GRÁTIS * 1 LIVRO DE IRMÃOS KENNEDY OU GUERRA SECRETA

O regresso das coleções

de história do século XX
*Títulos limitados mediante disponibilidade no ponto de venda. Ver condições específicas na pág. 8

www.sabado.pt N.º 856 – SEMANAL – 24 A 30 DE SETEMBRO DE 2020 – €3,50 (CONT.)

QUEM É A MULHER
POR TRÁS DE
ANDRÉ VENTURA Dina Nunes casou em 2016 com o
político mais polémico do País.
É discreta e revê-se na ala
mais radical do Chega.
Fisioterapeuta de crianças,
já foi insultada no trabalho.
Reportagem na convenção
marcada por cenas de
pancadaria e a entrada
do Opus Dei na
direção do partido

NOVO LIVRO DE JOSÉ RODRIGUES DOS SANTOS DOENÇA RARA OS PORTUGUESES QUE
“OS JUDEUS TINHAM VIDA SEXUAL EM AUSCHWITZ” VIVEM SEM RECONHECER CARAS
 Sumário

64 82
PERFIL DO NOVO FPF: UM “CLUBE”
GESTOR DA TAP MILIONÁRIO
O que precisa de saber As receitas, em 2019,
sobre Ramiro Sequeira, chegaram aos €84 milhões.
que sucede a Antonoaldo E só a participação em Eu-
Neves no cargo de CEO da ropeus e Mundiais já valeu
transportadora portugue- €138,8 milhões em 20 anos
sa e vai enfrentar
uma prova de fogo

54
VISITÁMOS O
ESPÓLIO DO MAIS
CORROSIVO
CARTOONISTA DO
PÓS 25 DE ABRIL.
O ÁCIDO
E POLITICAMENTE
INCORRETO
VILHENA SERIA
ACEITE EM 2020?

4
 24 SETEMBRO 2020
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Operação Lex A Semana

16 Octapharma Processo da Máfia do
Sangue vai começar a 12 de outubro
18 PS Viseu Guerra e troca de acusações
na escolha de candidatos autárquicos
28 Entrevista Jamie Metzl: a revolução
genética vai mudar as nossas vidas

Destaque
36 Chega Quem é Dina Nunes, a mulher de
André Ventura que está sempre com ele

Portugal
50 Perfil Alberto Souto; do governo
para o Banco de Fomento

46 Mundo
60 Reino Unido As memórias indiscre-

PEDRO FERREIRA
tas de Sasha, a amiga de David Cameron
LUXOS TRAMAM JUIZ RUI RANGEL Sociedade
As escutas, os encontros e jantares com o presidente do Benfica, os negócios 72 Não reconhecer caras Não é falta
de educação, mas problema de saúde
à margem da lei. Relatório da Judiciária desvenda os segredos da investigação
74 Internet Onlyfans, a rede social onde
as nudes são permitidas
76 Reportagem Sabia que os taxistas
Sociedade GPS não são obrigados a usar máscara?
ATIVISMO 78 Alcora A aliança militar entre Portugal,

68
África do Sul e Rodésia que ainda hoje
HÁ RESTAURANTES A surpreende os diplomatas dos anos 70
COZINHAR A REVOLU- GPS
ÇÃO: POR MAIS DIREI- 97 Teatro Quem vai ganhar a Eurovisão
TOS E MENOS PRECON- da Canção Filosófica?
98 Cinema François Ozon tem novo filme
CEITOS NA COZINHA 100 Séries O que esperar da segunda
temporada de Das Boot, no AMC
102 Música O novo disco de Noiserv
nas palavras do próprio David Santos
104 Livros Entrevista ao premiado
escritor Colson Whitehead
106 Viagens Um passeio pelo Paul
de Manique do Intendente, na Azambuja

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“SOMOS TODOS MEIO JUDEUS” Mundo
José Rodrigues dos Santos conta como chegou Bactéria mata centenas
a O Mágico de Auschwitz, o seu novo romance de elefantes
Mortes misteriosas causadas
por toxinas na água
Opinião
Covid-19
O que fazer quando
a máscara se molha?
Humidade leva a perda

32
JOSÉ
62
NUNO
86
JOÃO
114
JOÃO
de eficácia

PACHECO ROGEIRO PEDRO PEREIRA

PEREIRA GEORGE COUTINHO

8 Bastidores 17 Octávio Ribeiro 80 Pedro Marta Santos Baleias presas

10 Editorial 45 António José Vilela 96 Ângela Marques na Austrália
12 A Semana 58 Carlos Rodrigues Lima 110 Policiário

5
 Opinião 24 SETEMBRO 2020
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BASTIDORES B

A mulher de André A sombra

Ventura acompanha-o em
todas as ações partidárias
desde a campanha
autárquica em Loures,
ainda pelo PSD. Contamos-
-lhe quem é Dina Nunes
Ventura e a influência que
tem no pensamento do
de Ventura
N
o último ano, o jornalista Ale-
xandre R. Malhado tem
acompanhado ao detalhe as
atividades do Chega. Foi assim que
publicou dezenas de notícias que

