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MORAES, Antonio Carlos Robert. Geografia histórica do Brasil:


capitalismo, território e peri eria. São Paulo: Annablume, 2011.
(Coleção Geografia e Adjacências). 15 p. ISBN 9 8-85-391-
0215-0
LucieNe Pereira carris cardoso 1

Lançado em 2011, o livro Geografia histórica do Brasil: capitalismo,


território e peri eria foi elaborado pelo geógrafo e cientista social Anto-
nio Carlos Robert Moraes, professor titular do Departamento de Geogra-
fia e coordenador do aboratório de Geografia Política da niversidade
de São Paulo. As ideias expostas discutem e aprofundam teorizaç es pro-
postas em dois livros anteriores: Ideologias geogr ficas. spa o, c lt ra
e pol tica no Brasil (1988) e erritório e história no Brasil (200 ). O fio
condutor da sua investigação incide na formação do território brasileiro
através da relação basilar entre a geografia e a história respectivamente.
Nesta lógica, o território é compreendido como um resultado das aç es
culturais, políticas e econ micas empreendidas pelas sociedades ao longo
dos tempos. Reunindo nove ensaios originalmente escritos para circuns-
t ncias e ocasi es acadêmicas diversas, o autor discute nesta colet nea a
relação entre o marxismo e a geografia, a constituição dos Estados ibero-
-americanos, o processo de instalação da colonização lusitana, bem como
a formação territorial brasileira recente e o panorama da geografia na-
cional. Completam este rol temático, um exame crítico sobre a polêmica
e a controvérsia ue envolvem a globalização, o pós-modernismo e o
neoliberalismo.

Inaugura a colet nea um capítulo dedicado ao exame da espaciali-


dade do modo de produção capitalista. Norteado pela categoria de modo
de produção como recurso interpretativo da teoria da história, Moraes
demonstra como a abordagem geográfica possibilita a compreensão de
determinados aspectos do capitalismo em conjunturas espaciais diferen-

1 – Doutora em História Política pela niversidade do Estado do Rio de Janeiro – Pós-


-doutoranda do aboratório de Geografia Política da niversidade de São Paulo.E-mail:
lucienecarris hotmail.com

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ciadas, o ue ele define por geografia histórica do capitalismo”. Neste


sentido, revela como as relaç es do capitalismo e do capital com a su-
perfície terrestre são paradoxalmente opostas e complementares. Desta
forma, distingue duas possibilidades de análise, a forma capitalista de
valorização do espaço e a valorização capitalista do espaço. Se por um
lado, o sistema capitalista submete todos os espaços possíveis no globo
terrestre, por outro, o capital elege lugares específicos para sua aplicação
e sua fixação. A sua investigação privilegia, ainda, as características das
relaç es capitalistas, em especial, o conceito de via de desenvolvimento
e os seus desdobramentos.

Em seguida, tomando como referência os estudos pós-coloniais de


estudiosos do porte de Ed ard Said, de Benedict Anderson e de Wal-
ter Mignolo, o autor aborda o surgimento dos Estados ibero-americanos.
Constata ue os processos de independência no Novo Mundo inserem-
-se na história-mundo. Observa ue a emancipação das ex-col nias foi
realizada sem o rompimento com a ideia de civilização ue sustentava
a dominação colonial. Não por acaso, a sistematização da geografia mo-
derna desponta dessa relação, articulando a narrativa colonial e a tese da
superioridade ocidental. Portanto, a afirmação das nacionalidades ame-
ricanas submete-se à atuação dos Estados, diferentemente dos proces-
sos de independência na sia e na frica ue dispunham de um arsenal
ideológico do nacionalismo e de soberania popular para impulsionar suas
aç es. m outro ponto interessante abordado refere-se ao estudo da histó-
ria da geografia nacional. A singularidade da realidade brasileira permite
uma reflexão sobre a geografia e o seu desenvolvimento como ciência
nacional, um vez ue a implantação e o desenvolvimento deste campo do
conhecimento está diretamente atrelada à evolução política do país, do
ue propriamente com o desenvolvimento da história desta disciplina em
escala mundial.

O terceiro texto examina a instalação da colonização lusitana e a


geopolítica adotada pela metrópole, uma combinação da ocupação e da
fundação de n cleos de assentamentos no território, a exemplo das fei-
torias e das capitanias. Entende ue o Brasil, en uanto uma construção

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GeoGrafia histórica do Brasil: capitalismo, território e periferia

portuguesa do desconhecido território no Novo Mundo, abarcava o po-


voamento e a exploração. O domínio da faixa litor nea constituía, no seu
entendimento, a diretriz da lógica geopolítica portuguesa, uma vez ue lá
se estabelecia tais centros de assentamentos, de onde partiam movimen-
tos de exploração e de povoamento. Contudo, o autor adverte ue não
deve se caracterizar o período colonial como conjunto homogêneo, tal
como é apresentado comumente em estudos variados. Salienta, ainda, a
necessidade de se observar as singularidades do processo colonial em sua
fase inicial. Para ele, esta etapa corresponde a um momento diferenciado
e singular diverso do período da nião Ibérica (1580-1 0) e da consoli-
dação da soberania portuguesa da segunda metade do século X III. Em
síntese, o autor destaca ue o movimento de instalação do colonizador
envolveu a con uista efetiva e a ocupação do solo, no ual o estabeleci-
mento de n cleos de assentamento consistia a marca do período.

