Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
MAKRON
Books
Um Conto de Duas
Empresas Aliadas
No Capítulo l, citamos alguns exemplos de empresas conhecidas que procuraram ajuda nas alianças
para poder competir no ambiente global emergente. Tentaremos agora apresentar uma visão geral
mais abrangente do papel que as alianças desempenham nessas empresas, inclusive a maneira pela
qual elas podem ser incorporadas à estrutura estratégica geral das empresas-parceiras. Em termos
específicos, examinamos de que maneira duas importantes empresas americanas, de ramos bem
diferentes, fizeram excelente uso estratégico das alianças.
Uma delas, a Ford Motor Company (com 80 anos) está em um ramo maduro, que
compreende sobretudo empresas norte-americanas, europeias e japonesas extremamente
competitivas.1 Internacionalizado somente a partir da década de 1960, o ramo não teve ultimamente
qualquer novo participante global.2 A outra, a Motorola Inc., está no setor de semicondutores, um
ramo em rápido desenvolvimento que, embora dominado por empresas americanas e japonesas, foi
lançado na arena competitiva global no início desse desenvolvimento. Ainda hoje se vêem novas
empresas entrando, segundo a memorável expressão de um observador do ramo, "recém-saídas da
cumeeira". Na busca de posições competitivas sustentáveis, as duas julgaram necessário trilhar
caminhos semelhantes, em ramos tão diferentes, rumo a estratégias de alianças.
Tanto a Ford quanto a Motorola sofreram muita pressão competitiva no fim da década de
1970 e início da década de 1980. Diante de severas restrições de recursos, e tentando superar as
ameaças competitivas dos concorrentes domésticos e estrangeiros, as duas empresas preferiram adotar
estratégias globais mesmo nos casos em que enfrentavam uma competitividade considerada flácida.
Recorreram ao uso inovador das alianças, aprendendo, no processo, a arte de formar e gerir
eficazmente alianças proveitosas. Hoje caminham no sentido de montar uma rede externa e bem-
integrada de alianças para complementar sua rede interna de subsidiárias internacionais.
31
32 Alianças Estratégicas Cap. 2
O uso que a Ford deu às alianças estratégicas pode ser compreendido no contexto de um sem-número
de conjuntos inter-relacionados de questões que assolaram a empresa no fim da década de 1970 e início
da década de 1980: a crise de energia e as exigências que impôs em termos de necessidades
tecnológicas e de desenvolvimento de produto, a intensificação da concorrência global na indústria
automobilística e as exigências que impôs em termos dos investimentos de desenvolvimento de
tecnologia do processo e as severas restrições de recursos que a empresa enfrentou no seu embate
para satisfazer as exigências anteriores. Esses desafios, isoladamente, já teriam sido enormes;
combinados, eram um desafio esmagador. O uso que a Ford deu às alianças foi uma saída ousada,
arriscada, mas muito criativa, do buraco no qual se viu. Para compreender essa estratégia baseada em
alianças, precisamos entender como a estratégia competitiva básica da Ford evoluiu no tempo.
No fim da década de 1970, 43% das vendas da Ford tinham origem no exterior. Em termos de lucros, a
proporção era ainda maior. Porém, enquanto cresciam as vendas e os ganhos no exterior, outros
acontecimentos ameaçavam a própria existência da empresa.
Concorrência global. Entre eles, o primeiro foi a globalização da concorrência no ramo
automobilístico. As empresas europeias foram as primeiras a chegar aos Estados Unidos. A crescente
popularidade dos automóveis fabricados por empresas como Volkswagen, Mercedes-Benz e BMW
já causava danos aos produtores internos, quando as empresas japonesas Toyota, Nissan e Honda
começaram a conquistar participação no mercado americano às custas das Três Grandes. Entre 1975 e
1980, o quinhão das fábricas estrangeiras no mercado automobilístico americano saltou de 14% para
26%, e grande parte desse aumento coube aos japoneses. Durante o mesmo período, a participação da
própria Ford no mesmo mercado caiu de 23% para 17%.
