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O NEPOTISMO SOB A ÓTICA DA SÚMULA VINCULANTE Nº 13 DO STF:

CRÍTICAS E PROPOSIÇÕES

Alice Barroso de Antonio


Graduada em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais.
Pós-graduada em Direito Municipal pelo Instituto de Direito Municipal (IDM).
Advogada e consultora jurídica.

Palavras-chave: Nepotismo. Súmula Vinculante nº 13 (STF).

Sumário: 1 Introdução - 2 O nepotismo: origem terminológica e conceito - 3 A Súmula Vinculante


nº 13 do Supremo Tribunal Federal - 3.1 Aspectos formais - 3.2 Aspectos materiais - 4 Críticas e
proposições à aplicação da Súmula Vinculante nº 13 do STF

1 Introdução
O presente estudo destina-se a investigar os aspectos controvertidos do nepotismo. Trata-se
de ocorrência antiga em várias sociedades, que, todavia, compreende diferentes enfoques, ora
benéficos, ora pejorativos, conforme o contexto histórico, social e econômico em que se situa.
Assim, o que ora se pretende é auferir e explanar o mais isento conceito de nepotismo, destacando
deste as faces variáveis, que deformam o seu verdadeiro sentido.
O tema vem ganhado papel de destaque, não apenas no âmbito do Direito, no qual se discute
sua legalidade e constitucionalidade, mas sobretudo no locutório popular, onde a discussão assume
nuances éticas. Motivada por tais efervescências é que a presente pesquisa ganhou corpo, no intuito
de trazer luz e racionalidade ao emaranhado de impressões vagas e subjetivas sobre a prática do
nepotismo.
A empreitada, inserida no campo jurídico do conhecimento, perpassa, como não poderia
deixar de ser, pela análise das normas e da jurisprudência atinentes ao nepotismo, em especial, da
recém-editada Súmula Vinculante nº 13 do Supremo Tribunal Federal.
Ao longo da pesquisa, verificou-se escassez normativa a respeito do tema. Tendência esta
alterada apenas recentemente, todavia sem grande precisão e de forma esparsa. Como expoentes do
tópico, destacam-se as resoluções do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional do
Ministério Público, Regimentos Internos de Tribunais e Estatutos de Servidores Públicos de entes
federativos, que não se aplicam de forma geral, mas apenas pontualmente, para destinatários
específicos.
Paralelamente, o Supremo Tribunal Federal, editando a Súmula Vinculante nº 13,
demonstrou posicionamento a respeito do tema, impondo severas restrições à prática do nepotismo.
Todavia, tal entendimento não consagra exatamente aquele exposto nos atos normativos
precedentes, consistindo, em verdade, em nova interpretação de dispositivos constitucionais já
consolidados no Ordenamento Jurídico.
Assim, revela-se um paradoxo: de um lado a ausência de instrumentos normativos e
doutrinários a delimitar o nepotismo e, de outro, a severidade e a imperatividade do posicionamento
manifesto pela Suprema Corte.
Vale dizer, sob o manto de intérprete oficial da Constituição da República, o Supremo
Tribunal Federal assumiu posição que compete ao Senado Federal, a fim de sistematizar e vedar o
nepotismo na Administração Pública.
Daí questionar-se o exato âmbito de aplicação do enunciado sumular, uma vez que a
proibição precede a própria definição do nepotismo.
Indaga-se, ainda, considerando os fatores motrizes da edição da Súmula Vinculante, se esta,
de fato, atingirá seus fins sociais, uma vez que a moralização da Administração Pública vai muito
além da simples contenção de certas práticas.
Partindo-se de um levantamento conceitual, passando pela análise crítica da estrutura
normativa e jurisprudencial vigente, chega-se à conclusão de que o nepotismo, afastado de
conceitos subjetivistas, é método, é forma de exercer a Administração Pública. Por si só, não é ato
imoral, mas, sim, pode servir a intuitos desonestos, assim como qualquer instituto, jurídico ou não.
Destarte, imprescindível a delimitação dos matizes do instituto, para que se possa distinguir
quais são indesejados e passíveis de coerção pelo Direito e quais são úteis para a melhor gestão da
coisa pública. Com efeito, destacam-se duas situações ocasionadas pelo nepotismo: uma imoral e
devidamente rechaçada pela Súmula Vinculante e outra plenamente antenada com os princípios
constitucionais, em especial o da moralidade administrativa.
Assim, na empreitada que se segue, buscou-se, em breves linhas, demonstrar que a aplicação
cega e genérica do verbete vinculante é impossível, demandando análise de cada caso concreto, a
fim de se concluir quais configuram improbidade administrativa e quais revelam inofensivo
nepotismo. Prescindir de tal exame implica violação a princípios, os mesmos que se pretendeu
resguardar com a edição da Súmula Vinculante nº 13 do STF.

2 O nepotismo: origem terminológica e conceito


Para o correto entendimento do tema abordado no presente estudo, imprescindível se faz,
inicialmente, compreender o termo nepotismo, sua origem etimológica e seu sentido
contextualizado.
Etimologicamente, a palavra nepotismo tem origem no latim nepos, que significa neto,
descendentes a posteridade, e nepotis, sobrinho. Tal configuração se deve ao surgimento do termo,
que se deu para expressar as relações de concessão de privilégios entre o Papa e seus familiares. No
período do Renascimento, os papas e outras autoridades da Igreja Católica, por não terem filhos,
protegiam seus sobrinhos, nomeando-os a cargos importantes dentro da Igreja. Assim, explica
Emerson Garcia:

A divulgação do vocábulo (ao qual foi acrescido o sufixo ismo), no sentido hoje difundido
em todo o mundo, em muito se deve aos pontífices da Igreja Católica. Alguns papas tinham
por hábito conceder cargos, dádivas e favores aos seus parentes mais próximos, terminando
por lapidar os elementos intrínsecos ao nepotismo, ...1

Até hoje, recorrendo ao dicionário Aurélio da língua portuguesa, é possível encontrar o


seguinte significado para a palavra nepotismo: “Autoridade que os sobrinhos e outros parentes do
Papa exerciam na administração eclesiástica.”2
Todavia, atualmente, o termo, em sentido amplo, significa favorecimento e abrange qualquer
concessão de benesses a parentes ou a outras pessoas ligadas ao beneficente por laços de amizade
ou confiança. Mais uma vez, aponta-se a exposição acertada de Emerson Garcia:

O nepotismo, em alguns casos, está relacionado à lealdade e à confiança existente entre o


“benemérito” e o favorecido, sendo praticado com o fim precípuo de resguardar os
interesses daquele. Essa vertente pode ser visualizada na conduta de Napoleão, que nomeou
seu irmão, Napoleão III, para governar a Áustria, que abrangia a França, a Espanha e a
Itália. Com isto, em muito diminuíam as chances de uma possível traição, permitindo a
subsistência do império napoleônico. Em outras situações, o “benemérito” tão-somente
beneficia determinadas pessoas a quem é grato, o que, longe de garantir a primazia de seus
interesses, busca recompensá-las por condutas pretéritas ou mesmo agradá-las. Como
ilustração, pode ser mencionada a conduta de Luiz XI, que presenteou sua amante Ana
Passeleu com terras e até com um marido (João de Brosse), o que permitiu que fosse
elevada à nobreza.3

Inobstante os variados sentidos que o termo pode ter, importa para o presente trabalho o
nepotismo entendido como o favorecimento de parentes de agentes públicos. Mais especificamente,
o emprego no serviço público de parentes de agentes públicos sem o crivo do concurso público.
Com esse sentido, identifica-se o nepotismo no Brasil desde os primórdios, conforme
registrado por Telmo da Silva Vasconcelos:

A breve história da nação brasileira, já em seus primórdios, registra a primeira manifestação


de tal prática, ocorrida pela pena de Pero Vaz de Caminha, escrivão de Pedro Álvares

1
GARCIA, Emerson. O nepotismo. JAM Jurídica, Salvador, ano 11, n. 4, p. 1-9, abr. 2006.
2
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo dicionário da língua portuguesa, século XXI.
Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001. 2127 p.
3
GARCIA, ob. cit.
Cabral, ao dar conta ao Rei de Portugal das maravilhas que se descortinavam na terra nova:

“E nesta maneira, Senhor, dou aqui a Vossa Alteza conta do que nesta vossa terra vi. E, se a
algum pouco alonguei, Ela me perdoe, que o desejo que tinha de vos tudo dizer mo fez
assim pôr pelo miúdo. E, pois que, Senhor, é certo que assim neste cargo que levo, como
em qualquer outra coisa que de vosso serviço for, Vossa Alteza há-de ser de mim muito bem
servida, a Ela peço que, por me fazer singular mercê, mande vir da Ilha de São Tomé Jorge
de Osório, meu genro, o que d’Ela receberei em muita mercê.”4

De fato, verifica-se, ao longo de toda a história do Brasil e até os dias atuais, a nomeação de
inúmeros servidores aparentados de autoridades dos Poderes Públicos. Tal ocorrência é a praxe no
âmbito municipal, estadual e federal da Administração Pública e serve perfeitamente para o ingresso
de servidores em cargos comissionados, cuja nomeação é livre.
Não obstante, a sistematização normativa do nepotismo evoluiu muito pouco ao longo da
história brasileira. Em verdade, em nenhuma das Constituições do Brasil constou o termo
nepotismo, nem para vedá-lo, nem para autorizá-lo, como assevera Ivan Barbosa Rigolin:

Nem uma breve referência a esse tema consta de modo explícito, ou mesmo implícito, da
Carta de 1988. O assunto é-lhe por completo estranho e inusitado — como de resto o é
desde a primeira Constituição brasileira, que como todas até o presente jamais se abalançou
a restringir nepotismos na Administração.5

Apenas recentemente, têm-se verificado algumas normas pontuais e de efeitos limitados


versando quanto ao nepotismo, tais como as Resoluções do Conselho Nacional de Justiça e do
Conselho Nacional do Ministério Público, o Estatuto dos Servidores Públicos da União (Lei nº
8.112/90), Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, dentre outros.
Em que pese o vazio legislativo, na noção popular, o nepotismo é associado à imoralidade,
assumindo sentido pejorativo, como bem explica Ivan Barbosa Rigolin:

A primeira vocação do cidadão, o seu primeiro ímpeto ou o seu arroubo inercial é a de


convictamente entender que sempre qualquer nepotismo é inadmissível e inaceitável por
imoral por injustamente personalístico, anti-isonômico. E conhecendo um pouco a espécie
humana tristemente reiteramos: é mais forte aquele reproche espontâneo quando o
nepotismo é alheio e beneficia a outrem, exatamente como asseverava o conhecido
moralista profissional que não suportava privilégios, muito em especial quando deles não
participava. Assim, se para cada parente beneficiado mil cidadãos não o são, natural resulta
que a opinião pública seja a dos mil e não a do único — e tenderá a ser desfavorável à
prática.6

4
VASCONCELOS, Telmo da Silva. O princípio constitucional da moralidade e o nepotismo. L&C
Revista de Direito e Administração Pública, Brasília, ano 5, n. 50, p. 27-30, ago. 2002.
5
RIGOLIN, Ivan Barbosa. Sobre o nepotismo: uma reflexão sobre moralidade e moralismo.
Fórum Administrativo – Direito Público – FA, Belo Horizonte, ano 7, n. 80, p. 10-15, out. 2007.
6
RIGOLIN, ob. cit.
Todavia, sendo expressão de estudo técnico jurídico, o presente trabalho não pode adotar
como conceito impressões sociais, impregnadas de subjetivismo e afastadas de qualquer amparo no
Direito Positivo. Assim, desde já se rechaça a conotação depreciativa que envolve o tema do
nepotismo, para que se proceda a uma análise o mais imparcial possível de seus aspectos, que é o
objeto do presente trabalho.

3 A Súmula Vinculante nº 13 do Supremo Tribunal Federal


3.1 Aspectos formais
Originalmente, as Súmulas Vinculantes foram previstas na Constituição da República, por
meio da Emenda Constitucional nº 45/04, como instrumento de pacificação de controvérsias
jurisprudenciais, emanando de reiteradas decisões do Supremo Tribunal Federal sobre alguma
matéria constitucional. Disciplinada no art. 103-A da Constituição da República, a Súmula
Vinculante foi regulamentada pela Lei nº 11.417/2006, com período de vacatio legis de três meses,
portanto, em pleno vigor a partir de 19 de março de 2007.
A previsão constitucional restou assim expressa:

Art. 103-A. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante
decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria
constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá
efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração
pública direta ou indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à
sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei.

§1º A Súmula terá por objetivo a validade, a interpretação e a eficácia de normas


determinadas, acerca das quais haja controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre
esses e a administração pública que acarrete grave insegurança jurídica e relevante
multiplicação de processos sobre questão idêntica.

(...)

O dispositivo constitucional supra transcrito não deixa dúvidas quanto às hipóteses que
ensejam a edição da Súmula Vinculante pelo Supremo Tribunal, caracterizando situações
específicas, nas quais se verificam reiteradas decisões a respeito de determinada norma jurídica,
sobre a qual exista controvérsia entre órgãos judiciários ou entre estes e a Administração Pública.
Somente nesse caso, expressamente definido pelo art. 103-A, o Supremo Tribunal Federal poderá
editar Súmula Vinculante, visando pacificar entendimento a respeito de matéria constitucional.
Abordando o procedimento de edição, revisão e cancelamento de Súmulas Vinculantes, o
Procurador Federal Leonardo Vizeu Figueiredo assim conclui:

Da análise dos diversos dispositivos da referida lei, depreende-se que se trata de


procedimento objetivo de competência originária e exclusiva do Supremo Tribunal Federal,
de natureza objetiva, uma vez que versará, exclusivamente, sobre a validade, interpretação
e eficácia de normas jurídicas em face do texto constitucional.7

Destarte, além de outros requisitos formais, indispensável à edição da Súmula Vinculante


pelo STF é a existência de norma jurídica sobre a qual haja controvérsia entre os órgãos
jurisdicionais ou entre esses e a Administração Pública e a relevante multiplicação de processos
sobre a mesma questão.
Nesse sentido, também aponta Dayse Coelho de Almeida, em artigo sobre as Súmulas
Vinculantes:

A generalidade sobre a qual poderia o legislador ter adotado com relação à sumula
vinculante foi evitada, conforme podemos observar no artigo 103-A, §1º da CF/88, o qual
restringe a súmula vinculante a estabelecer validade, interpretação e eficácia sobre normas
determinadas (valendo lembrar que apenas em matéria constitucional) onde existam
controvérsias atuais nos órgãos judiciários e entre estes e a Administração Pública,
ressalvando a intervenção apenas nos casos de insegurança jurídica e possibilidade de
multiplicação numérica de processos sobre a mesma questão.8

