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PAIDÉIA

A Formação do Homem Grego


AIMHN IEDYKE IIAXE IAIAEA BPOTOIE

Werner Jaeger

Tradução: ARTUR M. PARREIRA


Martins Fontes – São Paulo, 1995
Título original: PAIDEIA, DIE FORMUNG DES GRIECHISCHEN MENSCHEN.
Copyright © Walter de Gruyter & Co. Berlin 1936.
Copyright © Livraria Martins Fontes Editora Ltda., São Paulo, 1986, para a presente edição.
1ª edição: maio de 1986
3ª edição: abril de 1995
Tradução: Artur M. Parreira. Adaptação do texto para a edição brasileira: Monica Stahel.
Revisão do texto grego: Gilson Cesar Cardoso de Souza. Revisão gráfica: Flora Maria de Campos
Fernandes, Renato da Rocha Carlos, Dirceu A. Scali Junior, Marise Simões Leal e Maurício
Balthazar Leal. Produção gráfica: Geraldo Alves. Arte-final: Moacir K. Matsusaki. Capa - Projeto:
Alexandre Martins Fontes. Execução: Katia H. Terasaka.
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil).

Jaeger, Werner Wilhelm, 1888-1961.


Paidéia : a formação do homem grego / Werner Wilhelm Jaeger; tradução Artur M. Parreira ;
adaptação para a edição brasileira Monica Stahel; revisão do texto grego Gilson Cesar Cardoso
de Souza. - 3 ed. - São Paulo: Martins Fontes, 1994.
Bibliografia.
ISBN 85-336-0328-2.
1. Civilização grega 2. Educação grega 3. Filosofia antiga 4. Literatura grega - História e crítica I.
Título. II. Título : A formação do homem grego.
94-3278 – CDD-938

Índices para catálogo sistemático:


1. Civilização helênica 938
2. Cultura helênica 938
3. Grécia antiga:Civilização 938

Todos os direitos para a língua portuguesa reservados à LIVRARIA MARTINS FONTES EDITORA
LTDA. Rua Conselheiro Ramalho, 330/340 - Tel.: 239-3677 - CEP 01325-000 - São Paulo - SP -
Brasil #aham
Agradecimento

À Exma. Sr.ª D.ª MARIA HELENA ROCHA PEREIRA, distinta Professora Catedrática da Faculdade
de Letras de Coimbra, e ao Reverendo Dr. Pe. MANUEL ANTUNES, ilustre Professor Catedrático
da Faculdade de Letras de Lisboa, deixo expresso o meu reconhecimento pela gentileza das
suas sugestões e bom acolhimento dispensado aos problemas que se me depararam.

O Tradutor
Sumário

Prólogo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ..........................................
Prólogo à segunda edição alemã ....................................
Introdução .................................................................
Lugar dos Gregos na história da educação.
A palavra cultura, A Grécia e o mundo moderno. O espírito grego. Conceito grego de
natureza. Arte. Filosofia, Educar é criar o homem vivo. Humanitas (conceito). O homem grego é
político. A arte grega é comunitária.

LIVRO PRIMEIRO
A PRIMEIRA GRÉCIA

Nobreza e arete
A nobreza, fonte de cultura, Conceito de arete. Palavras do grupo de arete. Honra e
arete, Honra em Aristóteles.
Cultura e educação da nobreza homérica
Ordenação temporal da Ilíada e da Odisséia. Nobreza da Ilíada. Nobreza da Odisséia. A
mulher na cultura aristocrática, Educação dos heróis: modelos. Fênix e Aquiles.
Telêmaco. O tema do exemplo.
Homero como educador
Ação educativa da poesia, Arte, vida, filosofia, Perenidade de Homero. Exemplo e mito
em Homero. Estilo. A aristéia. Ilíada, tragédia de Aquiles. Ilíada, intenção ética, Escudo
de Aquiles. O divino e o humano em Homero. Penélope.
Hesíodo e a vida do campo
Estado dos camponeses. Ideal do direito em Hesíodo. Os Erga. A Teogonia. O mito,
Direito, centro da vida. Arete em Hesíodo. O mundo de Hesíodo.
Educação estatal de Esparta
A polis como forma de cultura e os seus tipos.
A polis e o humano.
O ideal espartano do séc. IV e a tradição
Fontes para conhecer Esparta. Organização de Esparta. Evolução de Esparta. Tirteu.
Apelo de Tirteu à arete
Ethos pedagógico de Tirteu. Elegias de Tirteu: forma, Arete espartana. Eunomia
(poema). Arte e música.
O Estado jurídico e o seu ideal de cidadão
Polis jônica na Ilíada. Polis jônica na Odisséia. O direito em Homero. Dike. Dikaiosyne.
Continuidade da ética da velha polis. A lei escrita. A techne política.
A autoformação do indivíduo na poesia jônico-eólica
Descoberta do íntimo do Homem. Individualismo grego. Arquíloco. Sátira. Tyche em
Arquíloco, Ritmo. Simônides de Amorgos. Mimmermo, Alaeu, Safô.
Sólon: começo da formação política de Atenas
A polis jônica. A sociedade ática do tempo de Sólon. Sólon e a lei social imanente.
Conceito de ate. Destino e esforço humano. Conceito de medida.
O pensamento filosófico e a descoberta do cosmos
Logos e mito. Práxis do filósofo. Problema da physis. Anaximandro. Apeiron. Pitágoras.
Matemática e educação. Orfismo. Sophrosyne e hybris. Conceito órfico de alma,
Xenófanes, Arete em Xenófanes. Parmênides. Heráclito.
Luta e transformação da nobreza
A tradição do livro de Teógnis
Codificação da tradição pedagógica aristocrática
Eros e educação. Teógnis e a luta de classes. Crise do conceito de arete.
A fé aristocrática de Píndaro
Ideal agonístico. Essência da poesia pindárica. Arete em Simônides de Ceos. Arete em
Píndaro.
A política cultural dos tiranos
Importância e causas da tirania. Política dos tiranos. Tiranos e mecenas.
LIVRO SEGUNDO
APOGEU E CRISE DO ESPÍRITO ÁTICO

O drama de Ésquilo ...................................................


Fé de Ésquilo. Aparecimento da tragédia. Estudos sobre a origem da tragédia. Elementos
influentes na tragédia. O coro. O que é o “trágico"? O mito na tragédia. Problema da
tragédia de Ésquilo. Dore hybris. Hybris e castigo. Orestéia. Sete contra Tebas.
Prometeu. Dor e conhecimento.
O homem trágico de Sófocles....................................
Sófocles, Ésquilo, Eurípides. Caracteres em Sófocles. Formação do Homem no tempo de
Sófocles. Conceito de medida, Antígona. Tragédia e conhecimento.
Os sofistas ..................................................................
A sofística como fenômeno da história da educação…..
Arete e educação. Ideal humano da polis. Estado e educação. Arete política sofística. Os
sofistas na filosofia e ciência gregas. Os sofistas fundamentam a paidéia.
Origem da pedagogia e do ideal de cultura....................
Os sofistas e a consciência cultural grega. Conceito de natureza humana. Protágoras.
Sofistas e conceito de cultura. Trivium e quadrivium. Atitude social perante a ciência.
A crise do Estado e a educação ......................................
Oposição entre a natureza e a lei. A lei do mais forte (Cálicles). Conceito de natureza
humana e cosmopolitismo. Relativização da lei.
Eurípides e o seu tempo ............................................
Guerra e transformação dos valores. “Rústica” e “urbano”. Dessacralização do mito.
Medéia. Orestes. Retórica e poesia em Eurípides, Eurípides racionalista, Eurípides crítico,
Eurípides lírico, Eurípides psicólogo. A tyche em Eurípides.
A comédia de Aristófanes
Origens da comédia. Aristófanes e outros comediógrafos. Função censora da comédia.
Sócrates em As Nuvens. A educação antiga e a nova. Crítica a Eurípides.
Tucídides como pensador político
Tucídides, criador da história política. A "história" da natureza e o mundo político. As leis
do mundo político. Os discursos em Tucídides. Teoria das causas da guerra do
Peloponeso. A guerra e a política. Hybris e fracasso, Imagem de Péricles em Tucídides.
Politéia ateniense.

