para alcançar a experiência de fabricação tão crucial para a viabilidade a
longo prazo. Os engenheiros e especialistas da tecnologia de processo, por exemplo, tinham cada
vez menos oportunidades de melhorar através do aprendizado prático.

Cap. 2 Um conto de duas empresas aliadas 43


Um executivo da alta administração da Motorola, muito envolvido nas discussões sobre
os acionadores do processo em meados da década de 1980, lembra a situação:

Desde o primeiro trimestre de 1985, os preços das DRAMs [memórias dinâmicas


de acesso aleatório] de 64 K, o feijão-com-arroz do nosso negócio, começaram a
cair drasticamente. Não davam para cobrir nem os custos variáveis. No final de
1985, a indústria como um todo perdera mais de l bilhão de dólares... A situação
chegou a tal ponto que tivemos de interromper a produção das RAMs de 256 K
(a geração seguinte dos chips). E logo nos vimos diante de um sério impasse
tecnológico. A cada três anos, mais ou menos, surge uma nova geração [de chips].
Começamos a ficar preocupados em perder nossa liderança tecnológica... Como
não conseguíamos experiência de fabricação com a RAM de 256 K, estávamos
diante da possibilidade de perder contato com os "acionadores do processo", com
graves implicações para o nosso negócio de microprocessadores. No horizonte,
já víamos a próxima geração - nossa DRAM de l megabyte. Ao mesmo tempo,
todos os nossos investimentos em instalações, em fabricação e testes e, é claro, em
engenheiros de processo de primeiríssima linha estariam também ameaçados pela
obsolescência, caso abandonássemos a fabricação de chips.

A Motorola conservaria o acesso aos acionadores do processo se subsidiasse a fabricação


de DRAM com os superávits da fabricação de UMP e telecomunicações. No plano organizacional, a
proposição não era atraente. "Os japoneses querem adotar o subsídio cruzado das suas operações",
acrescentou o executivo da alta administração. "Aqui nos Estados Unidos, principalmente em nossa
empresa, todos funcionamos como unidades operacionais isoladas, cada uma responsável por seus
lucros e perdas. Não é fácil convencer os gerentes que administram essas atividades que o subsídio
cruzado interessa à empresa a longo prazo." Sem contar a resistência organizacional, o subsídio
cruzado não dava garantias de retorno.
A Motorola, é claro, enfrentava o problema mais fundamental de um mercado em mutação.
Como a eletrônica e outras indústrias de consumo estavam se concentrando mais nos países do
Extremo Oriente, era imperioso para as fábricas americanas de semicondutores conquistar participação
de mercado ali, sobretudo no Japão.

A Motorola foi uma das poucas empresas americanas, de todos os ramos, a reconhecer
precocemente a importância crescente do Japão como mercado de produtos sofisticados como
semicondutores e produtos de telecomunicações.32 "Estava escrito", declarou outro executivo da alta
administração da Motorola. "Sabíamos que nossa sobrevivência iria depender de como enfrentássemos
o desafio japonês. O Japão era o segundo maior mercado do mundo para os nossos produtos, capaz de
abrigar alguns dos maiores e melhores concorrentes." A Motorola montou uma fábrica de
semicondutores no Japão no fim da década de 1970, mas teve dificuldades para conquistar participação
de mercado. Em meados da década de 1980, mal conseguira 1%.

44 Alianças Estratégicas Cap. 2


Como não fincara pé no Japão, a Motorola estava com sua liderança tecnológica ameaçada
também no setor crescente e muito lucrativo dos microprocessadores. A empresa relutava em perder
vínculos com valiosos usuários para o desenvolvimento de futuras gerações de microprocessadores. Um
diretor explica:

Nos Estados Unidos, toda vez que uma importante empresa usuária de UMP perde
participação de mercado, seja fábrica de automóveis ou computadores, além de perder
vendas perde também futuros lucros potenciais. Com efeito, se não trabalharmos a
próxima geração de UMP juntamente com os usuários, todos os nossos investimentos
passados em projeto e desenvolvimento se tornarão obsoletos.

Em meados da década de 1980, as exigências das sucessivas gerações de UMP, em termos de


investimentos em projeto e desenvolvimento de vanguarda, aumentaram consideravelmente. Na
estimativa de um engenheiro de projeto, eram necessários 300 anos-trabalho para projetar um
microprocessador, comparados aos três anos-trabalho para projetar uma memória. Sem elos estreitos
com os usuários mais sofisticados, esses custos iriam aumentar ainda mais.
O desafio estratégico. A situação que a Motorola enfrentava em meados da década de 1980 era muito
semelhante à enfrentada pela Ford no final da década de 1970: uma concorrência global implacável,
principalmente dos japoneses; a arena da concorrência em mutação; a necessidade de investir muito em
tecnologias de processo e produto e a necessidade de reconquistar o acesso aos acionadores do processo.
Em suma, a empresa precisava renovar seu poder competitivo em vista das severas restrições de recursos.
Em 1985, a Motorola perdeu 44 milhões de dólares em vendas de semicondutores que
montaram a 1,7 bilhão de dólares, sua primeira perda em uma década, e viu o retorno sobre o património
líquido cair para 3,2% contra a média de 14% da década anterior. Mas os gastos em pesquisa e
desenvolvimento permaneceram no mesmo patamar dos anos anteriores. Disse um executivo:
"Simplesmente não nos atrevemos a reduzir nossa pesquisa e desenvolvimento com medo de perder
nossa competitividade a longo prazo. Ao mesmo tempo, as perdas eram um sério freio à nossa
capacidade de bancar adequadamente nossas atividades de pesquisa e desenvolvimento".
A Motorola, assim como a Ford, tinha duas opções: (1) restringir-se aos mercados americano e
europeu na expectativa de reconquistar com o tempo seu poder competitivo, uma estratégia defensiva; e
(2) continuar a concorrer no plano global e a pressionar no sentido de um maior acesso ao mercado
japonês, uma estratégia agressiva e empreendedora. Assim como a Ford, a Motorola preferiu continuar
atuando no plano global.33 A alta direção da empresa raciocinou que seria inútil, em um ramo global como
eram os semicondutores, querer atuar no plano regional. Como observou Stephen Levy, "A concorrência
global, com ou sem os japoneses, é inevitável. Você pode correr, mas não pode se esconder".