Importante contribuição para o êxito cada vez maior das fábricas japonesas foi a crise do
petróleo de 1973, que pegou de surpresa as fábricas americanas, inclusive a Ford. 4 Era tradição entre as
empresas americanas fabricar veículos maiores, mais confortáveis e agradáveis ao olhar, mas não com
maior eficiência de combustível, e a resposta das fabricas ame^pçanas de automóveis ao aumento
de 400% nos preços do petróleo foi de consternação. Os produtores americanos, entre eles a Ford,
não conseguiram satisfazer a uma clientela que exigia maior eficiência de combustível. As fábricas
japonesas, por outro lado, habituadas a projetar e fabricar modelos menores de maior eficiência de
combustível, responderam com vigor. As empresas americanas, inclusive a Ford, depararam-se com a
perspectiva de investir pesadamente em desenvolvimento de produto ou entregar para os japoneses o
segmento dos carros pequenos.
Investimentos obsoletos. A mudança na demanda de mercado, de carros grandes para carros pequenos,
causou outros danos às empresas americanas. A menor demanda de carros grandes significava que
os vultosos investimentos fixos em plantas e instalações das fábricas de automóveis americanas
tinham de ser distribuídos por um volume menor de carros. Também a mão-de-obra, ao menos no
curto prazo, era para muitas fábricas um custo fixo que teve de ser alocado ao menor volume de
vendas. O consequente aumento de preços afastou os consumidores dos produtos locais e levou-os
para as importações de custo mais competitivo, detonando uma espiral viciosa. Se essa mudança na
preferência do consumidor se tornasse permanente, como parecia provável a muitos, as dispendiosas
fábricas da Ford, novas em alguns casos, poderiam tornar-se obsoletas em razão do embate
competitivo que viria.
O Desafio Estratégico
No fim da década de 1970, a direção da Ford enfrentou um desafio assustador: como reconquistar a
competitividade sob pressão intensa e agravante? O fluxo de caixa da empresa vinha sendo afetado
pelo mau desempenho no mercado, em uma época em que a Ford precisava investir milhões de
dólares em desenvolvimento de produto e de tecnologia de processo, desfazer-se das fábricas
antigas e construir novas e treinar novamente seu pessoal quanto às práticas da qualidade. Os
grandes lucros das operações europeias encobriram toda uma década de declínio da lucratividade no
mercado americano da Ford. Mas a recessão de 1980 na Europa, somada aos grandes lucros das
empresas japonesas na Europa e América do Norte, resultou no pior desempenho da Ford nas
últimas décadas. A empresa perdeu 1,5 bilhão de dólares em vendas mundiais de 37 bilhões de
dólares. Diante dessa ameaça profunda à saúde financeira da empresa, a alta direção teve de repensar
a investida estratégica geral da Ford.
A análise das realidades competitivas do mercado levou a Ford a concluir que tinha duas
opções. A primeira seria ajustar a estratégia à sua base de recursos existentes. 10 Por exemplo, poderia
optar por se reestruturar como empresa automobilística norte-americana, com alguns apêndices úteis
e proveitosos, mas nada além disso, na Europa e em outras regiões. A Chrysler, mais ou menos na
mesma época, em face de pressões competitivas semelhantes, optara por essa resposta estratégica.11
Como outra alternativa, a Ford poderia formular uma resposta mais empreendedora. Poderia, por
exemplo, escolher uma estratégia condizente com suas tradições competitivas que contivesse a pro-
messa de viabilidade a longo prazo e, a seguir, buscasse meios de assegurar os recursos necessários.12
Escolher a segunda opção seria arriscado para a Ford, e exigiria implementação criativa.
A alta direção decidiu que a Ford seria um fabricante global de automóveis que ofertaria
carros em todas as linhas à maioria dos segmentos do mercado, senão a todos. Os administradores da
Ford raciocinaram, corretamente ao que parece, que participar no plano regional em um ramo cada
vez mais global seria um convite ao declínio e à morte.