MARILINE ALVES
líder do Chega mostraram como o partido de André
Ventura foi infiltrado pela extrema-di-
reita ou como o ex-comentador de fu-
tebol afeto ao Benfica foi escoltado por
elementos da equipa de boxe do FC mos quem é a mulher por trás de Ven- g
Porto no célebre comício que termi- tura e a influência que tem no pensa- O repórter André
Rito com o ex-
nou com uma saudação nazi. Mas, ao mento do deputado do Chega. -deputado Luís
longo desse tempo, foi reparando na Vilhena, que está
mulher discreta que surgia ao lado de B a organizar o
espólio do tio,
André Ventura desde que o agora de- O ilustrador maldito José Vilhena
putado do Chega se lançou na política, Luís Vilhena, ex-deputado à As-
na campanha autárquica de Loures, sembleia da República, está a or-
ganizar o espólio do tio, José Vi-
lhena, um dos mais inconvenien-
tes ilustradores portugueses do sé-
culo XX. Para mostrar à SÁBADO
parte desse legado, recebeu o jor-
nalista André Rito na sala de um
apartamento na Ajuda, com dese-
nhos originais espalhados por toda
a parte. Muitos deles, produzidos
antes do 25 de Abril, não passa-
vam no crivo da censura. E era
JOÃO MIGUEL RODRIGUES

num falso maço de tabaco que o

autor escondia algumas ideias. No
fundo da embalagem estavam dis-
simuladas páginas de texto em le-
tra miudinha. Parte dos desenhos
g pelo PSD. Dina Nunes Ventura esteve poderão ser vistos numa exposi-
O jornalista sempre ao lado do marido, fosse em ção na Assembleia da República.
Alexandre R.
Malhado com campanha, a subir ao palanque para
André Ventura um discurso ou durante um jantar do B
na convenção partido – e na convenção do passado Oferta com a SÁBADO
do Chega,
em Évora fim de semana não foi exceção, sem- Nesta edição e nas próximas, até 15 de
pre com um segurança a impedir outubro, vamos oferecer aos leitores os
qualquer aproximação. Mas a ativida- volumes de duas coleções emblemáti-
de da “primeira-dama” do Chega vai cas da SÁBADO. Os livros sobre os Ir- !
para além das aparições públicas. Di- mãos Kennedy serão distribuídos, pre- k
na esteve no encontro na Herdade da ferencialmente, nos pontos de venda
Torre, em Arronches, em que André das zonas Norte/Centro do País. Já os li- SÁBADO
investigação
Ventura negociou com Gonçalo da vros de A Guerra Secreta serão distri-
Câmara a coligação Basta. Nas pala- buídos, preferencialmente, nas zonas Faça a sua
parte.
vras de Sandra Matias, mulher do pre- de Lisboa/Sul. Todos os exemplares Nós tratamos
sidente do Partido Pró-Vida Manuel são gratuitos, mas dependem da dis- do resto
Matias, “ela sabe da importância que é ponibilidade no ponto de venda. No to- Envie as suas
B denúncias para
as esposas estarem ao lado dos seus tal, serão distribuídas 38.600 cópias o nosso email:
Chefe de Redação maridos, de apoiar as suas causas”. das duas coleções em cada edição. investigacao@saba-
Nuno Tiago Pinto Motivos suficientes para lhe contar- Boa semana. W do.cofina.pt

8
 


Seja responsável, beba com moderação.