Cap. 2 Um conto de duas empresas aliadas 45


Porém, a estratégia global não resolvia o problema da restrição de recursos da Motorola e da
necessidade de reconquistar a competitividade rapidamente. Assim, a empresa decidiu agir em várias frentes
simultâneas. Entrou com uma denúncia comercial contra as empresas japonesas de semicondutores,
alegando a prática de conluio para afastar seus produtos do mercado japonês e, ao mesmo tempo, aumentou
o investimento em sua subsidiária, a Nippon Motorola, a fim de torná-la uma fábrica totalmente integrada
para fazer de tudo, desde wafers à montagem e ao teste. Mas a essência da nova estratégia da Motorola eram
as alianças.
A alta direção da empresa concluiu, depois de profundo estudo, que era preciso concentrar-se em
seus recursos. Eram muitos os motivos para dar prioridade aos microprocessadores, em vez de às memórias. A
Motorola já construíra uma vantagem competitiva nos microprocessadores, que se tornavam o segmento
mais lucrativo e de crescimento mais rápido da indústria de semicondutores. Fazia sentido concentrar os
recursos da empresa no setor que a distinguia em termos de competência.
A Motorola identificou dois requisitos críticos para lograr êxito contínuo no mercado de
semicondutores: (1) relações estreitas de trabalho com as empresas usuárias japonesas e (2) acesso aos
acionadores do processo. Essas necessidades, aliadas à necessidade de otimizar recursos limitados, levou a
Motorola a começar a pensar em termos de uma estratégia de alianças.

A Evolução da Estratégia de Alianças da Motorola


A ideia de uma estratégia de alianças não surgiu de repente na Motorola. Foi o ápice de uma sucessão de
esforços cooperativos que a empresa iniciou, como o exigiam as circunstâncias, na década de 1970 e
início da década de 1980. Aos acordos de licenciamento seguiram-se os de licenciamento cruzado e de
terceirização da produção e enfim os de cooperação em pesquisa e desenvolvimento. A estratégia de
alianças da Motorola nasceu dessas experiências.
Como as demais fábricas de semicondutores, a Motorola fizera acordos de licenciamento com
outros produtores, americanos e japoneses, para criar outras fontes de suprimento para seus produtos. As
outras fontes da Motorola vinham sendo a Toshiba, para as memórias, e a Hitachi, para os
microprocessadores. A diversificação de fornecedores, além de ser uma necessidade operacional, em que
seus usuários insistiam para evitar a dependência de um produtor único, possibilitava ainda
oportunidades de penetração em mercados que de outra maneira seriam inacessíveis. Os acordos de
suprimento externo também propiciaram à Motorola uma oportunidade não-planejada de conhecer os
riscos e benefícios de trabalhar com outras empresas.34

46 Alianças Estratégicas Cap. 2


A Motorola conheceu os benefícios das estreitas alianças de trabalho com usuários-chave
de suas unidades microprocessadoras no início da década de 1980. A seguir, foi além dos elos
estreitos tradicionais com a Apple Computer, para quem desenvolveu seu carro-chefe, a família de
microprocessadores de 64 K, e adotou como aliados-usuários a Hewlett-Packard, Unisys e NCR,
entre outras. Essas alianças com usuários eram parte da estratégia da Motorola de aumentar o
volume sobre o qual alocar seus custos básicos. Os estreitos elos de pesquisa e desenvolvimento com
importantes usuários levaram a Motorola a projetar e a construir UMPs mais versáteis do que seria
capaz de fazer de outra maneira.35
A Motorola a seguir fechou acordos de suprimento com outras empresas. Diante das imensas
perdas com as memórias de semicondutores em 1985, a empresa resolveu abandonar o ramo. Para
conservar a presença mercadológica, pensou em encomendar as memórias básicas (dies ou wafers) a
outros fabricantes e montar, embalar e comercializar os chips com sua própria marca. Nada havia de
incomum no acordo; a National Semicon-ductor encomendava suas DRAMs a fornecedores japoneses e
a Texas Instruments há dez anos comprava da Mitsubishi os dies para a EPROM. No início de 1986,
a Motorola escolheu a Toshiba do Japão para realizar com ela um acordo de suprimento de RAMs de
64 K. Essa aliança, considerada na época uma cartada tática, permitiu à Motorola uma maior
experiência em fazer funcionar esses acordos.
A ligação com a Toshiba estimulou o apetite da Motorola quanto ao uso estratégico das
alianças. Um executivo da alta administração da Motorola declarou: "Por volta dos meados de 1986,
nosso pensamento estratégico começou a funcionar de maneira diferente. Começamos a ver as
alianças em um contexto mais amplo, e não como simples respostas táticas. Começamos a nos
perguntar: 'Por que não usar a aliança [com a Toshiba] para conseguir acesso ao mercado japonês e
também à tecnologia de processo?'". Os executivos da Motorola, como iremos ver, passaram a ver a
aliança como parte e parcela da estratégia competitiva geral.
Enquanto essa visão mais estratégica das alianças se espalhava nos altos escalões da
Motorola, os eventos corriam velozes.36 Mais para o fim de 1986, a Motorola fechou um acordo de
cooperação de longo alcance com a Toshiba, em que as duas empresas deveriam intercambiar
tecnologia, comprar os produtos uma da outra e desenvolver e fabricar produtos em uma fábrica no
Japão, de propriedade conjunta. Porém, o mais importante, talvez, era que o acordo previa que a
Toshiba deveria apoiar ativamente o empenho da Motorola em ampliar seu acesso ao mercado japonês
de semicondutores.37