LIVRO TERCEIRO
À PROCURA DO CENTRO DIVINO
Prólogo ...................................................................... 475
Século IV ................................................................... 482
Época clássica da paidéia. A prosa na literatura. As escolas superiores.
Sócrates ...................... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . • • • • • • • • • • • • • • •
• 493
Nietzsche e Sócrates.
Oproblema Socrático............................... 498
Schleiermacher e o problema socrático. Posição de Aristóteles. Maier. Taylor e Burnet.
Sócrates, educador ........................................................ 511
Sócrates e os filósofos da natureza, Sócrates e a análise. Oginaisio, Filosofia socratica. A
psyche. Alma e corpo. Eudaimonia. Paidéia. Educação política de Sócrates. Enkratéia.
Conceito de liberdade. Autarquia. Sócrates e o problema da paidéia. Tema do diálogo
socrático. Método de Sócrates. O conhecimento. A vontade e o bem. Sócrates, cidadão de
Atenas.
A imagem de Platão na história
Schleiermacher e Platão. Campbell e a análise estilística de Platão. Teoria das idéias,
Cartas de Platão. Arete e paidéia. Platão, herdeiro de Sócrates.
Diálogos socráticos menores de Platão
A arete como problema filosófico ..................................... Diálogos menores e intenção
filosófica. O que é a virtude? um saber? Dois fatores na evolução de Platão. Critério evolutivo:
conclusões. Conceito-base da divisão social. A educagão na arete é política, Platão e o Estado.
República e Carta VII: problema. A dialética nos diálogos menores. Intenção da teoria das idéias.
OProtagoras. Paidéia Sofística ou paidéia Socrática?.......................r
Tom e conteúdo. O epangelma. Essência da educação sofática. A arete política pode ser
ensinada? Unidade e diversidade das virtudes. Felicidade e infelicidade. Arte da medida.
Valentia, Saber, fundamento da paidéia. ~
Objetivo do Górgias. Será a retórica uma techne? A retórica é mera rotina. Essência e
valor do poder. Filosofia do poder e filosofia da paidéia. Calicles. Bem por natureza e bem por
lei. Beleza e limites da paidéia. Princípio da pedagogia platônica, Alançar a arete, propósito da
vida. Perigos do Estado vigente. Duas paidéias. Os estadistas do passado. Valoração socrática da
vida. Paidéia socrática e Estado. Cisão entre a ética pessoal e a política,
O Memom.....................................................................
Como surge a arete. Eidos. Idéia em Platão. O Menon e a lógica. O Menon e as matemáticas.
Conceito platônico de saber. A arete será dom divino? Ascese.
O Banquete ................................................................
Conceito de primeiro amado. Idéia central do Banquete. Discurso de Fedro. Pausânias:
dois tipos de eros. Erixímaco: eros é harmonia, Aristófanes: eros é anseio de totalidade. Ágaton:
eros, deus perfeito. Discurso de Sócrates. Eros, syndesmos do Universo. Eros, aspiração a gerar
no belo. O Belo é o Bem. A verdadeira beleza é a interior.
A República - I ...........................................................
Introdução ..................................................................
Finalidade da República.
Como do problema da justiça brota a idéia do Estado
perfeito ........................................................................ Relatividade da lei. Crítica do conceito
corrente de justiça. O que a justiça tem de ser
A reforma da antiga paidéia ...........................................
Os guardiões. A crítica da formação musical ....................................... Crítica da poesia.
Destino, responsabilidade, paidéia. A paidéia, norma da poesia. Tipos de expressão poética. A
másica: tipos melódicos. Ethos, harmonia, ritmo. Música e paidéia. Crítica da ginástica e da
medicina.................................
Ginástica dos guardiões. Crítica da Medicina. A educação no Estado
justo...........................................
O governante. Essência da justiça. Estrutura da alma, A educação da mulhere da
criança................................
Tarefas do homem e da mulher. Seleção racial e educação dos
melhores ...........................
Arete de Sangue. Idade prolífera, Fundamentos do Estado.

A educação dos guerreiros e a reforma do direito de guerra • • • • • • • • • • • • • • • •


• • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • . . . . . . . . . . . . . . Ética do
guerreiro. O Estado ideal de Platão, verdadeira pátria do homem filosofico. Paradigma e
mimesis. Filosofia e paidéia. O filósofo. Alegoria do navio. Filósofo, o homem superior. A massa
e o temperamento filosófico. Atitude do filósofo. Alcance das escolas filosóficas. Ofilósofo e o
mundo. A República - II ......................................................... Apaidéia dos
governantes ............................................. O desvio, caminho do espírito. O summum bonum.
Conhecimento do Bem: alegoria do sol. Função religiosa da filosofia grega. Bem e felicidade.
Graus de conhecimento. A dialética,
A caverna: uma imagem da paidéia................................
Essência da paidéia. Apaidéia como conversão..............................................
A nova religião do Bem. As matemáticas como propaidéia ....................................
Quadrivium: origem pitagórica. A estereometria. Teeteto e Platão. Obras de Platão e
ensino da Academia.
A formação dialética.....................................................
O curriculum do filósofo ................................................. Propaidéia. Ginástica e dialética.
Perigos da dialética. AMeta do dialetico.
A doutrina das formas de Estado como patologia da alma
humana......................................................... A timocracia, Hipocrisia, resultado da paidéia
espartana. A oligarquia. Origem do homem oligárquico. Nascimento da democracia. Nascimento
do homem democrático. A tirania, Análise da vida onírica. Paidéia do inconsciente. A
ര m ര rguid.
O Estado em nós..........................................................
Eudaimonia. Três classes de prazer, três formas de vida. O prazer mais pleno. No Estado
platônico descobrimos o Homem.
A República - III ........................................................ O valor educativo da
poesia...........................................
Por que a luta de Platão contra a poesia? Poesia e juventude Objeção fundamental
contra a poesia.
Paidéia e escatologia .....................................................
A opção do bios.

LIVRO QUARTO
O CONFLITO DOS IDEAIS DE CULTURA NO SÉCULO IV
‫محبر‬
E realmente possível a educação num sentido distinto do
técnico ...........................................................
A Medicina como paidéia ..........................................
Conceito de lei, de adequado, de isomoiria. Conceito de natureza. O Corpus
Hippocraticum. Característica da literatura médica. Círculos interessados em temas médicos,
Medicina e filosofia da natureza. Tendência ao empirismo. Conceito de eidos. O método de
Hipócrates, segundo Platão, Conceito de natureza na medicina grega, Medida, mistura,
simetria. Arte e natureza, Literatura dietética. A obra Da Dieta. Cronologia da obra Da Dieta.
Conceito de alma na obra Da Dieta. Díocles de Caristo. Mens sana in
corpore sano.
A retórica de Isócrates e o seu ideal de cultura ..........
Isócrates, sofista. Perfil de Sócrates. Conteúdo e forma em Isócrates. O eidos em
retórica, Valor educativo da retórica, Dons naturais, estudo e prática, Isócrates e Platão.

Educação política e ideal pan-helênico....................