O caráter forte, a estrutura e os aromas complexos,

a intensidade que apura uma celebração,
a longevidade que pede um brinde.
Tudo o que é especial tem uma origem
e esta é Monção e Melgaço.
 Do diretor
EDITORIAL
A partir do momento em que
se envolveu com o Benfica –
outra das suas paixões –,
com Luís Filipe Vieira e José
Veiga, depois com o mundo à
volta de Sócrates (e com o
próprio), percebeu-se que
Rangel se sentia intocável
E um pouco. É certo que a PJ não dei-
Diretor
Eduardo Dâmaso
10
E to do dinheiro numa das contas da
A justiça
cega de
Rangel
R
ui Rangel sempre reivindicou
a condição de ser um juiz di-
ferente dos outros.
Conheci-o há mais de 30 anos e fui
seguindo a sua carreira. Primeiro no
associativismo judiciário, onde era
acompanhado por Noronha Nasci-
mento, que viria a ser presidente do
Supremo Tribunal de Justiça. Por es-
ses longínquos anos 80, Rangel era
dirigente e, mais tarde, secretário-
-geral da associação dos juízes por-
tugueses e reivindicava um maior
envolvimento destes com a comuni-
dade, melhor capacidade de comu-
nicar e mais democracia interna na
gestão da carreira. Falava de coisas
interessantes que não eram comuns
na magistratura judicial desse tem-
po: explicar melhor as questões da
justiça ao povo, mais transparência e
uma ideia de juiz mais acessível,
menos sentado no Olimpo. Essa fase
inicial da sua carreira, deu-lhe “boa
imprensa” mas, também, cumplici-
dades decisivas para a proteção cor-
porativa que sempre teve na sua
magistratura.
Para muitos jornalistas, funcionava
como “explicador” das especificida-
des próprias do Processo Penal ou
mesmo do Processo Civil, área me-
nos frequentada pela comunicação
social. Com a privatização das tele-
visões e a entrada em força da justi-
ça no prime time, Rangel tornou-se
uma estrela. Funcionava bem numa
televisão cheia de advogados e onde
a presença de juízes era raríssima.
Nos anos 90 sofreu indiretamente o
primeiro tropeção. Uma queixa de
dois advogados apontava um caso
grave de corrupção à sua então mu-
lher, Fátima Galante, também juíza,
então colocada numa das varas cí-
veis do Palácio da Justiça.
O mundo de Rui Rangel desabou
xou seguir o caminho do dinheiro
sujo até ao fim, impedindo o depósi-
juíza ao prender o facilitador nesse
momento. Tratava-se de um velho
solicitador conhecido do casal que
tinha sido o elo de ligação com uma
empresa que estaria a pagar um fa-
vor da juíza num processo. Com essa
precipitação policial, digamos assim,
Fátima Galante ficou fora do proces-
so. Mas não evitou uma associação
deste obscuro caso ao padrão de
vida que o próprio Rangel exibia. So- i
bretudo através de uma paixão, por- Rangel tinha a
paixão dos car-
ventura fatal, que era a dos carros ros caros. De-
muito caros. Depois vieram as casas, pois vieram as
as viagens e uma vida social muito casas, as via-
cara, que se percebia ser impossível gens e uma
vida social
de pagar pelo ordenado de um juiz. muito cara,
Por fim, chegaram também os ru- que se perce-
mores disto e daquilo, sobretudo a bia ser impos-
partir do momento em que se insta- sível de pagar
pelo ordenado
lou no Tribunal da Relação de Lis- de um juiz
boa. E chegaram também notícias de
dívidas mirabolantes, com clínicas
de estética e mecânicos de automó-
veis, com amigos de sempre que foi
deixando cair. Percebia-se que lhe
crescia no peito um enorme senti-
mento de impunidade.
A partir do momento em que se
envolveu com o Benfica – outra das
suas paixões –, com Luís Filipe Viei-
ra e José Veiga, depois com o mundo
à volta de Sócrates (e com o próprio),
percebeu-se que Rangel se sentia
intocável, coisa terrivelmente peri-
gosa num juiz que tenha abraçado a
delinquência de toga envergada.
MÁRIO CRUZ