Depois de aprender a lição com seu malfadado acordo de licenciamento para suprimento alternativo
com a Hitachi, a Motorola identificou um sem-número de riscos associados à aliança com a Toshiba.
Em particular, os diretores da Motorola sabiam muito bem que, apesar da aliança, a Motorola e a
Toshiba eram concorrentes rivais no mercado. Por isso, a equipe de negociação da Motorola tomou o
máximo cuidado em estruturar o acordo de modo a minimizar os riscos. "Num acordo assim",
comentou um membro da equipe de negociação, "é tentador deixar a fabricação para os japoneses e
depender intei- ramente deles no setor de tecnologia de produto e processo. O resultado é que nos
tornamos uma empresa-casulo encarregada apenas da comercialização. Esse acordo inclui cláusulas
que impedem precisamente que essa situação venha a acontecer."
Cap. 2 Um conto de duas empresas aliadas 47
Por exemplo, a Toshiba deveria transferir sua tecnologia de processo fabril e seus projetos
pertinentes para as fábricas da Motorola em todo o mundo, mas a Motorola deveria transferir sua
tecnologia de microprocessadores apenas para a joint venture (com participação de 50%), com a
condição de que a Toshiba não a utilizasse em suas outras fábricas. Além disso, a transferência de
tecnologia da Motorola estava condicionada ao andamento dos esforços para garantir à empresa a
participação no mercado japonês de semicondutores. Em outras palavras, o acesso da Toshiba
dependia do auxílio prestado à Motorola. Outras cláusulas, semelhantes, visavam proteger os
interesses e a tecnologia da Toshiba.38
No fim da década de 1980, em parte por causa da evolução da indústria de
semicondutores, as alianças já faziam parte do pensamento estratégico da Motorola. A concorrência
global e uma base tecnológica que permitia entrada e saída rápidas de novas empresas voltadas para
aplicações específicas fizeram da indústria de semicondutores um brinquedo caro. Os novos
microprocessadores e memórias exigiam investimentos de centenas de milhões de dólares, sem
garantia de êxito no mercado. À luz dessas circunstâncias, qualquer mudança que favorecesse a
distribuição de custos, como o faziam as alianças, seria bem-vinda.
Ao se referir à exigência da clientela que pede características que aumentem o valor do
chip, um observador mencionou uma indústria de semicondutores que achava que "o valor que cada
vez mais nos pedem para acrescentar é serviço". Na nova estrutura da indústria de semicondutores, o
serviço não era função apenas da fabricação de um produto de qualidade, e sim, também, da
identificação mais íntima com os produtos e processos do cliente e, em última instância, com o cliente
do cliente. Em suma, esperava-se que as fábricas de semicondutores produzissem baixo custo e
diferenciação em forma de melhor serviço via melhor projeto e mais orientação ao usuário.
"Por volta de 1985", disse um executivo da indústria de semicondutores, "começamos a
perceber que tínhamos de servir a dois senhores - ao projeto e desenvolvimento de novos produtos,
de olho na aplicação, e ao aprimoramento da tecnologia de processo, de olho na melhor
administração dos bens produzidos. O efeito realimen-taVão de um para outro exigia que fizéssemos
as duas coisas bem-feitas." Essa exigência de êxito no ramo se traduzia na exigência de pesados
investimentos por parte da Motorola. Ao reconhecer essa necessidade, a Motorola passou a
implementar, através de alianças com outras empresas, uma complexa estratégia que combinava
baixo custo e diferenciação.41

A aliança da Motorola com a Toshiba, por exemplo, serviu a vários propósitos estratégicos:
auxiliou no setor de tecnologia de processo; permitiu maior acesso ao mercado japonês, melhorando
as economias de escala e aumentando a capacidade da Mo torola de projetar melhores produtos;
propiciou a divisão, com a Toshiba, dos custos de investimento para as novas instalações no Japão, em
uma época de exigências competitivas para os dólares destinados aos investimentos da Motorola; e, ao
propiciar o trabalho em conjunto com a Toshiba para o desenvolvimento futuro de produtos, permitiu à
Motorola equilibrar os riscos no incerto mundo dos novos microprocessadores. Assim, através de sua
aliança com a Toshiba, a Motorola conseguiu os mesmos benefícios de que a Ford desfrutava com seus
parceiros japoneses.

48 Alianças Estratégicas Cap. 2

Assim como a Ford, a Motorola aprendeu uma lição generalizada com sua aliança com a
Toshiba: as alianças faziam muito bem às suas metas estratégicas. E desde então estendeu a ideia a
outras empresas e a seus outros ramos de negócio. Em 1988, formou uma aliança (NND) com a Data
General para desenvolver microprocessadores especiais para computadores mainframe. Formou alianças
com a IBM nos setores de tecnologia de litografia para raios X, em 1989, e redes móveis de dados, em
1990. Em 1989, uniu-se à Cable and Wireless da Grã-Bretanha, para desenvolver a nova geração de tele-
fones celulares, e à Digital Equipment Corporation, para desenvolver novos microchips. Em 1991, aliou-
se à IBM e à Apple para desenvolver uma nova geração de microprocessadores. Na Motorola, as alianças
são agora um modo de vida.

AS LIÇÕES DA FORD E DA MOTOROLA

Alguns observadores têm sugerido que as alianças são adequadas apenas em ramos específicos ou para
empresas fracas ou fracassadas. As experiências da Ford e da Motorola sugerem que as alianças não se
restringem a ramos de negócio e tampouco são um recurso apenas para organizações fracassadas. As
duas empresas, de ramos muito diferentes, usaram as alianças com propósitos semelhantes e com
eficácia equivalente.
Identificamos três lições básicas a aprender com as experiências da Ford e da Motorola: 42 (1)
as estratégias de alianças evoluem com o tempo, de maneiras complexas; (2) os efeitos de realimentação
são constantes e contínuos entre as estratégias das empresas, no papel das alianças nessas estratégias e
na maneira como as alianças são formadas, estruturadas e geridas, e (3) a arte da estratégia de alianças
está em gerir com máxima eficácia a evolução das interligações em uma mesma rede de alianças.

O ponto de partida para uma estratégia de alianças, como sugere a Figura 2.1, é a estratégia da empresa.
Só depois de estabelecer a estratégia geral é que a empresa pode decidir que tipos de alianças deve
formar e que papel irão desempenhar na estratégia mais ampla do grupo. Depois de decidir formar uma
aliança, a empresa deve pensar na escolha dos parceiros e na maneira de negociar, deve se submeter à
tarefa em geral complexa e demorada de estruturar a aliança e alocar o talento e os recursos adequados à
continuidade de sua gestão. A empresa cria inevitavelmente uma rede de alianças que exigem atenção
maior e mais sofisticada por parte da administração. Esta é a lição número um.

Cap. 2 Um conto de duas empresas aliadas 49


Na Figura 2.1, há dois circuitos de realimentação. O primeiro pertence ao impacto imediato
que cada passo da formação da aliança tem sobre o passo precedente, sobretudo no caso de alianças
futuras. Os administradores aplicam as lições aprendidas com a estruturação e gestão de uma aliança
na estruturação e gestão das alianças seguintes contempladas pela empresa e, à base da experiência
acumulada, refinam constan-temente os vários papéis que as alianças desempenham na estratégia
geral da empresa, que pode permanecer inalterada.

