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Aula 11 - Teorias das Relações Internacionais

terça-feira, 23 de maio de 2023 13:59

• Edward Carr é um autor clássico das teorias das relações internacionais. Escreve após a Segunda Guerra Mundial.
• Hedley Bull fala sobre a conferência de poder para as potências emergentes. Escreve na conjuntura da década de 1970.

Hedley Bull
• As publicações de Bull surgiram em uma época em que se havia uma demanda pela reforma das instituições internacionais, especialmente o sistema ONU: sistema de Bretton Woods chegava ao fim,
surgiram novas potências emergentes com o processo de descolonização.
○ Brasil, China, Índia e Japão passaram a exigir mais protagonismo no sistema internacional.
• O problema central na análise de Hedley Bull é o impacto dos protestos civis de 1968 pelo mundo nas Relações Internacionais e no mundo ocidental.
• O autor tem uma posição conservadora.
• Trabalha com o conceito de cultura diplomática: uma cultura das elites cosmopolitas que se irradiam para as sociedades nacionais.
• Bull testemunhou a revolta contra o ocidente: o levante de outras civilizações e o levante do terceiro mundo. Termia que essas revoltas pudessem despedaçar o sistema internacional de Estados.
• Para o autor, as relações transnacionais podem ser perigosas quando se transformam em canais de difusão contra o status quo.
○ Assim, seria necessário reformar as instituições ocidentais.
○ Sua ideia de instituição é ampla: considera a guerra uma instituição.
• Para ele, se o terceiro mundo não for contentado, o processo de contestação seria acentuado. Esse contentamento deveria vir de cima para baixo.
○ Se as elites não estão dando conta de trabalhar com o problema do terceiro mundismo, ela deveria ser trocada. Por isso, trabalha com a ideia de cultura diplomática: uma herança de uma
velha tradição dos grandes mercadores que precedem a modernidade, e que atravessavam as diversas civilizações → cross-cultural trading, mascaramento pragmático de sinais culturais para
atravessar diversas civilizações.
○ O diplomata deve, para Bull, atuar de maneira pragmática e elitista → o autor é uma figura conservadora.
○ Para ele, o povo não pode dar vazão na política internacional.
• Difere ordem internacional de ordem mundial:
○ Ordem internacional: a sociedade anárquica de Estados nacionais.
○ Ordem mundial: impossível a curto prazo e possível num futuro distante; uma ordem entre os povos cuja base fundamental envolveria relações transnacionais, direta entre as pessoas.
• A opinião de Bull é considerada clássica: interferir em outros Estados deve passar por canais oficiais, i.e. o jogo entre os Estados e a diplomacia.
• Celebra cinco instituições interestatais:
○ Direito internacional.
○ Institucionalidade entre os Estados.
○ Diplomacia.
○ Guerra.
○ Ação das grandes potências: se o entendimento pragmático entre as grandes potências acaba, há uma turbulência no sistema.
• Para Bull, a institucionalidade do sistema internacional deve ser preservada (conservador). Assim, para preservá-la, não se pode permitir que os países emergentes subvertam-na.
• Trabalha com os conceitos de ordem (padrões discerníveis) e desordem (padrões indiscerníveis).
○ Em comparação com Bull, Friedrich Hayek faz uma conceituação semelhante.
• A ordem no sistema internacional surge espontaneamente ou é criada?
○ Em uma ordem criada, por mais sofisticada que seja uma criação, a sofisticação é sempre inferior à mente do criador desta ordem, e portanto a criação é logicamente inferior ao seu criador.
○ Uma ordem que surge espontaneamente é engendrada por um padrão de comportamentos convencionados. No sistema internacional, existe uma ordem produzida a partir da anarquia e uma
convenção subjetiva das regras a serem seguidas.
▪ Hedley Bull não quer recriar a ordem do sistema internacional, mas sim salvá-la. Ele percebe uma crise sistêmica a partir do surgimento das demandas dos países emergentes.
• Toda ordem tem padrões minimamente discerníveis, ou então não se há uma ordem. O mesmo se dá nas ciências: a percepção de um padrão que rege uma lei; e.g. na economia, a variação de
preços cria teorias sobre uma um equilíbrio hipotético de preços (teoria da oferta e da demanda). Na ciência política, o mesmo ocorre na teoria do equilíbrio de poder entre os Estados.
○ No entanto, nessa teoria de equilíbrio, a tendência é somente a busca do equilíbrio; nesses sistemas, não há monotonia, i.e. os preços variam, o poder das nações varia, assim, a tendência é ao
pragmatismo e à buscar o equilíbrio.
• Bull não discute a ideia de justiça no sistema internacional, pois isso só seria possível em uma ordem mundial que ainda não existe. O sistema internacional é uma ordem pragmática surgida a partir
da anarquia. Ele discute justiça nos termos do direito internacional, a partir das relações pragmáticas de respeito da institucionalidade vigente.
• Em David Hume, toda ordem social tem três elementos:
○ Deve proteger a vida: a vida em sociedade deve ser vantajosa para os indivíduos, i.e. deve ser mais vantajoso viver em sociedade do que fora dela; toda sociedade protege a vida.
○ Todos os acordos estabelecidos entre os indivíduos precisam ser respeitados (verdade): sem necessariamente existir burocracia (contratos), mas deve se haver algum mecanismo, e.g. honra.
○ Estabilidade das posses: não confundir com propriedade → exemplo: em uma sociedade primitiva polinésia, indivíduos compartilham excedentes com a comunidade, e nos locais públicos de
compartilhamento, todos podem consumir dos excedentes; nessas sociedades, a posse é estável, ninguém é dono de nada.
▪ Em uma sociedade moderna, quem garante a estabilidade da posse é o Estado.
▪ Em teoria, existem sociedades sem Estado que garantem a estabilidade das posses, mas são sociedades 'mágicas', dotadas de solidariedade mecânica.
• Em Hobbes, o ser humano é reciprocamente fraco: pode matar e morrer outros seres humanos e possui fraquezas naturais. Assim, o ser humano desenvolve o Estado, uma artificialidade racional
que controla os corpos humanos e obstrui a possibilidade de matar.
○ A perspectiva dos Estados é sempre a da sua autossobrevivência.
• Bull discute sociedades de Estados e contrapõe-se aos anarquistas que se baseavam em Hume. O que é anárquico no sistema internacional é a ordem, nos Estados há ordem.
○ Para Bull, não existem sociedades modernas sem Estados.
• Toda sociedade internacional da antiguidade precisava de uma homogeneidade cultural. Em Bull, o surgimento da sociedade plural e da descolonização pressupõe uma heterogeneidade cultural.
○ As elites das diversas sociedades heterogêneas tentam buscar uma convergência entre os indivíduos. Isso é uma perspectiva pragmática das elites 'canalhas', que jogam o jogo cultural e
diplomático das potências.
• Como repelir a revolta contra o Ocidente? Para Bull, o processo deve repelir as tensões e os países dominantes ocidentais devem cooptar as elites dos países locais, que participam das instituições
internacionais e do debate diplomático com as grandes potências, para atenuar a ação civil em suas nações → método top-down para organizar e apaziguar as nações emergentes.
○ Isso surge depois do avanço dos protestos e da sociedade de classes em 1968, um movimento contracultural down-up que ameaçou a ordem do sistema internacional → revolução da
liberdade do corpo.
○ Para absorver os valores hostis contra a civilização ocidental, é preciso primeiramente reconhecer que essas contraculturas são também, primeiramente, ocidentais. Isto é, somente o ocidente
poderia ser a base de uma sociedade universal, capaz de ser modelos de incorporar valores de outras regiões (cosmopolitismo induzido) → uma discussão moderna de como resistir ao pós-
moderno.
○ Isso é feito com o objetivo de preservar a institucionalidade do Estado e do sistema de Estados.

