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Pedagogia para a Liberdade

Encontro Formativo com Tião Guerra (e troupe)

"A Esperança Ativa, como fruto de observação do que ocorre e reinvenção de


comportamentos."
(Um sarau Mítico engajado)

Quando fui convidado para animar este Encontro Formativo com o tema da 'esperança em
tempos de pandemia', meu primeiro movimento foi de dúvida, pois carrego sérios
questionamentos sobre a natureza desse sentimento tão humano, e como o tratamos e pior,
usamos. Por isso mesmo aceitei! Aceitei e me propus a ser fiel ao título, observando todos os
encontros e conteúdos que me chegavam e que de alguma forma se relacionavam com esse
tema. Ao final de uma semana, estava transbordando de reflexões, sacadas, intuições… e
cheguei uma coletânea de oito fragmentos de textos que organizei da seguinte maneira:

1. Alguns pressupostos sobre a esperança


2. Alguns caminhos para o cultivo da esperança
3. As práticas da esperança: o esperançar
4. Esperança poética engajada

Talvez você possa achar os textos desconexos, postos que fragmentos, mas confie pois
cada um deles é uma unidade, plena de sentido e também forma um belo mosaico na relação
entre eles. Deixei alguns negritos e sublinhados de propósito, são meus destaques. Os textos 3 e
4 são uma análise de dois mitos que se relacionam: Prometeu e Pandora. Se você não os
conhece, não se preocupe, eu vou contar essa história bem direitinho em nosso encontro.

Outra coisa importantíssima: Vamos cantar quatro canções durante nosso encontro. As letras
delas seguem ao final dos textos. Ah! E também vamos fazer um exercício em subgrupos!!

Venha bem animada/o para nosso encontro!

Até lá!

Tião Guerra
(Alguns) Pressupostos sobre a esperança:

Texto 1 - Apresentação do livro Active Hope - Esperança ativa, de Joanna Macy.

"A Active Hope - Esperança Ativa é encontrar e oferecer nossa melhor resposta à crise de
sustentabilidade que se desenrola em nosso mundo. Ele oferece ferramentas que nos ajudam a
enfrentar a bagunça em que estamos, além de encontrar e desempenhar nosso papel na
transição coletiva, ou Grande Virada, para uma sociedade que sustenta a vida.
É um processo transformacional formado por jornadas míticas, psicologia moderna,
espiritualidade e ciência holística. Esse processo nos equipa ferramentas para enfrentar a
bagunça em que estamos e desempenhar nosso papel na transição coletiva, ou Great Turning -
Grande Virada, rumo a uma sociedade que sustenta a vida.
É uma jornada de gratidão, tristeza, interconexão e, finalmente, transformação.
No coração deste livro está a idéia de que a esperança ativa é algo que fazemos e não
temos. Envolve esclarecer o que esperamos e desempenhar nosso papel no processo de
concretização disso. A jornada de encontrar e oferecer nossa contribuição única para a Grande
Virada nos ajuda a descobrir novos pontos fortes, abertos a uma rede mais ampla de aliados e a
experimentar um aprofundamento de nossa vitalidade. Quando nossas respostas são guiadas
pela intenção de agir para a cura do nosso mundo, a bagunça em que estamos não só se torna
mais fácil de enfrentar, como também nossas vidas se tornam mais significativas e satisfatórias."

Texto 2 - Poema de Robert Graves

Em imagens quebradas

Ele é rápido, pensando em imagens claras;

Eu sou lento, pensando em imagens quebradas.

Ele se torna obtuso, confiando em imagens claras;

Eu me torno afiado, desconfiando de minhas imagens quebradas,

Confiando em suas imagens, ele presume sua relevância;

Desconfiando de minhas imagens, eu questiono sua relevância.

Presumindo sua relevância, ele presume o fato,

Questionando sua relevância, eu questiono o fato.

Quando o fato lhe falha, ele questiona seus sentidos;

Quando o fato me falha, eu aprovo meus sentidos.

