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MAPPING SEGREGATION IN PANDEMIA: the geography of absences and their role in the production of teaching materials
TAT I A N A DE S OU Z A FE RR E IRA
Graduada e Mestre em Geografia (UERJ)
Professora do Colégio Pedro II (Campus Realengo II)
prof t ati ana@hotmai l .com
E D U A R DO DE OLIVE IR A RO DRIG U E S
Graduado e Mestre em Geografia (UFRJ,) Doutorando em Antropologia (UFF)
Professor do Colégio Pedro II (Campus Realengo II) e
Pesquisador do Laboratório de Estudos sobre Conflitos, Cidadania e Segurança Pública (LAESP/UFF)
vinculado à rede INCT-IneAC
eor odri gues @gmai l .com
RESUMO: A PRODUÇÃO DE MATERIAIS DIDÁTICOS É UM PROCESSO DESAFIADOR DE CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO, ESPECIALMENTE QUANDO
CONSIDERAMOS O USO DE RECURSOS ESTATÍSTICOS E CARTOGRÁFICOS PARA SUA ELABORAÇÃO. EM UM CONTEXTO DE PANDEMIA EM QUE SE AMPLIA
A PRESSÃO PELO CONTATO ONLINE COM OS ESTUDANTES, A CONFECÇÃO E ENVIO DE MATERIAIS DIDÁTICOS QUE DIALOGUEM COM O MOMENTO
ATUAL FOI UM CAMINHO DE TRABALHO QUE ESCOLHEMOS. NESTE PROCESSO, OS DADOS ESTATÍSTICOS E A PRODUÇÃO CARTOGRÁFICA FORAM
FERRAMENTAS UTILIZADAS NA TENTATIVA DE DEBATER O COVID-19 CONSIDERANDO AS DESIGUALDADES REGIONAIS NAS ESCALAS NACIONAL E
MUNICIPAL DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO. A PARTIR DA ANÁLISE, MAIS DO QUE PADRÕES ESPACIAIS DE DESIGUALDADE E SEGREGAÇÃO LIGADOS
AO COVID-19, DIFERENTES INSUFICIÊNCIAS ENCONTRADAS NOS DADOS POSSIBILITARAM PENSAR EM UMA GEOGRAFIA DAS AUSÊNCIAS, ISTO É, A
POSSIBILIDADE METODOLÓGICA DE ABORDAR CONTEÚDOS, FENÔMENOS E PROCESSOS SOCIOESPACIAIS A PARTIR DA FALTA, OU SEJA, DAQUILO
QUE OS DADOS APARENTEMENTE NÃO REVELAM, NÃO CONTABILIZAM ESTATISTICAMENTE, OU MESMO INVISIBILIZAM. APONTAMOS NESTE ARTIGO
A POSSIBILIDADE DA AUSÊNCIA COMO CATEGORIA DE ANÁLISE GEOGRÁFICA QUE PODE SER USADA ENQUANTO RECURSO NA PRODUÇÃO DE
MATERIAIS DIDÁTICOS.
PALAVRAS-CHAVE: GEOGRAFIA; ESTATÍSTICA; CARTOGRAFIA; SEGREGAÇÃO; ESTADO.
ABSTRACT: THE PRODUCTION OF LEARNING MATERIALS IS A CHALLENGING PROCESS OF BUILDING KNOWLEDGE, ESPECIALLY WHEN THE USE OF
STATISTICAL AND CARTOGRAPHIC RESOURCES IS CONSIDERED. REGARDING THE HIGH DEMAND FOR E-LEARNING ACTIVITIES DUE THE COVID-19
OUTBREAK, THE AUTHORS HAVE DEVELOPED ONLINE GEOGRAPHY LEARNING MATERIALS ABOUT THE PANDEMIA FOR THEIR STUDENTS. IN THIS
PROCESS, STATISTICAL DATA AND MAP MAKING WERE TOOLS USED TO DEBATE SOME COVID-19 IMPACTS CONSIDERING REGIONAL INEQUALITIES
IN BRAZIL AND RIO DE JANEIRO CITY. IN THE ANALYSIS, DIFFERENT DATA LIMITATIONS MADE IT POSSIBLE TO THINK OF A GEOGRAPHY OF ABSENCES,
THAT IS, A METHODOLOGICAL POSSIBILITY OF ADDRESSING SOCIO-SPATIAL CONTENT, PHENOMENA AND PROCESSES THROUGH DATA ABSENCE.