Nessa esteira, a Súmula Vinculante nº 13 veio a lume para sanar a polêmica existente quanto
ao nepotismo, especialmente quanto à sua adequação aos ditames constitucionais.
Todavia, divergindo da sistemática imposta pelo art. 103-A da CR/88, a Súmula Vinculante
nº 13 não fora editada tendo em vista norma jurídica determinada, cuja eficácia, validade ou
interpretação estivesse sendo questionada em face da Constituição da República, em diversos
julgados anteriores. A Súmula Vinculante nº 13 expressou o entendimento do Supremo Tribunal
Federal a respeito de um fato, de uma prática usual na Administração Pública, qual seja o
nepotismo, que, inobstante, não conta com qualquer previsão normativa constitucional, salvo em
Resoluções do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional do Ministério Público. Vale
dizer, a Súmula Vinculante nº 13 não derivou de controvérsia referente a norma jurídica, mas sim de
controvérsia a respeito da constitucionalidade de ato jurídico, este entendido como ação humana
que cria, modifica ou extingue relações ou situações jurídicas.
Entretanto, conforme disposição literal do art. 103-A, somente controvérsia a respeito da
validade, interpretação e eficácia de normas determinadas pode ser objeto de Súmula Vinculante.
Conclui-se, então, que a Súmula Vinculante nº 13 do STF diverge do comando constitucional,

7
FIGUEIREDO, Leonardo Vizeu. Súmula Vinculante e a Lei nº 11.417, de 2006: apontamentos
para compreensão do tema. Revista Brasileira de Direito Público – RBDP, Belo Horizonte, ano
5, n. 16, p. 111-123, jan./mar. 2007.
8
ALMEIDA, Dayse Coelho de. Súmula Vinculante. ADV Seleções Jurídicas, Rio de Janeiro, p.
13-17, jul. 2005.
configurando situação sui generis. Com efeito, o objeto da mencionada Súmula Vinculante é o
nepotismo, matéria que não fora normatizada no Texto Constitucional. Em verdade, sobre o tema,
destacam-se apenas, de âmbito nacional, Resoluções do Conselho Nacional de Justiça e do
Conselho Nacional do Ministério Público, que não têm caráter geral.
Inexistindo norma jurídica determinada sobre a qual recaia controvérsia acerca de sua
interpretação, validade e eficácia, não se configura hipótese ensejadora de Súmula Vinculante.
Como já dito, o nepotismo não poderia ser objeto de Súmula Vinculante, mesmo havendo polêmica
quanto a sua constitucionalidade.
Não se pode negar a existência de diversos julgados, em todos os Tribunais, a respeito do
tema. De fato, havia e há discussão a respeito da constitucionalidade do nepotismo, que, por
inúmeras vezes, fora submetida à apreciação do Poder Judiciário, inclusive do Supremo Tribunal
Federal.
As reiteradas decisões do STF em determinado sentido já são paradigma para todas as
decisões dos demais Tribunais, todavia a atribuição de efeito vinculante somente ocorreria em casos
excepcionais, quando se verifica controvérsia acerca da validade, interpretação e eficácia de normas
determinadas, mas não de atos jurídicos.
Em que pesem tais considerações, não se duvida que a edição da Súmula Vinculante nº 13
pelo Supremo Tribunal Federal deve-se muito mais aos anseios populares, inflamados pela mídia,
que associa o nepotismo à corrupção e o considera como empecilho à democracia, do que à
configuração da hipótese prevista no art. 103-A da Constituição da República.
Fato é que, em 29 de agosto de 2008, como última novidade sobre o tema, fora publicada no
Diário Oficial da União a Súmula Vinculante nº 13, do Supremo Tribunal Federal, visando o
combate ao nepotismo no âmbito do serviço público federal, estadual, municipal e do Distrito
Federal. Destarte, a partir do dia 29 de agosto daquele ano, a Súmula Vinculante nº 13 do STF já
vem operando seus efeitos, submetendo os órgãos do Judiciário e a Administração Pública às suas
determinações.

3.2 Aspectos materiais


Superados os aspectos formais da Súmula Vinculante nº 13 do Supremo Tribunal Federal,
resta adentrar ao estudo de seu conteúdo material, buscando auferir seu verdadeiro sentido e âmbito
de aplicação. Entretanto, em que pesem os esforços, esse estudo não esgota o conteúdo do
enunciado do STF, representando simples debruçamento sobre questões pontuais.
Inicia-se a empreitada transcrevendo-se os exatos termos do mencionado enunciado
sumular:
Súmula Vinculante nº 13:
A nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade,
até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa
jurídica investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo
em comissão ou de confiança ou, ainda, de função gratificada na administração pública
direta e indireta em qualquer dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios, compreendido o ajuste mediante designações recíprocas, viola a Constituição
Federal.

Analisando-se, detidamente, a redação da Súmula Vinculante nº 13, infere-se que a conduta


considerada como contrária à Constituição é a nomeação, para o exercício de cargo em comissão ou
de confiança ou, ainda, de função gratificada na Administração Pública Direta ou Indireta, de
cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau,
inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor público da mesma Pessoa Jurídica investido em
cargo de direção, chefia ou assessoramento.
Primeiramente, defina-se o parentesco como a relação entre pessoas pertencentes a um
mesmo grupo familiar. As ligações de parentesco abrangidas pela Súmula Vinculante nº 13 podem
ser as consanguíneas, em que as pessoas descendem de uma origem familiar, ou as por afinidade,
que resultam do casamento.
Contudo, não são todos os parentes consanguíneos e afins da autoridade nomeante e de
servidores da mesma pessoa jurídica investidos em cargo de direção, chefia ou assessoramento que
são destinatários do texto sumular, mas apenas os parentes até o terceiro grau. O Código Civil
Brasileiro — Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 — prescreve a forma de contagem dos graus
de parentesco em seus artigos 1.592 e 1.594, in verbis:

Art. 1.592. São parentes em linha colateral ou transversal, até o quarto grau, as pessoas
provenientes de um só tronco, sem descenderem uma da outra.

Art. 1.594. Contam-se, na linha reta, os graus de parentesco pelo número de gerações, e, na
colateral, também pelo número delas, subindo de um dos parentes até ao ascendente
comum, e descendo até encontrar o outro parente.

Conforme determinação do Código Civil, os pais e filhos da autoridade nomeante e de seu


cônjuge, bem como do servidor da mesma pessoa jurídica investido em cargo de direção, chefia ou
assessoramento e de seu cônjuge são parentes de 1º grau, os irmãos, avôs e netos são parentes de 2º
grau e os bisavôs, tios, sobrinhas e bisnetos são parentes de 3º grau. Portanto, todos esses estão
incluídos na vedação sumular e não podem ser nomeados para exercerem cargos comissionados ou
funções de confiança.
Veja-se que a vedação é bem específica e dirige-se aos parentes consanguíneos ou afins que
sejam nomeados para exercer cargos em comissão, de confiança ou função gratificada. Aqueles
nomeados para exercer cargos de provimento efetivo ou contratados não foram mencionados pelo
texto sumular, mesmo que sejam cônjuges, companheiros ou parentes até o terceiro grau, inclusive,
da autoridade nomeante ou de servidor público investido em cargo de direção, chefia ou
assessoramento da mesma Pessoa Jurídica.
Com razão, a proibição limita-se aos cargos cujo provimento prescinde de processo seletivo
público, sendo livre a escolha de seus titulares pelas autoridades nomeantes. É que a contratação
temporária de pessoal e a nomeação para exercício de cargo efetivo dão-se mediante procedimento
seletivo público, seja ele simplificado ou concurso. Assim, garante-se, para o provimento de cargos
efetivos e para a contratação de pessoal, a observância do princípio da isonomia entre os
interessados. Diferentemente, o princípio da isonomia não é relevante para o ingresso em cargos
públicos comissionados de direção, chefia ou assessoramento, ou para funções de confiança,
residindo aí a celeuma a respeito do tema.
A distinção na forma de provimento dos cargos públicos explica-se em virtude da natureza
das funções que seus titulares exercem. Com efeito, os servidores públicos titulares de cargos em
comissão e funções de confiança desempenham atribuições de coordenação dos demais serviços
prestados pela Administração Pública, bem como do próprio funcionamento da máquina
administrativa, tais como direção, chefia e assessoramento. Os servidores públicos exercentes de
tais cargos e funções sujeitam-se somente ao administrador público, seja ele municipal, estadual ou
federal, subordinando tantos outros servidores públicos hierarquicamente inferiores. Por isso, os
titulares de cargos comissionados e funções de confiança devem ser pessoas de confiança do gestor
público, pessoas que comunguem da sua ideologia e o auxiliem na condução da Administração
Pública. Assim sendo, nada mais natural do que deixar ao arbítrio da autoridade nomeante a escolha
daquele que irá exercer os cargos comissionados e as funções de confiança.
Vale dizer, o exercício dos cargos em comissão e das funções de confiança traz consigo a
idéia de confiança como nota característica. Logo, em razão das atribuições que encerram, requerem
os cargos em comissão e as funções de confiança alto grau de confiança depositada pelo
administrador naquele que irá preenchê-lo, pelo que, consequentemente, confere-se-lhe a liberdade
de nomeação e exoneração.
Nessa esteira, não vigora, para o ingresso em cargos comissionados e funções de confiança,
a exigência constitucional de concurso público, prescrita pelo art. 37, inciso II, in verbis:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade,
impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (Redação
dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
(...)
II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso
público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do
cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em
comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração; (Redação dada pela Emenda
Constitucional nº 19, de 1998).