O primeiro passo da Ford foi submeter-se a um agressivo programa de racionalização. A
empresa eliminou as gorduras, reduziu os custos operacionais e a capacidade ociosa. Só em 1980,
cortou 1,5 bilhão de dólares em custos fixos das operações norte-americanas. Em dois anos, 1979 e
1980, eliminou 16.000 cargos administrativos, fechou duas fábricas importantes e equilibrou os
estoques de peças. Em 1980, o controller Allan Gilmour disse a um repórter: "A gordura acabou...
Só falta fazermos algumas reestru-turações na parte comercial".13 As reestruturações, ao final das
contas, iriam se basear no uso extensivo e criativo de alianças.
A Ford decidiu utilizar uma sucessão de "parcerias" e "vinculações" estratégicas com outras
fábricas, fornecedores-chave e empresas em áreas tecnológicas pertinentes, de modo a apoiar sua
posição competitiva. Ao mesmo tempo, decidiu tirar proveito de sua experiência internacional, e
vinculou suas subsidiárias europeias a Detroit para promover a fertilização cruzada de ideias. Com
Detroit servindo de câmara de compensação e facilitadora de inovações originadas em suas
subsidiárias e parceiros aliados, a Ford iria evitar a duplicidade de esforços e gastos e estar em
posição de alavancar os recursos de seus parceiros.
Se o uso pioneiro que a Ford fez das alianças ocorreu em um ramo maduro, a formação das alianças
da Motorola realizou-se em um ramo bem mais jovem da alta tecnologia, especificamente os
semicondutores. Embora as fábricas de semicondutores sejam conhecidas por seu uso extensivo de
acordos de terceirização e licenciamentos cruzados, as alianças do tipo aqui discutido ainda não
foram tentadas por qualquer empresa do ramo. Contudo, a abordagem que a Motorola conferiu às
alianças era muito ousada.
Para Levy, a estratégia era global também em outro sentido; de forma específica, a Motorola pensava em
termos das diferentes aplicações nos negócios em que concorria, principalmente semicondutores e
comunicações. Os semicondutores da Motorola, por exemplo, eram usados em uma variedade de
produtos, que iam do vídeo e dos receptores de áudio populares às câmaras, aos computadores para
controle de sistemas de automação industrial e automotivos, aos equipamentos de defesa. Segundo
ele, a Motorola não queria ceder qualquer aplicação para outra empresa.
De igual importância era a razão competitiva: uma aplicação ignorada pode ser a porta de entrada de um
concorrente em potencial.
Lógica semelhante prevalecia no ramo das comunicações bidirecionais da Motorola, que
vendia equipamentos e serviços para usuários do setor público, como repartições assistenciais e
policiais, bem como clientes do setor privado, como empresas de táxis e hospitais. Os
desenvolvimentos e as inovações técnicas de um setor logo encontravam aplicação em outros.
A alteração no equilíbrio competitivo. A adoção de uma estratégia global por parte da Motorola foi
providencial. Em meados da década de 1970, quando a empresa tomou essa rota, seus principais
concorrentes eram nacionais - General Electric e E. F. Johnson, nas comunicações; Texas Instruments,
Intel, National Semiconductor e Fairchild nos semicondutores. As empresas japonesas e europeias
estavam bem atrás. Isto logo mudou na década de 1980.
No início da década de 1980, a Motorola acrescentou ao rol dos principais concorrentes a
NEC, a Matsushita e a Fujitsu, do Japão, e a L. M. Ericsson, da Suécia, nas comunicações; e a Philips,
da Holanda, a Siemens, da Alemanha, e a NEC, a Toshiba e a Hitachi, do Japão, nos semicondutores.
Essas empresas, assim como a Motorola, vendiam para clientes de vários ramos em todo o mundo,
garantindo à Motorola a ettncorrência global, nos dois sentidos do termo. Ao contrário da Motorola,
entretanto, a maioria dos novos concorrentes eram empresas diversificadas.
Para agravar a situação, o equilíbrio competitivo dos ramos de atuação da Motorola,
sobretudo nos semicondutores, estava em mutação. Segundo um relatório preparado em 1986 pela
Secretaria de Defesa dos Estados Unidos, os concorrentes japoneses da Motorola, nenhum dos quais
constava entre os dez primeiros em vendas em 1975, ali já estavam por volta de 1980, assim como
seus novos concorrentes japoneses nas telecomunicações, NEC, Hitachi, Fujitsu e Mitsubishi.