50 Alianças Estratégicas Cap. 2


O segundo circuito de realimentação refere-se ao impacto que a maneira de formar,
estruturar e gerir as alianças ao longo do tempo tem sobre a concepção e, se necessário, uma revisão
da própria estratégia geral da empresa. É assim que tem de ser. Estratégia não é desenho de moda,
feito para mudar a cada seis meses, mas também não é a tábua dos Dez Mandamentos gravada em
pedra.43 As alianças, enquanto transcorrem, invariavelmente influenciam a escolha de futuras
estratégias da empresa. E o que é mais importante, a evolução de uma rede de alianças pode afetar a
postura estratégica da empresa. A segunda lição das alianças, então, são as exigências dos dois tipos de
circuito de realimentação.
A terceira lição das alianças diz respeito à gestão tanto da evolução da estratégia quanto do
papel em mutação das alianças. Quer dizer, os administradores não podem apenas preocupar-se com
os efeitos das alianças sobre as estratégias e com os papéis em mutação dos diferentes tipos de
alianças usados em estratégias específicas. Devem também assegurar que as mudanças nas estratégias
e no papel das alianças a elas associadas ocorram em série. Quando surge uma rede de alianças, isto
se torna uma tarefa precisa, que, se não for executada com eficácia, pode pressagiar desastre para a
empresa.
Essas lições sutis podem ser bem compreendidas com exemplos. A Ford, quando começou
a experimentar alianças entre empresas, no início da década de 1970, atribuiu aos parceiros aliados
Nissan e Mazda um papel modesto em sua estratégia global, que na época estava baseada em grande
parte na rede interna, mas ainda assim global, de operações. Formada principalmente para terceirizar
o suprimento, a aliança foi formada e estruturada como uma joint venture de três direções e era
administrada corriqueiramente, como convinha à compra de qualquer componente. A Ford comprava
transmissões da joint venture, e só. Como diz a lição número um, as alianças se ajustam a uma estratégia
predominante.
A medida que a Ford ganhou experiência no trato com seus parceiros, ocorreram duas
transformações. A direção da Ford descobriu que era possível estabelecer uma distinção entre as
duas empresas. Talvez pelo fato de a Mazda ser muito menor que a Nissan ou por ser uma
concorrente menos direta para a Font os executivos da Ford sentiam-se mais à vontade para lidar
com a Mazda do que com a Xissan.45
A experiência com a Nissan-Mazda levou também a direção da Ford a ver mais
favoravelmente a perspectiva de formar alianças em escala mais grandiosa. A alta direção, coerente com
a evolução do nexo aliança-estratégia mostrado na Figura 2.1, dispôs-se a repensar a estratégia
nuclear da empresa e o papel que as alianças desempenhavam nela. Essas duas transformações
viriam a ter profundo impacto sobre a empresa. Em outras palavras, os dois circuitos de aprendizado
enfatizados na lição dois podiam ser vistos em ação na Ford.
Além disso, a estratégia da Ford continuaria global A empresa continuaria a competir em
todo o mundo e com muitos produtos. Porém, incentivada pela vitoriosa administração das alianças
com a Mazda e Nissan, a alta administração da Ford começou a arquitetar uma estratégia competitiva
global para complementar a rede interna de subsidiárias da empresa com uma rede de alianças
externas.
Cap. 2 Um conto de duas empresas aliadas 51

O papel das alianças na estratégia geral da Ford era ir além dos acordos habituais de suprimento para
chegar a alianças mais envolventes e arriscadas, bem próximas de sua estratégia competitiva vital,
portanto mais benéficas.
Com a concordância da alta direção em expandir o âmbito e o papel das alianças, encaixar
as peças nos devidos lugares seria simples questão de tempo. Os problemas financeiros da Mazda, no
final da década de 1970, trouxeram para a Ford a oportunidade de retrabalhar sua aliança com a
empresa. A seguir, a Ford comprou 25% do capital da Mazda e garantiu o direito de nomear até três
membros para a diretoria e colocar um membro da alta administração da Ford no escalão dos altos
executivos da organização da Mazda. Assim, a Ford se preparou para a eventualidade de transformar
o elo em aliança estratégica. "Desde o começo, estávamos muito decididos a fazer dessa relação
algo maior que um mero investimento financeiro", lembra um alto executivo da Ford.

Nós sabíamos o quanto poderíamos extrair dela. Claro, a ideia de


trabalhar em conjunto com um concorrente era novidade na época.
Mas nós queríamos preservar a opção de a Mazda desempenhar um
papel cada vez maior e mais importante na nossa estratégia geral. Foi
por isso que insistimos em ter postos de direção e também em sermos
representados no escalão intermediário. Com gente nossa, nos sen
tíamos seguros de que a relação não se tornaria uma via de mão única,
onde a informação fluiria de nós para um concorrente potencial.
Podíamos ficar descansados, certos de podermos monitorar os fluxos
de pessoal e informação.

A Ford e a Mazda beneficiaram-se com a aliança estratégica. Apesar da rivalidade no


mercado, as duas empresas descobriram meios de colaborar e aprender uma com a outra em setores
que iam do projeto de produto ao planejamento de instalações de produção. As empresas
trabalharam juntas no Ford Escort, no Festiva, no Probe, no Mer-cury Tracer, e no Protege e no Navajo
da Mazda. A fábrica de máxima qualidade da Ford, situada em Hermosillo, México, muito se
beneficiou com a experiência da Mazda em projeto de instalações fabris. Os engenheiros de campo
da Mazda ajudaram os engenheiros da fábrica da Ford a implementar as técnicas de arranjo físico
da produção da Mazda. A equipe de marketing da Ford, em troca, compartilhou suas técnicas de
pesquisa, muito desenvolvidas e sofisticadas, com os homens de marketing da Mazda.