Ele continua rápido e obtuso em suas imagens claras;

Eu continuo lento e afiado em minhas imagens quebradas.

Ele, em uma nova confusão de sua compreensão;

Eu, em uma nova compreensão da minha confusão.


Texto 3 - Uma breve Análise do Mito de Prometeu e de Pandora (uma parte)
Em “Como aprendi a pensar - os filósofos que me formaram” Luiz Felipe Pondé

“Prometeu acorrentado, escrita por Ésquilo é um marco na indagação de até onde pode ir
o ser humano na autonomia técnica e cultural, tema esse materializado na posse do segredo do
fogo.
Ésquilo é conhecido tradicionalmente por pender para o lado da defesa da tradição
materializada no castigo que Prometeu sofre por ter desobedecido a Zeus e nos ter dado o
segredo do fogo. Zeus parecia temer que incendiaríamos o mundo se soubéssemos como fazer o
fogo. Os gregos aqui refletem sobre a mítica era da descoberta do fogo pelos homens pré-
históricos. Vale salientar que essa autonomia não é apenas técnica, mas política, social e moral.
O mito de Prometeu segue ao lado do de Pandora, a mulher que abre a caixa maldita, dada por
Zeus para nos castigar pela parceria com Prometeu; caixa essa cheia de males, entre eles o pior
de todos: a esperança. No mundo grego a esperança é um mal, porque não há qualquer
esperança, uma vez que somos mortais, joguetes de forças cegas, maiores que nós.
Já aqui vemos que a condição de herói, como aquele que merece ser lembrado por que
vive sem esperança, mas ainda assim enfrentar o AGON, conflito, que é a vida, é o
comportamento esperado para quem vive tragicamente. Viver sem esperança é um modo de
amadurecimento, resistindo à melancolia olhando-a nos olhos, mas ainda assim a desafiando na
lida com os objetos concretos da vida, que nos retira da doença do desespero, nos legando a
coragem como outra grande virtude trágica, na reverência e como reconhecimento de que lutamos
contra forças que jamais venceremos.”

Texto 4 - Uma breve Análise do Mito de Prometeu e de Pandora(outra parte)


Luc Ferry, “A sabedoria dos mitos gregos”

"Prometeu pode ser um bom camarada, mas passa completamente ao lado do problema
que preocupa Zeus. O que a mitologia grega aqui põe em cena, como uma clarividência e
profundidade impressionantes, é a definição totalmente moderna de uma espécie humana cuja
liberdade e criatividade, expressa na posse do fogo, são fundamentalmente antinaturais e
anticósmicas. O homem prometeico é o homem da técnica, capaz de criar, inventar de maneira
incessante, fabricar máquinas e artifícios capazes de um dia se libertarem de todas as leis do
cosmos. É isso, muito exatamente, que Prometeu lhe dá, roubando o fogo, o “gênio das artes”,
ou seja, a faculdade de utilizar e até inventar todo tipo de técnica. Agricultura, aritmética,
linguagem, astronomia: tudo isso serve ao homem para escapar de sua condição, se erguer com
arrogância acima dos seres da natureza e, desse modo, perturbar a ordem cósmica ainda
recente, que Zeus com tanta dificuldade conseguira construir!

Resumindo, ao contrário das outras espécies vivas, organizadas de maneira a formar um


sistema equilibrado e imutável, em tudo oposto ao que a humanidade formaria, assim que
estivesse capacitada nas artes e nas ciências. A espécie humana é única entre os mortais capaz
de ao mesmo tempo, desafiar os deuses e perturbar e até mesmo desconstruir a natureza. E é
isso, certamente, que Zeus não pode ver com bons olhos, ou o vê inclusive com um olho muito
mau, se considerarmos as punições infligidas a Prometeu e aos humanos. Daí a pensar em
desconstruir a humanidade inteira, a distância é bem curta, e algumas narrativas mitológicas
deram esse passo, nos dilúvios. (Mas isso é uma outra história….)