Tema da retórica: política. O Panegírico. Atenas, paideusis da Grécia, Irradiação da
cultura grega.
A educação do príncipe.............................................
Isócrates e Píndaro: modelo. Arete do príncipe. Retórica e poesia. Retórica e logos. A
obra do Rei. Pode ensinar-se a virtude? O tirano transformado em governante. A experiência e
a idéia. História e retórica. Poder educativo da forma.
Autoridade e liberdade na democracia radical .........
O Areopagítico. Data do Areopagítico. Intenção do Areopagítico. Programa de minoria
conservadora. O pasSado, modelo do presente. Não importam as leis, mas o ethos. Defeitos da
educação. Benefícios da democracia. A physis como norma. O indivíduo e o meio.
Isócrates defende a sua paidéia ................................. Antídosis e Apologia de Sócrates. O
Panegírico. A Nicocles. Valor da obra de Isócrates. Os discípulos de Isócrates. Cultura e
juventude. Por que a cultura? Contradicóes da Paidéia. Isócrates e Platão. A verdadeira cultura.
Orientar a pleonexia. Cultura e demagogia.
Xenofonte: o cavaleiro e o soldado ideais ................
Atividade literária. Paidéia fora da Grécia. O modelo Ciro: as virtudes do soldado.
Paidéia persa. Finalidade da Ciropedia. A Constituição dos Lacedemônios. A agoge espartana. O
Sócrates das Memoráveis. Cultura e vida campestre. O Cinegético. Feição prática da paidéia.
O Fedro de Platão: filosofia e retórica.....................
Problema da composição do Fedro. Como compreender o Fedro. Problema fundamental
da retórica. Integração da retórica na paidéia platônica. Platão e Dionísio: a tragédiada
paidéia ...................... Evolução de Platão. A República e Dionísio II. Platão
e a tyche divina. Obra escrita e doutrina, Processo da paidéia.
Missão educativa do legislador ......................................
As Leis e a República. Finalidade das Leis. Os preâmbulos das Leis: introdução à paidéia.
O espírito das leis e a verdadeira educação....................
Crítica de Esparta. Valor dos banquetes. Fenomenologia da paidéia. Deus guia a alma
por meio do logos. Formação inconsciente do ethos. Sentido e destino da arte.
Causas da decadência do Estado.....................................
Evolução do Estado e da cultura. Causas da decadência espartana. Axiomas do governo
das Leis. Atenas: luz e sombras.
Fundação de Estados e norma divina: os preâmbulos das leis.... Tyche, Kairos, techne.
Deus, pedagogo e centro do Mundo.
As leis sobre a educação do povo.................................... Educação infantil: o hábito.
Valor educativo do jogo. Teocentrismo. Modernidade das leis platônicas. Matemáticas e cultura
elementar. Os theoroi e a cultura.
A educação dos governantes e o conhecimento de
Demóstenes: agonia e transformação da cidade-es
tado .........................................................a s 8 s a e s a
Controvérsias sobre Demóstenes. A juventude ateniense, Política de equilíbrio.
Demóstenes, logógrafo. Política externa. O problema Filipe. As Filípicas. A tyche. O verdadeiro
pan-helenismo. O passado e o presente. A questão social e a sobrevivência nacional. O fracasso
da polis.
Prólogo

Dou a público uma obra de investigação histórica acerca de um problema até agora
inexplorado: paidéia, a formação do homem grego, como base para uma nova consideração de
conjunto do fenômeno grego. Conquanto se tenha descrito freqüentemente o desenvolvimento
do Estado e da sociedade, da literatura e da religião e filosofia dos Gregos, ninguém até hoje
tentou evidenciar a ação recíproca entre o processo histórico pelo qual se chegou à formação
do homem grego e o processo espiritual através do qual os Gregos lograram elaborar o seu
ideal de humanidade. Todavia, não foi por ela não ter tido cultores até agora que me devotei a
esta tarefa; eu o fiz porque julguei ver que da solução deste profundo problema histórico e
espiritual estava pendente a inteligência daquela criação educativa ímpar, da qual irradia a
imorredoura ação dos gregos sobre todos os séculos.
Os dois primeiros livros compreendem a fundação, o crescimento e a crise da formação
grega nos tempos do homem heróico e político, ou seja, durante o período primitivo e clássico.
Findam com a ruína do Império ateniense. O terceiro trata da restauração espiritual do século
de Platão, da sua luta para alcançar o domínio do Estado e da educação, e da transformação da
cultura grega num império universal.
Esta exposição não se dirige apenas a um público especializado, dirige-se a todos os que,
nas lutas do nosso tempo, buscam no contato com os Gregos a salvação e manutenção da
nossa cultura milenária, Não foram poucas as vezes em que me foi difícil manter o equilíbrio
entre o desejo de conseguir uma ampla visão histórica de conjunto e a necessidade
imprescindível de reelaborar profundamente o complexo material de cada uma das seções
deste livro, por uma investigação exata e minuciosa. O estudo da Antiguidade segundo o ponto
de vista desta obra põe em evidência uma série de novos problemas que ocuparam o centro do
meu ensino e da minha investigação nos últimos dez anos, Renunciei, porém, a publicar todos e
cada um dos resultados em volumes particulares, pois dessa forma teriam crescido
informemente de tamanho. Quanto ao essencial, o fundamento das minhas convicções
ressaltará da própria exposição, uma vez que brota diretamente da interpretação dos textos
originais e os põe em conexão tal, que por si próprios eles se explicam. Notas de rodapé
referem as citações dos autores antigos, bem como o que há de mais importante na bibliografia
moderna, principalmente o que diz respeito aos problemas da história da formação. Raramente
se podia apresentar na forma de observações marginais o que requeria uma fundamentação
mais completa, Publiquei parte disso em estudos particulares a que faço breve referência nesta
obra. O resto será objeto de novas publicações. Monografias e livro constituem um todo e
mutuamente se escoram,
Na introdução procurei delinear a posição da paidéia grega na História, através de uma
consideração mais geral do que nela era típico. Pus também em relevo o que, do nosso
conhecimento das formas gregas de formação do homem, resulta para a nossa relação com o
humanismo dos primeiros tempos. Este problema é hoje mais candente e mais discutido que
nunca. É claro que a sua solução não pode resultar de uma investigação histórica como esta,
uma vez que ali se não trata dos Gregos, mas de nós próprios. No entanto, o conhecimento
essencial da formação grega constitui um fundamento indispensável para todo o conhecimento
ou intento de educação atual. Foi esta convicção a origem do meu interesse científico pelo
problema e, conseqüentemente, a origem deste livro.
Prólogo à segunda edição alemã

Que ao fim de ano e meio tenha sido necessária uma segunda edição dos dois primeiros
livros de Paidéia é para mim um sinal animador de que a obra rapidamente conquistou
amizades. A brevidade do tempo decorrido após a primeira edição não permite introduzir no
texto grandes retificações. Tive, no entanto, oportunidade de corrigir alguns erros.
Aliás, é da natureza deste livro que as discussões por ele suscitadas sejam, em boa
parte, o reflexo de uma interpretação determinada da História no espelho de diferentes
concepções do mundo. Assim se encetou uma discussão sobre o objetivo e os métodos do
conhecimento histórico, na qual não posso participar aqui. Exigiria uma obra à parte a
fundamentação teórica rigorosa da minha atitude e do meu método.
Prefiro que os confirmem os próprios fatos que me levaram a adotá-los. Importa apenas
dizer que o aspecto da História oferecido por este livro não substitui, nem pretende substituir, a
história em sentido tradicional, isto é, a história dos acontecimentos. Não é, porém, menos
necessário e justificado estudar a história do ser do homem, tal qual ressalta da sua expressão
nas obras criadoras do espírito. Além de vários séculos da história grega nos terem sido
transmitidos exclusivamente sob esta forma - toda a cultura grega -, até nos tempos que
conhecemos por meio de outros testemunhos continua a ser este o acesso mais direto à vida
íntima do passado, Por esta razão, o objetivo deste livro é a exposição da paidéia dos Gregos, e
simultaneamente dos Gregos encarados como paidéia.
Introdução