A concorrência entre Ford e Mazda continua viva, e vai muito bem em meio a essa estreita
cooperação. Cada uma delas, por exemplo, não permite à outra acesso a alguns produtos. A Ford
recusou ajuda à Mazda no desenvolvimento do Navajo de quatro portas; a Mazda não dividiu seu
Miata esporte com a Ford. Também em questões públicas, como o abaixo-assinado dos fabricantes de
automóveis americanos ao governo dos Estados Unidos, alegando dumping das fábricas de automóveis
japonesas (inclusive a Mazda) no caso dos minifurgões, as duas empresas concordaram em divergir, e
cada uma ficou de um lado na contenda. Assim, as empresas conseguiram conservar o equilíbrio
entre cooperação e concorrência.
52 Alianças Estratégicas Cap. 2
A terceira lição na evolução das estratégias aliadas, especificamente a criação e gestão de
uma rede de alianças, também pode ser vista em ação na Ford. O êxito de sua aliança estratégica
com a Mazda propiciou uma segunda rodada de efeitos de realimentação na evolução da política
estratégica da Ford. A capacidade comprovada de gerir um elo complicado com um concorrente
convenceu a alta administração da Ford a formar um novo conjunto de alianças com outras empresas
automobilísticas para resolver uma sucessão de problemas estratégicos.
Os homens da Ford, por exemplo, ao verem na aliança um meio de sobreviver nos
pequenos e fragmentados, mas potencialmente atraentes a longo prazo, mercados do Brasil e da
Argentina, formaram em 1986, com a Volkswagen da Alemanha, uma joint venture que veio
racionalizar as instalações fabris das duas empresas nesses dois países da América do Sul. O
empreendimento inovador, chamado Autolatina, exigia co-produção, compartilhamento das
instalações fabris e realização de economias de escala de componentes por meio de propriedades
comuns. As empresas conservaram o elemento competitivo na relação, comercializando seus
automóveis em separado. A Ford sentia-se muito à vontade, mais uma vez em uma aliança, na linha
divisória entre concorrência e cooperação.
Em 1988, diante da necessidade de alocar recursos substanciais ao desenvolvimento de
produto nos setores de minifurgões e utilitários, a Ford mais uma vez decidiu formar uma aliança.
O parceiro, dessa vez a Nissan, montou com a Ford instalações fabris conjuntas nos Estados
Unidos e na Europa, onde as duas empresas iriam desenvolver os dois produtos de forma
cooperativa.
Animada com o êxito da formação e da gestão da aliança latino-americana com a
Volkswagen, a Ford entrou em nova aliança com a fábrica alemã no início de 1990, dessa vez para
fabricar minifurgões em Portugal, para o mercado europeu. Ao mesmo tempo, começou a explorar
iniciativas adicionais de desenvolvimento de produto com a Nissan e expandiu sua colaboração com a
Mazda, que passou a incluir a comercialização de carros Ford no Japão, por parte da Mazda, e de
carros da Mazda na Europa, por parte da Ford.
A Ford confiava tanto em sua capacidade de conceber e implementar uma complexa
estratégia de alianças que seu presidente, Harold Poling, em memorando de 1987 para a alta
administração, assinalou que as alianças estratégicas (que a Ford chamava de associações comerciais)
com outras empresas iriam no futuro desempenhar papel crítico para "aumentar a competitividade
geral da Ford". O memorando identificava áreas específicas em que se podia esperar um impacto
significativo dessas alianças sobre o desempenho do grupo, entre elas a meta da qualidade máxima, a
terceirização a custo baixo da fabricação de veículos e componentes, o estabelecimento de operações
competitivas, o aumento da capacidade de desenvolvimento de produto e a conquista do acesso à
tecnologia de produto e fabricação e a novos mercados.

Cap. 2 Um conto de duas empresas aliadas 53


A lista é exaustiva, cobre cada aspecto da essência operacional da Ford de projetar, fabricar e
comercializar automóveis.
Veja o contraste da experiência positiva da Ford com as alianças estratégicas e a experiência
de outras empresas com menor êxito. A GM, por exemplo, teve as mesmas oportunidades que a Ford
para edificar e lucrar com uma rede de alianças. Com efeito, a GM montou umaxaliança com a Isuzu
antes de a Ford firmar sua relação com a Nissan e a Mazda. Depois, estabeleceu uma associação com a
Suzuki e foi a primeira fábrica americana de automóveis a experimentar uma aliança com uma
importante rival como a Toyota. Outras alianças, com empresas como a Daewoo da Coreia, para
carros pequenos, a Fujitsu do Japão, para robótica, a Hitachi, para eletrônica, e a Nihon e a Akebono,
para componentes de automóveis, sugerem que também a GM já vinha buscando, há mais de uma
década, uma estratégia competitiva baseada em alianças.46 Por que então um artigo da Business Week
afirma que, nas alianças da GM com empresas como a Isuzu, as "sinergias potenciais" não se
realizaram?
O fracasso da GM parece se dever à sua incapacidade de internalizar as lições aprendidas
com as alianças, sobretudo nos dois últimos casos citados. A GM não conseguiu adaptar sua
estratégia à medida que ia aprendendo a usá-las, tampouco conseguiu administrar a evolução e as
interligações de uma rede de alianças.
A estratégia inicial da GM, por exemplo, colocava a Isuzu no papel de fornecedor de carros
pequenos. Muitas outras alianças que fez serviam à mesma finalidade, a trceirização da fabricação.
Em todas elas, a GM era o centro do projeto e do desenvolvimento de produto e seus parceiros eram
meros implementadores dos projetos. A evolução dessas alianças parece não ter tido reflexo no papel
que a GM atribuía a elas, e muito menos incorporou-se à sua estratégia essencial. Os administrado-
res da Ford, ao contrário, à medida que iam se familiarizando com seus coligados da Mazda, cediam
ao parceiro, cada vez mais, tarefas estratégicas críticas, evitando assim a duplicação de esforço em
setores como o de desenvolvimento de produto.
A alta direção da GM parece não ter desenvolvido a aptidão de gerir a evolução do nexo
estratégia-aliança. Não foi grande o esforço para repensar a estratégia geral do grupo e o papel das
alianças nessa estratégia. Lembrem-se de que o presidente da Ford assinalou que as "associações
comerciais" da empresa deveriam desempenhar papel crítico em todos os aspectos da estratégia
competitiva da empresa. Na GM, uma tal articulação política parece inexistir, mesmo que a
formulação possa estar implícita nos pronunciamentos dos administradores do alto escalão. Porém, na
falta de uma declaração explícita, a administração intermediária carece do enfoque necessário para fazer
uso eficaz das alianças.47
Assim como a Ford, também a experiência da Motorola ilustra as lições de como formar e
gerir alianças, a que nos referimos antes. Primeiro, a Motorola absorveu as alianças como parte de
sua estratégia já existente. Depois, à medida que ia ganhando experiência em forjar e gerir alianças,
tomou a iniciativa de alargar sua variedade e âmbito, mesmo enquanto fazia as necessárias mudanças
em sua estratégia competitiva.