(Alguns) Caminhos para o cultivo da esperança

Texto 5 - Live entre a Monja Cohen e o Pastor Henrique Vieira, “A fé em tempos de


pandemia”, no dia 19 de junho, no G1
"Todo mundo pode ter esperança, e encontrar um sorriso amigo no Posto Ipiranga” (rsrsrs…)
(Comercial antes de live)

Trecho da conversa entre a representante do zen budismo no Brasil monja Cohen e o


pastor Henrique Vieira:
Monja: Essa pandemia nos mostrou várias coisas né? Ela nos deixou escancaradas as
diferenças sociais, as diferenças econômicas, os abusos, a falta de saneamento básico e água.
Como que pode não ter água? As pessoas vivendo no lixo gente! Tem uma porção de coisas que
a gente não vai ficar discutindo isso com alguém; quer dizer você vai exigir do serviço público que
administre de forma adequada. Você não precisa brigar com outro sobre se o outro precisa de
água! Vamos falar de coisas mais profundas! Usar as redes sociais para discussões mais
profundas, sobre temas de transformação.
Pastor: Porque a minha fé, diante dessa pandemia é amadurecida? Porque eu não estou
vendo Deus apenas observando o sofrimento humano. Eu estou vendo Deus participando
conosco deste sofrimento humano. A presença de Deus, do sagrado, nunca é uma presença fria,
distante, imparcial; é, pelo contrário, uma presença apaixonada, envolvida, materializada,
encarnada na experiência humana.
Monja: As pessoas quando ficam isoladas, começam a ficar muito nervosas, com
mudanças de humor muito rápidas e também com uma certa dificuldade no foco, na atenção.
Atenção e foco é treino, nós treinamos isso. As pessoas iniciam práticas meditativas, ou exercícios
que nos trazem presença, aprendem a fechar os lábios e a respirar conscientemente. Faça isso e
observe o que está acontecendo com você: quando você tem ansiedade ou triste você percebe a
diferença entre a respiração de uma e de outra. Assim, com você se conhecendo, se auto
conhecendo, reconhecendo em cada instante.
Pastor: A saudade melhora o encontro! O silêncio melhora as palavras e a distância
melhora o nosso olhar sobre as pessoas que amamos! Em outras palavras, eu acho que quando
nos encontrarmos física, presencialmente esse encontro vai ser mais maduro, vai ser mais
profundo, vai ser mais valioso! ter uma música do Crioulo que ele fala assim: "Os bares estão
cheios de almas tão vazias" Quantas vezes nas nossas aglomerações, nós estamos superficiais e
solitários? Muitos monólogos e poucos diálogos; muitos esbarrões e poucos encontros… Talvez
agora seja diferente! A próxima mesa de bar, o próximo culto, a próxima roda de conversa vai se
dar com ,uma sacralidade maior uma raridade maior, porque a distância há de melhorar o nosso
encontro quando nos encontrarmos mais uma vez.
Nesta live os dois construíram mostraram um caminho para renovação da fé, em outras
palavras, da esperança:
Viver o tempo presente: o pastor sugeriu observar como as crianças vivem o agora
intensamente; a monja indicou exercícios meditativos contra a ansiedade.
Para o imprevisível, compaixão: o pastor lembrou que perdeu a visão aos 16 anos, e
percebeu que só o amor dos próximos faz esperar situações difíceis.
Contra as injustiças, solidariedade: as situações injustas que têm ocorrido nestes
tempos difíceis de vem ser denunciados, mas sem “devolver o mal com o mal”.
Valorizar o encontro: acho que vai ser uma volta muito gostosa”, diz a monja, que aposta
na solidariedade sendo valorizada. “A saudade melhora o encontro. Diz o pastor. “Ele será mais
maduro, profundo, valioso”, ele aposta.
Texto 6 - Active Hope - Sinopse e resumo dos capítulos
Joanna Mancy

Escrevemos este livro para que você possa experimentar o poder transformador do trabalho que
se reconecta e utilizá-lo como uma prática capacitadora que aprofunda sua raiz no mundo. Ele
está organizado em três partes.

