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FACULDADE DE SANTA LUZIA UNIESP

CURSO DIREITO
DISCIPLINA: CIÊNCIA POLÍTICA E TEORIA GERAL DO ESTADO
PROFESSORA: DIANA DE CÁSSIA SILVA

NOME: SHIRLEY PIMENTEL RAIMUNDO SILVA


THAINARA CAROLINE NEVES
SOFIA CASTRO SILVA
ROSILENE DE SOUZA

FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: nascimento da prisão. Trad. Lígia M. Ponde


Vassalo. Petrópolis: Vozes, 1987.

“Durante a época clássica, deu-se toda uma descoberta do corpo como objeto
e alvo de poder. Seria fácil encontrar sinais desta grande atenção que era então dada
ao corpo – ao corpo que se manipula, que se modela, que se subjuga, que obedece,
que responde, que se torna hábil ou cujas forças se multiplicam. O grande livro do
Homem-Máquina foi redigido simultaneamente em dois registros: o registro
anatomicometafísico, do qual Descartes escrevera as primeiras páginas e que foi
continuado pelos médicos e pelos filósofos; e o registro técnico-político, que foi
constituído por todo um conjunto de regulamentos militares, escolares, hospitalares,
e por processos empíricos e refletidos para controlar ou corrigir as operações do
corpo. Eram dois registros muito distintos, pois um tratava de submissão e utilização,
e o outro de funcionamento e explicação: corpo útil, corpo inteligível. No entanto, entre
eles, existem pontos de cruzamento.” (p.116)

“Não é certamente a primeira vez que o corpo é objeto de investimentos tão


imperiosos e prementes; em qualquer sociedade, o corpo é alvo de poderes muito
estritos, que lhe impõem condicionalismos, interdições ou obrigações. No entanto, há
várias coisas novas nessas tecnologias. (...) não se trata de cuidar do corpo, em
massa, por atacado, (...), mas de o trabalhar em pormenor; trata-se de exercer sobre
ele uma coerção subtil, de assegurar controle ao próprio nível da mecânica –
movimentos, gestos, atitudes, rapidez: poder infinitesimal sobre o corpo ativo. (...) No
entanto, nos séculos XVII e XVIII, as disciplinas tornaram-se fórmulas gerais de
domínio. São diferentes da escravidão, uma vez que se baseiam numa relação de
apropriação dos corpos; faz parte da elegância da disciplina dispensar essa relação
dispendiosa e violenta, obtendo os mesmos efeitos de utilidade. São também
diferentes do servilismo, que é uma relação de domínio constante, global, maciça, não
analítica, ilimitada e estabelecida na forma da vontade singular do senhor, o seu
«capricho». (...) O momento histórico das disciplinas é quando nasce uma arte do
corpo humano, que não visa apenas o desenvolvimento das suas capacidades, nem
o aprofundamento da sua sujeição, mas a formação de uma relação que, no mesmo
mecanismo, o torna tanto mais obediente quanto mais útil e inversamente (...). O corpo
humano entra num maquinismo de poder (...), que é também uma «mecânica do
poder»; define como se pode ter domínio sobre o corpo dos outros, não simplesmente
para que façam o que se deseja, mas para que funcionem como se quer, com as
técnicas, segundo a rapidez e a eficácia que se determinam (...). Em suma: dissociar
o poder do corpo; faz dele, por um lado, uma «aptidão», uma «capacidade» que
procura aumentar; e, por outro, inverte a energia, a força que daí poderia resultar, e
faz dele uma relação de sujeição estrita. (...)” (p.117)

“Encontramo-los, desde muito cedo, em funcionamento nos colégios; mais


tarde, nas escolas primárias; investiram lentamente o espaço hospitalar; (...)” (p. 118)

“A minúcia dos regulamentos, o olhar esmiuçador das inspeções, o controlo


das mínimas parcelas da vida e do corpo darão em breve, no quadro da escola, da
caserna, do hospital ou da oficina, um conteúdo laicizado, uma racionalidade
econômica ou técnica a esse cálculo místico do ínfimo e do infinito.(...).” A disciplina
procede, em primeiro lugar, à distribuição dos indivíduos no espaço. Para isso, utiliza
várias técnicas.
1. Por vezes, a disciplina exige a clausura, a especificação de um lugar
heterogêneo a todos os outros e fechado sobre si mesmo. Um lugar protegido da
monotonia disciplinar. (...)” (p. 119)
“2. No entanto, o princípio da «clausura» não é constante, nem indispensável,
nem suficiente nos aparelhos disciplinares. Estes trabalham o espaço de maneira
muito mais subtil e fina. Desde logo, segundo o princípio da localização elementar ou
da repartição [quadrillage]. Cada indivíduo no seu lugar; e em cada lugar, um
indivíduo. Evitar as distribuições por grupos; decompor as implantações coletivas;
analisar as pluralidades confusas, maciças ou fugazes.(...).
É necessário anular os efeitos das repartições indecisas, o desaparecimento
descontrolado dos indivíduos, a sua circulação difusa, a sua coagulação inutilizável e
perigosa; tática contra a deserção, contra a vagabundagem e contra a aglomeração.
Trata-se de estabelecer as presenças e as ausências, de saber onde e como
encontrar os indivíduos, de instaurar as comunicações úteis, de interromper as outras,
de poder, a cada instante, vigiar o comportamento de cada indivíduo, de o apreciar,
sancionar, avaliar as suas qualidades ou méritos. Trata-se, portanto, de um processo
para conhecer, dominar e utilizar. A disciplina organiza um espaço analítico.
(...) Definem-se lugares determinados para responder não só à necessidade de
vigiar, de romper as comunicações perigosas, mas também de criar um espaço útil. O
processo aparece claramente nos hospitais, sobretudo nos hospitais militares e
marítimos. (...)” (p. 120)