IN OTHER WORDS, IT SUGGESTS ANALYZE WHAT THE DATA APPARENTLY DOES NOT REVEAL, DOES NOT COUNT STATISTICALLY OR EVEN MAKES
INVISIBLE IN MAPS. IN THIS ARTICLE, WE POINTED OUT THE POSSIBILITY OF TAKING “ABSENCE” AS A ANALYTICAL CATEGORY THAT CAN BE USED AS
A RESOURCE IN THE PRODUCTION OF TEACHING MATERIALS IN GEOGRAPHY.
KEYWORDS: ESTATISTIC; STATE; CARTOGRAPHY; SEGREGATION; STATE.
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das variáveis que compõem o dado. Ao tomá- respeito a certos limites espaciais da biopolítica no
los enquanto resultado de um processo de seu papel quanto ao fortalecimento da população
construção social, o artigo objetiva, sobretudo, através das ações do Estado. A experiência
pensar criticamente o uso dos dados em nossos colonial que conformará boa parte das periferias
materiais didáticos e nas aulas de Geografia do capitalismo marca uma diferença fundamental
inscritas no cotidiano escolar. nesse processo, uma vez que o estatuto de
igualdade política entre a população brasileira
ALGUMAS PALAVRAS SOBRE A DIMENSÃO POLÍTICA nos parece muito diferente daquele dos países
DA ESTATÍSTICA E SUA RELAÇÃO COM O ESTADO europeus do Ocidente. Para tomarmos somente
um pequeno exemplo, é notório o impacto do
Pensar nos processos que conformam sistema escravagista sobre a ampliação dos
o Estado moderno enquanto uma das formas direitos civis no Brasil. Como nos mostra Kant de
possíveis de governo é pensar também na Lima (2019, p. 25), mesmo com a promulgação de
construção da estatística enquanto ciência. uma Constituição tida enquanto liberal em 1824,
Como nos esclarece Triola (2008, p.2), a palavra o estatuto de cidadão foi negado a maior parte da
estatística provém do vocábulo latino status que população durante todo o período imperial. Com
significa “Estado”. Sua constituição enquanto respeito a isso, salta aos olhos o fato do primeiro
ciência esteve ligada, inicialmente, a um corpo Código Penal brasileiro datar de 1830 enquanto
de conhecimentos voltados para a compilação o Código de Direito Civil ter sido promulgado
de dados sobre diferentes fenômenos que apenas em 1915.
reconfiguraram o problema do governo. Para Nossas estatísticas demográficas, que na
Foucault (2019, p. 407), tal reconfiguração está leitura de Souza e Silva (1986) eram meramente
ligada à expansão demográfica experimentada conjecturais e dispersas antes de 1870, também
pela Europa a partir do século XVII e que refletem esses limites. Elas não passavam
transformou a população num problema de ordem de estimativas sem qualquer fundamento
política para boa parte do continente. A noção de científico destinadas, quando muito, a atender
“governamentalidade” sugere a construção de aos interesses metropolitanos. O primeiro
uma série de novos mecanismos de regulação levantamento populacional foi realizado somente
sobre a vida da população, de maneira a percebê- em 1818 através de um inquérito baseado em
la enquanto recurso fundamental para a existência informações de párocos, desembargadores
do próprio Estado. Isso significa, em outras e magistrados (IBGE, 2003). Somente após
palavras, racionalizar de maneira mais precisa mais de cinquenta anos, com a primeira lei de
os problemas postos à prática governamental recenseamentos nacionais de população (Lei nº
através de fenômenos inscritos na vida de certo 1829, sancionada em 1870), tornou-se possível a
conjunto de viventes como questões sanitárias, de realização de um censo nacional no ano de 1872
natalidade, longevidade, ocorrência de crimes, etc (OLIVEIRA, 2005, p. 292). Não é surpreendente,
(FOUCAULT, 2008, p. 408). Os dados estatísticos, nesse sentido, que as estatísticas produzidas pelo
nesse sentido, se constituíram enquanto subsídio Estado não tenham geralmente subsidiado ações
necessário para operacionalizar essa nova em prol do fortalecimento da vida da população
ciência que tomava a população enquanto objeto brasileira como um todo.