Parte Um - A Grande Virada


O primeiro capítulo: "Três histórias de nosso tempo", descreve como nossas respostas aos
eventos mundiais são moldadas pelo angulo da história pelo qual olhamos. A trama central aqui é
sobre encontrar e oferecer nossa contribuição única, que descrevemos como nosso "presente de
esperança ativa".

O Capítulo Dois: "Confiando na Espiral", traz a estrutura do livro, e segue os quatro estágios pelos
quais essa espiral se move:
Gratidão,
Honrando nossa Dor pelo Mundo,
Vendo com Novos Olhos e
Avançando.
A jornada por esses estágios tem um efeito fortalecedor.

Com o Capítulo Três: "Vindo da Gratidão". As tradições mais antigas da sabedoria da Terra
identificam o agradecimento como a chave para nossa sobrevivência. As tradições mais modernas
da psicologia identificam a gratidão como a chave da resiliência, protetora do humor e antídoto ao
materialismo. Ao aprofundar nossa experiência e expressar gratidão, construímos um forte ponto
de partida para enfrentar as realidades perturbadoras abordadas no próximo capítulo: "Honrando
nossa dor pelo mundo".

O capítulo quatro: "Honrando nossa dor pelo mundo", reformula a angústia por vermos o nosso
mundo como o tronamos, num 'chamado à aventura’, que nos inspira a começar o caminho da
Grande Virada. Traçando paralelos com o "fundo do poço" da recuperação de vícios, descreve
como a experiência de angústia pode abrir energia e determinação motivacionais. Querer fazer
algo, no entanto, é apenas o começo. Precisamos desenvolver nossa capacidade de agir, e a
próxima parte do livro…

Parte Dois - Vendo com Novos Olhos


…nos ajuda a fazer isso por meio de quatro mudanças poderosas na percepção. Nós as
descrevemos como as 'quatro descobertas':
um senso mais amplo de si,
um tipo diferente de poder,
uma experiência mais rica da comunidade e
uma visão maior do tempo.

Parte Três - Avançando

Equipado com essas quatro descobertas, passamos para a seção Ir para a frente da espiral, que
se concentra em como encontramos nosso papel na Grande Virada e oferecemos o presente de
nossa contribuição única. A maioria dos projetos de significância começa com pensamentos
fugazes que foram capturados e depois agidos. No capítulo nove, Capturando uma visão
inspiradora, a captura da visão e a retenção da visão são introduzidas como habilidades
aprendidas. São descritas práticas que nos ajudam a pegar inspiração e a sermos apanhados por
ela. É introduzido o conceito de co-inteligência, analisando como desenvolvemos visões comuns
com os outros e cultivamos a inspiração compartilhada.

Você pode se sentir altamente motivado para agir, mas pare se não acreditar que suas ações
farão alguma diferença. No entanto, todos nós podemos ter exemplos de coisas que alcançamos
que anteriormente descartamos como improváveis ou mesmo impossíveis. O capítulo dez,
Ousando acreditar que é possível, descreve exemplos históricos e atuais de pessoas que
enfrentam e desafiam a descrença, oferecendo ferramentas que também nos ajudam a fazer isso.
Ferramentas práticas de planejamento de ação são introduzidas, pois nos vermos agindo de
acordo com nossas visões é uma maneira poderosa de aumentar nossa crença nelas.

Para um projeto se enraizar, um fator chave é o grau de apoio que ele convida e recebe. No
capítulo onze, Construindo suporte ao seu redor, descrevemos como usar o mapeamento de rede
de suporte como uma ferramenta para aumentar a conscientização do suporte ao nosso redor e
como um prompt para atrair o que precisamos. Diferentes tipos de apoio são examinados,
incluindo práticas pessoais que reforçam nosso compromisso, fatores alimentares e de estilo de
vida que proporcionam nosso melhor desempenho, apoio espiritual, alinhados com nossos valores
mais profundos, acordos de apoio mútuo e o apoio estrutural de grupos, comunidades e
organizações. Como a teia de uma aranha, o suporte é visto como tendo muitos fios diferentes.

