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EXCELENTÍSSIMO(A) SENHOR(A) JUIZ(A) FEDERAL DE UMA DAS SEÇÕES

JUDICIÁRIAS DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

MATEUS TUZZIN DE OLIVEIRA, solteiro, desempregado, inscrito no Cadastro de Pessoas Físicas


(CPF) sob o nº 032.799.470-30, residente e domiciliado em Avenida Mauá, nº 457, Bairro Progresso,
CEP 98940-000, Tuparendi-RS, representando a si mesmo(a), vem perante Vossa Excelência
promover a presente

AÇÃO DE COBRANÇA

em face da UNIÃO FEDERAL, pessoa jurídica de direito público, inscrita no CNPJ sob o n.
00.394.449/0014-50, com endereço de citação presente no sistema processual deste tribunal, fazendo-o
consoante as razões de fato e de direito que a seguir passa a expor.

I – DA GRATUIDADE DA JUSTIÇA:

O(a) Autor(a) requer a concessão da gratuidade da justiça, nos termos do art. 98 do Código de
Processo Civil e nas disposições da lei 1.060/1950.

O rendimento do(a) peticionante é decorrente de Auxílio concedido pelo Governo Federal, mal
sendo o montante suficiente para o atendimento de suas despesas básicas e essenciais. Nesse sentido,
declara-se que pagamento das custas judiciais representaria ônus capaz de prejudicar o seu sustento e de
sua família.

Assim, requer, desde logo, a concessão da gratuidade da justiça, por se tratar a demanda de
pessoa que não pode arcar com as custas e despesas processuais sem prejuízo alimentar próprio ou de
sua família.

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II – FATOS E DIREITO

O(a) autor(a) é beneficiário(a) do Auxílio Emergencial, instituído excepcionalmente em razão


da emergência de saúde pública decorrente do Coronavírus (COVID-19).

Após comprovação do cumprimento de todos os parâmetros de caracterização da situação de


vulnerabilidade social para fins de elegibilidade ao benefício, o peticionante percebeu a quantia total de
<R$2.400,00 (dois mil e quatrocentos reais) em quatro parcelas de R$600,00(seiscentos reais)
depositadas nos meses de maio a agosto de 2020>.

Sucede que o(a) Autor(a_ foi surpreendido(a) com o discurso, proferido pelo Presidente da
República. Jair Messias Bolsonaro, na 75ª edição da Assembleia Geral da Organização das Nações
Unidas – ONU1, que aos beneficiários do auxílio emergencial havia sido conferido o valor de
U$1.000,00 (um mil dólares), correspondente à data, em moeda nacional, a R$5.540,00 (cinco mil e
quinhentos e quarenta reais)2.

Foram essas as exatas palavras do Chefe do Executivo Brasileiro, responsável por executar o
Auxílio Emergencial:

“Nosso governo, de forma arrojada, implementou várias medidas econômicas que evitaram o mal maior.
Concedeu auxílio emergencial em parcelas que somam, aproximadamente, 1.000 dólares para 65
milhões de pessoas, o maior programa de assistência aos mais pobres o Brasil e talvez um dos maiores
do mundo”.

Ora, o que se observa é que, enquanto o auxílio emergencial foi estabelecido para 65 milhões de
pessoas, com o valor de aproximadamente 1.000 dólares (ou, em outra palavras, R$5.540,00 - cinco mil
e quinhentos e quarenta reais) o(a) Autor(a) percebeu valores sensivelmente inferiores, que, somados,
correspondem à quantia de R$2.400,00 (dois mil e quatrocentos reais).

Diante de todo o exposto, não resta opção ao(à) peticionante que não a interposição da presente
demanda para obter a diferença do montante declarado referente ao Benefício, em relação ao montante
efetivamente percebido por ela.

Direito

1
Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=821wal-DuEA
2
Disponível em: < https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2020/09/4877042-bolsonaro-diz-que-
brasileiros-receberam-mil-dolares-de-auxilio.html>.

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Inicialmente, é necessário ressaltar que a declaração do Presidente Jair Messias Bolsonaro
perante a Assembleia das Nações Unidas, enquanto servidor responsável por “manter, defender e
cumprir a Constituição, observar as leis, promover o bem geral do povo brasileiro, sustentar a união,
a integridade e a independência do Brasil” (art. 78 da CF), constitui-se como ato administrativo dotado
de presunção de veracidade e legitimidade.

As atribuições privativas do Presidente da República estão previstas no art. 84 da Constituição


Federal, sendo destacadas as disposições relativas à manutenção de relações com Estados estrangeiros e
seus representantes diplomáticos (art. 84, VII), a sanção, promulgação e publicação as leis, bem como a
expedição de decretos para fiel execução da lei (art. 84, IV). Em outras palavras, o Presidente é
responsável por executar as leis fielmente, além de realizar pronunciamentos oficiais do Estado
brasileiro à nações estrangeiras.

Por outro lado, como ensina a boa doutrina, “todo ato praticado no exercício da função
administrativa é ato da Administração”3. Em geral, o que se considera ato administrativo é “a
declaração do Estado ou de quem lhe faça as vezes, expedida em nível inferior à lei – a título de
cumpri-la – sob regime de direito público e sujeita a controle de legitimidade por órgão
jurisdicional”4.

