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Fichamento do livro Raça e História.

Aluno: Leonardo Judice Amatuzzi


Disciplina: Antropologia cultural

Levi-Strauss, Claude. . “O princípio da reciprocidade”. In: As estruturas elementares do


parentesco. [1949]. cap.V Pp.92-107. Vozes, Petrópolis, 1982.

“As conclusões do admirável Essai sur le don são bem conhecidas. Neste estudo hoje em dia
clássico, Mauss propõe-se a mostrar primeiramente que a troca se apresenta nas sociedades
primitivas menos em forma de transações que de dons recíprocos, e em seguida que este dons
recíprocos ocupam um lugar muito mais importante nessas sociedades que na nossa.
Finalmente, que esta forma primitiva das trocas não tem somente, nem essencialmente, caráter
econômico, mas coloca-nos em face do que chama, numa expressão feliz, “um fato social
total”, isto é dotado de significação simultaneamente social e religiosa, mágica e econômica,
utilitária e sentimental, jurídica e moral.” (p)92

“Estes presentes ou são trocados imediatamente pelos bens equivalentes ou recebidos pelos
beneficiários que têm por obrigação proceder, em uma ocasião ulterior, a contrapresentes, cujo
valor excede muitas vezes o dos primeiros, mas que por sua vez dão direito a receber mais
tarde novos dons que superam a suntuosidade dos precedentes.” (p)92/93

“Estas cerimônias têm uma tríplice função: proceder à restituição dos presentes anteriormente
recebidos, acrescidos de juros convenientes, que podem chegar a cem Por cento; estabelecer
publicamente a reivindicação de um grupo familiar ou social a um titulo ou a uma
prerrogativa, e ainda anunciar oficialmente uma mudança de situação; finalmente, superar em
munificência um rival, esmagá-lo, se possível, pela perspectiva de obrigações de retorno que
se espera não poderá satisfazer, de maneira a arrancar do rival privilégios, títulos, categoria,
autoridade, prestígio.” (p)93

“Há sem dúvida variações locais, mas os diversos aspectos da instituição formam uma
totalidade que se encontra, de maneira mais ou menos sistematizada, na América do Norte e

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do Sul, na Ásia e na África. Trata-se de um modelo cultural universal, mesmo quando não
igualmente desenvolvido em toda parte.” (p)93

“Mas deve insistir-se também sobre o seguinte ponto: Esta atitude do pensamento primitivo a
respeito da transmissão dos bens não se exprime somente em instituições nitidamente
definidas e localizadas. Impregna todas as operações, rituais ou profanas, no curso das quais
são dados ou recebidos objetos e produtos. Por toda parte encontramos a dupla suposição,
implícita ou explicita, que os presentes recíprocos constituem um modo, normal ou
privilegiado conforme o grupo, de transmissão dos bens, ou de certos bens, e que estes
presentes não são oferecidos principalmente, ou em todo caso essencialmente, com a
finalidade de obter um beneficio ou vantagens de natureza econômica.” (p)93

“É que, com efeito, a troca não produz um resultado tangível, como no caso das transações
comerciais de nossa sociedade. O lucro esperado não é nem direto nem inerente ás coisas
trocadas, como são o lucro de dinheiro ou o de valor de consumo.” (p)94

“Os bens não são somente comodidades econômicas, mas veículos e instrumentos de realidade
de outra ordem, potência, poder, simpatia, posição, emoção. O jogo sábio das trocas (onde
freqüentemente não há transferência real, assim como os jogadores de xadrez não dão um ao
outro as peças que avançam alternativamente no tabuleiro, mas procuram somente provocar
uma resposta) consiste em um conjunto complexo de manobras, conscientes ou inconscientes,
para adquirir garantias e prevenir-se contra riscos no duplo terreno das alianças e das
rivalidades.” (p)94

“A melhor prova do caráter supra-economico dessas trocas é que no potlatch não se hesita em
destruir às vezes valores consideráveis, quebrando ou jogando no mar um “cobre”, e que
maior prestígio resulta da aniquilação da riqueza que da sua distribuição, apesar de liberal,
mas que supõe sempre uma retribuição. O caráter econômico subsiste entretanto, embora seja
sempre limitado e qualificado pelos outros aspectos da instituição. “Não é a simples posso das
riquezas que confere prestígio ao individuo, mas antes da distribuição delas... O individuo só
amontoa riquezas para se elevar na hierarquia social.” (p)95