A ação de mudança positiva tem sido muitas vezes vista como um passatempo respeitoso para
uma minoria comprometida que corre um alto risco de desgaste. No entanto, é possível ter uma
abordagem ao ativismo que seja agradável? E podemos ser inflamados por nossa paixão pela
vida sem nos exaurirmos? O capítulo doze, Manutenção de energia e entusiasmo, analisa como
manter nossa inspiração atualizada, adotando uma abordagem de ação que tem renovação,
relacionamentos gratificantes e sustentabilidade pessoal em seu cerne.

Quando embarcamos nessa aventura da Grande Virada, não há garantias de que seremos
capazes de mudar as coisas longe ou rápido o suficiente para proteger nossa civilização, ou
mesmo garantir a existência contínua de vida consciente na Terra. Provavelmente, não saberemos
em nossas vidas se estamos servindo como ajudantes do leito de morte em um mundo moribundo
ou como parteiras no próximo estágio da evolução humana. O capítulo final, Fortalecido pela
incerteza, reconhece tanto a natureza inevitável dessa incerteza quanto sua capacidade de
despertar e enobrecer-nos nesta mudança em nossa jornada humana.

As práticas da esperança: o esperançar.

Texto 7 - Depoimento de Jota Marques, Comunicador, Educador social e recentemente


eleito Conselheiro Tutelar em Cidade de Deus.

"Boa noite a todos! Estou aqui em mais um dia de ação, pela cidade do Rio de Janeiro.
Sou Jota Marques, morador da cidade Deus, Conselheiro Tutelar de Jacarepaguá. Os últimos dias
da nossas vidas aqui no Rio não tem sido grande surpresa para aqueles que acompanham a
realidade histórica, não apenas do Rio, mas no nosso país (inteiro), quando estamos falando das
vidas à margem, ou seja, as populações mais pobres e as populações pretas.
Infelizmente nos últimos dias, enquanto tentávamos gerar sustentabilidade; cuidar da
fome; cuidar de nós nas favelas, o estado continuou agindo contra os nossos corpos.
É importante ser dito que a pandemia, pra mim, ela também traz um grande recado: que os
nossos corpos, eles não apenas não valem nada; que os nossos corpos não apenas não serão
cuidados, como que os nossos corpos, eles também serão deixados para morrer; e se eles não
morrerem com o passar do tempo, por falta de saúde, em razão da falta de estrutura histórica de
cuidado com os nossos territórios, eles entrarão em nossos território para nos eliminar.
Eu sempre lembro que a conscientização nesse momento, ela é sobre autocuidado
coletivo; ela é sobre o que cada um consegue caminhar uns com os outros, é sobre cada um
cuidar uns dos outros numa grande família. E quando o Estado intervém, quando o Estado entra
com seu aparato armado, quando o Estado entra não pra cuidar da gente, pra nos ajudar nessa
grande batalha, ele está dizendo que ele não quer a nossa união. Ele está dizendo que a nossa
potência coletiva ela é um atraso para aquilo que ele tem como grande planejamento; para aquilo
que ele tem como programa. Porque a violência é um projeto, e esse esquecimento histórico dos
nossos corpos à margem, é um grande projeto.
Então é importante de ser dito nesse momento que a gente continue se fortalecendo,
estando junto pra que a gente não apenas supere essa pandemia, mas que também a gente
supere as estruturas genocidas, burguesas e racistas que atentam historicamente contra nossos
corpos."
Esperança poética engajada

Texto 8 - Mia Couto, em Prefácio de seu livro "Histórias Abensonhadas”