Paidéia, a palavra que serve de título a esta obra, não é apenas um nome simbólico, é a
única designação exata do tema histórico nela estudado Este tema é, de fato, difícil de definir
como outros conceitos de grande amplitude (por exemplo os de filosofia ou cultura), resiste a
deixar-se encerrar numa fórmula abstrata. O seu conteúdo e significado só se revelam
plenamente quando lemos a sua história e lhes seguimos o esforço para conseguirem plasmar-
se na realidade,
Ao empregar um termo grego para exprimir uma coisa grega, quero dar a entender que
essa coisa se contempla, não com os olhos do homem moderno, mas sim com os do homem
grego,
Não se pode evitar o emprego de expressões modernas como civilização, cultura,
tradição, literatura ou educação; nenhuma delas, porém, coincide realmente com o que os
Gregos entendiam por paidéia. Cada um daqueles termos se limita a exprimir um aspecto
daquele conceito global, e, para abranger o campo total do conceito grego, teríamos de
empregá-los todos de uma só vez.
E no entanto a verdadeira essência da aplicação ao estudo e das atividades do estudioso
baseia-se na unidade originária de todos aqueles aspectos - unidade vincada na palavra grega -
e não na diversidade sublinhada e consumada pelas locuções modernas.
Os antigos estavam convencidos de que a educação e a cultura não constituem uma arte
formal ou uma teoria abstrata, distintas da estrutura histórica objetiva da vida espiritual de
uma nação, para eles, tais valores concretizavam-se na literatura, que é a expressão real de
toda cultura superior. E é deste modo que devemos interpretar a definição do homem culto
apresentada por Frínico (Cf. qu2óloyoç, p. 483 Rutherford):
Φιλόλογος όφιλων λόγους και σπουδάζων περί παιδείαν.
Lugar dos Gregos na história da educação
Todo povo que atinge um certo grau de desenvolvimento sente-se naturalmente
inclinado à prática da educação. Ela é o princípio por meio do qual a comunidade humana
conserva e transmite a sua peculiaridade física e espiritual. Com a mudança das coisas, mudam
os indivíduos; o tipo permanece o mesmo. Homens e animais, na sua qualidade de seres físicos,
consolidam a sua espécie pela procriação natural. Só o Homem, porém, consegue conservar e
propagar a sua forma de existência social e espiritual por meio das forças pelas quais a criou,
quer dizer, por meio da vontade consciente e da razão. O seu desenvolvimento ganha por elas
um certo jogo livre de que carece o resto dos seres vivos, se pusermos de parte a hipótese de
transformações pré-históricas das espécies e nos ativermos ao mundo da experiência dada.
Uma educação consciente pode até mudar a natureza física do Homem e suas
qualidades, elevando-lhe a capacidade a um nível superior. Mas o espírito humano conduz
progressivamente à descoberta de si próprio e cria, pelo conhecimento do mundo exterior e
interior, formas melhores de existência humana. A natureza do Homem, na sua dupla estrutura
corpórea e espiritual, cria condições especiais para a manutenção e transmissão da sua forma
particular e exige organizações físicas e espirituais, ao conjunto das quais damos o nome de
educação. Na educação, como o Homem a pratica, atua a mesma força vital, criadora e plástica,
que espontaneamente impele todas as espécies vivas à conservação e
propagação do seu tipo. É nela, porém, que essa força atinge o mais alto grau de intensidade,
através do esforço consciente do conhecimento e da vontade, dirigida para a consecução de
um fim.
Derivam daqui algumas considerações gerais.
Antes de tudo, a educação não é uma propriedade individual, mas pertence por
essência à comunidade. O caráter da comunidade imprime-se em cada um dos seus membros e
é no homem, Coov Coltukóu, muito mais que nos animais, fonte de toda ação e de todo
comportamento. Em nenhuma parte o influxo da comunidade nos seus membros tem maior
força que no esforço constante de educar, em conformidade com o seu próprio sentir, cada
nova geração. A estrutura de toda a sociedade assenta nas leis e normas escritas e não escritas
que a unem e unem os seus membros. Toda educação é assim o resultado da consciência viva
de uma norma que rege uma comunidade humana, quer se trate da família, de uma classe ou
de uma profissão, quer se trate de um agregado mais vasto, como um grupo étnico ou um
Estado.
A educação participa na vida e no crescimento da sociedade, tanto no seu destino
exterior como na sua estruturação interna e desenvolvimento espiritual; e, uma vez que o
desenvolvimento social depende da consciência dos valores que regem a vida humana, a
história da educação está essencialmente condicionada pela transformação dos valores válidos
para cada sociedade. À estabilidade das normas válidas corresponde a solidez dos fundamentos
da educação. Da dissolução e destruição das normas advém a debilidade, a falta de segurança e
até a impossibilidade absoluta de qualquer ação educativa. Acontece isto quando a tradição é
violentamente destruída ou sofre decadência interna. Sem dúvida, a estabilidade não é indício
seguro de saúde, porque reina também nos estados de rigidez senil, nos momentos finais de
uma cultura: assim sucede na China confucionista pré-revolucionária, nos últimos tempos da
Antiguidade, nos derradeiros dias do Judaísmo, em certos períodos da história das Igrejas, da
arte e das escolas científicas. É monstruosa a impressão gerada pela fixidez quase intemporal
da história do antigo Egito, através de mi
lênios; mas também entre os Romanos a estabilidade das relações sociais e políticas foi
considerada como o valor mais alto e apenas se concedeu justificação limitada aos anseios e
ideais inovadores.
O Helenismo ocupa uma posição singular. A Grécia representa, em face dos grandes
povos do Oriente, um "progresso" fundamental, um novo "estádio" em tudo o que se refere à
vida dos homens na comunidade. Esta fundamenta-se em princípios completamente novos. Por
mais elevadas que julguemos as realizações artísticas, religiosas e políticas dos povos
anteriores, a história daquilo a que podemos com plena consciência chamar cultura só começa
com os Gregos.
A investigação moderna no século passado abriu imensamente o horizonte da História.
A oikoumene dos Gregos e Romanos "Clássicos", que durante dois mil anos coincidiu com os
limites do mundo, foi rasgada em todos os sentidos do espaço e perante o nosso olhar surgiram
mundos espirituais até então insuspeitados. Reconhecemos hoje, todavia, com a maior clareza,
que tal ampliação do nosso campo visual em nada mudou este fato: a nossa história - na sua
mais profunda unidade -, assim que deixa os limites de um povo particular e nos inscreve como
membros num vasto círculo de povos, "começa" com a aparição dos Gregos. Foi por esta razão
que a esse grupo de povos dei a designação de helenocêntrico 1. "Começo" não quer dizer aqui
início temporal apenas, mas ainda ópX, origem ou fonte espiritual, a que sempre, seja qual for o
grau de desenvolvimento, se tem de regressar para encontrar orientação. É este o motivo por
que, no decurso da nossa história, voltamos constantemente à Grécia. Ora, este retorno à
Grécia, esta espontânea renovação da sua influência, não significa que lhe tenhamos conferido,
pela sua grandeza espiritual, uma autoridade imutável, fixa e independente do nosso destino. O
fundamento do nosso regresso reside nas nossas próprias necessidades vitais, por mais
variadas que elas sejam através da História. É claro que, para nós e para cada um dos povos
deste círculo, a Grécia e Roma aparecem como algo de radicalmente