A Motorola foi uma das poucas empresas americanas, de todos os ramos, a reconhecer
precocemente a importância crescente do Japão como mercado de produtos sofisticados como
semicondutores e produtos de telecomunicações.32 "Estava escrito", declarou outro executivo da alta
administração da Motorola. "Sabíamos que nossa sobrevivência iria depender de como enfrentássemos
o desafio japonês. O Japão era o segundo maior mercado do mundo para os nossos produtos, capaz de
abrigar alguns dos maiores e melhores concorrentes." A Motorola montou uma fábrica de
semicondutores no Japão no fim da década de 1970, mas teve dificuldades para conquistar participação
de mercado. Em meados da década de 1980, mal conseguira 1%.
Nos Estados Unidos, toda vez que uma importante empresa usuária de UMP perde
participação de mercado, seja fábrica de automóveis ou computadores, além de perder
vendas perde também futuros lucros potenciais. Com efeito, se não trabalharmos a
próxima geração de UMP juntamente com os usuários, todos os nossos investimentos
passados em projeto e desenvolvimento se tornarão obsoletos.
Depois de aprender a lição com seu malfadado acordo de licenciamento para suprimento alternativo
com a Hitachi, a Motorola identificou um sem-número de riscos associados à aliança com a Toshiba.
Em particular, os diretores da Motorola sabiam muito bem que, apesar da aliança, a Motorola e a
Toshiba eram concorrentes rivais no mercado. Por isso, a equipe de negociação da Motorola tomou o
máximo cuidado em estruturar o acordo de modo a minimizar os riscos. "Num acordo assim",
comentou um membro da equipe de negociação, "é tentador deixar a fabricação para os japoneses e
depender intei- ramente deles no setor de tecnologia de produto e processo. O resultado é que nos
tornamos uma empresa-casulo encarregada apenas da comercialização. Esse acordo inclui cláusulas
que impedem precisamente que essa situação venha a acontecer."
Cap. 2 Um conto de duas empresas aliadas 47
Por exemplo, a Toshiba deveria transferir sua tecnologia de processo fabril e seus projetos
pertinentes para as fábricas da Motorola em todo o mundo, mas a Motorola deveria transferir sua
tecnologia de microprocessadores apenas para a joint venture (com participação de 50%), com a
condição de que a Toshiba não a utilizasse em suas outras fábricas. Além disso, a transferência de
tecnologia da Motorola estava condicionada ao andamento dos esforços para garantir à empresa a
participação no mercado japonês de semicondutores. Em outras palavras, o acesso da Toshiba
dependia do auxílio prestado à Motorola. Outras cláusulas, semelhantes, visavam proteger os
interesses e a tecnologia da Toshiba.38
No fim da década de 1980, em parte por causa da evolução da indústria de
semicondutores, as alianças já faziam parte do pensamento estratégico da Motorola. A concorrência
global e uma base tecnológica que permitia entrada e saída rápidas de novas empresas voltadas para
aplicações específicas fizeram da indústria de semicondutores um brinquedo caro. Os novos
microprocessadores e memórias exigiam investimentos de centenas de milhões de dólares, sem
garantia de êxito no mercado. À luz dessas circunstâncias, qualquer mudança que favorecesse a
distribuição de custos, como o faziam as alianças, seria bem-vinda.
Ao se referir à exigência da clientela que pede características que aumentem o valor do
chip, um observador mencionou uma indústria de semicondutores que achava que "o valor que cada
vez mais nos pedem para acrescentar é serviço". Na nova estrutura da indústria de semicondutores, o
serviço não era função apenas da fabricação de um produto de qualidade, e sim, também, da
identificação mais íntima com os produtos e processos do cliente e, em última instância, com o cliente
do cliente. Em suma, esperava-se que as fábricas de semicondutores produzissem baixo custo e
diferenciação em forma de melhor serviço via melhor projeto e mais orientação ao usuário.