“O hospital marítimo deve então tratar, mas, para isso, deve ser um filtro, um
dispositivo que identifica e reparte; deve assegurar um controlo sobre essa mobilidade
e esse bulício, decompondo a confusão da ilegalidade e do mal. A vigilância médica
das doenças e dos contágios é solidária de uma série de outros controlos: militar sobre
os desertores, fiscal sobre as mercadorias, administrativo sobre os medicamentos, as
rações, os desaparecimentos, as guarnições, as mortes, as simulações. Daí a
necessidade de distribuir e compartimentar o espaço com rigor. As primeiras medidas
tomadas em Rochefort diziam mais respeito às coisas do que aos homens, mais às
mercadorias preciosas do que aos doentes.
(...) A organização da vigilância fiscal e econômica precede as técnicas da
observação médica: guarda dos medicamentos em cofres fechados, registro da sua
utilização; pouco mais tarde, estabelece-se um sistema para verificar o número real
dos doentes, as suas identidades, as unidades a que pertencem; depois,
regulamentam-se os seus movimentos, obrigando-os a permanecerem nas suas
salas; a cada cama é atribuído o nome de quem a ocupa; cada indivíduo tratado é
inscrito num registro, que o médico deve consultar durante a visita; mais tarde, virão
o isolamento dos contagiosos e a separação das camas. Progressivamente, um
espaço administrativo e político articula-se em espaço terapêutico; tende a
individualizar os corpos, as doenças, os sintomas, os vivos e os mortos; constitui um
quadro real de singularidades justapostas e cuidadosamente distintas.
(...) Trata-se de distribuir os indivíduos num espaço onde podem ser isolados e
localizados; mas também de articular essa distribuição num aparelho de produção que
tem as suas exigências específicas. É necessário ligar a repartição dos corpos, a
organização espacial do aparelho de produção e as diferentes formas de atividade na
distribuição dos «postos». A este princípio obedece a manufatura de Oberkampf, em
Jouy. (...)” (p. 121)

“4. Na disciplina, os elementos são intermutáveis, pois cada um define-se pelo


lugar que ocupa numa série e pela distância que o separa dos outros. A unidade não
é, portanto, o território (unidade de domínio) nem o lugar (unidade de residência), mas
o nível: o lugar que se ocupa numa classificação, o ponto onde se cruzam uma linha
e uma coluna, o intervalo numa série de intervalos que podem ser sucessivamente
percorridos. (...)” (p. 122)

“A constituição de «quadros» foi um dos grandes problemas da tecnologia


científica e econômica do século XVIII: organizar jardins botânicos e zoológicos e, ao
mesmo tempo, construir classificações racionais dos seres vivos; observar, controlar,
regularizar a circulação das mercadorias e da moeda e construir assim um quadro
econômico que possa valer como princípio de enriquecimento; inspecionar os
homens, verificar a sua presença e ausência, e constituir um registro geral e
permanente das forças armadas; repartir os doentes, separá-los uns dos outros, dividir
com cuidado o espaço hospitalar e fazer uma classificação sistemática das doenças:
são operações gêmeas, em que os dois constituintes – distribuição e análise, controlo
e inteligibilidade – são mutuamente solidários.(...)” (p. 123)
“Não há dúvida de que as comunidades monásticas sugeriram o seu modelo
estrito, que se difundiu rapidamente. Os seus três grandes processos –
estabelecimento de ritmos, obrigação de determinadas ocupações, regulação dos
ciclos de repetição – apareceram muito cedo nos colégios, nas oficinas e nos
hospitais. (...) no século XVII, o regulamento das grandes manufaturas definia os
exercícios que deviam ritmar o trabalho: «Todas as pessoas (…) ao chegarem de
manhã, antes de trabalhar, começarão por lavar as mãos, oferecerão a Deus o seu
trabalho, farão o sinal da cruz e começarão a trabalhar»(20).” (p. 124)