Edward Carr
• Para Carr, Maquiavel foi o primeiro realista, que expôs os três axiomas essenciais da teoria realista:
○ A história é uma sequência de causa e efeito, que pode ser analisada pelo esforço intelectual, mas não dirigida pela imaginação → tudo tem uma explicação, e o futuro é sempre uma
determinação do presente que o antecedeu.
○ A despeito disso, o homem não tem a faculdade de prever o futuro; é a prática que cria a teoria → os vencedores definem o que é justo e o que é injusto, tenta-se explicar a vitória por
maneiras lógicas.
○ A ética é uma função da política → é o poder que gera a moral. A dominação cria valores morais que procuram legitimar a ordem criada.
• Em todo modo de produção, a classe dominante gera o padrão de discernimento do mundo. Logo, para Carr, todo universalismo é espúrio: uma forma de tentar dominar os indivíduos. Não existem
valores universais, e os valores servem a lógica de uma classe dominante.
○ A posição realista levada ao extremo é profundamente niilista e determinista. O realista é considerado um niilista mitigado em Carr.
○ Todos os princípios universais são, no fundo, uma ferramenta de dominação, instada pelas elites dominantes como forma de legitimação da ordem criada.
• Para Carr, o utopismo exacerbado e o realismo exacerbado são muito difíceis de serem levados na prática, e ninguém pode ser considerado totalmente realista ou totalmente utópico.
• Carr está preocupado com o que é a política.
○ No realismo extremo (niilismo) não há política, pois esta é considerada espúria, enganadora. No utopismo extremo (livre-arbítrio e valores absolutos) também não há política.
○ Política é a zona de sobreposição entre os extremos do realismo e do utopismo. Política sempre exige alguma utopia: quando o indivíduo está buscando a política, ele está buscando alguma
transcendência; logo, política é uma combinação pragmática do realismo com o utopismo.
○ Política é a eterna tentativa de se criar uma ordem que, quando desaba, alguma nova é criada procurando se reestabelecer a ordem.
• Diferentemente de Bull, Carr vê o surgimento de um novo modelo de sociedade, um sistema misto, que combinou planejamento e mercado (Estado de bem-estar social).
• Carr está testemunhando o nascimento de uma nova ordem mundial (Bretton Woods e Sistema ONU), enquanto Bull está testemunhando o ruir dessa ordem com a emergência da sociedade civil em
1968, a emergência dos países médios e da descolonização.
Política é encarnada na ordem norte-americana do pós-Segunda Guerra, que prometia um espaço para todos os países. Esse ponto de vista é adotado depois da posição realista da Primeira