"Por volta de 1985", disse um executivo da indústria de semicondutores, "começamos a
perceber que tínhamos de servir a dois senhores - ao projeto e desenvolvimento de novos produtos,
de olho na aplicação, e ao aprimoramento da tecnologia de processo, de olho na melhor
administração dos bens produzidos. O efeito realimen-taVão de um para outro exigia que fizéssemos
as duas coisas bem-feitas." Essa exigência de êxito no ramo se traduzia na exigência de pesados
investimentos por parte da Motorola. Ao reconhecer essa necessidade, a Motorola passou a
implementar, através de alianças com outras empresas, uma complexa estratégia que combinava
baixo custo e diferenciação.41
A aliança da Motorola com a Toshiba, por exemplo, serviu a vários propósitos estratégicos:
auxiliou no setor de tecnologia de processo; permitiu maior acesso ao mercado japonês, melhorando
as economias de escala e aumentando a capacidade da Mo torola de projetar melhores produtos;
propiciou a divisão, com a Toshiba, dos custos de investimento para as novas instalações no Japão, em
uma época de exigências competitivas para os dólares destinados aos investimentos da Motorola; e, ao
propiciar o trabalho em conjunto com a Toshiba para o desenvolvimento futuro de produtos, permitiu à
Motorola equilibrar os riscos no incerto mundo dos novos microprocessadores. Assim, através de sua
aliança com a Toshiba, a Motorola conseguiu os mesmos benefícios de que a Ford desfrutava com seus
parceiros japoneses.
Assim como a Ford, a Motorola aprendeu uma lição generalizada com sua aliança com a
Toshiba: as alianças faziam muito bem às suas metas estratégicas. E desde então estendeu a ideia a
outras empresas e a seus outros ramos de negócio. Em 1988, formou uma aliança (NND) com a Data
General para desenvolver microprocessadores especiais para computadores mainframe. Formou alianças
com a IBM nos setores de tecnologia de litografia para raios X, em 1989, e redes móveis de dados, em
1990. Em 1989, uniu-se à Cable and Wireless da Grã-Bretanha, para desenvolver a nova geração de tele-
fones celulares, e à Digital Equipment Corporation, para desenvolver novos microchips. Em 1991, aliou-
se à IBM e à Apple para desenvolver uma nova geração de microprocessadores. Na Motorola, as alianças
são agora um modo de vida.
Alguns observadores têm sugerido que as alianças são adequadas apenas em ramos específicos ou para
empresas fracas ou fracassadas. As experiências da Ford e da Motorola sugerem que as alianças não se
restringem a ramos de negócio e tampouco são um recurso apenas para organizações fracassadas. As
duas empresas, de ramos muito diferentes, usaram as alianças com propósitos semelhantes e com
eficácia equivalente.
Identificamos três lições básicas a aprender com as experiências da Ford e da Motorola: 42 (1)
as estratégias de alianças evoluem com o tempo, de maneiras complexas; (2) os efeitos de realimentação
são constantes e contínuos entre as estratégias das empresas, no papel das alianças nessas estratégias e
na maneira como as alianças são formadas, estruturadas e geridas, e (3) a arte da estratégia de alianças
está em gerir com máxima eficácia a evolução das interligações em uma mesma rede de alianças.
O ponto de partida para uma estratégia de alianças, como sugere a Figura 2.1, é a estratégia da empresa.
Só depois de estabelecer a estratégia geral é que a empresa pode decidir que tipos de alianças deve
formar e que papel irão desempenhar na estratégia mais ampla do grupo. Depois de decidir formar uma
aliança, a empresa deve pensar na escolha dos parceiros e na maneira de negociar, deve se submeter à
tarefa em geral complexa e demorada de estruturar a aliança e alocar o talento e os recursos adequados à
continuidade de sua gestão. A empresa cria inevitavelmente uma rede de alianças que exigem atenção
maior e mais sofisticada por parte da administração. Esta é a lição número um.
O papel das alianças na estratégia geral da Ford era ir além dos acordos habituais de suprimento para
chegar a alianças mais envolventes e arriscadas, bem próximas de sua estratégia competitiva vital,
portanto mais benéficas.