“Define-se uma espécie de esquema anatómico-cronológico do


comportamento. O ato é decomposto nesses elementos; a posição do corpo, dos
membros e das articulações é definida; a cada movimento são atribuídas uma direção,
uma amplitude e uma duração; a sua ordem de sucessão é prescrita. O tempo penetra
o corpo e, com ele, todos os controlos minuciosos do poder.
No bom uso do corpo, que permite um bom uso do tempo, nada deve permanecer
ocioso ou inútil: tudo deve ser chamado a formar o suporte do ato requerido.” (p.125)

“(...) O princípio (...) da não ociosidade: é proibido perder um tempo que é


contado por Deus e pago pelos homens; o emprego do tempo devia afastar o perigo
de o desperdiçar – ofensa moral e desonestidade econômica. (...) afirma o princípio
de uma utilização teoricamente sempre crescente do tempo: (...); extrair, do tempo,
sempre mais instantes disponíveis e, de cada instante, sempre mais forças úteis. O
que significa que se deve procurar intensificar o uso do mais pequeno instante, como
se o tempo, no seu próprio fracionamento, fosse inesgotável; ou como se, (...),
pudéssemos tender para um ponto ideal onde o máximo de rapidez se juntasse ao
máximo de eficácia.(...)“ p. 126

“O corpo, que se requer dócil nas suas mais pequenas operações, opõe e
mostra as condições de funcionamento específicas de um organismo.” (p. 127)
“(...) As disciplinas, que analisam o espaço, que decompõem e recompõem as
atividades, devem ser também vistas como aparelhos para adicionar e capitalizar o
tempo. E isto através de quatro processos, claramente visíveis na organização militar.
1.º Dividir a duração em segmentos, sucessivos ou paralelos, cada qual
devendo chegar a um termo específico.
2.º Organizar essas linhas segundo um esquema analítico – sucessões de
elementos tão simples quanto possível, combinando-se segundo uma complexidade
crescente. O que implica que a instrução abandone o princípio da repetição analógica.
(...)“.
3.º Finalizar esses segmentos temporais, fixar-lhes um termo marcado por uma
prova, que tem a tripla função de indicar se o indivíduo atingiu o nível estatutário,
garantir a conformidade da sua aprendizagem com a dos outros e diferenciar as
capacidades de cada indivíduo.(...).” (p. 128)
“4.º Estabelecer séries; prescrever a cada um, segundo o seu nível, a sua
antiguidade, o seu posto e os exercícios que lhe convêm; os exercícios comuns têm
um papel diferenciador e cada diferença comporta exercícios específicos. No termo
de cada série, começam outras, que formam uma ramificação e que se subdividem.
Assim, cada indivíduo está integrado numa série temporal, que define especificamente
o seu nível ou a sua categoria.” (p.129)

“(...) quando se trata de constituir uma força produtiva cujo efeito deve ser
superior à somadas forças elementares que a compõem: «Que o dia de trabalho
combinado adquira uma produtividade superior multiplicando a potência mecânica do
trabalho, estendendo a sua ação no espaço ou diminuindo o campo de produção
relativamente à sua escala, mobilizando nos momentos críticos grandes quantidades
de trabalho (…) a força específica do dia combinado é uma força social do trabalho
ou uma força do trabalho social. Nasce da própria cooperação».
Emerge assim uma nova exigência a que a disciplina tem de responder:
construir uma máquina cujo efeito será maximizado pela articulação concertada das
peças elementares de que é composta. A disciplina já não é simplesmente uma arte
de repartir os corpos, de extrair e acumular o seu tempo, mas de compor forças para
obter um aparelho eficiente. Esta exigência traduz-se de várias maneiras.” (p. 131)
“1. O corpo singular torna-se um elemento que se pode posicionar, mover,
articular com outros. A sua valentia ou a sua força já não são as variáveis principais
que o definem; o que o define é o lugar que ocupa, o intervalo que cobre, a
regularidade, a boa ordem segundo as quais opera as suas deslocações. O homem
de tropa é, antes de tudo, um fragmento de espaço móvel, antes de ser uma coragem
ou uma honra. (...) a disciplina deve combinar para formar um tempo composto. O
tempo de uns deve ajustar-se ao tempo dos outros, de maneira que a quantidade
máxima de forças possa ser extraída de cada um e combinada num resultado
ótimo.(...). Não há um só momento da vida de que não se possa extrair forças, desde
que se saiba diferenciá-lo e combiná-lo com outros. (...)“ (p. 132)

“Toda a atividade do indivíduo disciplinado deve ser pontuada e sustentada por


injunções cuja eficácia assenta na brevidade e na clareza; a ordem não tem de ser
explicada, nem sequer formulada; é necessário e suficiente que desencadeie o
comportamento desejado.” p.133

“«Dever-se-ia tornar nacional a disciplina», dizia Guibert. «O Estado que


idealizo terá uma administração simples, sólida e fácil de governar.” p. 134

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