e instrumento de governo. Apesar de passados quase 150 anos do
No entanto, quando pensamos no primeiro censo demográfico, o formato atual do
recorte brasileiro, a análise dessa problemática recenseamento promovido decenalmente pelo
sob os moldes foucauldianos merece algumas Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
ressalvas importantes. Existe um problema, (IBGE) é recente. Ele remonta ao Censo de 1970,
como identificado por Mbembe (2018), no que diz quando se conseguiu atingir melhores níveis de
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A GEOGRAFIA DO COVID-19 E A AUSÊNCIA ENQUANTO Por isso, dos vários materiais elaborados
CATEGORIA DE ANÁLISE e destinados ao 3° ano do Ensino Médio, dois
tiveram como tema o COVID-19 e as desigualdades
São muitos os desafios que a atual regionais no Brasil. A escolha do tema deriva
pandemia tem imposto aos sistemas de ensino do fato do conceito de região, regionalização e
e às comunidades escolares que os compõem. desigualdades regionais serem, no Colégio Pedro
Evidenciando ainda mais as interseccionais II, componentes curriculares obrigatórios para
desigualdades históricas do Brasil, algumas esta série. O primeiro material foi publicado no dia
redes públicas de ensino e a rede privada em 29 de abril de 2020 e tinha como debate central o
geral têm insistido em tentativas de manutenção impacto da doença na escala do território brasileiro
de uma pretensa normalidade na rotina escolar, a partir da desigual distribuição de infraestruturas
inclusive com respaldo judicial em alguns estados entre as regiões do IBGE. Se de fato o vírus se
e municípios para contabilizar as aulas remotas propaga espacialmente independente de classe,
como carga horária obrigatória (PASSOS, 2020). raça, gênero e faixa etária, é também verdadeiro
Embora não seja o intuito do artigo debater que a maior ou menor exposição, vulnerabilidade
educação à distância, compartilha-se entre os e capacidade de oferecer respostas à doença
docentes a preocupação sobre quais formas e oscila de acordo com as desigualdades regionais.
objetivos os vínculos com os estudantes devem Com pouco mais de um mês de quarentena,
ser mantidos durante este perído excepcional. ao final de abril, era possível perceber um perfil
Uma alternativa definida pela equipe de Geografia territorial e populacional dos atingidos pelo
do Colégio Pedro II no campus Realengo foi a COVID-19 se desenhando mesmo que os dados
elaboração e postagem no blog do colégio de já refletissem uma subtnotificação, pois não havia
materiais, exercícios, atividades e sugestões – e ainda não há – testagem em massa (ALVES et
multimídia que dialogassem com o conteúdo alli, 2020). Mesmo assim, a partir das informações
escolar, sem qualquer caráter avaliativo ou que as secretarias de saúde publicam no Sistema
contabilização de horas e notas. Entende-se que de Informação de Vigilância da Gripe (SIVEP-
qualquer ação pegagógica que vá além disto Gripe), o Boletim Epidemiológico de número 11 do
poderia ampliar ainda mais a desigualdade entre Ministério da Saúde (2020) registrou um padrão
os estudantes. de deslocamento racial e espacial da doença.