1 Ver o meu ensaio introdutório na coleção Altertum und Gegenwart, 2 ed., p. 11, Leipzig, 1920.
estranho. Esta separação funda-se em parte no sangue e no sentimento, em parte na estrutura
do espírito e das instituições, e ainda na diferença da respectiva situação histórica; mas entre
esta separação e a que sentimos ante os povos orientais, distintos de nós pela raça e pelo
espírito, a diferença é gigantesca. E é, sem dúvida, errôneo e falho de perspectiva histórica
separar da Antiguidade clássica os povos ocidentais, como alguns escritores fazem, por uma
barreira comparável à que nos separa da China, da Índia ou do Egito.
Não se trata só de um sentimento de parentesco racial, por maior que seja a
importância deste fator para a compreensão íntima de outro povo. Ao dizermos que a nossa
história começa na Grécia, precisamos adquirir uma consciência clara do sentido que neste caso
damos à palavra "história". História significa, por exemplo, a exploração de mundos estranhos,
singulares e misteriosos. Assim a concebeu Heródoto. Também hoje, com aguda percepção da
morfologia da vida humana em todas as suas formas, nós nos aproximamos dos povos mais
remotos e procuramos penetrar no seu espírito próprio. Mas é preciso distinguir a história
neste sentido quase antropológico da história que se fundamenta numa união espiritual viva e
ativa e na comunidade de um destino, quer seja o do próprio povo, quer o de um grupo de
povos estreitamente unidos. Só nesta espécie de história se tem uma íntima compreensão e
contato criador entre uns e outros. Só nela existe uma comunidade de ideais e de formas
sociais e espirituais que se desenvolvem e crescem independentes das mültiplas interrupções e
mudanças através das quais varia, se cruza, choca, desaparece e se renova uma família de
povos diversos na raça e na genealogia. Essa comunidade existe na totalidade dos povos
ocidentais e entre estes e a Antiguidade clássica. Se considerarmos a História neste sentido
profundo, no sentido de uma comunidade radical, não poderemos supor-lhe como cenário o
planeta inteiro e, por mais que alarguemos os nossos horizontes geográficos, as fronteiras da
"nossa" história jamais poderão ultrapassar a antiguidade daqueles que há vários milênios
traçaram o nosso destino. Não é possível dizer até quando a Humanidade continuará a
crescer na unidade de sentido que tal destino lhe assinala, nem isso importa para o
objeto do nosso estudo.
Não é possível descrever em poucas palavras a posição revolucionadora e solidária da
Grécia na história da educação humana. O objeto deste livro é apresentar a formação do
homem grego, a paidéia, no seu caráter particular e no seu desenvolvimento histórico. Não se
trata de um conjunto de idéias abstratas, mas da própria história da Grécia na realidade
concreta do seu destino vital. Contudo, essa história vivida já teria desaparecido há longo
tempo se o homem grego não a tivesse criado na sua forma perene. Criou-se como expressão
da altíssima vontade com que talhou o seu destino. Nos estádios primitivos do seu crescimento,
não teve a idéia clara dessa vontade; mas, à medida que avançava no seu caminho, ia-se
gravando na sua consciência, com clareza cada vez maior, a finalidade sempre presente em que
a sua vida assentava: a formação de um elevado tipo de Homem. A idéia de educação
representava para ele o sentido de todo o esforço humano. Era a justificação última da
comunidade e individualidade humanas. O conhecimento próprio, a inteligência clara do Grego
encontravam-se no topo do seu desenvolvimento. Não há qualquer razão para pensarmos que
os entenderíamos melhor por algum gênero de consideração psicológica, histórica ou social.
Mesmo os imponentes monumentos da Grécia arcaica são perfeitamente inteligíveis a esta luz,
pois foram criados no mesmo espírito. E foi sob a forma de paidéia, de "cultura", que os Gregos
consideraram a totalidade da sua obra criadora em relação aos outros povos da Antiguidade de
que foram herdeiros. Augusto concebeu a missão do Império Romano em função da idéia da
cultura grega. Sem a concepção grega da cultura não teria existido a "Antiguidade" como
unidade histórica, nem o "mundo da cultura" ocidental.
Hoje estamos habituados a usar a palavra cultura não no sentido de um ideal próprio da
humanidade herdeira da Grécia, mas antes numa acepção bem mais comum, que a estende a
todos os povos da Terra, incluindo os primitivos. Entendemos assim por cultura a totalidade das
manifestações e formas de vida
que caracterizam um povo2. A palavra converteu-se num simples conceito antropológico
descritivo. Já não significa um alto conceito de valor, um ideal consciente. Com este vago
sentimento analógico, nos é permitido falar de uma cultura chinesa, hindu, babilônica, hebraica
ou egípcia, embora nenhum destes povos tenha uma palavra ou conceito que a designe de
modo consciente. É evidente que qualquer povo altamente organizado tem um sistema
educativo. Mas a "Lei e os Profetas" dos Hebreus, o sistema confucionista dos Chineses, o
"dharma" hindusão, na sua essência e na sua estrutura espiritual, algo fundamentalmente
distinto do ideal grego de formação humana. O costume de falar de uma multiplicidade de
culturas pré-helênicas tem a sua origem, em última análise, no afã igualitário do positivismo,
que trata as cosas alheias mediante conceitos de raiz européia, sem levar em consideração que
o simples fato de submeter os mundos alheios a um sistema de conceitos que lhes é
essencialmente inadequado é já uma falsificação histórica. Nela radica o círculo vicioso em que
se debate a quase totalidade do pensamento histórico. Não é possível evitá-lo completamente,
porque não é possível sair da nossa própria pele. Mas é necessário fazê-lo, pelo menos no
problema fundamental da divisão da História, começando pela distinção primacial entre o
mundo pré-helénico e o que se inicia com os Gregos, o qual estabelece pela primeira vez de
modo consciente um ideal de cultura como princípio formativo.
Talvez não tenhamos ganhado grande coisa em afirmar que os Gregos foram os
criadores da idéia de cultura, num tempo cansado de cultura e em que se pode considerar
como sobrecarga essa paternidade. Mas o que hoje denominamos cultura não passa de um
produto deteriorado, derradeira metamorfose do conceito grego originário. A paidéia não é,
para os Gregos, um "aspecto exterior da vida", Kotoo Keul too Bíou, incompreensível, fluido e
anárquico. Tanto mais conveniente se torna, por isso, iluminar a sua verdadeira forma a fim de
nos assegurarmos do seu au