54 Alianças Estratégicas Cap. 2


Por fim, foi em frente, assim que se sentiu à vontade com a ideia de trabalhar no sentido de
alcançar seus objetivos estratégicos diversificados por meio de alianças variadas, e tornou-se uma
empresa com uma rede de alianças que transitavam em cada aspecto do negócio. Em todo o trajeto, o
aprendizado e a experimentação contínuos caracterizaram a abordagem da Motorola.
A Ford e a Motorola poderiam aproveitar suas alianças, pois seus superintendentes
apreciariam a íntima ligação entre as associações e a estratégia. Eles reconheceram que as alianças
acarretam riscos e benefícios estratégicos e os equilibraram em sua abordagem gerencial. Tal
comportamento racional contrasta nitidamente com grande parte do que foi escrito sobre as alianças.
Alguns observadores enfatizam os problemas, as armadilhas e os perigos das associações, às
vezes de modo explícito, mas, com mais frequência, de modo implícito, que as alianças são arriscadas e
é melhor evitá-las.48 Por outro lado, os observadores que vêem as alianças como um remédio para todos
os tipos de problemas com que se deparam as empresas que enfrentam a competição global tendem a
atenuar seus riscos reais.49 Os gerentes astutos, como os da Ford e os da Motorola, evitaram os dois
extremos; fizeram suas alianças de modo a maximizar as vantagens estratégicas e minimizar os riscos.
As gestões da Ford e da Motorola evidenciaram ainda mais o reconhecimento da importância de
gerenciar a interação com seus parceiros de modo a manter uma harmonia entre a colaboração e a
competição. Formando e gerenciando alianças estratégicas, a Ford e a Motorola também desenvolveram
um sofisticado conjunto de mecanismos administrativos para manter suas relações estáveis.
A formação, a estruturação e o gerenciamento de alianças proporcionam benefícios a curto
prazo, associados à evolução do importante nexo da associação estratégica. Nos próximos capítulos,
voltaremos às tarefas críticas da compreensão da lógica estratégica, da formação e estruturação e,
finalmente, do gerenciamento de alianças.

NOTAS
1. Se a maioria dos comentaristas considera maduro o ramo automobilístico, alguns autores contestam essa
caracterização e vêem nele muitas provas de "desmaturação" (W. J. Abernathy e D. Ginsburg, eds.,
Government, technology, and the future of the automobile, Nova Iorque, McGraw-Hill, 1980.
2. O ingresso, na década de 1980, de fábricas de automóveis iugoslavas (Yugo) e coreanas (Hyundai) parece
contradizer a afirmação, mas as duas são empresas pequenas restritas em grande parte a nichos geográficos e
de produtos. Nenhuma delas é, nem se espera que seja a curto prazo, um participante global.

Cap. 2 Um conto de duas empresas aliadas 55

3. Entre 1916 e 1924, por exemplo, o preço do Modelo T caiu em dólares correntes (não constantes), de 400 para
290 (Automobile Industries, fevereiro de 1978, p. 81).
4. Os grupos internos de planejamento a longo prazo de muitas empresas, notadamente a GM, já no início da
década de 1970 começaram a prever um acentuado aumento nos preços do petróleo e a consequente
necessidade de reprojetar seus automóveis. Porém, a mobilização ainda estava em grande parte no
estágio das discussões quando a crise eclodiu. Mas elas estavam em boa companhia, pois até mesmo as
empresas de petróleo, cuja necessidade de prever a ocorrência e a cronologia dos aumentos de preços era
ainda mais premente, estavam desatentas quando os preços do petróleo subiram vertiginosamente devido
à guerra entre árabes e israelenses em 1973 (P. Wack, "Scenarios: uncharted waters ahead", Harvard Business
Review, setembro-outubro de 1985, p. 73-89, e "Scenarios: shooting the rapids", Harvard Business Review,
novembro-dezembro de 1985, p. 139-150, e D. Yergin, The prize: the epic quest for oil, money, and power,
Nova Iorque, Simon and Schuster, 1990).
5. A ideia de que os investimentos passados capazes de prover as barreiras de entrada necessárias a uma maior
lucratividade (P. Ghemawat, Commitment, Nova Iorque, Free Press, 1991) poderiam também tornar-se
barreiras de saída, por negar flexibilidade, é bem compreendida por académicos (M. E. Porter, Competitive
strategy: techniques for analysing industries and competi-tors, Nova Iorque, Free Press, 1980) e administradores.
Nesse contexto, as alianças estratégicas podem ser vistas como uma providência capaz de aumentar a
flexibilidade de uma empresa em uma era de concorrência global e incerteza tecnológica crescentes.
6. Bennett Bidwell, vice-presidente, Ford Motor Company, citado em Business Week, 2 de fevereiro de 1981, p. 63.
7. A. Altshuler, The future of the automobfle, Cambridge, Mass., MTT Press, 1984, p. 139.
8. Este é mais um exemplo do impacto da globalização da concorrência das estratégias empresariais. Sobre
isto há mais a dizer no Capítulo 3. Aqui basta dizer que, em regime de concorrência global, as estratégias
gerais simples estão sendo substituídas por estratégias globais complexas que combinam, com respeito
ao custo, os elementos de liderança e diferenciação.
9. Em 1980, um gerente-geral da Ford comentou que temia aumentar os preços dos modelos Escort da
empresa para ter lucro, porque "neste instante, os carros do segmento mais baixo são os que menos podem
suportar aumento de preço". Para compensar a ausência de lucro do Escort, a Ford majorou, os preços dos
modelos maiores e já mais lentos (Business Week, 2 de fevereiro de 1981).
10. A literatura da administração estratégica chama essa abordagem da formulação da estratégia de visão
baseada em recursos. Ver, por exemplo, J. B. Barney, "Strategic factor markets: expec-tatíon, luck, and business
strategy", Management Science 32, nQ 10, outubro de 1986: 1.231-1.241; "Types of competition and the theory of
strategy: toward an integrative perspective", Academy of Management Review 11, 1986: 79-80; e "Firm
resources and sustained competitive advantage", Journal of Management 17, n9 l, março de 1991, e D. J. Collis,
"A resource-based analysis of global competition: the case of the bearings industry", Strategic Management
Journal 12, 1991: 49-68.