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“Festas e cerimônias regulam também entre nós o retorno periódico e o estilo tradicional de
vastas operações de troca.” (p)96

“Há numerosos pequenos fatos para lembrar que, mesmo em nossa sociedade, a destruição da
riqueza é um meio de prestígio.”(p)96

“Tudo se passa, pois, como se o dinheiro, que estamos habituados a considerar como simples
meio para obtenção de bens econômicos, recuperasse, no momento em que não pode esgotar-
se nesse papel, uma outra função arcaica, atribuída outrora as coisas preciosas, a de
instrumento de prestígio ao preço do dom e do sacrifício, efetivamente realizado ou
simplesmente arriscado.” (p)96

“Os requintes da divisão ou da distribuição aparecem, portanto, com urgência ou a ausência da


necessidade.” (p)97

“No domínio tão característico das prestações alimentares, de que os banquetes, os chás e as
ceias comprovam o rigor moderno, a própria linguagem, que diz “dar uma recepção”, mostra
que entre nós, tal como no Alasca ou na Oceania, “receber” é dar,” (p)97

“O grupo, com efeito, julga com singular dureza aquele que “bebe sozinho”. Por ocasião das
trocas e cerimoniais Polinésios é prescrito que, na medida do possível, os bens não sejam
trocados no interior dos grupos dos parentes próximos paternos, mas se estendam a outros
grupos e a outras aldeias.” (p)97

“Nesta realização individual de um ato que normalmente exige a participação coletiva, parece
que o grupo percebe confusamente uma espécie de incesto social.” (p)98

“A distância social mantida, mesmo se não for acompanhada de nenhuma manifestação de


desdém, insolência ou agressão, é por si só um fator de sofrimento, no sentido em que todo
contato social contem um apelo e este apelo é uma esperança de resposta. A troca do vinho

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permite a solução desta situação fugaz mais difícil. É uma afirmação de boa vontade, que
dissipa a incerteza recíproca, substituindo um vinculo a justaposição. Mas é também mais que
isso. O parceiro, que tinha o direito de se conservar reservado, é provocado a sair desse estado,
o vinho oferecido atrai o vinho o vinho retribuído, a cordialidade exige cordialidade.” (p)99

“Os primitivos só conhecem dois meios de classificar os grupos estranhos, ou são “bons” ou
são “maus”. Mas a tradução ingênua dos termos indígenas não nos deve iludir. Um grupo
“bom” é aquele ao qual, sem discutir, concede-se hospitalidade, aquele para o qual nos
despojamos dos bens mais preciosos, ao passo que o grupo “mau” é aquele que do qual se
espera e ao qual se promete, na primeira ocasião, o sofrimento ou a morte.” (p)100

“Ora, a troca, fenômeno total, é primeiramente uma troca total, compreendendo o alimento, os
objetos fabricados e esta categoria de bens mais preciosos, as mulheres.” (p)100

“(...) e talvez alguém leve um susto diante da sugestão de que a repugnância de um camponês
meridional em beber seu próprio frasco de vinho forneça o modelo segundo o qual se
construiu a proibição do incesto. Sem dúvida, esta última não provém daquela. Acreditamos,
no entanto, que todas as duas constituem fenômenos do mesmo tipo, que são elementos de um
mesmo complexo cultural, ou mais exatamente do complexo fundamental da cultura.” (p)101

“As mulheres e as terras são dadas como pagamento de obrigações individuais.” (p)101

“Dir-se-á que estão sendo aproximados dois fenômenos que não são da mesma natureza. Sem
dúvida, o dom constitui uma forma primitiva de troca. Mas, desapareceu precisamente em
proveito da troca, exceto algumas sobrevivências, como os convites, as festas e os presentes,
que foram abusivamente postos em relevo.” (p)101