2 Para o que se segue, ver o meu trabalho Platos Stellung im Aufbau der Griechischen Bildung (Berlim,
1928), especialmente a primeira parte: Kulturidee und Griechentum,pp. 7 ss. (Die Antike, vol. 4, p. 1).
têntico sentido e do seu valor originário. O conhecimento do fenômeno original
pressupõe uma estrutura espiritual análoga à dos Gregos, atitude semelhante à que Goethe
adota na consideração da natureza - ainda que provavelmente sem se vincular a uma tradição
histórica direta. Precisamente num momento histórico em que, pela própria razão do seu
caráter epigonal, a vida humana se encolheu na rigidez da sua carapaça, em que o complicado
mecanismo da cultura se tornou hostil às virtudes heróicas do Homem, é preciso, por profunda
necessidade histórica, voltar os olhos para as fontes de onde brota o impulso criador do nosso
povo, penetrar nas camadas profundas do ser histórico em que o espírito grego, estreitamente
vinculado ao nosso, deu forma à vida palpitante que ainda em nossos dias se mantém, e
eternizou o instante criador da sua irrupção. O mundo grego não é só o espelho onde se reflete
o mundo moderno na sua dimensão cultural e histórica ou um símbolo da sua autoconsciência
racional. O mistério e deslumbramento originário cerca a primeira criação de seduções e
estímulos em eterna renovação. Quanto maior é o perigo de até o mais elevado bem se
degradar no uso diário, com tanto maior vigor sobressai o profundo valor das forças
conscientes do espírito que se destacaram na obscuridade do coração humano e estruturaram,
no frescor matinal e com o gênio criador dos povos jovens, as mais altas formas de cultura.
Dissemos que a importância universal dos Gregos como educadores deriva da sua nova
concepção do lugar do indivíduo na sociedade. E, com efeito, se contemplamos o povo grego
sobre o fundo histórico do antigo Oriente, a diferença é tão profunda que os Gregos parecem
fundir-se numa unidade com o mundo europeu dos tempos modernos. E isto chega ao ponto
de podermos sem dificuldade interpretá-los na linha da liberdade do individualismo moderno.
Efetivamente, não pode haver contraste mais agudo que o existente entre a consciência
individual do homem de hoje e o estilo de vida do Oriente pré-helênico, tal como ele se
manifesta na sombria majestade das Pirâmides, nos túmulos dos reis e na monumentalidade
das construções orientais. Em contraste com a exaltação oriental dos homens-deuses,
solitários, acima de toda a medida natural, onde se expressa uma concepção
metafísica que nos é totalmente estranha; em contraste com a opressão das massas,
sem a qual não seria concebível a exaltação dos soberanos e a sua significação religiosa, o início
da história grega surge como princípio de uma valoração nova do Homem, a qual não se afasta
muito das idéias difundidas pelo Cristianismo sobre o valor infinito de cada alma humana nem
do ideal de autonomia espiritual que desde o Renascimento se reclamou para cada indivíduo. E
teria sido possível a aspiração do indivíduo ao valor máximo que os tempos modernos lhe
reconhecem, sem o sentimento grego da dignidade humana?
É historicamente indiscutível que foi a partir do momento em que os Gregos situaram o
problema da individualidade no cimodo seu desenvolvimento filosófico que principiou a
história da personalidade européia. Roma e o Cristianismo agiram sobre ela. E da intersecção
desses fatores brotou o fenômeno do eu individualizado. Mas não podemos entender de modo
radical e preciso aposição do espírito grego na história da formação dos homens, se tomarmos
um ponto de vista moderno. Vale mais partir da constituição rácica do espírito grego. A
vivacidade espontánea, a sutil mobilidade, a íntima liberdade (que parecem ter sido as
condições do rápido desabrochar daquele povo na inesgotável riqueza de formas que nos
surpreende e espanta ao contato com os escritores gregos de todos os tempos, dos mais
primitivos aos mais modernos) não têm as suas raízes no cultivo da subjetividade, como
atualmente acontece; pertencem à sua natureza. E quando esse povo atinge a consciência de si
próprio descobre, pelo caminho do espírito, as leis e normas objetivas cujo conhecimento dá ao
pensamento e à ação uma segurança antes desconhecida. Do ponto de vista oriental, é
impossível compreender como os artistas gregos conseguiram representar o corpo humano,
livre e descontraído, fundados, não na imitação de movimentos e atitudes individuais
escolhidas ao acaso, mas sim na intuição das leis que governam a estrutura, o equilíbrio e o
movimento do corpo. Do mesmo modo, a liberdade sofreada sem esforço, característica do
espírito grego e desconhecida dos povos anteriores, baseia-se na consciência nítida de uma
legalidade imanente das coisas. Os Gregos tiveram o senso inato do que significa “natureza”. O
con
ceito de natureza, elaborado por eles em primeira mão, tem indubitável origem na sua
constituição espiritual. Muito antes de o espírito grego ter delineado essa idéia, eles já
consideravam as coisas do mundo numa perspectiva tal que nenhuma delas lhes aparecia como
parte isolada do resto, mas sempre como um todo ordenado em conexão viva, na e pela qual
tudo ganhava posição e sentido. Chamamos orgânica a esta concepção, porque nela todas as
partes são consideradas membros de um todo. A tendência do espírito grego para a clara
apreensão das leis do real, tendência patente em todas as esferas da vida - pensamento,
linguagem, ação e todas as formas de arte -, radica-se nesta concepção do ser como estrutura
natural, amadurecida, originária e orgânica.
O estilo e a visão artística dos Gregos surgem, em primeiro lugar, como talento estético.
Assentam num instinto e num simples ato de visão, não na deliberada transferência de uma
idéia para o reino da criação artística. A idealização da arte só mais tarde aparece, no período
clássico. É claro que não basta insistir nesta disposição natural e na inconsciência desta intuição
para explicar a razão por que aparecem os mesmos fenômenos na literatura, cujas criações não
dependem já da visão dos olhos, mas da interação do sentido da linguagem e das emoções da
alma. Até na oratória grega encontramos os mesmos princípios formais que vemos na escultura
ou na arquitetura. Referimo-nos ao caráter plástico ou arquitetônico de um poema ou de uma
obra em prosa. Ao falarmos assim, não estamos pensando em valores formais imitados das
artes plásticas, mas antes em normas análogas da linguagem humana e da sua estrutura.
Empregamos estas metáforas apenas porque a articulação dos valores nas artes plásticas é
mais intuitiva e por isso mais rapidamente apreendida. As formas literārias dos Gregos surgem
organicamente, na sua multíplice variedade e elaborada estrutura, das formas naturais e
ingênuas pelas quais o Homem exprime a sua vida, elevando-se daí à esfera ideal da arte e do
estilo. Também na oratória, a sua aptidão para dar forma a um plano complexo e lucidamente
articulado deriva simplesmente do sentido espontâneo e amadurecido das leis que governam o
sentimento, o pensamento e a linguagem, o
qual conduz finalmente à criação abstrata e técnica da lógica, da gramática, da retórica.
A este respeito, aprendemos muito dos Gregos: aprendemos a estabilidade férrea das
formas do pensamento, da oratória e do estilo, que ainda hoje para nós são válidas.
Isto aplica-se ainda à criação mais bela do espírito grego, ao mais eloqüente testemunho
da sua estrutura ímpar: a filosofia. Nela se manifesta da maneira mais evidente a força que se
encontra na raiz do pensamento e da arte grega, a percepção clara da ordem permanente que
está no fundo de todos os acontecimentos e mudanças da natureza e da vida humanas. Todos
os povos criaram o seu código de leis; mas os Gregos buscaram a "lei" que age nas próprias
coisas, e procuraram reger por ela a vida e o pensamento do homem. O povo grego é o povo
filosófico por excelência. A "teoria" da filosofia grega está intimamente ligada à sua arte e à sua
poesia. Não contém só o elemento racional em que pensamos em primeiro lugar, mas também,
como o indica a etimologia da palavra, um elemento intuitivo que apreende o objeto como um
todo na sua "idéia", isto é, como uma forma vista. Embora estejamos cônscios do perigo da
generalização e da interpretação do anterior pelo posterior, não podemos fugir à convicção de
que a idéia platônica, produto único e específico do espírito grego, nos dá a chave para
interpretar a mentalidade grega em muitas outras esferas. A conexão entre as idéias platônicas
e a tendência da arte para a forma foi posta em relevo desde a Antiguidade 3. Mas é também
válida para a oratória e para a essência do espírito grego em geral. Mesmo as concepções
cosmogônicas dos mais antigos filósofos da natureza estão orientadas por uma intuição deste
gênero, ao contrário da física atual, regida pela experimentação e pelo cálculo. Não é uma
simples soma de observações particulares e abstrações metódicas, mas algo que chega mais
longe, uma interpretação dos fatos particulares a partir de uma imagem que lhes dá uma
posição e um sentido como partes de um todo. A matemática e a música gregas, na medida em
que as co