56 Alianças Estratégicas Cap. 2


11. A Chrysler emergiu de seus problemas financeiros talvez mais cedo que a Ford, mas, ao escolher esse
caminho, arriscou seu futuro. Os observadores do ramo chegaram a propor que a Honda ou a Toyota
ocupassem seu lugar entre as Três Grandes. Ver matéria pertinente na Fortune, 22 de junho de 1990.
12. É interessante notar que os textos académicos na área da gestão estratégica enfatizam bem menos essa
abordagem empreendedora. Na literatura económica, principalmente da escola austríaca, essa abordagem
está relacionada ao comportamento arriscado dos empreendedores, que, ao que se diz, pensam em novas
oportunidades e depois formulam novos meios de tirar vantagem delas. Ver, por exemplo, M. Casson, ed.,
Entrepreneurship, Londres, E. Elgar, 1990, e I. M. Kirzner, The economic point of view, Kansas City, Kans.,
Sheed and Ward, subsidiária da Universal Press Syndicate, 1976. Essa abordagem tem sido usada como
contraste ao comportamento administrativo (ou deliberativo) e ao comportamento da gestão empresarial
(H. H. Stevenson, "A perspective on entrepreneurial management", ensaio escolar, Harvard Business School,
1983, e "Entrepreneurship: a process, not a person", ensaio escolar, Harvard Business School, junho de 1987.
13. Business Week, 2 de fevereiro de 1981, p. 62.
14. Sobre o conceito de estratégia "emergente", ver H. Mintzberg, "Of strategies, deliberate and emergent",
Strategic Management Journal, 1985, p. 257-272, e "Crafting strategy", Harvard Business Review, julho-agosto de
1987, p. 66-75. J. B. Quinn, Strategies for change, Homewood, 111., Richard D. Irwin, 1980, chama-a
incrementalismo lógico.
15. Que as empresas tendem a se concentrar mais à medida que o mercado expande, deixando para as
empresas especializadas as atividades de agregação de valor, é antigo axioma aceito em economia (G. Stigler,
"The division of labor is limited by the extent of the market", Journal of Political Economy 59, junho de
1951: 185-193). A inovação da Ford foi forçar essa "desintegração" mais cedo e forjar elos organizacionais
inéditos e meios de geri-los, como iremos ver adiante.
16. Foi nessa época, e não por coincidência, que certas empresas japonesas como a Toyo Kogyo (Mazda)
estavam em processo de avaliar métodos como o sistema just-in-time (kanban) da Toyota. Também esse
fator contribuiu para a Ford escolher a Mazda como parceiro em potencial. Sobre a transformação da Mazda
em uma fábrica moderna no curto período de cinco anos, 1975 a 1980, ver G. Stalk e J. C. Abegglen, Kaisha:
the japanese Corporation, Nova Iorque, Basic Books, 1985.
17. Um dos motivos pêlos quais a Ford optou por uma joint venture (da qual detinha 50%) foi a cláusula de
transferência de tecnologia sensível própria e patenteada da Ford para a joint venture. A participação igual
permitia à Ford assegurar-se de que a tecnologia não vazasse para fora do empreendimento. O acordo permitia
à Ford também o acesso a todos os aperfeiçoamentos em tecnologia de processo gerados pela operação
conjunta.
18. A transmissão automática foi por si só produto de projeto cooperativo entre a Ford, GM e Borg-Warner.

Cap. 2 Um conto de duas empresas aliadas 57


19. O Ministério do Comércio e Indústria Internacionais do Japão afrouxou em 1970 sua política de não permitir
investimento estrangeiro nas fábricas de automóveis japonesas; em 1971, a GM comprou uma participação
de 35% na Isuzu e a Chrysler adquiriu uma participação de 15% na Mitsubishi.
20. "The partners", Business Week, 10 de fevereiro de 1992, p. 104.
21. Ver "Ford explores new high tech field", Automotive News, 15 de abril de 1985, p. 22.
22. Md., p. 58.
23. Ver The New York Times, 22 de setembro de 1988, seção D, p. 2.
24. Como balizar, pela teoria de opções, a análise dos investimentos em pesquisa e desen
volvimento, em novas operações conjuntas e plataformas de produção, ver C. Baldwin e K.
Clark, "Capabilities and capital investment: new perspectives on capital budgeting", ensaio
Escolar ns 92-004, Harvard Business School, 1992, e B. Kogut, "Designing global strategies:
comparativa and competitive value added chains", Sloan Management Review, verão de 1985, p.
27-38. .
25. Estudo feito em 1992 por uma empresa de consultoria de Detroit, especializada em indústria
automobilística, atestou o aprendizado da Ford com seus aliados japoneses. O relatório concluiu que a Ford
era a fábrica americana mais produtiva, com somente três trabalhadores por carro produzido, apenas um
pouco a mais que as fábricas japonesas. A fábrica da Ford em Kansas City era ainda mais eficiente, com
2,3 trabalhadores por carro. A GM e a Chrysler estavam bem atrás da Ford nessa medida de produtividade.
26. A ascensão dos concorrentes globais japoneses na eletrônica de consumo em geral, e a indústria de televisores
em particular, tem sido descrita em vários estudos de casos. Ver, por exemplo, M. E. Porter, "U. S. television
set market, prewar to 1970", Caso ns 9-380-180, Boston, Harvard Business School, 1980, e M. E. Porter, "U. S.
television set market, 1970-1979", Caso nfi 9-380-181, Boston, Harvard Business School, 1980. Uma
tentativa da General Electric de voltar à indústria dos televisores está descrita em D. J. Collis, R. Phelps e N.
Donohue, "General Electric: consumer electronics group", Caso ne 9-389-048, Boston Harvard Business School,
1989.
27. Business Week, 29 de março de 1982, p. 129.
28. J. O'Toole, Vanguard management; redesigning the corporate future, Nova Iorque, Doubleday, 1985, pi 91.
29. No ramo dos semicondutores, outros adotaram raciocínio semelhante. Ampliar a utilidade das bibliotecas foi
precisamente a motivação para uma outra aliança tríplice no início da década de 1980, relacionada ao projeto
de semicondutores, entre a General Electric, Toshiba e Siemens.
30. Para exame mais detalhado do ramo global dos semicondutores no início da década de 1980, ver D. I.
Okimoto, T. Sugano e F. B. Weinstein, eds., Competitive edge: the semicondutor industry in the U. S. and Japan,
Stanford, Stanford University Press, 1984.

