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Por que as pessoas não seguem recomendações médicas?

Os casos de COVID-19 já passaram de 45 milhões no mundo inteiro, com mais de 1


milhão de mortos. Apenas no Brasil estão ocorrendo cerca de 500 mortes por dia. A pandemia
pela qual passamos é um evento histórico, mais devastador que as doenças mais letais, que
acidentes de trânsito e até mesmo algumas guerras. Segundo a Organização Mundial da Saúde
(OMS), algumas estratégias são importantes para evitar o aumento do contágio, como usar
máscaras, higienização e, principalmente, fazer isolamento social.

Se a situação é tão drástica e as recomendações para mitigá-las tão claras, por que
vemos tanta gente sem segui-las? Vamos olhar para o isolamento social: apesar de ser
considerado como a estratégia mais importante para o controle dessa doença, apenas durante
pouco mais de um mês nós conseguimos manter o isolamento social acima de 50% no Brasil,
com a maior taxa, de 62,2%, ocorrendo no dia 22/03, data em que registramos 7 óbitos. No
início de junho, nossa taxa de isolamento já não alcançava mais 50% e só diminuiria desde
então, enquanto o número de óbitos por dia passava facilmente de 1.000. Se parece irracional
que nós tenhamos deixado de lado o cuidado justamente quando a situação estava mais difícil,
é porque grande parte do nosso comportamento é irracional.

Há muito tempo, no campo da psicologia, a hipótese de que temos controle racional


sobre nosso comportamento foi descartada. Fatores fora de nosso controle, e muitas vezes
sem nosso conhecimento, influenciam nosso comportamento. Compreender alguns princípios
básicos de nosso comportamento, no entanto, nos ajuda a compreender nosso
comportamento frente à pandemia, assim como em relação a qualquer recomendação médica
que as pessoas não seguem.

Um dos princípios mais básicos de nosso comportamento é o de que tendemos a fazer


aquilo que nos traz consequências agradáveis, e evitamos tudo que nos traz consequências
aversivas. Se saímos para conhecer um novo bar e a comida for ruim e a cerveja quente,
evitaremos esse bar. Caso isso se repita diversas vezes com diferentes bares, a própria ação de
procurar um novo bar se tornará aversiva e será evitada, e vamos continuar voltando para
aquele bar que gostamos. O problema acontece quando nos deparamos com comportamentos
que tem consequências agradáveis, mas também aversivas, ou quando as consequências são
de longo prazo. A consequência imediata nos afetar mais fortemente que a consequência à
longo prazo, portanto ir para a academia para conseguir um corpo sarado após meses de
malhação se torna pouco atrativo para a pessoa que não gosta de malhar, e o prazer imediato
de um bolo de chocolate costuma ser escolhida no lugar da alimentação saudável, mesmo
sabendo as implicações futuras desse tipo de alimentação. Aliado a tudo isso, há o que
chamamos de “aversão à perda”: nós sentimos mais quando perdemos algo do que quando
ganhamos. Naturalmente focamos mais no que é negativo. Podemos receber diversos elogios,
mas tendemos a lembrar bem das poucas críticas que aparecem.

Passando para a recomendação da OMS, o isolamento social nos fez perder diversas
fontes de prazer: o futebol no fim de semana, o churrasco com a família ou até o encontro
amoroso. Essas perdas imediatas são nossas consequências aversivas. Sacrificamos tudo isso
para manter nossa saúde – nossa consequência agradável. Porém “manter a saúde” é uma
consequência vaga, não vemos quando escapamos de ser contaminados, não percebemos o
sucesso de nossa evitação. Em pouco tempo essa ação vai perdendo o sentido e nós somos
tentados a voltar à rotina. Começamos a focar em todas as coisas que deixamos de fazer e não
em como conseguimos nos manter isolados por tanto tempo.
Aliado a isso temos péssimos modelos. Vemos pessoas saindo às ruas sem tomar
precauções e sem sofrer as consequências temidas. No governo, temos informações falsas
sendo transmitidas oficialmente, e a presidência minimizando a doença e pregando
exatamente o contrário do que as instituições científicas recomendam, convencendo milhares
com sua autoridade, e até mesmo as instituições sérias confundiram a população ao falharem
em explicar como funciona o processo científico. Com modelos inadequados, comportamentos
inadequados seguem.

A mídia fez a sua parte, noticiando as mortes a cada dia, no entanto, entra aqui mais
um princípio comportamental, a habituação. Pode ter sido chocante ver os números das
primeiras mortes, mas após certa repetição, os números perdem seu impacto. Há poucas
coisas com as quais o processo de habituação não ocorre. Além disso, para as pessoas que
ainda são impactadas, ver essas notícias é algo incômodo, e, como já explicado, passamos a
evitar o que é aversivo.

Os mesmos padrões acontecem com outras recomendações médicas em diversos


problemas de saúde: tomar medicamentos podem ter consequências imediatas aversivas,
como enjoos; ir para psicólogos ou psiquiatras ainda é visto como “coisa de louco”;
interromper álcool ou fumo é um sacrifício muito grande para alguns. Não podemos julgar
essas pessoas, afinal, o que nos fez ter opiniões diferentes sobre esses assuntos também não
foi nossa “racionalidade”, como eu já expliquei anteriormente, e sim nossa experiência de
vida, o contato com assuntos relacionados que muitas vezes ocorre ao acaso, acesso à
educação de qualidade, entre outros.

O que fazer então? Estamos fadados ao fracasso? Podemos olhar para esses princípios
e montar estratégias para compensá-los. Podemos nos aproximar a bons modelos e evitar
modelos ruins, voltando-nos para a OMS para informações e elogiando bons comportamentos
de pessoas próximas. Montar estratégias para tornar nosso tempo em casa agradável deve ser
a principal estratégia, já que apenas “não sair de casa” é bastante vago. Procurar uma forma
de fazer exercícios físicos em casa, ou ao ar livre ajuda ao corpo, e isso ajuda a mente. Arrume
a casa, mude a decoração, aprenda uma receita, qualquer coisa que traga consequências
agradáveis imediatas durante o isolamento. A tecnologia e mídias sociais também podem
ajudar nesse processo: há poucos meses tivemos o fenômeno da “pãodemia” que incentivou
as pessoas a fazerem pão em casa e tornou um pouco mais divertida nossa situação de
isolamento, esse tipo brincadeira pode facilitar o processo trazendo consequências agradáveis
mais imediatas. Colocar lembretes sobre o uso de máscara e higienização na porta da casa
pode evitar a situação chata de ter que voltar após o esquecimento.

Enxergar esses comportamentos como bons para a sociedade, não apenas para si, é
algo que também pode ser agradável e ajudar a mantê-los. No Brasil, não temos o costume de
pensar no coletivo como algo a ser protegido, talvez esse seja um bom momento para
começarmos. Treinando bons comportamentos, planejando boas consequências, estaremos
mais preparados para uma segunda onda.

- Prof. Msc. Diego Cardozo Mendonça

Psicólogo (CRP-19/2151). Especialista em Terapia Cognitivo-Comportamental (FCMMG/IMEA).


Mestre em Psicologia Experimental: Análise do Comportamento (PUC-SP). Docente no Centro
Universitário UNINASSAU. Psicoterapeuta no Fluir Espaço Terapêutico. Atualmente é membro
da Comissão de Orientação e Ética do Conselho Regional de Psicologia (CRP-19).

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