3 Para isto a fonte clássica é CÍCERO, Or. 7-10, que, por sua vez, baseia-se em fontes gregas.
nhecemos, distinguem-se igualmente, por esta forma ideal, daquelas dos povos
anteriores.
A posição específica do Helenismo na história da educação humana depende da mesma
particularidade da sua organização íntima - a aspiração à forma que domina tanto os
empreendimentos artísticos como todas as coisas da vida - e, além disso, do seu sentido
filosófico do universal, da percepção das leis profundas que governam a natureza humana e das
quais derivam as normas que regem a vida individual e a estrutura da sociedade. Na profunda
intuição de Heráclito, o universal, o logos, é o comum na essência do espírito, como a lei é o
comum na cidade. No que se refere ao problema da educação, a consciência clara dos
princípios naturais da vida humana e das leis imanentes que regem as suas forças corporais e
espirituais tinha de adquirir a mais alta importância 4.
Colocar estes conhecimentos como força formativa a serviço da educação e formar por
meio deles verdadeiros homens, como o oleiro modela a sua argila e o escultor as suas pedras,
é uma idéia ousada e criadora que só podia amadurecer no espírito daquele povo artista e
pensador. A mais alta obra de arte que o seu anelo se propôs foi a criação do Homem vivo. Os
Gregos viram pela primeira vez que a educação tem de ser também um processo de construção
consciente.
"Constituído de modo correto e sem falha, nas mãos, nos pés e no espírito", tais são as
palavras pelas quais um poeta grego dos tempos de Maratona e Salamina descreve a essência
da virtude humana mais difícil de adquirir. Só a este tipo de educação se pode aplicar com
propriedade a palavra formação, tal como a usou Platão pela primeira vez em sentido
metafórico, aplicando-a à ação educadora5. A palavra alemã Bildung (formação, configuração) é
a que designa do modo mais intuitivo a essência da educação no sentido grego e platônico.
Contém ao mesmo tempo a configuração artística e plástica, e a imagem, "idéia", ou "tipo"
normativo que se descobre na intimidade do artista. Em todo lu

4 Ver o meu Antike und Humanismus, p. 13 (Leipzig, 1925).


5 cóttev. Platão, Rep., 377 B; Leis, 671, E.
gar onde esta idéia reaparece mais tarde na História, ela é uma herança dos Gregos, e
aparece sempre que o espírito humano abandona a idéia de um adestramento em função de
fins exteriores e reflete na essência própria da educação. O fato de os Gregos terem sentido
esta tarefa como algo grandioso e difícil e se terem consagrado a ela com ímpeto sem igual não
se explica nem pela sua visão artística nem pelo seu espírito "teórico". Desde as primeiras
notícias que temos deles, encontramos o homem no centro do seu pensamento. A forma
humana dos seus deuses, o predomínio evidente do problema da forma humana na sua
escultura e na sua pintura, o movimento conseqüente da filosofia desde o problema do cosmos
até o problema do homem, que culmina em Sócrates, Platão e Aristóteles; a sua poesia, cujo
tema inesgotável desde Homero até os últimos séculos é o homem e o seu duro destino no
sentido pleno da palavra; e, finalmente, o Estado grego, cuja essência só pode ser
compreendida sob o ponto de vista da formação do homem e da sua vida inteira: tudo são raios
de uma única e mesma luz, expressões de um sentimento vital antropocêntrico que não pode
ser explicado nem derivado de nenhuma outra coisa e que penetra todas as formas do espírito
grego. Assim, entre os povos, o grego é o antropoplástico.
Podemos agora determinar com maior precisão a particularidade do povo grego frente
aos povos orientais. A sua descoberta do Homem não é a do eu subjetivo, mas a consciência
gradual das leis gerais que determinam a essência humana. O princípio espiritual dos Gregos
não é o individualismo, mas o "humanismo", para usar a palavra no seu sentido clássico e
originário. Humanismo vem de humanitas. Pelo menos desde o tempo de Varrão e de Cícero,
esta palavra teve, ao lado da acepção vulgar e primitiva de humanitário, que não nos interessa
aqui, um segundo sentido mais nobre e rigoroso. Significou a educação do Homem de acordo
com a verdadeira forma humana, com o seu autêntico ser 6. Tal é a genuína paidéia grega,
considerada modelo por um homem de Estado romano. Não brota do individual, mas da idéia.
Acima do Homem como ser gregário ou como suposto eu autôno

6 Cf. Aulo Gélio, Noct. Att. XIII. 17.


mo, ergue-se o Homem como idéia. A ela aspiram os educadores gregos, bem como os
poetas, artistas e filósofos. Ora, o Homem, considerado na sua idéia, significa a imagem do
Homem genérico na sua validade universal e normativa. Como vimos, a essência da educação
consiste na modelagem dos indivíduos pela norma da comunidade. Os Gregos foram
adquirindo gradualmente consciência clara do significado deste processo mediante aquela
imagem do Homem, e chegaram por fim, através de um esforço continuado, a uma
fundamentação, mais segura e mais profunda que a de nenhum povo da Terra, do problema da
educação.
Este ideal de Homem, segundo o qual se devia formar o indivíduo, não é um esquema
vazio, independente do espaço e do tempo. É uma forma viva que se desenvolve no solo de um
povo e persiste através das mudanças históricas. Recolhe e aceita todas as transformações do
seu destino e todas as fases do seu desenvolvimento histórico. O humanismo e o classicismo de
outros tempos ignoraram este fato, ao falarem da "humanidade", da "cultura”, do “espírito"
dos Gregos ou dos antigos, como expressão de uma humanidade intemporal e absoluta. O povo
grego transmitiu, sem dúvida, à posteridade, de forma imorredoura, um tesouro de
conhecimentos imperecíveis. Mas seria um erro fatal ver na ânsia de forma dos Gregos uma
norma rígida e definitiva. A geometria euclidiana e a lógica aristotélica são, sem dúvida,
fundamentos permanentes do espírito humano, válidos ainda em nossos dias, e dos quais não é
possível prescindir. Mas até estas formas universalmente válidas, independentes do conteúdo
concreto da vida histórica, são, se as consideramos com um olhar impregnado de sentido
histórico, inteiramente gregas e não excluem a coexistência de outras formas de intuição e de
pensamento lógico e matemático. Com muito maior razão é isto verdade para outras criações
do gênio grego mais fortemente moldadas pelo ambiente histórico e mais diretamente ligadas
à situação do tempo.
Os Gregos posteriores, do início do Império, foram os primeiros a considerar como
clássicas, naquele sentido intemporal, as obras da grande época do seu povo, quer como
modelos formais da arte quer como protótipos éticos. Nesse tempo em que a história grega
desembocou no Império Romano e deixou de cons
tituir uma nação independente, o único e mais elevado ideal da sua vida foi a veneração
das suas antigas tradições. Desse modo foram eles os criadores daquela teologia classicista do
espírito que é característica do humanismo. A sua estética vita contemplativa é a forma
originária do humanismo e da vida erudita dos tempos modernos. O pressuposto de ambos é
um conceito abstrato e anti-histórico, que considera o espírito uma região de verdade e de
beleza eternas, acima do destino e das vicissitudes dos povos. Também o neo-humanismo
alemão do tempo de Goethe considerou o Grego como manifestação da verdadeira natureza
humana num período da História definido e único, o que é uma atitude mais próxima do
racionalismo da "Época das Luzes" (Aufklärung) que do pensamento histórico nascente, ao qual
com suas doutrinas deu tão forte impulso.
Daquele ponto de vista nos separa um século de investigação histórica desenvolvida em
oposição ao classicismo. Quando, atualmente, com o perigo inverso de um historicismo sem
limite nem fim, nesta noite em que todos os gatos são pardos, voltamos aos valores
permanentes da Antiguidade, não podemos considerá-los de novo como ídolos intemporais. A
sua forma reguladora e a sua energia educadora, que ainda sentimos sobre nós, só podem
manifestar-se como forças que atuam na vida histórica, como o foram no tempo em que
nasceram. Já não é possível para nós uma história da literatura grega separada da comunidade
social de que surgiu e à qual se dirigia. A superior força do espírito grego depende do seu
profundo enraizamento na vida comunitária, e os ideais que se manifestam nas suas obras
surgiram do espírito criador de homens profundamente informados pela vida superindividual
da comunidade. O Homem que se revela nas obras dos grandes gregos é o homem político. A
educação grega não é uma soma de técnicas e organizações privadas, orientadas para a
formação de uma individualidade perfeita e independente. Isto só aconteceu na época
helenística, quando o Estado grego já havia desaparecido - época da qual deriva em linha reta a
pedagogia moderna. Compreende-se que o filo-helenismo da época clássica alemã, quando o
povo germânico ainda não tinha autonomia política, tenha seguido o mesmo caminho, mas o
nosso próprio mo
vimento espiritual para o Estado nos abriu os olhos e nos permitiu ver que no melhor
período da Grécia era tão inconcebível um espírito alheio ao Estado como um Estado alheio ao
espírito. As maiores obras do helenismo são monumentos de uma concepção do Estado de
grandiosidade sem par, cuja cadeia se desenrola numa série ininterrupta, desde a idade heróica
de Homero até o Estado autoritário de Platão, dominado pelos filósofos, e no qual o indivíduo e
a comunidade social travam a sua última batalha no terreno da filosofia. Todo o futuro
humanismo deve estar essencialmente orientado para o fato fundamental de toda a educação
grega, a saber: que a humanidade, o "ser do Homem" se encontrava essencialmente vinculado
às características do Homem como ser político 7. O fato de os homens mais importantes da
Grécia se considerarem sempre a serviço da comunidade é índice da íntima conexão que com
ela tem a vida espiritual criadora. Algo análogo parece acontecer com os povos orientais e é
natural que assim seja numa ordenação da vida estreitamente vinculada à religião. No entanto,
os grandes homens da Grécia não se manifestam como profetas de Deus, mas antes como
mestres independentes do povo e formadores dos seus ideais. Mesmo quando falam em forma
de inspiração religiosa, esta assenta no conhecimento e formação pessoal. Mas por mais
pessoal que esta obra do espírito seja, na sua forma e nos seus propósitos, é considerada pelos
seus autores, com vigor infatigável, uma função social. A trindade grega do poeta (countúg), do
Homem de Estado (tolutixóg) e do sábio (ooçóg) encarna a mais alta direção da naҫао.
Foi nesta atmosfera de íntima liberdade, a qual se sente vinculada por conhecimento
essencial, e até pela mais alta lei divina, a serviço da totalidade, que se desenvolveu o gênio
criador dos Gregos até chegar à sua plenitude educadora, tanto acima do virtuosismo
intelectual e artístico da nossa moderna civilização

