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Alguns Princípios Constitucionais e Infraconstitucionais Aplicáveis ao Incidente de

Desconsideração da Personalidade Jurídica

                        Como será exposto mais adiante, o incidente de desconsideração da


personalidade jurídica tem como um de seus objetivos proporcionar à pessoa contra a
qual se pretende ver incluída no pólo passivo de uma execução ou cumprimento de
sentença, que possa exercer sua defesa antes de aplicar eventual desconsideração da
personalidade jurídica (normal ou inversa).

                        Nesse sentido, importante trazer neste estudo que antes de se


desconsiderar a personalidade jurídica para excutir bens de outra pessoa a ela ligada,
deve-se fazer presentes alguns princípios constitucionais ou infraconstitucionais, os
estão intimamente ligados ao tema em questão.

                        Antes, porém, importante lembrar que a palavra “princípio” denota ser a
origem, a base de algo, que para a ciência jurídica pode ser considerado que um
“mandamento”, no sentido de que os princípios devem estar presentes no processo sob
pena de deixar este instrumento aplicador do direito material, anulável, nulo ou ineficaz
conforme a situação.

Por obvio, exitem diversos princípios, mas para que este estudo não fiquem cansativo,
propõe-se citar apenas alguns deles.

                        O primeiro que se pode mencionar é o princípio do devido processo legal


trazido pelo inciso LIV, do artigo 5º da Constituição Federal que assim dispõe:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer


natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no
País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à
segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(...)

LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido


processo legal;

                        O princípio do devido processo legal dada a sua importância é tido por
parte da doutrina como o princípio englobador de todos os outros no processo, dada a
importância e necessidade de se respeitar os atos processuais que se desencadeiam nos
diversos tipos de procedimentos previstos nas legislações.

                        Comentário bastante esclarecedor é o de Olavo de Oliveira Neto ao


mencionar a lição de Nelson Nery Junior:

Já se tornou clássica a lição de Nelson Nery Junior acerca do princípio


do devido processo legal: ‘O princípio fundamental do processo civil
que entendemos como a base sobre a qual todos os outros se sustentam,
é o devido processo legal, expressão oriunda da inglesa due process of
law. (...) Em nosso parecer, bastaria a norma constitucional haver
adotado o princípio do due process of law para que daí decorressem
todas as consequências processuais que garantiriam aos litigantes o
direito a um processo e uma sentença justa. É, por assim dizer, o gênero
do qual todos os demais princípios constitucionais do processo são
espécies’. Em outros termos, segundo o autor, trata-se de um princípio
que englobaria todos os demais, sendo desnecessária a menção pela
norma constitucional de outros princípios, bastando o devido processo
legal, previsto no art. 5º, LIV, da Constituição da República, para que
todos dele decorressem. (2015, p. 81/82).

                        Nesse sentido, ao prever o incidente de desconsideração da personalidade


jurídica o CPC/2015 procurou antes de promover a constrição em patrimônio de
terceiros ligados ao devedor de dívida pecuniária, oportunizar que fossem praticados
atos processuais para verificar a viabilidade ou não de desconsiderar a personalidade
jurídica.

                        Outros dois princípios que também devem se fazer presente ao se tratar
de desconsideração da personalidade jurídica são o do contraditório e da ampla,
previstos no inciso LV do artigo 5º da Constituição Federal, o qual prevê que aos
litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são
assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;

                        Além de tais princípios estarem na própria Constituição Federal, o


CPC/2015 também os trouxe em seu artigo 7º, dispondo o seguinte:

Art. 7º É assegurada às partes paridade de tratamento em relação ao


exercício de direitos e faculdades processuais, aos meios de defesa, aos
ônus, aos deveres e à aplicação de sanções processuais, competindo ao
juiz zelar pelo efetivo contraditório.

                        O princípio do contraditório traz a ideia de existir no processo a dialética


entre as partes para que o juiz seja auxiliado na formação de sua convicção quando do
proferimento da decisão judicial.