Assim leciona Walter Brasil Mujalli, distinguindo os cargos em comissão e os cargos de


provimento efetivo:

Cargo em comissão ou de provimento em comissão é aquele predisposto ou vocacionado a


ser preenchido por um ocupante transitório, da confiança da autoridade que o nomeou, e
que nele permanece enquanto durar essa confiança. Assim, fica desde logo entendido que
para o provimento de cargo em comissão não há a necessidade de concurso. A nomeação é
livre como também a exoneração.

Cargo efetivo ou de provimento efetivo é aquele predisposto a ser preenchido sem


transitoriedade, ou seja, em caráter definitivo. A sua natureza tende à recepção de um
ocupante que permaneça no cargo em caráter transitório.9

Também José dos Santos de Carvalho Filho assevera:

Os cargos em comissão, ao contrário dos tipos anteriores, são de ocupação transitória. Seus
titulares são nomeados em função da relação de confiança que existe entre eles e a
autoridade nomeante. Por isso é que na prática alguns os denominam de cargos de
confiança. A natureza desses cargos impede que os titulares adquiram estabilidade. Por
outro lado, assim como a nomeação para ocupá-los dispensa a aprovação prévia em
concurso público, a exoneração do titular é despida de qualquer formalidade especial e fica
a exclusivo critério da autoridade nomeante. Por essa razão é que são considerados de livre
nomeação e exoneração (art. 37, II, CF).10

E Hely Lopes Meirelles completa, abordando as funções de confiança:

Em face da EC 19, as funções de confiança, que só podem ser exercidas por servidores
ocupantes de cargo efetivo, destinam-se, obrigatoriamente, apenas às atribuições de
direção, chefia e assessoramento (CF, art. 37, V), que são de natureza permanente. Tal
comando independe de lei, uma vez que o exame desse art. 37, V, revela que para as
funções de confiança ele é de eficácia plena, ao reverso do que ocorre em relação aos
cargos em comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e
percentuais mínimos previstos em lei, como ali está dito. Essas funções, por serem de
confiança, a exemplo dos cargos em comissão, são de livre nomeação e exoneração.11

Aponte-se, ainda, a título de esclarecimento, nos dizeres de Celso Antônio de Mello, a


diferença entre a função de confiança e o cargo em comissão, visto que a própria Constituição da
República o fez, em seu art. 37, V. In verbis:
9
MUJALLI, Walter Brasil. Administração pública: servidor e serviço público. Campinas:
Bookseller, 1997. v. 1, p. 142.
10
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 16. ed. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2006. p. 516.
11
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 32. ed. São Paulo: Malheiros,
2006. p. 417-418.
Funções públicas são plexos unitários de atribuições, criados por lei, correspondentes a
encargos de direção, chefia ou assessoramento, a serem exercidas por titular de cargo
efetivo, da confiança da autoridade que as preenche (art. 37, V, da Constituição).
Assemelham-se, quanto à natureza das atribuições e quanto à confiança que caracteriza seu
preenchimento, aos cargos em comissão.

Contudo, não se quis prevê-las como tais, possivelmente para evitar que pudessem ser
preenchidas por alguém estranho à carreira, já que em cargos de comissão podem ser
prepostas pessoas alheias ao serviço público, ressalvado um percentual deles, reservado aos
servidores de carreira, cujo mínimo será fixado por lei.12

Como se vê, as funções gratificadas são sempre exercidas por servidores públicos titulares
de cargo efetivo. Por outro lado, os cargos em comissão podem ser exercidos tanto por titulares de
cargos efetivos quanto por pessoas que não tenham qualquer vínculo com a Administração Pública.
Traço característico de ambos é o vínculo de confiança que perpassa o seu preenchimento,
permitindo livre nomeação e exoneração.
Lado outro, não se pode impedir que os aprovados em processo seletivo sejam contratados
ou nomeados para exercerem cargos efetivos apenas pelo fato de possuírem vínculos consaguíneos
ou de afinidade com as autoridades nomeantes ou com outros servidores de confiança, sob pena de
afronta aos princípios da isonomia e da universalidade de acesso aos cargos e funções públicas,
insculpidos na Constituição da República. Nesse diapasão, a Constituição da República de 1988
consagra o princípio da isonomia, expressamente, no caput do artigo 5º, ao mencionar que: “Todos
são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”. Trata-se da igualdade de direitos em
todas as esferas, em decorrência da qual se afasta qualquer forma de discriminação. Se todos são
iguais perante a lei, não se pode diferenciar aqueles que têm relações de parentesco com
determinados agentes públicos. Por isso, proibir parentes dos agentes públicos de serem
contratados, nomeados ou designados para ocupar cargos da Administração Direta e Indireta
promove nítida violação de direitos fundamentais.
Ademais, o princípio da universalidade de acesso ou ampla acessibilidade aos cargos
públicos constitui direito de todos os cidadãos, de buscar oportunidade de trabalho
independentemente de qualquer laço de parentesco com agentes públicos.
Portanto, a disposição sumular está adstrita apenas às nomeações para exercício de cargos
comissionados ou de funções gratificadas. Os servidores públicos exercentes de cargos de
provimento efetivo e os contratados por tempo determinado não são destinatários da Súmula
Vinculante nº 13.