“Os dons recíprocos são divertidos vestígios, que podem reter a curiosidade do antiquário, mas
não é admissível fazer derivar de um tipo de fenômeno hoje em dia anormal e excepcional, de
interesse puramente anedótico, uma instituição como a proibição do incesto, que é tão geral e
importante em nossa sociedade quanto em qualquer outra.” (p)101

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“Talvez se acrescente que entre a proibição do incesto e o dom recíproco só existe um único
caráter comum, a repulsa individual e a reprovação social dirigidas contra o consumo
unilateral de certos bens. Mas, dir-se-á que o caráter essencial dos dons recíprocos, isto é, o
aspecto positivo da reciprocidade, falta inteiramente no primeiro caso, de tal modo que nossa
interpretação, a rigor, só poderá ser validas para os sistemas exogâmicos (...) que apresentam
este caráter de reciprocidade e não para a proibição do incesto tal como é praticada em nossa
sociedade.” (p)101

“Como a exogamia, a proibição do incesto é uma regra de reciprocidade, porque não renuncio
à minha filha ou à minha irmã senão com a condição que meu vizinho também renuncie. A
violenta reação da comunidade em face do incesto é a reação de uma comunidade lesada. A
troca pode não ser – diferente da exogamia – nem explicita nem imediata.” (p)102

“A única diferença consiste, portanto em que na exogamia exprime-se a crença de que é


preciso definir as classes para que se possa estabelecer uma relação entre as classes, enquanto
na proibição do incesto basta a relação unicamente para definir, em cada instante da vida
social, uma multiplicidade complexa e continuamente renovada de termos direta ou
indiretamente solidários.” (p)102

“A sobrevivência de um costume ou de uma crença pode, com efeito, explicar-se de duas


maneiras: ou o costume e a crença constituem um vestígio sem outra significação a não ser a
de um resíduo histórico poupado pelo acaso, ou por motivo de causas extrínsecas; ou então
sobreviveu porque continua, ao longo dos séculos, a desempenhar um papel, e este não difere
essencialmente daquele pelo qual é possível explicar seu aparecimento inicial.” (p)102

“Mas, sobretudo porque as mulheres não são primeiramente um sinal de valor social, mas
estimulante natural. São o estimulante do único instinto cuja satisfação pode ser variada, o
único, por conseguinte, para o qual, no ato da troca, e pela apercepção da reciprocidade, possa
operar-se a transformação do estimulante em sinal, e, ao definir por meio dessa medida
fundamental a passagem da natureza à cultura, florescer em uma instituição.” (p)102

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“Mas a relação que existe entre casamento e os presentes não é arbitraria. O próprio casamento
faz parte das obrigações que o acompanham, sendo somente o motivo central.” (p)03

“Do ponto de vista mais geral, contentamo-nos em observar aqui que um novo casamento
reanima todos os casamentos produzidos em outros momentos e pontos diferentes da estrutura
social, de tal modo que cada conexão apóia-se sobre todas as outras e lhes dá, no momento em
que se estabelece, uma renovação de atividade.” (p)105

“A abdução da noiva exprime de maneira dramática a obrigação em que está todo grupo
possuidor de moças de cedê-las. Torna manifesta a disponibilidade delas.” (p)105

“Seria, portanto, falso dizer que se trocam presentes ou que se dão presentes, ao mesmo tempo
em que se trocam ou se dão mulheres. Por que a própria mulher não é senão um dos presentes,
o presente supremo, entre aqueles que podem ser obtidos somente em forma de dons
recíprocos.” (p)105

“Finalmente, o sistema das obrigações conduz ao casamento.” (p)106

“Existe um vinculo, uma continuidade entre as relações hostis e a prestação de serviços


recíprocos. As trocas são guerras pacificamente resolvidas, as guerras são o desfecho de
transações infelizes. Este traço manifesta-se com plena evidencia pelo fato da passagem da
guerra à paz, ou pelo menos da hostilidade à cordialidade, realizar-se por intermédio de gestos,
de rituais, verdadeira ‘inspeção de reconciliação’.” (p)107

“E a troca das noivas é apenas o termo de um processo ininterrupto de dons recíprocos, que
realiza a passagem da hostilidade à aliança, da angustia à confiança, do medo à amizade.”
(p)107

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