                        Corolário do contraditório é o dever de o juiz, de regra geral, evitar a


chamda “decisão surpresa” prevista no artigo 10 do CPC/2015 que dispõe:

Art. 10. O juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base
em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes
oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a
qual deva decidir de ofício.

                        Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero


expõem a razão do princípio do contraditório em cotejo com a proibição de o juiz
proferir decisão surpresa:

Portanto, é na teoria da interpretação que reside o elemento que


justifica os novos contornos do direito ao contraditório no processo
civil. Essa nova ideia de contraditório, como facilmente se percebe,
acaba alterando a maneira como o juiz e as partes se comportam diante
da ordem jurídica. Nessa nova visão, é absolutamente indispensável
tenham as partes a possibilidade de pronunciar-se sobre tudo o que pode
servir de ponto de apoio para a decisão da causa, inclusive quanto
àquelas questões que o juiz pode apreciar de ofício (art. 10). Exigir-se
que o pronunciamento jurisdicional tenha apoio tão somente em
elementos sobre os quais as partes tenham tido a oportunidade de
manifestarem-se significa evitar a decisão-surpresa no processo. Nesse
sentido, têm as partes de se pronunciar, previamente à tomada de
decisão também no que atine à eventual visão jurídica do órgão
jurisdicional diversa daquela aportada por essas ao processo. Isso quer
dizer que o brocardo Iura Novit Curia só autoriza a variação da visão
jurídica dos fatos alegados no processo acaso as partes tenham tido
oportunidade de se pronunciar previamente à tomada de decisão
(art.10). Fora daí há evidente violação à colaboração e ao diálogo no
processo, com afronta inequívoca ao dever judicial de consulta e ao
contraditório. (2015, p. 502/503)

                        Com isso, antes de o juiz determinar o ataque ao patrimônio do terceiro


ligado ao devedor em eventual processo de execução ou na fase do cumprimento de
sentença, deve aquele previamente permitir o contraditório por meio da instauração do
incidente de desconsideração da personalidade jurídica para evitar decisão surpresa.

                        Já o princípio da ampla defesa traz a ideia de que é dado o direito de as


partes reagirem no processo umas contras as outras ou então contra decisões do juiz,
sendo permitida a utilização da defesa propriamente dita como a contestação, ou então a
utilização de outros expedientes como os recursos por exemplo.

                        Nesse sentido vem a lição de Olavo de Oliveira Neto:

Realmente, o Princípio da Ampla defesa não está limitado à formulação


de defesa por parte do réu, mas abrange tanto a sua possibilidade de
reação quanto à possibilidade de reação do próprio autor, quando é o
réu quem pratica o ato processual. Inúmeros são os exemplos contidos
no Código, como a regra do art. 437, § 1º, que determina que sempre
que uma parte juntar documento  aos autos o juiz deverá ouvir a parte
contrária, no prazo de cinco dias. Destarte, pois, o princípio poderia ser
denominado como ‘princípio da ampla possibilidade de reação das
partes’, referindo-se com isso à possibilidade de reação de qualquer
uma delas (embora também alcance os terceiros legitimados
intervenientes no feito), com a finalidade de efetivar o contraditório no
bojo do processo. Tal faculdade, porém, não pode ser considerada como
a possibilidade de atuação ilimitada. Ensina João Batista Lopes, com a
sua já costumeira precisão, que ‘É corrente a identificação de ampla
defesa com defesa ilimitada, mas esta concepção implicaria outorgar-lhe
caráter absoluto o que entraria  em conflito aberto com a própria ideia
de unidade, que só se alcança por meio de uma operação relacional
(LUHMANN, Niklas. Sociedad y sistema: laambición de la teoria. Trad.
Santiago Lopez e Dorothe Shmitz. Barcelona: Ediciones Paidós Ibérica,
1990. p 89). Quando se fala em ampla defesa, não se pretende, pois,
cogitar de defesa ilimitada ou indiscriminada, mas sim de defesa
completa ou abrangente. A utilização do adjetivo ampla revela o
propósito de evitar o cerceamento, mas de modo algum pode dispensar a
adequação e a pertinência, requisitos indispensáveis para o exercício do
direito de defesa. Por exemplo, se se cuidar de pleito petitório, não
poderá o réu valer-se de defesa de caráter possessório, salvo
excepcionalmente, de modo que o juiz deverá indeferir eventual
requerimento de prova para esse fim’. (2015, p. 88/89).