Definido o tipo de contato pedagógico Inicialmente trazida ao Brasil por uma classe
a ser estabelecido com os estudantes, outras média e alta que esteve em viagem ao exterior,
questões surgiram. O que poderia ser um especialmente à Itália, a doença rapidamente
conteúdo relevante quando estamos em meio a alcançou outros grupos. Segundo o mesmo
uma pandemia que notifica mais de 1.100 óbitos boletim, ao final de abril já era possível perceber
por dia (G1, 2020a)? Se o assunto mais relevante uma queda na hospitalização e no número de
no momento é o COVID-19, que contribuições a óbitos entre brancos enquanto aumentava a
Geografia pode oferecer para qualificar o debate de pardos e pretos. Também era possível notar
quando o tema tem sido exaustivamente tratado que o número de mortes era maior do que o de
nas diferentes mídias? Parece-nos inadequado internações entre este último grupo. Ademais, os
não falar sobre uma pandemia que nos colocou mapas do Brasil produzidos pelo Ministério da
distantes das salas de aula, sobretudo pela Saúde já identificavam a interiorização do vírus.
grande importância de fomentar junto aos Contudo, os problemas de ordem político-
estudantes um conjunto de reflexões a partir de metodológica sobre os dados estatísticos só
aspectos que não são comumente apresentados ficaram mais evidentes quando, em um segundo
nos meios de comunicação de massa. material disponibilizado aos estudantes no
dia 16 de maio, a mudança da escala, tomada
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enquanto artifício analítico (CASTRO, 2014, p. da elaboração dos mapas pela impossibilidade
90), conferiu visibilidade a outra dimensão do de localizar sua ocorrência. Mas além desse
fênomeno observado. Centrando as análises problema, outros aspectos nos pareceram
agora na cidade do Rio de Janeiro, recorremos igualmente graves. Segundo médicos da clínica
ao banco de dados da prefeitura disponível no da família Zilda Arns, localizada no conjunto de
DataRio1 para verificar algumas hipóteses: a) seria favelas do Complexo do Alemão, Zona Norte
possível identificar padrões de deslocamento da da cidade, muitos moradores estavam sendo
doença das áreas centrais para as periferias no registrados conforme o local de atendimento na
município do Rio de Janeiro? b) haveria algum unidade de saúde, fora do complexo de favelas,
deslocamento também do ponto de vista “racial” e não pelo local de moradia (FILHO, 2020). Ou
da disseminação pela cidade? c) quais seriam os ainda, embora não houvesse oficialmente nenhum
impactos diferenciados entre as favelas cariocas caso registrado do COVID-19 na favela de Rio
e os bairros circundantes aos seus territórios? O das Pedras, localizada na Zona Oeste carioca,
intuito era utilizar os dados para compor quatro integrantes da comissão local de moradores
mapas quinzenais que permitissem acompanhar afirmaram que os casos existiam e que tinham sido
a espacialização da doença no tempo e verificar atendidos no hospital Lourenço Jorge, no bairro
as hipóteses levantadas. de alta renda da Barra da Tijuca, provavelmente
No entanto, os dados fornecidos pela apresentando o mesmo problema de registro que
prefeitura eram incompletos, insuficientes e o Complexo do Alemão (ibidem, 2020).
careciam de variáveis fundamentais para a Ademais, a principal questão sobre a
realização de uma análise dos padrões que nos variável “local de moradia” é a imprecisão que
propomos a investigar2. Sabíamos desde o início a escala do bairro informa se considerarmos
que as análises seriam feitas considerando a o padrão de segregração espacial em uma
subnotificação, já que o número de atendimentos cidade como o Rio de Janeiro. O processo de
hospitalares e de mortes por Síndrome Respiratória crescimento e de urbanização do Rio ocorreu
Aguda Grave (SRAG), segundo dados fornecidos e ainda ocorre de forma muito específica se
por cartórios, cemitérios e hospitais, era 1.035% comparado à cidades cuja urbanização produziu
maior do que no ano anterior (G1, 2020b). Estes bairros de elite distantes de bairros pobres e
só entram nas estatísticas do COVID-19 quando favelas (ABREU, 2003). Uma localização espacial
os testes são realizados e há o diagnóstico mais específica de cada caso, que considerasse
positivo. Como não há testagem em massa, ao menos o Código Postal (para os que o
qualquer dado fornecido pelo município deve possuem) ou o topônimo da favela, já permitiria
ser analisado considerando a subnotificação. Foi uma espacialização menos imprecisa.