7 Ver o meu discurso da festa da fundação do Reich, na Universidade de Berlim, 1924; Die Griechisch
Staatsethik im Zeitalter der Plato, e as conferências: Die Geistige Gegenwart der Antike, pp. 38 ss. (Berlim, 1929)
(Die Antike, vol. V, pp. 185 ss.) e Staat und Kultur (Die Antike, vol. VIII, pp. 78 ss.).
individualista. Assim se eleva a "literatura" grega clássica acima da esfera do puramente
estético, onde a quiseram em vão encerrar, e exerce um influxo incomensurável através dos
séculos.
Por esta ação, a arte grega, nas suas melhores épocas e nas suas obras mais
representativas, atuou sobre nós do modo mais vigoroso. Seria necessário escrever uma
história da arte grega como espelho dos ideais que dominaram a sua vida. Também se deve
dizer que até o séc. IV a arte grega é fundamentalmente a expressão do espírito da
comunidade. Não é possível compreender o ideal agônico, revelado nos cantos pindáricos aos
vencedores, sem conhecer as estátuas que nos mostram os vencedores olímpicos na sua
encarnação corporal, ou as dos deuses, como encarnação das idéias gregas sobre a dignidade
da alma e do corpo humanos. O templo dórico é, sem dúvida, o mais grandioso monumento
que deixou à posteridade o gênio dórico e o seu ideal de estrita subordinação do individual à
totalidade. Habita nele a força poderosa que torna historicamente atual a vida de outrora que
ele eterniza, e a fé religiosa que o inspirou. Sem dúvida, os verdadeiros representantes da
paidéia grega não são os artistas mudos - escultores, pintores, arquitetos -, mas os poetas e os
músicos, os filósofos, os retóricos e os oradores, quer dizer, os homens de Estado. No
pensamento grego, o legislador encontra-se, em certo aspecto, muito mais próximo do poeta
que o artista plástico: é que ambos têm uma missão educadora, e só o escultor que forma o
Homem vivo tem direito a este título. Comparou-se com freqüência a ação educadora dos
Gregos à dos artistas plásticos; os Gregos, porém, nunca falam da ação educadora da
contemplação e da intuição das obras de arte, no sentido de Winckelmann. A palavra e o som,
o ritmo e a harmonia, na medida em que atuam pela palavra, pelo som ou por ambos, são as
únicas forças formadoras da alma, pois o fator decisivo em toda a paidéia é a energia, mais
importante ainda para a formação do espírito que para a aquisição das aptidões corporais no
agon. Segundo a concepção grega, as artes pertencem a outra esfera. Durante todo o período
clássico, mantiveram o seu lugar no mundo sagrado do culto, no qual tiveram origem. Eram
essencialmente agalma, ornamento. Não sucede o mesmo com o epos heróico, do qual dimana
a força
educadora para o resto da poesia. Mesmo quando está ligado ao culto, lança as raízes no mais
profundo do solo social e político; com muito maior razão, quando se encontra liberto daquele
laço. Assim, a história da educação grega coincide substancialmente com a da literatura. Esta é,
no sentido originário que lhe deram os seus criadores, a expressão do processo de
autoformação do homem grego. Independentemente disto, não possuímos nenhuma tradição
escrita dos séculos anteriores à idade clássica além do que nos resta dos seus poemas. Assim,
mesmo tomando a História no seu mais amplo sentido, uma só coisa nos torna acessível a
compreensão daquele período: a evolução e a formação do Homem na poesia e na arte. A
História determinou que só isto ficasse da existência inteira do Homem. Não podemos traçar o
processo de formação dos Gregos daquele tempo senão a partir do ideal de Homem que
forjaram.
Isto aponta o caminho e delimita a tarefa desta exposição. A sua escolha e a maneira de
considerá-la não necessitam de justificação especial. A si próprias devem justificar-se no seu
conjunto, ainda que no particular se possam, acaso, lamentar algumas omissões. Será colocado
de forma nova um problema velho: o fato de o processo educativo ter sido vinculado desde
sempre ao estudo da Antiguidade. Os séculos posteriores consideraram sempre a Antiguidade
clássica como um tesouro inesgotável de saber e de cultura, quer no sentido de uma
dependência material e exterior, quer no de um mundo de protótipos ideais. O nascimento da
moderna história da Antiguidade, considerada como disciplina científica, trouxe consigo uma
mudança fundamental da nossa atitude para com ela. O novo pensamento histórico aspira
antes de tudo ao conhecimento do que realmente foi e como foi. No seu apaixonado intento de
ver claramente o passado, considerou os clássicos como um simples fragmento da História -
embora um fragmento da maior importância -, sem colocar e nem prestar atenção ao problema
da sua influência direta sobre o mundo atual. Considerou-se isto um problema pessoal e o juízo
sobre o seu valor foi deixado ao critério de cada um. Mas, ao lado desta história enciclopédica e
objetiva da Antiguidade, menos livre de valorações do que imaginam os seus mais eminentes
promotores,
permanece o perene influxo da "cultura clássica", por mais que procuremos ignorá-lo. A
concepção clássica da história que o sustentava foi eliminada pela investigação, e a ciência não
se preocupou com dar-lhe novo fundamento. Pois bem: quando a nossa cultura toda, abalada
por uma experiência histórica monstruosa, se vê forçada a um novo exame dos seus próprios
fundamentos, propõe-se outra vez à investigação da Antiguidade o problema, último e decisivo
para o nosso próprio destino, da forma e do valor da educação clássica. Este problema só pode
ser resolvido pela ciência histórica e à luz do conhecimento histórico. Não se trata de
apresentar artisticamente o assunto, sob uma luz idealizante, mas de compreender o fenômeno
imperecível da educação antiga e o impulso que a orientou, a partir da sua própria essência
espiritual e do movimento histórico a que deu lugar.
(livro primeiro) >>>

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