12
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 18. ed. rev. atual. São
Paulo: Malheiros, 2005. p. 236.
Todavia, se o servidor público parente, por afinidade ou consanguinidade, da autoridade
nomeante ou de outro servidor público de confiança é titular de cargo efetivo, mas está exercendo
cargo comissionado ou função gratificada, enquadra-se na vedação da Súmula e, por isso, deve
retornar ao exercício apenas do seu cargo efetivo, que não é afetado em virtude das relações de
parentesco.
Não obstante, em relação aos cargos de Secretário e Ministros, cumpre asseverar que,
embora sejam, via de regra, de provimento em comissão, seus titulares estão excluídos do âmbito de
incidência da Súmula Vinculante nº 13 do STF, pois são agentes políticos. Nesse sentido,
pronunciou-se o Presidente do STF, Ministro Gilmar Mendes, em entrevista concedida à Rádio
Justiça: “Haveria a exceção de cargos políticos, nas funções de secretários municipais, de Estado ou
ministros do Executivo. Em princípio, o tribunal disse que essa é uma função política que não
estaria submetida ao critério.”13
E o Ministro Carlos Ayres Britto confirmou, segundo consta nas notícias do STF do dia 21
de agosto de 2008, que “Somente os cargos e funções singelamente administrativos são alcançados
pelo artigo 37 da Constituição Federal”.14
Finalmente, o Tribunal Pleno do STF, ao julgar o Recurso Extraordinário nº 579.951-4, que
foi precedente para a Súmula Vinculante nº 13, considerou hígida a nomeação de parente de
Vereador para exercer atribuições de Secretário Municipal, conforme se depreende do voto do
eminente Ministro Carlos Britto:

Então, quando o artigo 37 refere-se a cargo em comissão e função de confiança, está


tratando de cargos e funções singelamente administrativos, não de cargos políticos.
Portanto, os cargos políticos estariam fora do alcance da decisão que tomamos na ADC nº
12, porque o próprio Capítulo VII é Da Administração Pública enquanto segmento do Poder
Executivo. E sabemos que os cargos políticos, como, por exemplo, os de Secretário
Municipal, são de agentes do Poder, fazem parte do Poder Executivo. O cargo não é em
comissão, no sentido do artigo 37. Somente os cargos e funções singelamente
administrativos — é como penso — são alcançados pela imperiosidade do artigo 37, com
seus lapidares princípios. Então, essa distinção me parece importante para, no caso, excluir
do âmbito da nossa decisão anterior os Secretários Municipais, que correspondem a
Secretários de Estado, no âmbito dos Estados, e Ministros de Estado, no âmbito federal.

E, após a publicação da Súmula Vinculante nº 13, o Supremo Tribunal Federal, julgando a


Rcl 6.650-MC-AgR/PR, posicionou-se claramente a respeito da celeuma, conforme consta no voto

13
MENDES, Gilmar Ferreira. Disponível em: <http://www.radiojustica.gov.br/home/#> Acesso
em: 02 set. 2008.
14
BRITTO, Carlos Ayres. Disponível em:
<http://www.stf.gov.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=94714>. Acesso em: 02
set. 2008.
do eminente Ministro Cézar Peluso, in verbis:

Trata-se, portanto, de questão ligada à interpretação e, evidentemente, ao alcance da


súmula.

E digo mais: nesse debate, foi consignada expressamente a posição, que ressalvei, quanto à
extensão da conclusão de que o alcance da súmula não atingiria os agentes políticos.

É que os agentes políticos exercem atribuições diversas das dos servidores públicos e,
portanto, estão ligados à Administração Pública por vínculo diferenciado. Segundo José dos Santos
de Carvalho Filho, acompanhando o entendimento manifestado por Maria Sylvia Di Pietro e Celso
Antônio Bandeira de Mello, in verbis:

São estes agentes que desempenham os destinos fundamentais do Estado e que criam as
estratégias políticas por eles consideradas necessárias e convenientes para que o Estado
atinja seus fins.

(...)

Caracterizam-se por terem funções de direção e orientação estabelecidas na Constituição e


por ser normalmente transitório o exercício de tais funções. (...) Por outro lado, não se
sujeitam às regras comuns aplicáveis aos servidores públicos em geral; a eles são aplicáveis
normalmente as regras constantes da Constituição, sobretudo as que dizem respeitos às
prerrogativas e à responsabilidade política. São eles os Chefes do Executivo (Presidente,
Governador e Prefeito), seus auxiliares (Ministros e Secretários Estaduais e Municipais) e
os membros do Poder Legislativo (Senadores, Deputados Federais, Deputados Estaduais e
Vereadores).15

Posição idêntica adota o Controlador Geral do Município de Belo Horizonte, Luciano


Ferraz, afirmando que “Excluem-se da vedação apenas os agentes políticos, tais como Secretários
Municipais, por conta da natureza política do cargo que ocupam.”16
Note-se que o entendimento majoritário é no sentido de que os agentes políticos são espécie
do gênero agente público, mas não se encaixam no conceito de servidores públicos, que é uma
categoria à parte, também dentro do gênero agente público. Daí surgiria a dúvida se estaria vedada a
nomeação de parentes consanguíneos ou afins dos Secretários para o exercício de cargos em
comissão ou função gratificada. Com efeito, a Súmula Vinculante faz menção expressa ao “cônjuge,
companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da
autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica (...)”. Interpretando-se literalmente o
dispositivo sumular, somente não poderá exercer cargo comissionado ou função gratificada aquele

15
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 16. ed. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2006. p. 498.
16
FERRAZ, Luciano de Araújo. Ofício CTGM 164/2008. Belo Horizonte, 01 set. 2008.
que detém relação de consanguinidade ou afinidade com a autoridade nomeante ou com outro
servidor público. Não sendo o Secretário a autoridade nomeante, nem servidor público, não incidiria
a vedação aos seus parentes consanguíneos ou afins.
Da mesma forma, não se pode deixar de concluir o mesmo quanto aos membros do Poder
Legislativo, que também são agentes políticos, e não servidores públicos em sentido estrito.
Portanto, também não estaria vedada a nomeação, para exercer cargo em comissão, de confiança ou
função gratificada, de parentes consanguíneos ou afins dos Senadores, Deputados e Vereadores.
Entretanto, o raciocínio não se aplica ao Presidente da Câmara ou Senado, nem ao Prefeito,
Governador ou Presidente, pois, embora sejam agentes políticos, eles são autoridades nomeantes,
condição prevista expressamente no texto sumular.
Não obstante a lógica exposta, o aclaramento completo do verdadeiro sentido e alcance do
verbete vinculante somente pode ser dado por seus criadores, quais sejam os nobres magistrados do
Supremo Tribunal Federal. Assim, a partir do julgamento de casos concretos, gradualmente, restará
exatamente definido o âmbito da vedação compreendida na Súmula Vinculante nº 13 do Supremo
Tribunal Federal.

4 Críticas e proposições à aplicação da Súmula Vinculante nº 13 do STF


Analisando-se detidamente os precedentes da Súmula Vinculante nº 13 do Supremo Tribunal
Federal, infere-se que o nepotismo fora considerado inconstitucional por afronta aos princípios da
moralidade, da igualdade e da impessoalidade, insculpidos no art. 37 da Constituição da República.
Assim consignou o eminente Ministro Ricardo Lewandowski em seu voto no Recurso
Extraordinário nº 579.951-4/RN:

Estou afirmando, no meu voto, a partir de um caso concreto que, realmente, os princípios
são auto-aplicáveis, que a vedação ao nepotismo decorre exatamente da conjugação desses
princípios da Constituição, com o etos prevalente na sociedade brasileira.

E o ilustre Ministro Celso de Mello, em seu voto proferido no mesmo julgamento, corrobora
o entendimento:

O nepotismo, além de refletir um gesto ilegítimo de dominação patrimonial do Estado,


desrespeita os postulados republicanos da igualdade, da impessoalidade e da moralidade
administrativa. E esta Suprema Corte, Senhor Presidente, não pode permanecer indiferente
a tão graves transgressões da ordem constitucional.

Concluo o meu voto. E, ao fazê-lo, reafirmo o meu entendimento de que o nepotismo se


mostra incompatível com o sistema constitucional, impondo-se, por isso mesmo, a vedação
de sua prática a todos os Poderes da República e a todos os níveis em que se estrutura o
Estado Federal brasileiro.

Torna-se necessário banir, definitivamente, de nossos costumes administrativos, a prática


inaceitável do nepotismo, porque, além de infringente da ética republicana, transgride os
postulados constitucionais da igualdade, da impessoalidade, da transparência e da
moralidade administrativa.