Já no texto seguinte, Moraes coteja o território, a região e a for-


mação colonial na América atina. Demonstra como a geografia é um
elemento essencial para análise da particularidade histórica dos países
latino-americanos. Constata ue a colonização, como um processo de
expansão colonial, é uma relação sociedade-espaço, marcada pela con-
uista, domínio e exploração econ mica dos recursos existentes. Neste
sentido, a geografia histórica pode ser apreendida como um caminho de
reconstituição do processo de formação dos territórios, visto ue a ex-
pansão espacial corresponde ao primeiro objeto deste campo disciplinar,
en uanto ue a consolidação do domínio territorial representa o seu coro-
lário. Compreende-se, portanto, o território como uma área de exercício
de poder, um espaço ualificado pela dominação política comportando
várias regi es, esta ltimas definidas como espaços econ micos de ocu-
pação efetiva. O território brasileiro constitui um legado do passado co-
lonial e ue pode ser caracterizado através das noç es de território usado
e de fundos territoriais. Para uma melhor definição de tais conceitos, o
autor prop e: (...) o território colonial como área de soberania formal
(de administração) de uma metrópole o território usado como as áreas
efetivamente propriamente apropriadas para colonização (os encraves e

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regi es) e os fundos territoriais, o ue restam como reservas para a ex-


pansão futura da ação colonizadora” (p. ).

No uinto capítulo, as ideologias geográficas na história brasilei-


ra constituem o objeto de sua análise. O autor sublinha como a ênfase
expansionista norteia a história territorial do país desde suas origens. A
visão territorialista concebe o Brasil como um espaço e não como uma
sociedade. A argumentação geográfica fornece a justificativa da identi-
dade e da unidade política, à medida ue o processo de colonização en-
volve uma relação sociedade-espaço. No caso brasileiro, a instalação do
colonizador engendrou o território colonial como elemento de unidade do
Brasil. Com a emancipação política em 1822, o projeto estatal nacional
adotado pela então nação recém-independente era em sua essência terri-
torial, o ue proporcionava um elemento de ligação entre as elites regio-
nais, justificando a concentração do poder do Estado imperial. A visão
territorialista consagrava a ideia de país a construir”, na ual reduzia o
papel da população a um instrumento de edificação do país. Incorporava-
-se nesse processo as ideias de sertão, em seguida, a de moderno e de
modernização. Seja como for, o Estado assumia o papel de construtor da
nação, a partir da associação entre as ideologias geográficas e as políticas
territoriais. Para comprovar tal premissa, Moraes coteja as sucessivas po-
líticas governamentais brasileiras ao longo do século XX.

No capítulo seguinte desta colet nea, Antonio Carlos Robert Moraes


discorre sobre a ideia de sertão. Demonstra como tal conceito difere das
noç es usuais de habitat”, ambiente”, região” e território” dissemi-
nados no campo geográfico. O sertão apresenta-se como uma condição
atribuída a variados e diferentes lugares. Corresponde a uma materialida-
de simbólica, uma ideologia geográfica. Definir um determinado espaço
como sertão” implica projetar sua valorização para uma futura forma de
ocupação e de exploração. Concebe-se, assim, um espaço para uma possí-
vel expansão futura da economia e de domínio político. De acordo com a
perspectiva da globalização, o sertão pode ainda ser identificado como os
lugares não integrados aos fluxos internacionais, bem como depositários
do patrim nio natural e da biodiversidade do planeta.

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O sétimo capítulo apresenta um uadro do processo de formação do