Com a concordância da alta direção em expandir o âmbito e o papel das alianças, encaixar
as peças nos devidos lugares seria simples questão de tempo. Os problemas financeiros da Mazda, no
final da década de 1970, trouxeram para a Ford a oportunidade de retrabalhar sua aliança com a
empresa. A seguir, a Ford comprou 25% do capital da Mazda e garantiu o direito de nomear até três
membros para a diretoria e colocar um membro da alta administração da Ford no escalão dos altos
executivos da organização da Mazda. Assim, a Ford se preparou para a eventualidade de transformar
o elo em aliança estratégica. "Desde o começo, estávamos muito decididos a fazer dessa relação
algo maior que um mero investimento financeiro", lembra um alto executivo da Ford.
A concorrência entre Ford e Mazda continua viva, e vai muito bem em meio a essa estreita
cooperação. Cada uma delas, por exemplo, não permite à outra acesso a alguns produtos. A Ford
recusou ajuda à Mazda no desenvolvimento do Navajo de quatro portas; a Mazda não dividiu seu
Miata esporte com a Ford. Também em questões públicas, como o abaixo-assinado dos fabricantes de
automóveis americanos ao governo dos Estados Unidos, alegando dumping das fábricas de automóveis
japonesas (inclusive a Mazda) no caso dos minifurgões, as duas empresas concordaram em divergir, e
cada uma ficou de um lado na contenda. Assim, as empresas conseguiram conservar o equilíbrio
entre cooperação e concorrência.
52 Alianças Estratégicas Cap. 2
A terceira lição na evolução das estratégias aliadas, especificamente a criação e gestão de
uma rede de alianças, também pode ser vista em ação na Ford. O êxito de sua aliança estratégica
com a Mazda propiciou uma segunda rodada de efeitos de realimentação na evolução da política
estratégica da Ford. A capacidade comprovada de gerir um elo complicado com um concorrente
convenceu a alta administração da Ford a formar um novo conjunto de alianças com outras empresas
automobilísticas para resolver uma sucessão de problemas estratégicos.
Os homens da Ford, por exemplo, ao verem na aliança um meio de sobreviver nos
pequenos e fragmentados, mas potencialmente atraentes a longo prazo, mercados do Brasil e da
Argentina, formaram em 1986, com a Volkswagen da Alemanha, uma joint venture que veio
racionalizar as instalações fabris das duas empresas nesses dois países da América do Sul. O
empreendimento inovador, chamado Autolatina, exigia co-produção, compartilhamento das
instalações fabris e realização de economias de escala de componentes por meio de propriedades
comuns. As empresas conservaram o elemento competitivo na relação, comercializando seus
automóveis em separado. A Ford sentia-se muito à vontade, mais uma vez em uma aliança, na linha
divisória entre concorrência e cooperação.
Em 1988, diante da necessidade de alocar recursos substanciais ao desenvolvimento de
produto nos setores de minifurgões e utilitários, a Ford mais uma vez decidiu formar uma aliança.
O parceiro, dessa vez a Nissan, montou com a Ford instalações fabris conjuntas nos Estados
Unidos e na Europa, onde as duas empresas iriam desenvolver os dois produtos de forma
cooperativa.
Animada com o êxito da formação e da gestão da aliança latino-americana com a
Volkswagen, a Ford entrou em nova aliança com a fábrica alemã no início de 1990, dessa vez para
fabricar minifurgões em Portugal, para o mercado europeu. Ao mesmo tempo, começou a explorar
iniciativas adicionais de desenvolvimento de produto com a Nissan e expandiu sua colaboração com a
Mazda, que passou a incluir a comercialização de carros Ford no Japão, por parte da Mazda, e de
carros da Mazda na Europa, por parte da Ford.