Assim sendo, a partir da publicação da Súmula Vinculante nº 13, toda a nomeação de


parentes da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica investido em cargo de
direção, chefia ou assessoramento passou a ser entendida como afrontosa aos princípios
constitucionais que regem a Administração Pública. Consagrou-se violação apriorística dos
princípios da impessoalidade, isonomia e moralidade, decorrente de nomeação de parentes para
cargos administrativos, ainda que de provimento em comissão.
Em que pese a força normativa da Súmula Vinculante, inevitáveis alguns questionamentos
quanto à sua aplicação cega a todos os casos, por simples subsunção do fato à norma, sob pena de
violação a outros princípios, em especial o da razoabilidade, da eficiência, da supremacia do
interesse público e, até mesmo, ao próprio princípio da isonomia, que tanto se busca resguardar com
a edição do verbete vinculante.
É inconcebível considerar-se que a nomeação de indivíduo aparentado a agente público,
independentemente das circunstâncias do caso concreto, fere, per se, os princípios constitucionais
norteadores da Administração Pública.
Para que se configure ato ímprobo, violação a princípios, passível de repressão pelo Direito,
imprescindível a comprovação objetiva de que, no caso concreto, o servidor goza das benesses de
seu cargo, sem, contudo, realizar suas atribuições com dedicação e competência, em igualdade de
condições aos demais servidores, apenas fazendo parte dos quadros da Administração, por ser
parente de autoridade, sem, de fato, fazer jus à respectiva remuneração.
Por óbvio, a capacitação do servidor para provimento do cargo ou função não é dispensável,
por isso, o parente desempenhando satisfatoriamente suas atividades, não há razão para cunhar
negativamente de nepotismo e atribuir violação ao princípio da moralidade administrativa à sua
nomeação, quando, ademais, a confiança neste caso se estabelece em grau máximo!
É que o nepotismo gera duas situações. Uma é totalmente moral, adequada ao Ordenamento
Jurídico e não pode ser abarcada pela vedação sumular. Trata-se das nomeações de pessoas hábeis,
eficientes, vocacionadas, que trabalham duro e desempenham bem suas funções na Administração
Pública, e mais, são parentes da autoridade nomeante, gozando, por isso, de relação de confiança
com ela. Estes servidores são perfeitos para exercerem cargos em comissão ou funções de
confiança, nos termos previstos pela Constituição da República. De forma alguma se pode dizer que
suas nomeações atentam contra o interesse público e o princípio da eficiência.
Sendo determinado indivíduo capacitado para a função e detentor da confiança do
administrador, não há no ato má-fé, desonestidade ou desvirtuação da finalidade pública. Ao
contrário, a finalidade pública pode ser amplamente atendida no caso de o servidor comissionado,
em que pese ter relação de parentesco com quem o nomeou, cumprir satisfatoriamente suas funções,
em estrita observância ao princípio da eficiência.
Diferentemente, o nepotismo pode promover a realização de interesses particulares, em
detrimento do interesse público, empregando pessoas no serviço público que não detêm as
qualidades necessárias. Essa situação caracteriza indisfarçável imoralidade e justificou a edição da
Súmula.
Corroborando tal entendimento, o eminente Desembargador Reynaldo Ximenes Carneiro, do
Tribunal de Justiça de Minas Gerais, assim ressalta em seu voto:

... é preciso que se distinga o NEPOTISMO que representa o aproveitamento daqueles que
são ligados ao Administrador e que só vão receber o seu vencimento, do NEPOTISMO em
relação à contratação de pessoas de confiança.17

Na mesma linha, o Desembargador Mauro Soares de Freitas, também do Tribunal de Justiça


de Minas Gerais, em brilhante decisão assevera:

Afirma-se ser o nepotismo gritante ofensa a princípios da administração pública, previstos


no artigo 37, da Constituição Federal e, portanto, vedado. Afirma-se, até mesmo, ser
ofensivo à moralidade. Faço duas perguntas indispensáveis: a primeira, o que se entende
por nepotismo? A segunda, o que se entende por moral?

O termo nepotismo deriva-se da palavra “nepote”, que designava o sobrinho do Papa, por
isto entende-se “nepotismo” como sendo a influência que o sobrinho e outros parentes
exerciam na administração eclesiástica. Seria, também, patronato, favoritismo e compadrio.
Entretanto, a influência pode ser boa ou má, positiva ou negativa; se boa, nada a recriminar;
se má, deve ser extirpada, após indispensável constatação e é dentro desta ótica que deve
ser o termo analisado.

Quanto à “moral”, o que vem a ser esta? Muitos filósofos já procuraram defini-la, mas a
definição que melhor se adequa é a de que “moral é a regra da boa conduta, da distinção
que fazemos entre o que é bom e o que é ruim para nós e para os outros”.

Utilizando um exemplo milenar daquele que se considerava Mestre, Jesus Cristo, dizia Ele:
“façamos aos outros somente o que queremos que eles nos façam”. Esta definição e este
ensinamento são universais, não se aplicam apenas ao Brasil, e independe do credo
religioso, da formação cultural, da posição social ou política do ser humano. Como se
observa, nada há de religioso ou político no sentido de obedecer os dogmas desta ou
daquela corrente de pensamento e a moral está neste terreno como valor da alma, que todos
entendem, quando a questão é analisar os valores éticos do comportamento.

Um homem moralizado vale mais que uma multidão de intelectuais, por isto a questão
moral há de ser analisada, caso a caso, pelo comportamento individual de cada pessoa. Foi
muito cômodo tachar o Prefeito de “imoral”, pelas nomeações feitas, sem uma análise do
comportamento de cada um. Como foi fácil tachar de “imoral” todos os juízes que tinham
parentes trabalhando em seus gabinetes, quando imoral seria a nomeação para não
trabalhar, sendo até de se perguntar se isto foi apurado. Se o nomeado prestava serviço à

17
Processo Crime de Competência Originária nº 1.0000.05.426832-1/000, Tribunal de Justiça de
Minas Gerais, Rel. Desembargador Reynaldo Ximenes Carneiro, DJ, 21 mar. 2007.
administração, se produzia, se honrava o cargo, se, numa linguagem coloquial, “vestia a
camisa da instituição”, a questão há de ser vista de uma outra forma, com os olhos da
moralidade e da ética, na prática de atos sérios, verdadeiros, transparentes, praticados por
homens educados moralmente. Educação moral é aquela que se volta para a formação do
homem voltado para o bem, seja do seu próprio, seja do próximo, nunca se esquecendo da
regra, sugerida pelo Cristo, que é fazer aos outros aquilo que gostaria que os outros lhe
fizessem.

Dentro deste diapasão, qual regra constitucional tem mais valor? A do artigo 37 citado ou a
do artigo 5º, que dispõe que todos são iguais perante a Lei, sem distinção de qualquer
natureza? Aqui, a inconstitucionalidade é muito mais gritante, porque, no Judiciário, o
parente de um magistrado tornou-se mais discriminado que um leproso nos tempos de
antanho. Terá de mudar de atividade profissional ou de país, porque na rede pública não
conseguirá trabalho. Há ou não distinção? E distinção injusta, porque há cargos de
confiança a serem ocupados, onde as normas da confiança, que envolvem escolha pelos
padrões da competência e da confiabilidade, estão dentro das regras que conduzem a
moral.18

Não se pode generalizar questão tão subjetiva, mormente em se tratando de cargos cujo
preenchimento pauta-se na relação de confiança com o servidor. Há que se vislumbrar a relação de
confiança que a autoridade guarda com o nomeado e sua essencialidade para o exercício do cargo
ocupado, a plena consecução das atribuições a ele inerentes, levando-se em consideração cada caso
concreto, conforme posicionamento externado pelo Desembargador Nicanor Silveira do Tribunal de
Justiça de Santa Catarina:

AÇÃO CIVIL PÚBLICA - IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA - NOMEAÇÃO PARA


CARGO COMISSIONADO - ASSESSOR PARLAMENTAR MUNICIPAL - ESPOSA DO
PRESIDENTE DA CÂMARA DE VEREADORES - ATO DE NEPOTISMO - PRINCÍPIO
DA MORALIDADE ADMINISTRATIVA - AUSÊNCIA DE LEI VEDANDO A
CONTRATAÇÃO DE PARENTES - DESCARACTERIZAÇÃO DE ATO QUE IMPORTE
EM IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA - RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.