território, investiga as especificidades da expansão territorial desde perío-
do colonial, relacionando com as políticas territoriais estatais. Constata
ue atualmente o movimento da con uista territorial no Brasil permanece
ainda inconcluso, já ue ainda persistem espaços poucos explorados no
Centro-Oeste e na Amaz nia, os chamados fundos territoriais”. ogo em
seguida, es uadrinha a transformação do Brasil de uma denominação car-
tográfica genérica na imaginação geográfica europeia desde tempos re-
motos para uma entidade geopolítica aut noma no século XIX. Neste pe-
ríodo, conhecer, con uistar, explorar e integrar o território preponderava
no discurso ideológico dominante. Nos países de herança colonial, a geo-
grafia e a história se aglutinaram na construção ideológica das identidades
nacionais. No caso brasileiro, esta herança foi assumida com seu esto ue
de espaços e de recursos, legitimando a ordem político-institucional no
segundo reinado e na Rep blica. Adverte ue nas ltimas duas décadas,
a globalização e o localismo articularam-se no discurso hegem nico do
imaginário geopolítico brasileiro, promovendo a desregulamentação de
determinadas atividades e a privatização de empresas estatais, reformu-
lando o modelo tradicional de nacional-desenvolvimentismo. O território
e os seus recursos naturais foram redimensionados, disseminando a ideia
de in meras vantagens comparativas, a exemplo da disponibilidade ter-
ritorial com esto ues minerais variáveis, fontes renováveis de recursos
e solo agriculturável. evando-se em consideração a conjuntura de crise
mundial, depois de examinar criticamente o processo, o autor recomenda
a necessidade da formulação de um projeto nacional imbuído de uma
visão estratégica do território e das tendências de conformação territorial.

O panorama teórico da geografia nacional foi objeto de estudo no


capítulo subse uente. Moraes reflete sobre a diversidade e o ecletismo de
orientaç es metodológicas e teóricas, além disso, uestiona a importação
de teorias e a sua propagação em território nacional de maneira acrítica.
Revela-se como um texto crítico de combate político, no ual o autor
assinala determinadas contradiç es inerentes às teorias geográficas pós-
-modernistas. Observa como a din mica da economia-mundo capitalis-

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ta manifesta-se diferentemente no centro e no mundo periférico. Na sua


concepção, a condição periférica confere aos países pós-coloniais, por
exemplo, uma dupla ligação, uma vivência simult nea com a modernida-
de e com as relaç es societárias pré-modernas. Desta maneira, se para os
teóricos pós-modernos determinadas obras publicadas anteriormente não
elucidam a realidade contempor nea, tampouco as teorias emanadas pelo
centro explicam o mundo o periférico. No seu entendimento, emerge uma
geografia pós-moderna despolitizada, mas ao mesmo tempo cosmopolita
e localista, ue sustenta a ilusão da superação do passado e o surgimento
de mundo inteiramente novo. Mais adiante, ressalta a emergência de um
conjunto de tendências ue defendem formas pré-modernas de sociabili-
dades nos países periféricos. Tal pré-modernismo preconiza uma percep-
ção agrarista da realidade brasileira calcada no culto da tradição e da vida
tradicional, por outro lado, também desprovida de avaliação historiográ-
fica de seu papel na história no ltimo século. Ademais, Moraes rejeita a
concepção do capitalismo como uma realidade congelada, a-histórica,
sem movimento interno e sem renovação”. De igual modo, demonstra
como a ren ncia ao papel do Estado e o aspecto localista estabelecem um
diálogo paradoxal entre o elogio da pré-modernidade e os pós-modernos.

Encerra a colet nea uma apreciação sobre o papel do Estado e a di-


luição do conceito de escala nacional nos estudos de geografia contempo-
r nea. Neste caso, são elencadas três teorias ue se tornaram hegem ni-
cas nos ltimos trinta anos: a globalização, o neoliberalismo e a perspec-
tiva pós-moderna. Antonio Carlos Robert Moraes ressalta a fragilidade do
discurso disseminado sobre um mundo sem diferenciaç es ou barreiras,
entendido ainda como um processo irreversível, uma fatalidade histórica,
atrelada a uma doutrina econ mica ue defende a autorregulamentação
do mercado e a intervenção mínima do Estado. As primeiras duas cor-
rentes ideológicas, a globalização e o neoliberalismo, preconizam a ideia
de uma aldeia global, anunciando o fim das fronteiras, ao lado da des-
montagem do aparato estatal. Apesar de elaborada pelo pensamento he-
terodoxo da es uerda, a perspectiva pós-moderna constitui, ao seu ver, a
mais difícil de aventar e de debater, uma vez ue seus objetos e interesses

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não se apresentariam tão claramente. Tal entendimento baseia-se na su-


peração do projeto moderno e o fim de determinadas categorias até então
existentes, a exemplo das ideologias, das naç es e dos territórios. Deste
modo, as chamadas geografias pós-modernas proclamam a existência de
apenas duas escalas, a global e a local. Em conse uência, caberia pensar
em projetos ue abrangessem o planeta unido ou em cada local com suas
especificidades, ignorando as particularidades e as contradiç es existen-
tes. Todavia, a recente crise financeira na nião Europeia e a intervenção
estatal nessa conjuntura reafirmou a persistência dos interesses nacionais
e das territorialidades estatais, ao lado da retomada de temas tradicionais
como nacionalidade, jurisdição e soberania.

Texto apresentado em novembro/2012. Aprovado para publicação


em dezembro/2012.

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