A Ford confiava tanto em sua capacidade de conceber e implementar uma complexa
estratégia de alianças que seu presidente, Harold Poling, em memorando de 1987 para a alta
administração, assinalou que as alianças estratégicas (que a Ford chamava de associações comerciais)
com outras empresas iriam no futuro desempenhar papel crítico para "aumentar a competitividade
geral da Ford". O memorando identificava áreas específicas em que se podia esperar um impacto
significativo dessas alianças sobre o desempenho do grupo, entre elas a meta da qualidade máxima, a
terceirização a custo baixo da fabricação de veículos e componentes, o estabelecimento de operações
competitivas, o aumento da capacidade de desenvolvimento de produto e a conquista do acesso à
tecnologia de produto e fabricação e a novos mercados.
NOTAS
1. Se a maioria dos comentaristas considera maduro o ramo automobilístico, alguns autores contestam essa
caracterização e vêem nele muitas provas de "desmaturação" (W. J. Abernathy e D. Ginsburg, eds.,
Government, technology, and the future of the automobile, Nova Iorque, McGraw-Hill, 1980.
2. O ingresso, na década de 1980, de fábricas de automóveis iugoslavas (Yugo) e coreanas (Hyundai) parece
contradizer a afirmação, mas as duas são empresas pequenas restritas em grande parte a nichos geográficos e
de produtos. Nenhuma delas é, nem se espera que seja a curto prazo, um participante global.
3. Entre 1916 e 1924, por exemplo, o preço do Modelo T caiu em dólares correntes (não constantes), de 400 para
290 (Automobile Industries, fevereiro de 1978, p. 81).
4. Os grupos internos de planejamento a longo prazo de muitas empresas, notadamente a GM, já no início da
década de 1970 começaram a prever um acentuado aumento nos preços do petróleo e a consequente
necessidade de reprojetar seus automóveis. Porém, a mobilização ainda estava em grande parte no
estágio das discussões quando a crise eclodiu. Mas elas estavam em boa companhia, pois até mesmo as
empresas de petróleo, cuja necessidade de prever a ocorrência e a cronologia dos aumentos de preços era
ainda mais premente, estavam desatentas quando os preços do petróleo subiram vertiginosamente devido
à guerra entre árabes e israelenses em 1973 (P. Wack, "Scenarios: uncharted waters ahead", Harvard Business
Review, setembro-outubro de 1985, p. 73-89, e "Scenarios: shooting the rapids", Harvard Business Review,
novembro-dezembro de 1985, p. 139-150, e D. Yergin, The prize: the epic quest for oil, money, and power,
Nova Iorque, Simon and Schuster, 1990).
5. A ideia de que os investimentos passados capazes de prover as barreiras de entrada necessárias a uma maior
lucratividade (P. Ghemawat, Commitment, Nova Iorque, Free Press, 1991) poderiam também tornar-se
barreiras de saída, por negar flexibilidade, é bem compreendida por académicos (M. E. Porter, Competitive
strategy: techniques for analysing industries and competi-tors, Nova Iorque, Free Press, 1980) e administradores.
Nesse contexto, as alianças estratégicas podem ser vistas como uma providência capaz de aumentar a
flexibilidade de uma empresa em uma era de concorrência global e incerteza tecnológica crescentes.
6. Bennett Bidwell, vice-presidente, Ford Motor Company, citado em Business Week, 2 de fevereiro de 1981, p. 63.
7. A. Altshuler, The future of the automobfle, Cambridge, Mass., MTT Press, 1984, p. 139.
8. Este é mais um exemplo do impacto da globalização da concorrência das estratégias empresariais. Sobre
isto há mais a dizer no Capítulo 3. Aqui basta dizer que, em regime de concorrência global, as estratégias
gerais simples estão sendo substituídas por estratégias globais complexas que combinam, com respeito
ao custo, os elementos de liderança e diferenciação.
9. Em 1980, um gerente-geral da Ford comentou que temia aumentar os preços dos modelos Escort da
empresa para ter lucro, porque "neste instante, os carros do segmento mais baixo são os que menos podem
suportar aumento de preço". Para compensar a ausência de lucro do Escort, a Ford majorou, os preços dos
modelos maiores e já mais lentos (Business Week, 2 de fevereiro de 1981).