diante deste quadro que nos debruçamos sobre Quando colocados nos mapas, os dados
as informações disponibilizadas pela prefeitura nos revelaram que o trabalho de análise ocorreria
do Rio de Janeiro. mais por uma geografia da ausência do que da
Dos diferentes problemas que os presença. Estamos chamando de “geografia
dados apresentavam, dois nos pareceram das ausências” a possibilidade metodológica
mais relevantes para o tema da desigualdade de abordar conteúdos, fenômenos e processos
intraurbana: a identificação incompleta da variável socioespaciais a partir da falta, ou seja, daquilo
“local de moradia” e a ausência da variável “raça”. que os dados aparentemente não revelam,
Sobre a variável “local de moradia”, no dia 14 de não contabilizam estatisticamente, ou mesmo
maio o DataRio contabilizava 11.025 casos entre invisibilizam. Indo além, deve-se problematizar
infectados e óbitos. Dentre estes, em apenas assim a ausência enquanto uma categoria com
7.207 constava a identificação do bairro. Foram rendimento analítico que cria possibilidades
3.818 casos (34,6% da amostra) descartados também para produzir conhecimento. Não há nada
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de muito novo nisto, uma vez que a cartografia O primeiro mapa data do período pré-
da ação social e o mapeamento colaborativo quarentena, ou seja, antes do dia 16 de março
já trabalham com métodos de visibilização quando medidas de isolamento social foram
daquilo que a cartografia tradicional omite (SILVA, decretadas. É possível observar que são os bairros
2011; ALMEIDA, 2014; RIBEIRO, 2012). O que que conformam a Zona Sul, identificada no mapa
estamos apontando, de forma preliminar neste pela regionalização oficial da prefeitura3 como
breve artigo, é o problema que se encontra “Área de Planejamento 2”(AP2), e o bairro da Barra
anteriormente à confecção de um mapa, de um da Tijuca, localizado na Zona Oeste e identificado
gráfico ou uma tabela, elementos visuais comuns no mapa na Área de Planejamento 4 (AP4) que
na prática docente em Geografia. Nos importa registram mais casos da doença. Segundo o
a abordagem do dado estatístico enquanto uma IBGE (2012), estes são bairros de alta renda e
construção social através da seleção de variáveis, predominantemente de população autodeclarada
da escolha dos critérios, dos métodos de coleta branca. Tais informações são compatíveis com
a serem utilizados, até mesmo do problema que os dados já citados do boletim epidemiológico
é considerado como estatísticamente relevante número 11 do Ministério da Saúde (2020) sobre
ou não. Posteriormente, são essas questões que o perfil racial das hospitalizações e dos óbitos
constarão nos mapas que elaboramos e utilizamos. neste período. No Mapa 2 já foi possível identificar
Estes problemas ficaram particularmente mais o avanço da doença para outras áreas da cidade.
aguçados ao olhar quando, para a construção Nesta segunda quinzena analisada, a
deste artigo, comparamos diferentes fontes de quarentena já estava vigorando por decreto
informação com as estatísticas do DataRio que do governo fluminense. Pelo mapa é possível
foram expressas nos mapas que elaboramos. observar a expansão do número de casos
Para melhor visualização destas questões, vamos pelos demais bairros da Zona Sul (AP 2) e seu
começar com o Mapa 1 sobre a distribuição dos espraiamento para outras regiões da cidade:
casos entre os dias 01 e 15 de março.
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Centro (AP1), Zona Norte (AP3) e Zona (QUEIROZ, 2020). Vejamos o Mapa de número 4
Oeste (APs 4 e 5). Neste período são poucos os que consolida o padrão já identificado no Mapa
bairros que não apresentaram casos registrados, de número 3.
ou seja, em um curto intervalo de tempo, Apesar dos mapas permitirem a
aproximadamente uma quinzena, o vírus se visualização de um padrão espacial que já tem
deslocou por todo município. No Mapa 3, veremos sido reportado pelo Ministério da Saúde, não é
a consolidação deste deslocamento espacial. possível afirmar ou verificar nada que vá muito além.
