Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
CURSO DIREITO
DISCIPLINA: CIÊNCIA POLÍTICA E TEORIA GERAL DO ESTADO
PROFESSORA: DIANA DE CÁSSIA SILVA
“Durante a época clássica, deu-se toda uma descoberta do corpo como objeto
e alvo de poder. Seria fácil encontrar sinais desta grande atenção que era então dada
ao corpo – ao corpo que se manipula, que se modela, que se subjuga, que obedece,
que responde, que se torna hábil ou cujas forças se multiplicam. O grande livro do
Homem-Máquina foi redigido simultaneamente em dois registros: o registro
anatomicometafísico, do qual Descartes escrevera as primeiras páginas e que foi
continuado pelos médicos e pelos filósofos; e o registro técnico-político, que foi
constituído por todo um conjunto de regulamentos militares, escolares, hospitalares,
e por processos empíricos e refletidos para controlar ou corrigir as operações do
corpo. Eram dois registros muito distintos, pois um tratava de submissão e utilização,
e o outro de funcionamento e explicação: corpo útil, corpo inteligível. No entanto, entre
eles, existem pontos de cruzamento.” (p.116)
“O hospital marítimo deve então tratar, mas, para isso, deve ser um filtro, um
dispositivo que identifica e reparte; deve assegurar um controlo sobre essa mobilidade
e esse bulício, decompondo a confusão da ilegalidade e do mal. A vigilância médica
das doenças e dos contágios é solidária de uma série de outros controlos: militar sobre
os desertores, fiscal sobre as mercadorias, administrativo sobre os medicamentos, as
rações, os desaparecimentos, as guarnições, as mortes, as simulações. Daí a
necessidade de distribuir e compartimentar o espaço com rigor. As primeiras medidas
tomadas em Rochefort diziam mais respeito às coisas do que aos homens, mais às
mercadorias preciosas do que aos doentes.
(...) A organização da vigilância fiscal e econômica precede as técnicas da
observação médica: guarda dos medicamentos em cofres fechados, registro da sua
utilização; pouco mais tarde, estabelece-se um sistema para verificar o número real
dos doentes, as suas identidades, as unidades a que pertencem; depois,
regulamentam-se os seus movimentos, obrigando-os a permanecerem nas suas
salas; a cada cama é atribuído o nome de quem a ocupa; cada indivíduo tratado é
inscrito num registro, que o médico deve consultar durante a visita; mais tarde, virão
o isolamento dos contagiosos e a separação das camas. Progressivamente, um
espaço administrativo e político articula-se em espaço terapêutico; tende a
individualizar os corpos, as doenças, os sintomas, os vivos e os mortos; constitui um
quadro real de singularidades justapostas e cuidadosamente distintas.
(...) Trata-se de distribuir os indivíduos num espaço onde podem ser isolados e
localizados; mas também de articular essa distribuição num aparelho de produção que
tem as suas exigências específicas. É necessário ligar a repartição dos corpos, a
organização espacial do aparelho de produção e as diferentes formas de atividade na
distribuição dos «postos». A este princípio obedece a manufatura de Oberkampf, em
Jouy. (...)” (p. 121)
“O corpo, que se requer dócil nas suas mais pequenas operações, opõe e
mostra as condições de funcionamento específicas de um organismo.” (p. 127)
“(...) As disciplinas, que analisam o espaço, que decompõem e recompõem as
atividades, devem ser também vistas como aparelhos para adicionar e capitalizar o
tempo. E isto através de quatro processos, claramente visíveis na organização militar.
1.º Dividir a duração em segmentos, sucessivos ou paralelos, cada qual
devendo chegar a um termo específico.
2.º Organizar essas linhas segundo um esquema analítico – sucessões de
elementos tão simples quanto possível, combinando-se segundo uma complexidade
crescente. O que implica que a instrução abandone o princípio da repetição analógica.
(...)“.
3.º Finalizar esses segmentos temporais, fixar-lhes um termo marcado por uma
prova, que tem a tripla função de indicar se o indivíduo atingiu o nível estatutário,
garantir a conformidade da sua aprendizagem com a dos outros e diferenciar as
capacidades de cada indivíduo.(...).” (p. 128)
“4.º Estabelecer séries; prescrever a cada um, segundo o seu nível, a sua
antiguidade, o seu posto e os exercícios que lhe convêm; os exercícios comuns têm
um papel diferenciador e cada diferença comporta exercícios específicos. No termo
de cada série, começam outras, que formam uma ramificação e que se subdividem.
Assim, cada indivíduo está integrado numa série temporal, que define especificamente
o seu nível ou a sua categoria.” (p.129)
“(...) quando se trata de constituir uma força produtiva cujo efeito deve ser
superior à somadas forças elementares que a compõem: «Que o dia de trabalho
combinado adquira uma produtividade superior multiplicando a potência mecânica do
trabalho, estendendo a sua ação no espaço ou diminuindo o campo de produção
relativamente à sua escala, mobilizando nos momentos críticos grandes quantidades
de trabalho (…) a força específica do dia combinado é uma força social do trabalho
ou uma força do trabalho social. Nasce da própria cooperação».
Emerge assim uma nova exigência a que a disciplina tem de responder:
construir uma máquina cujo efeito será maximizado pela articulação concertada das
peças elementares de que é composta. A disciplina já não é simplesmente uma arte
de repartir os corpos, de extrair e acumular o seu tempo, mas de compor forças para
obter um aparelho eficiente. Esta exigência traduz-se de várias maneiras.” (p. 131)
“1. O corpo singular torna-se um elemento que se pode posicionar, mover,
articular com outros. A sua valentia ou a sua força já não são as variáveis principais
que o definem; o que o define é o lugar que ocupa, o intervalo que cobre, a
regularidade, a boa ordem segundo as quais opera as suas deslocações. O homem
de tropa é, antes de tudo, um fragmento de espaço móvel, antes de ser uma coragem
ou uma honra. (...) a disciplina deve combinar para formar um tempo composto. O
tempo de uns deve ajustar-se ao tempo dos outros, de maneira que a quantidade
máxima de forças possa ser extraída de cada um e combinada num resultado
ótimo.(...). Não há um só momento da vida de que não se possa extrair forças, desde
que se saiba diferenciá-lo e combiná-lo com outros. (...)“ (p. 132)