Enquadrar o nepotismo como uma infração à Lei de Improbidade Administrativa é um


trabalho bastante tortuoso, uma vez que a própria lei não traça diretrizes para que se possa
delimitar seu alcance em referência aos atos praticados pelos administradores para
enquadrar, em específico, a imoralidade administrativa.

Ocorrendo a prática do nepotismo, deve-se levar em consideração as causas, o


preenchimento dos requisitos do cargo, a remuneração compatível recebida por quem foi
nomeado e o cumprimento do dever por possuir o nomeado aptidão para a profissão que
desempenha. “A partir da aferição desses elementos, será possível identificar a possível
inadequação do ato aos princípios da legalidade e da moralidade, bem como a presença do
desvio de finalidade, o que será indício veemente da consubstanciação de ato de
improbidade” (Emerson Garcia).19

É indispensável aferir, no caso concreto, se, de fato, a nomeação revela mera concessão de

18
Agravo nº 1.0344.07.037232-3/001, Tribunal de Justiça de Minas Gerais, Rel. Desembargadora
Maria Elza, DJ, 05 ago. 2008.
19
Apelação Cível nº 2003.025558-3, Primeira Câmara de Direito Público, Tribunal de Justiça de
Santa Catarina, Rel. Desembargador Nicanor Silveira, DJ, 24 nov. 2005.
vantagem indevida, favorecimento ilegítimo, sendo, por isso, contrária à Constituição da República.
Indevida a presunção de que todo parente de agente público ingressa em cargos de comissão
ou funções de confiança, apenas em virtude de seu vínculo familiar, sem preencher qualquer outra
condição para o exercício do serviço público. Tal análise é preconceituosa, taxando, de antemão, de
corruptos, todos os parentes de agentes públicos, e exclui da Administração Pública pessoas
competentes, por mero laço consanguíneo ou de afinidade.
Exonerar servidores públicos e vetar a contratação de pessoal, em virtude de relações de
parentesco ou de afinidade com ocupantes de cargos públicos, acarreta inegável discriminação,
consubstanciando afronta ao princípio da isonomia, bem como violação ao princípio da
universalidade de acesso dos brasileiros aos cargos e funções públicas.
Considerando-se, aprioristicamente, toda nomeação de parentes de agentes públicos como
inconstitucional, constituir-se-á uma sociedade em que ser parente de autoridade pública seja
mácula impeditiva ao acesso à Administração Pública, mesmo nas hipóteses previstas em lei. A
família, que hoje é vilipendiada em vários aspectos, passaria a ter mais um perverso obstáculo à sua
reafirmação.
Nessa senda, afirma Roberto Wanderley Nogueira:

No entanto, tratando-se de um costume entre nós histórico e que data do próprio


descobrimento, não se teria como erradicá-lo de modo seletivo e pronto mediante afetação
ao princípio isonômico, constitucionalmente agasalhado pela Ordem Jurídica e que não se
compraz de igual sorte a todos os segmentos do próprio Estado ao qual se diz proteger em
se tendo combatido até então o expediente no âmbito exclusivo do Poder Judiciário bem
como por reduzir determinado grupo de pessoas (os parentes na linha de vedação) a algum
tipo de cidadania mitigada, como se o parentesco fosse capaz, por si só, de retirar de uns e
de outros suas faculdades humanas e a sua própria compostura ética (senso de
responsabilidade).20

Por outro lado, se um aparentado da autoridade nomeante ou de outro servidor investido em


cargo de direção, chefia ou assessoramento é nomeado para exercer cargo efetivo, entende-se como
hígida a nomeação, por ter se submetido a concurso público. Seguindo tal raciocínio, somente as
nomeações submetidas ao crivo do concurso público não seriam imorais, satisfazendo plenamente
os princípios constitucionais. Conclui-se, portanto, que o que incomoda e é sumariamente
considerado como ato imoral é a livre nomeação, prerrogativa essa concedida às autoridades
públicas, em se tratando de cargos em comissão e funções de confiança.
Assim, a única medida capaz de moralizar as nomeações de servidores públicos, afastando

20
NOGUEIRA, Roberto Wanderley. Constituição federal não veda a prática do nepotismo.
Consultor Jurídico. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2008-set-
30/constituicao_federal_nao_proibe_pratica_nepotismo>. Acesso em: 13 jan. 2008.
qualquer traço tendente a violar os princípios da moralidade, impessoalidade e isonomia, seria a
institucionalização do concurso público como requisito para ingresso em qualquer cargo público.
Todavia, tendo em vista a relação de fidúcia que deve existir entre o exercente do cargo
comissionado ou da função de confiança e a autoridade do Poder Público, não se pode condicionar
o ingresso apenas à aprovação em concurso público, sob pena de se esvaziar as suas atribuições, que
são de grande responsabilidade. Por isso é que a Constituição da República, em seu artigo 37,
incisos II e V, garante a livre nomeação para tais cargos e funções, ao alvedrio da autoridade
competente.
Desse modo, nada mais natural que o nepotismo ocorra nas nomeações para cargos
comissionados e funções de confiança, porque os parentes gozam entre si de laços de confiança.
Rodrigo Andreotti Musetti elucida que:

Decorrência lógica e constitucional (e, portanto, autorizado pela lei máxima do País) da
livre nomeação é a escolha de parentes (esposa, pai, irmão, filho) para ocuparem cargos de
confiança ou em comissão, salvo casos excepcionais em que o detentor do poder tenha mais
confiança em alguém fora da família do que nela própria!21

Além dos requisitos exigidos para o ingresso nos cargos efetivos, quais sejam competência
para o exercício das atribuições e respeito aos princípios regentes da Administração Pública, é
indispensável que o exercente de cargo comissionado ou de função de confiança detenha bom
conceito junto à autoridade pública, seja pessoa de sua plena confiança. Nesse sentido, continua o
precitado Autor:

O fundamento histórico e prático desses cargos é a necessidade, reconhecida pelo Poder


Constituinte, dos chefes dos poderes possuírem pessoas de sua extrema confiança para
ocuparem cargos de direção, chefia e assessoramento a eles subordinados. Se assim não
fosse, ou seja, se o Poder Constituinte não garantisse a existência destes cargos de
confiança, a qualidade do serviço público e a estabilidade político-administrativa do Poder
Público estariam em constante perigo, à mercê de inúmeras investidas por parte de
funcionários que, embora estáveis e concursados, poderiam estar comprometidos com
interesses político-partidários mesquinhos, sem nenhum compromisso como o bem comum
— finalidade da Administração Pública. É por este motivo que o requisito constitucional
direto para a investidura deste cargo é a livre nomeação; o indireto é a plena confiança na
pessoa que irá ocupá-lo (art. 37, II da CF). Frise-se e reitere-se que a Lei maior do País
dispõe que estes cargos serão de livre nomeação; o requisito indireto é apresentado pela
doutrina. Segundo a doutrina clássica do Direito Administrativo, cargo em comissão
destina-se às funções de confiança dos superiores hierárquicos; não confere estabilidade a
seu ocupante, podendo este ser demissível ad nutum a critério do poder público.22