                        Para o presente trabalho, pode-se afirmar que a instauração do incidente


de desconsideração da personalidade jurídica também faz parte da aplicação do
princípio da ampla defesa, uma vez que se trata de uma reação do terceiro no momento
em que se pretende colocá-lo ao lado do devedor para ser responsabilizado com seus
bens.

      O fundamento emblemático para se redirecionar a execução fiscal em face do


terceiro, necessário se faz a comprovação de que este teve interesse comum ou agiu para
a constituição do fato gerador da obrigação principal, ou seja do tributo.

                        Nesse sentido, transcreve o trecho do Acórdão que se posicionou pela


necessidade de instaurar previamente o incidente de desconsideração da personalidade
jurídica quando estiver presente grupo econômico:

DECISÃO: Trata-se de agravo de instrumento, com pedido de


antecipação da tutela recursal, interposto pela União (Fazenda
Nacional) contra decisão da MM. Juíza Federal Danielle Perini Artifon,
da 16ª Vara Federal de Curitiba-PR, que, nos autos da Execução Fiscal
nº 5043244-03.2014.4.04.7000/PR, estabeleceu ser necessária a
instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica
a fim de responsabilizar empresas alegadamente pertencentes ao mesmo
grupo econômico da sociedade executada (evento 65 do processo
originário). Sustenta a parte agravante, em síntese, que a Lei nº 6.830,
de 1980 (arts. 2º; 16, §1º; 38), autoriza o redirecionamento da execução
aos responsáveis tributários, independentemente do incidente previsto no
Código de Processo Civil. sustenta ser indevida a suspensão da
execução fiscal. Requer a reforma da decisão agravada para que seja
apreciado o pedido de redirecionamento. É o relatório. Tudo bem visto e
examinado, passo a decidir. Em que pesem as alegações da parte
agravante, não cabe simplesmente redirecionar execução fiscal a
empresa componente do mesmo grupo econômico da executada. A
inclusão de empresa componente do grupo econômico no polo passivo
da execução depende da prévia instauração do incidente de
desconsideração de personalidade jurídica a que faz referência os arts.
133 e ss. do Código de Processo Civil (cf. TRF4, AC nº 5008443-
69.2016.4.04.7201/SC, Segunda Turma, julgado em 04-06-2019). Assim,
não cabe proceder ao simples redirecionamento da execução, como
pretende a parte agravante, não tendo sido, pois, apresentados motivos
suficientes à reforma da decisão agravada. De resto, ao contrário do
que sugere a agravante em suas razões recursais, a decisão agravada
não tratou de suspensão da execução fiscal, e se tal for decorrência da
eventual instauração do incidente (cf. CPC, art. 134, §3º), deve ser
impugnada na ocasião adequada. Ausente a relevância da
fundamentação do recurso, necessária ao pedido de antecipação da
tutela recursal. Ante o exposto, indefiro o pedido de antecipação da
tutela recursal Intime-se a parte agravada para contrarrazões. (TRF4,
AG 5049701-26.2019.4.04.0000, SEGUNDA TURMA, Relator
RÔMULO PIZZOLATTI, juntado aos autos em 26/11/2019)

                        Havendo grupo econômico de fato ou de direito, se o caso concreto


estiver enquadrado em algum dos casos do artigo 124, inciso I, ou artigo 126, inciso III,
ambos do Código Tributário Nacional, faz-se necessária a prévia instauração do
incidente de desconsideração da personalidade jurídica, sendo que o ônus da prova é da
exequente (Fazenda Pública) de que o terceiro teve interesse ou agiu para a constituição
do fato gerador do tributo.

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