31. Comenta-se que a meia-vida útil de um engenheiro formado em campos como os semicondutores e
computadores é só de cinco anos. Assim, a menos que haja investimento contínuo de capital humano através
de treinamento, aprendizado prático e aperfeiçoamento de qualificações, até mesmo uma empresa
internacional de semicondutores pode perder rapidamente seu poder competitivo ("The great educational
gap", f ar Eastern Economia Review, outubro-no-vembro de 1983, p. 71-74; Richard Kazis, "Educatíon and
training in the United States: develop-ing the human resources we need for technological advance and
competítiveness", Working papers of the MIT commission on industrial productivity 2, Cambridge, Mass., MIT
Press, 1989.
58 Alianças Estratégicas Cap. 2

32. Apenas a Texas Instruments montou fábrica de semicondutores no Japão antes da Motorola.
33. A National Semiconductors figurava entre as fábricas americanas de semicondutores que, diante de
situação semelhante, adotara posturas estratégicas defensivas. Sua posição competitiva sofreu erosão gradual
e no final da década a firma já era parte de uma empresa japonesa.
34. Ao recordar um acordo da Motorola com um segundo fornecedor, a Hitachi, um alto gerente comentou:
"Saímos queimados desse acordo. Com ele aprendemos que temos de ficar muito atentos ao negociar
acordos com concorrentes potenciais. Hoje estamos tentando aproveitar bem a lição no planejamento de
nossas alianças [com a Toshiba]". Com efeito, o acordo Mo-torola-Hitachi foi alvo de uma longa batalha
judicial. Ver, por exemplo, Wall Street Journal, 26 e 27 de janeiro de 1989; 30 de março, 2 e 11 de abril, 9 de
maio, 19, 20, 26 e 28 de junho e 9 de outubro de 1990.
35. Em janeiro de 1990, quando lançou seu chip microprocessador 68040, a Motorola apresentou uma lista de
36 fábricas de computadores que, ela dizia, planejavam construir equipamentos com o chip (Wall Street
Journal, 19 de janeiro de 1990), dando assim imediata credibilidade ao chip entre os fornecedores de software.
Parte desse saber estratégico teve origem na experiência da Motorola em forjar e gerir alianças.
36. É possível conjeturar que o fato de a própria Toshiba se valer de alianças possa ter causado um certo impacto
no pensamento dos executivos da Motorola. Para escorar seu negócio de semicondutores, a Toshiba já se
valia, por volta de 1986, de acordos cooperativos com a Olivetti da Itália (1984), AT&T (1985), LSI Logic
(1985), Siemens da Alemanha (1985), Hewlett-Packard (1985) e Siemens e General Electric (1986). É de
duvidar que essa lição tenha passado despercebida aos astutos líderes comerciais da Motorola.
37. Para maiores detalhes sobre a aliança Motorola-Toshiba, ver Informe Publicitário, Motorola Inc., 25 de
novembro de 1986; Austin Statesman, 26 de novembro de 1986; e Arizona Republic, 1a de dezembro de 1986.
Quanto ao ponto de vista da Toshiba, ver Wall Street Journal, 5 de dezembro de 1986.
38. Ver os capítulos seguintes quanto à estruturação e gestão de alianças, no que dizem respeito aos meios que
muitas empresas usaram para proteger seus interesses estratégicos.
39. Dataquest, informe de pesquisa, dezembro de 1986.
40. Md.
41. Novamente, chamamos a atenção do leitor para nossos argumentos no capítulo seguinte quanto à
concorrência global e de que maneira ela pressiona as empresas a adotar complexas estratégias globais que
combinam baixo custo e diferenciação.

Cap. 2 Um conto de duas empresas aliadas 59


42. Os parágrafos seguintes, que dizem respeito às lições aprendidas, usam a experiência da Ford como veículo
principal da discussão, porque não julgamos adequado ficar alternando entre a Ford e a Motorola. O mesmo
ocorreria se tivéssemos usado o exemplo da Motorola.
43. H. Mintzberg, "Strategy formation: ten schools of thought", em J. Fredricksen, ed., Perspectives on strategic
management, Cambridge, Mass., Ballinger, 1990, sugere que a estratégia é com frequência o efeito
cumulativo de uma série de pequenas decisões tomadas ao longo do tempo.
44. Os dois circuitos de realimentação e o aprendizado organizacional neles implícito correspondem
grosseiramente ao que C. Argyris, "Single-loop and double-loop models in research on decision-making",
Administrative Science Quarterly 21, ne 3, 1976, e Argyris e D. Schon, Organizational learning: a theory-in-
action perspective, Reading, Mass., Addison-Wesley, 1978, chamaram de aprendizado de circuito único e
aprendizado de circuito duplo. No primeiro, o comportamento (ou ato) é ajustado a metas, normas e
pressupostos fixos. No segundo, metas, normas e pressupostos são também mutáveis. Se uma empresa (ou
organização) quer evoluir e se transformar em instituição duradoura (P. Selznick, Leadership in administration,
Nova Iorque, Harper and Row, 1957), esse aprendizado adaptável (B. Hedberg, "How organizations learn
and unlearn", em Handbook of organizational design, vol. l, Londres, Oxford University Press, 1981, p. 3-27,
e C. M. Fiol e M. A. Lyles, "Organizational learning", Academy of Management Review 10, ne 4,1985: 803-
813) é necessário.
45. A Ford e a Nissan tinham, em meados da década de 1970, mais ou menos o mesmo porte em termos de
vendas, ativos e empregados. A Mazda, por sua vez, era 1/8 da Ford em vendas em dólares, 1/6 em vendas
unitárias, 1/5 em ativos e 1/7 em quadro de pessoal. Até o início da década de 1990, a Nissan manteve a
paridade com a Ford e a Mazda continuou muito menor que a Ford. A Ford e a Nissan eram, e continuam a
ser, comercializadoras de carros populares que concorrem em todos os segmentos de produtos. A Mazda,
por sua vez, sempre atuou em nicho, e continua a atuar, na indústria automobilística global.
46. Ver, por exemplo, J. L. Badaraco Jr., "General Motors' Asian alliances", Caso n 9 9-388-094, Boston,
Harvard Business School, 1988.
47. Referimo-nos mais especificamente, em capítulo posterior, ao papel da alta administração na modelagem
do comportamento da administração intermediária por meio de sinais como a articulação eficaz do nexo
estratégia-aliança.
48. Entre eles estão R. B. Reich e E. D. Mankin, "Joint ventures with Japan give away our future", Harvard
Business Review, março-abril de 1986, p. 78-86, e G. Hamel, C. K. Prahalad e Y. Doz, "Collaborate with your
competitors - and win", Harvard Business Review, janeiro-fevereiro de 1989, p. 133-139.
49. Para uma amostra dos textos que fazem elogios irrestritos às alianças estratégicas e às receitas anódinas para
geri-las, ver H. W. Perlmutter e D. A. Heenan, "Cooperate to compete globally", Harvard Business Review,
março-abril de 1986, p. 136-142, e K. Ohmae, "The global logic of strategic alliances", Harvard Business
Review, março-abril de 1989, p. 143-154.

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