21
MUSETTI, Rodrigo Andreotti. O nepotismo legal e moral nos cargos em comissão da
administração pública. Revista de Direitos Difusos, São Paulo, v. 2, n. 10, p. 1355-1363, dez.
2001.
22
MUSETTI, ob. cit.
A relação de confiança, que caracteriza os cargos de comissão e as funções gratificadas e
justifica a livre nomeação e a livre exoneração, é, também, a causa do nepotismo. Destarte, para se
erradicar o nepotismo, necessário seria vedar a livre nomeação, impondo para todos os ingressos no
serviço público o concurso público.
Em sendo assim, todavia, não mais existirá a relação de confiança entre o servidor exercente
de cargo em comissão ou função de confiança e a autoridade pública e as atribuições desses cargos
e funções estarão equiparadas, em grau de responsabilidade, às dos cargos efetivos.
Assim, levando-se às últimas consequências a vedação do nepotismo por si só, restariam
extintos, na estrutura funcional do Estado, os cargos em comissão e as funções de confiança.
Somente assim se impediria que as autoridades nomeantes empregassem seus parentes no serviço
público, atitude que, per se, tem sido considerada ilícita e imoral.
À mesma conclusão chegou o já citado Roberto Wanderley Nogueira, in verbis:

Com efeito, se se quiser de verdade eliminar da cena institucional brasileira a prática do


nepotismo só há duas alternativas igualmente esclarecidas e potencialmente eficazes a
seguir: a primeira delas diz respeito à eliminação, na estrutura funcional do Estado, em
todos os seus segmentos e hierarquias, da figura jurídica do “cargo comissionado” ou “de
confiança”; ...23

Medida tão drástica, contudo, embora eficaz para as nomeações de cargos e funções
públicos, não atingiria o objetivo desejado, qual seja, evitar o empreguismo, o aproveitamento de
parentes em serviço público, o favorecimento indevido de poucos em detrimento da coletividade.
É que a causa da imoralidade administrativa, no enfoque ora estudado, não reside apenas na
prerrogativa de livre nomeação e exoneração de servidores, mas, sim, no caráter das pessoas
investidas de Poder Público. Não importa quantos entraves o Direito possa criar à conduta ilícita,
imoral e corrupta, sempre se pode subverter a ordem vigente, como aduz Roberto Wanderley
Nogueira:

Mesmo agora em que o STF decidiu por conferir elastério à vedação para valer em todos os
segmentos da estrutura do Estado brasileiro, sucede que não será jamais possível evitar o
fenômeno, porque ele pode ser invariavelmente travestido. Exemplo disso é a possibilidade
de “troca” com a iniciativa privada. O parente do agente público vai trabalhar em alguma
empresa do conhecimento daquele que ocupará o cargo comissionado no serviço público e
o quadro continuará, portanto, rigorosamente inalterado. O salário daquele pode, inclusive,
ser bancado por este. Nesse caso, quem haverá de regular também esse espaço afeto à
autonomia da vontade? Quais os mecanismos de resistência contra uma tal forma de
nepotismo disfarçado? 24

Por isso, imprescindível a análise de cada caso concreto, não apenas de nomeação de
23
NOGUEIRA, ob. cit.
24
NOGUEIRA, ob. cit.
servidores públicos, mas de todos os atos administrativos, perquirindo suas especificidades, suas
finalidades e seus efeitos. Apenas dessa forma aproxima-se de um controle mais eficaz da
moralidade na Administração Pública. Note-se que não se trata de controle apriorístico, feito pela
edição de normas e súmulas gerais e abstratas, aplicáveis a todas as hipóteses indefinidamente, mas
sim de exame apurado de cada situação fática.
Tal controle perpassa ainda pelo princípio da razoabilidade, apurando-se, em cada caso, o
que está, ou não, dentro dos limites do aceitável. Nos dizeres de Celso Antônio Bandeira de Mello:

Enuncia-se com este princípio que a Administração, ao atuar no exercício de discrição, terá
de obedecer a critérios aceitáveis do ponto de vista racional, em sintonia com o senso
normal de pessoas equilibradas e respeitosas das finalidades que presidiram a outorga da
competência exercida. Vale dizer: pretende-se colocar em claro que não serão apenas
inconvenientes, mas também ilegítimas — e, portanto, jurisdicionalmente invalidáveis —,
as condutas desarrazoadas, bizarras, incoerentes ou praticadas com desconsideração às
situações e circunstâncias que seriam atendidas por quem tivesse atributos normais de
prudência, sensatez e disposição de acatamento às finalidades da lei atributiva da discrição
manejada.25

Assim, a moralidade das nomeações de servidores para cargos em comissão ou funções de


confiança pode ser aferida pela sua razoabilidade. Na análise de cada caso, deve-se indagar se é, ou
não, razoável a nomeação. Em outras palavras, no caso concreto, se é aceitável, ou não, a nomeação
de um parente da autoridade nomeante ou de servidor investido em cargo de direção, chefia ou
assessoramento para exercer cargo comissionado ou função de confiança.
Haverá casos em que a imoralidade será patente, seja pelo número exacerbado de parentes
que ocupam cargos públicos em determinado ente federativo, seja pela incapacidade e inabilidade
gritante do servidor para o exercício das atribuições do seu cargo ou por outros motivos que
revelem a irrazoabilidade da nomeação.
Roberto Wanderley Nogueira, acompanhando o raciocínio, assevera, como forma de
mitigação das imoralidades envolvendo o nepotismo, “o princípio constitucionalmente ativo da
razoabilidade, pelo qual se reclama que a maior gravidade se situa no plano dos abusos, motivo pelo
qual comporta disciplinar a possibilidade dessa prática para que dela não se venha abusar sob
alegação de lacuna ou obscuridade do próprio sistema jurídico”.26
Por todo o exposto, resta-nos concordar com as conclusões de Ivan Barbosa Rigolin:

O nepotismo desenfreado ou descontrolado, à luz do direito, sem direito ou apesar do


direito, é um mal — o que se imagina fora de discussão.

Determinados exercícios de nepotismo entretanto, ante o direito objetivo e desapaixonado

25
MELLO, ob. cit.
26
NOGUEIRA, ob. cit.
que precisa informar o juízo crítico de todo profissional da área jurídica, não padece da
mesma negativa configuração — amparados expressamente como estão pelo próprio texto
constitucional.

E investir de forma indiscriminada e generalizante contra todo e qualquer ato de nepotismo,


a julgar pelo só que existe até este momento em nosso ordenamento jurídico parece-nos
constituir atitude pouco técnica, e perigosamente tendente a um moralismo que nem sempre
conduz à técnica, fria, constitucional e, para nós, verdadeira moralidade.27

Assenta-se que a conduta guerreada por todos não é o nepotismo, mas sim os abusos que o
cercam, a corrupção, a concessão de vantagens indevidas, o empreguismo. Atos estes que são
combatidos não apenas com a edição de leis e súmulas vinculantes, mas com controle efetivo
encabeçado pelo Judiciário, que deve proceder à análise circunstanciada de cada caso.

Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de


Normas Técnicas (ABNT):

ANTONIO, Alice Barroso de. O nepotismo sob a ótica da Súmula Vinculante nº 13 do STF: críticas
e proposições. Revista Brasileira de Direito Municipal – RBDM, Belo Horizonte, ano 10, n. 31, p. -,
jan./mar. 2009.

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RIGOLIN, ob. cit.

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