Nesta primeira quinzena de abril é possível O problema técnico-político dos dados consiste
perceber um aumento significativo no número justamente em omitir informações mais precisas
de casos, inclusive na Zona Sul (AP 2) que foi que permitam mapear onde a contaminação e
a primeira a apresentar casos. É justamente no os óbitos têm sido mais representativos. Neste
final desta quinzena e início da próxima, mais ponto chegamos ao outro grave problema do
exatamente entre os dias 10 e 26 de abril, que levantamento estatístico da prefeitura: a ausência
os boletins epidemiológicos (MINISTÉRIO DA da variável “raça”.
SAÚDE, 2020) apontaram o deslocamento racial A segregação socioespacial da cidade do
da doença no Brasil. Rio de Janeiro tem cor. Considerando os dados
Na quinzena que compreende o período do censo do IBGE (2012) e utilizando a escala
entre os dias 16 e 30 de abril não há mudanças do município, percebe-se o predomínio de uma
significativas. O padrão de distribuição espacial população autodeclarada branca na Zona Sul
da COVID-19 permanece, exceto pela pequena da cidade e no eixo da Zona Oeste composto
diminuição ou aumento de casos em alguns bairros. por bairros de alta renda como a Barra da Tijuca
Considerando que os dados do DataRio foram e o Recreio. Já nas demais zonas da cidade,
por nós acessados no dia 14 de abril, essa ligeira predomina uma população autodeclarada preta
variação pode ser explicada pelo período de até ou parda. Observe o Mapa racial da cidade do
semanas entre a coleta de material, a testagem, o Rio de Janeiro feito com base nas informações do
resultado e o seu registro nos sistemas de saúde último censo do IBGE (2012).
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A ausência da variável “raça” só consegue relativos aos logradouros, seria possível, por
ser minimamente compensada quando utilizamos exemplo, gerar um mapa de calor que permitisse
outra base de dados. A invisibilização racial no maior precisão quando sobreposto aos dados
Brasil e a ausência dessa variável nos dados da de raça por setor censitário do IBGE. É por esta
prefeitura se remetem ao problema do racismo razão que os mapas elaborados sobre a pandemia
estrutural (ALMEIDA, 2018) – sendo essa uma das do COVID-19 não são elucidativos sobre um
chaves possíveis na leitura do problema. perfil racial mais apurado da doença no espaço.
Embora a escala do município, quando Sabe-se que a doença se espalhou para áreas de
utilizado o recorte do setor censitário para o população majoritariamente preta e parda e sabe-
levantamento de dados, já denote o padrão racial se também que são estes quem mais morrem em
segregador da cidade, é no recorte das “zonas” relação aos brancos (MINISTÉRIO DA SAÚDE,
ou APs que o padrão socioespacial racial da 2020). Contudo, os dados não mostram onde os
urbanização evidencia-se. É neste recorte que diagnosticados com a doença estão no território
a segregação de pretos e pardos em favelas é e qual é o impacto diferenciado da pandemia nas
explicitada quando comparada com a presença de favelas e nas áreas não-favelizadas. A Zona Sul é
brancos em áreas consideradas não-favelizadas um caso bastante expressivo do problema, mas
dos bairros. Veja o Mapa racial de número 6 da AP bairros periféfricos como Bangu e Jacarepaguá,
2.1, que compreende a Zona Sul carioca. ambos na Zona Oeste, ou os bairros da Tijuca
Nos mapas que mostramos anteriormente e da Ilha do Governador, ambos na Zona Norte,
sobre a distribuição espacial dos casos, os círculos entre outros inúmeros exemplos que poderiam
que representam o quantitativo de diagnósticos ser apontados, também possuem áreas de
e óbitos são concêntricos ao polígono de cada segregação racial com predomínio de pretos e
bairro, pois não é possível identificar internamente pardos em favelas e de brancos em seu entorno
quais são os locais mais afetados pela doença. (IBGE, 2012)4.
Com uma maior exatidão em relação aos dados
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