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○ Política é encarnada na ordem norte-americana do pós-Segunda Guerra, que prometia um espaço para todos os países. Esse ponto de vista é adotado depois da posição realista da Primeira
Guerra Mundial.
• Carr é um realista no sentido niilista, enquanto Bull é um realista no sentido pragmatista, e às vezes é colocado como um meio-termo entre o realismo e o idealismo.
• Sobre Adam Smith, Carr diz que suas premissas foram minadas pela indústria maquinária e por um proletariado mais interessado na distribuição. Para Carr, Smith refletia um mundo que estava
morrendo, e que se transformou rapidamente, mas que no entanto não tinha como saber do futuro.

Anotações Extras (Hedley Bull) Anotações Extras (Edward Carr)


• Pierre Clastres havia proposto um projeto deliberado de recusa de poder. Criou essa ideia • ONU é uma instituição realista → conselho de segurança composto por nações que possuem
inspirado em Rousseau, na ideia de grandes confederações clássicas ao molde suíço. bomba nuclear com poder de veto.
○ Bull se opõe a isso, pois:
○ Essa ideia só funciona em sociedades homogêneas (mecânicas), todos precisam
acreditar na 'magia', no mito que organiza a sociedade.
○ Na contemporaneidade, há perigos muito maiores que precisam ser administrados
pelos Estados → bombas nucleares.
• Para Bull, os Estados Unidos utilizaram estratégias de saída pelo uso da cooptação das elites no
pós-guerra, como no caso do Japão, que trouxe-o para o sistema internacional ocidental, e
transformou-o em um Estado moderno. Isso é entendido como a cultura diplomática que
amarra as elites globais dentro da ordem internacional, sempre pragmática e insistente.
• Para Bull, portanto, o Estado é fundamental para manter o ordenamento liberal internacional.
Os contraculturais se uniram em um discurso anti-sistêmico e contra o Ocidente. A anarquia no
sistema respeita uma regra fundamental: o equilíbrio de poder.

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