10. A literatura da administração estratégica chama essa abordagem da formulação da estratégia de visão
baseada em recursos. Ver, por exemplo, J. B. Barney, "Strategic factor markets: expec-tatíon, luck, and business
strategy", Management Science 32, nQ 10, outubro de 1986: 1.231-1.241; "Types of competition and the theory of
strategy: toward an integrative perspective", Academy of Management Review 11, 1986: 79-80; e "Firm
resources and sustained competitive advantage", Journal of Management 17, n9 l, março de 1991, e D. J. Collis,
"A resource-based analysis of global competition: the case of the bearings industry", Strategic Management
Journal 12, 1991: 49-68.
31. Comenta-se que a meia-vida útil de um engenheiro formado em campos como os semicondutores e
computadores é só de cinco anos. Assim, a menos que haja investimento contínuo de capital humano através
de treinamento, aprendizado prático e aperfeiçoamento de qualificações, até mesmo uma empresa
internacional de semicondutores pode perder rapidamente seu poder competitivo ("The great educational
gap", f ar Eastern Economia Review, outubro-no-vembro de 1983, p. 71-74; Richard Kazis, "Educatíon and
training in the United States: develop-ing the human resources we need for technological advance and
competítiveness", Working papers of the MIT commission on industrial productivity 2, Cambridge, Mass., MIT
Press, 1989.
58 Alianças Estratégicas Cap. 2
32. Apenas a Texas Instruments montou fábrica de semicondutores no Japão antes da Motorola.
33. A National Semiconductors figurava entre as fábricas americanas de semicondutores que, diante de
situação semelhante, adotara posturas estratégicas defensivas. Sua posição competitiva sofreu erosão gradual
e no final da década a firma já era parte de uma empresa japonesa.
34. Ao recordar um acordo da Motorola com um segundo fornecedor, a Hitachi, um alto gerente comentou:
"Saímos queimados desse acordo. Com ele aprendemos que temos de ficar muito atentos ao negociar
acordos com concorrentes potenciais. Hoje estamos tentando aproveitar bem a lição no planejamento de
nossas alianças [com a Toshiba]". Com efeito, o acordo Mo-torola-Hitachi foi alvo de uma longa batalha
judicial. Ver, por exemplo, Wall Street Journal, 26 e 27 de janeiro de 1989; 30 de março, 2 e 11 de abril, 9 de
maio, 19, 20, 26 e 28 de junho e 9 de outubro de 1990.
35. Em janeiro de 1990, quando lançou seu chip microprocessador 68040, a Motorola apresentou uma lista de
36 fábricas de computadores que, ela dizia, planejavam construir equipamentos com o chip (Wall Street
Journal, 19 de janeiro de 1990), dando assim imediata credibilidade ao chip entre os fornecedores de software.
Parte desse saber estratégico teve origem na experiência da Motorola em forjar e gerir alianças.
36. É possível conjeturar que o fato de a própria Toshiba se valer de alianças possa ter causado um certo impacto
no pensamento dos executivos da Motorola. Para escorar seu negócio de semicondutores, a Toshiba já se
valia, por volta de 1986, de acordos cooperativos com a Olivetti da Itália (1984), AT&T (1985), LSI Logic
(1985), Siemens da Alemanha (1985), Hewlett-Packard (1985) e Siemens e General Electric (1986). É de
duvidar que essa lição tenha passado despercebida aos astutos líderes comerciais da Motorola.
37. Para maiores detalhes sobre a aliança Motorola-Toshiba, ver Informe Publicitário, Motorola Inc., 25 de
novembro de 1986; Austin Statesman, 26 de novembro de 1986; e Arizona Republic, 1a de dezembro de 1986.
Quanto ao ponto de vista da Toshiba, ver Wall Street Journal, 5 de dezembro de 1986.
38. Ver os capítulos seguintes quanto à estruturação e gestão de alianças, no que dizem respeito aos meios que
muitas empresas usaram para proteger seus interesses estratégicos.
39. Dataquest, informe de pesquisa, dezembro de 1986.
40. Md.
41. Novamente, chamamos a atenção do leitor para nossos argumentos no capítulo seguinte quanto à
concorrência global e de que maneira ela pressiona as empresas a adotar complexas estratégias globais que
combinam baixo custo e diferenciação.