"Estas estórias foram escritas depois da guerra. Por incontáveis anos as armas tinham
vertido luto no chão de Moçambique. Estes textos me surgiram entre as margens da mágoa e da
esperança. Depois da guerra, pensava eu, restavam apenas cinzas, destroços sem íntimo. Tudo
pesando, definitivo e sem reparo. Hoje sei que não é verdade. Onde restou o homem sobreviveu
semente, sonho a engravidar o tempo.
Esse sonho se ocultou no mais inacessível de nós, lá onde a violência não podia golpear,
lá onde a barbárie não tinha acesso. Em todo este tempo, a terra guardou, inteiras, as suas vozes.
Quando se lhes impôs o silêncio elas mudaram de mundo. No escuro permaneceram lunares.
Estas estórias falam desse território onde nos vamos refazendo e vamos molhando de
esperança o rosto da chuva, água abensonhada. Desse território onde todo homem é igual, assim:
fingindo que está, sonhando que vai, inventando que volta”

CANÇOES

Coração Civil Sem polícia, nem a milícia, nem feitiço pra ter
Milton Nascimento poder?
Viva a preguiça, viva a malícia que só a gente
Quero a utopia, quero tudo e mais é que sabe ter
Quero a felicidade nos olhos de um pai Assim dizendo a minha utopia eu vou levando
Quero a alegria muita gente feliz a vida
Quero que a justiça reine em meu país Eu vou viver bem melhor
Doido pra ver o meu sonho teimoso, um dia se
Quero a liberdade, quero o vinho e o pão realizar.
Quero ser amizade, quero amor, prazer
Quero nossa cidade sempre ensolarada Paciência
Os meninos e o povo no poder, eu quero ver Lenine

São José da Costa Rica, coração civil Mesmo quando tudo pede
Me inspire no meu sonho de amor Brasil Um pouco mais de calma
Se o poeta é o que sonha o que vai ser real Até quando o corpo pede
Vou sonhar coisas boas que o homem faz Um pouco mais de alma
E esperar pelos frutos no quintal A vida não para
Enquanto o tempo Refazenda
Acelera e pede pressa Gilberto Gil
Eu me recuso, faço hora
Vou na valsa Abacateiro, acataremos teu ato
A vida é tão rara Nós também somos do mato como o pato e o
leão
Enquanto todo mundo Aguardaremos, brincaremos no regato
Espera a cura do mal Até que nos tragam frutos teu amor, teu
E a loucura finge coração
Que isso tudo é normal
Finjo ter paciência Abacateiro, teu recolhimento é justamente
O significado da palavra temporão
O mundo vai girando Enquanto o tempo não trouxer teu abacate
Cada vez mais veloz Amanhecerá tomate e anoitecerá mamão
A gente espera do mundo
E o mundo espera de nós Abacateiro, sabes ao que estou me referindo
Um pouco mais de paciência Porque todo tamarindo tem
O seu agosto azedo, cedo, antes
Será que é tempo Que o janeiro doce manga venha ser também
Que lhe falta pra perceber?
Será que temos esse tempo Abacateiro, serás meu parceiro solitário
Pra perder? Nesse itinerário da leveza pelo ar
E quem quer saber? Abacateiro, saiba que na Refazenda
A vida é tão rara Tu me ensina a fazer renda que eu te ensino a
Tão rara namorar

Mesmo quando tudo pede Refazendo tudo


Um pouco mais de calma Refazenda
Até quando o corpo pede Refazenda toda
Um pouco mais de alma Guariroba
Eu sei, a vida não para
A vida não para não Vamos Cantar a esperança
Sandro Schottz
Será que é tempo
Que lhe falta pra perceber? Vamos cantar a esperança de um mundo
Será que temos esse tempo melhor
Pra perder? Vamos botar fé na vida,
E quem quer saber? que a tristeza existe,
A vida é tão rara mas nossa alegria há de ser maior.
Tão rara
Vamos fazer dessa terra uma esfera de amor
Mesmo quando tudo pede Vamos trilhar os caminhos
Um pouco mais de calma Cuidando os espinhos
Até quando o corpo pede Deixando sementes de afeto e carinho.
Um pouco mais de alma
Eu sei, a vida é tão rara Vem vento que vai varrer
A vida não para não Vem chuva que vai lavar
Vem sol pra secar a terra e secar o chão
A vida é tão rara Pra essa gente dançar! (bis)

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