Nesse sentido, a declaração do Presidente Jair Messias Bolsonaro deve ser considerada como
ato administrativo, pois é constituído de todos os seus elementos formadores, quais sejam: i) encerra
uma declaração do Estado (representado pelo Chefe do Executivo); ii) produz efeitos jurídicos
imediatos, com observação da lei, pois afirma, perante um grupo de Nações estrangeiras, a tomada de
ação específica, pautada em legislação preexistente. Nesse sentido, a declaração do Presidente está
submetida ao regime jurídico de direito público, sendo dotados de executoriedade, legitimidade, e
presunção de veracidade.

Superado o esclarecimento inicial, resta reafirmar a ilegalidade da diferença do montante


recebido pela peticionante e o montante declarado pelo Chefe do Executivo. Ora, se os valores
concedidos aos brasileiros, à título de auxílio emergencial, em geral somaram, aproximadamente, 1.000
dólares, como informou o Presidente, não há razão pautada em parâmetros legais e proporcionais que
justifiquem o menor montante recebido pela peticionante.

3
DI PIETRO. Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 32º ed. Rio de Janeiro, Editora Forense LTDA, p.
448.
4
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Ato administrativo e direitos dos administrados. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1981.

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O tratamento diferenciado é uma violação ao art. 5º da Constituição Federal, que preleciona:
“todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”. Há, portanto, uma violação ao
preceito da igualdade, que deve ser observado tanto pelo aplicador da lei, quanto pelo próprio legislador
(Bandeira de Mello, 1999, p. 9).

O que se tem é uma violação do direito à não discriminação, derivado do conteúdo do


direito à igualdade e dos deveres do Estado que a ele correspondem. Trata-se da típica discriminação
ativa, que resulta da utilização de critérios vedados de discriminação para a prática de determinados
atos do poder público, através da aplicação discriminatória de uma lei. Não é outro o entendimento do
Supremo Tribunal Federal, que já assentou que o princípio da igualdade impõe “obrigatoriedade ao
intérprete, basicamente, a autoridade pública, de aplicar a lei e atos normativos de maneira igualitária,
sem estabelecimento de diferenciações em razão de sexo, religião, convicções filosóficas ou políticas,
raça, classe social.” (ADI 5760, Relator(a): ALEXANDRE DE MORAES, Tribunal Pleno, julgado em
13/09/2019, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-210 DIVULG 25-09-2019 PUBLIC 26-09-2019)

Com efeito, a concessão, ao(à) peticionante, de montante sensivelmente inferior àquele


concedido aos demais brasileiros, conforme declaração do Presidente Jair Messias Bolsonaro,
caracteriza diferenciação discriminatória na aplicação da lei, porque não é pautada em critério objetivo,
claro e proporcional.

Indenização por danos morais

Por meio de alguma ação ilegal e violadora de direitos, a Administração Pública concedeu à
peticionante valor do Auxílio Emergencial diferente do que foi declarado pelo Presidente Jair Messias
Bolsonaro. Aí está o ato ilícito: o valor recebido é distinto do valor declarado publicamente pelo
Presidente.

Deve ser considerada até dolosa (e não apenas negligente) a conduta do agende público que
procede em desacordo com a lei, com a boa-fé e com os fatos de que tem conhecimento.

O dano não é apenas material. O(A) Autor(a), no seu âmago, sentiu o constrangimento de ser a
única brasileira que não recebeu o valor afirmado, no cenário internacional, pelo Presidente Jair
Messias Bolsonaro.

Havendo ato ilícito, dano e nexo de causalidade (o constrangimento é decorrente da ação do


agente público), há o dever de repará-lo.

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Portanto, torna-se devida a indenização por danos morais, tendo em vista especialmente os
objetivos do instituto, quais sejam, compensar a vítima pelos prejuízos vivenciados, bem como punir
o agente pela conduta adotada, e, por fim, inibi-lo na prática de novos ilícitos.

Em face do exposto, o(a) Autor(a) pleiteia a indenização a título de dano moral, por restar
configurada ofensa direta à sua honra, considerando-se especialmente o seu estado de necessidade e o
constrangimento de ouvir o Presidente declarar que ela foi o(a) único(a) brasileiro(a) a receber valor a
menor.

III - DO PEDIDO

Em face de tudo quanto foi exposto, requer que:

a) Seja deferida a gratuidade da justiça, por cumprir o(a) Autor(a) todos os requisitos
legais para sua concessão;

b) Seja determinada a citação da Ré, por meio de oficial de justiça, para que
apresente defesa, sob pena de revelia e confissão quanto à matéria fática;

c) Sejam, ao final, julgados procedentes os pedidos para o fim de:

c.1 condenar a União à obrigação de pagar montante de <R$3.140,00 (três mil e cento e
quarenta reais)>, correspondente à diferença entre o valor percebido pela Autora e o valor
efetivamente instituído do Auxílio Emergencial, conforme declaração dada pelo Presidente da
República perante a 75ª Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU);

c.2 condenar a União a indenização a título de danos morais, em valor a ser arbitrado
por V. Exa., em razão do constrangimento de ter recebido auxílio emergencial em valor distinto
daquele valor que foi anunciado pelo Presidente da República para o mundo;

d) Requer, ainda, a produção de todos os meios de prova em direito admitidos, sob


pena de confissão, oitiva de testemunhas a serem oportunamente arroladas, juntada de novos
documentos, as demais que se fizerem necessárias.

Dá-se à causa o valor de <R$3.000 (três mil reais)>.

Termos em que, pede deferimento.

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<CIDADE, DATA>

ASSINATURA

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