A sua justiça cega, nome do pro-
grama que mantinha na RTP, levou-
-o a criticar a investigação do pro-
cesso Marquês, conduzida por Rosá-
rio Teixeira, o juiz Carlos Alexandre
ou os juízes em geral, que qualificou
como a “classe menos confiável em
Portugal”. Sempre perante um silên-
cio inquietante do Conselho Supe-
rior da Magistratura que, na verdade,
só agiu quando já não era possível
extirpar o mal.
Rangel foi protegido por alguns
dos seus pares, mas também por
muitos jornalistas que diabolizaram
os outros que faziam notícias sobre
ele. O que o trio de juízes acusado na
Operação Lex acabou por fazer foi a
mais completa subversão da ideia
de justiça em 45 anos de democra-
cia. Manipulou a distribuição de
muitos processos, entre os quais um
contra o Correio da Manhã, foram
cúmplices na aplicação ilegal de
uma indemnização cível de 50 mil
euros a dois jornalistas deste jornal,
fizeram acórdãos por encomenda e
fretes a Sócrates e amigos. Rangel,
Fátima Galante e Vaz das Neves
mostram que um juiz corrupto não é
um juiz, é um tumor que tem de ser
extirpado rapidamente, mesmo que
seja sem anestesia. Não são, feliz-
mente, a imagem geral dos juízes
24 SETEMBRO 2020
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portugueses. Mas são um alerta
muito forte de que o mais urgente a
discutir não será, porventura, se o
Tribunal Central de Instrução Crimi-
nal deve ser extinto ou reconvertido,
como propôs esta semana a asso-
ciação sindical dos juízes. Talvez o
mais decisivo e prioritário seja mes-
mo discutir se o Conselho Superior
de Magistratura age com a celerida-
de e o acerto necessários.
Se a inspeção dos magistrados é
hoje eficaz e transparente; se os tri-
bunais superiores são dirigidos de
forma clara, que evite a transforma-
ção de algumas secções em centrais
de negócios ou sucursais mafiosas;
se existe uma prática rigorosa e ob-
jetiva em matéria de combate aos
conflitos de interesses, das arbitra-
gens até à clubite, seja ela encarna-
da, azul ou verde. E, já agora, se exis-
te uma cultura e uma prática de re-
pressão da corrupção, que evite, por
exemplo, a permeabilidade aos inte-
resses de alguns arguidos mais po-
derosos. Ou ainda, tão-só, que al-
guns magistrados percebam de uma
vez por todas algumas coisas sim-
ples: convites para o camarote de
um estádio, para acompanhar um
clube de futebol ao estrangeiro ou
para presidir uma assembleia-geral,
que seja, nunca são desinteressados.
E um juiz não é apenas o indivíduo
em si, mas tem de ser o arquétipo
válido de valores como a imparcia-
lidade, a isenção e a defesa da lega-
lidade. W
11
A semana

Uma pausa antes de mais alguns testes

Com a Índia a somar mais de 80 mil casos de coronavírus por dia nas últi-
mas duas semanas, este funcionário aproveita para fazer uma pausa e re-
frescar-se antes de continuar a fazer testes no centro de saúde de Hydera-
bad. O país já registou mais de 5,5 milhões de infetados e 89 mil mortos.
FOTO NOAH SEELAM/ AFP
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Tour resiste à Covid e consagra Pogacar
Apesar da ameaça da Covid-19 (uma equipa com dois positivos seria expul-
sa), a Volta a França realizou-se sem percalços e com um fim espetacular
– Tadej Pogacar, de 22 anos, ganhou a Roglic quase dois minutos no con-
trarrelógio e tornou-se o segundo mais jovem a chegar a Paris de amarelo.
FOTO KENZO TRIBOUILLARD/ AFP VIA GETTY IMAGES
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 A semana
MÁFIA DO SANGUE . PROCESSO ANDOU SEIS MESES EM BOLANDAS
A NOTÍCIA
Lalanda
e Castro
nas mãos
do juiz Carlos
BRUNO COLAÇO
Alexandre
E
stá finalmente marcado o
início da instrução do pro-
cesso Máfia do Sangue –
começa a 12 de outubro –,
um caso de corrupção, falsificação
e lavagem de dinheiro que visa o
ex-responsável da empresa Oc-
tapharma, Paulo Lalanda e Castro,
o médico Luís Cunha Ribeiro e o
advogado Paulo Farinha Alves,
entre outros. O processo devia ter
seguido para instrução (para deci-
dir se será ou não julgado) em abril
passado, mas nos bastidores foi
objeto de vários episódios (além
da pandemia) que incluíram uma
briga de juízes e queixas do Minis-
tério Público (MP).
É mais uma polémica que tem
decorrido em surdina no Tribunal
Central de Instrução Criminal
(TCIC), depois de o TIC de Lisboa
se declarar incompetente para fa-
zer a instrução do processo, tendo
em conta que os alegados crimes
terão decorrido em várias comar-
cas do País. Já no TCIC, em abril,
o processo foi sorteado ao juiz de
instrução Ivo Rosa, mas o juiz
Carlos Alexandre acabou por ser
chamado a tratar provisoriamente
dos atos do inquérito por ordem
16
O caso que visa o ex-
-patrão de Sócrates
andou a ser disputado
entre juízes. Ivo Rosa,
em exclusividade no
tribunal, queria o
processo. O MP até se
queixou ao Conselho
Superior da
Magistratura.
Por António José Vilela
do Conselho Superior da Magis-
tratura (CSM). Tudo porque Ivo
Rosa se encontra em exclusivo na
instrução da Operação Marquês.
O problema é que Ivo Rosa insis-
tiu em não deixar o caso, solici-
tando os volumes do processo e
mantendo-os durante quatro dias
no gabinete, conforme refere um
despacho do MP de setembro
passado a que a SÁBADO acedeu
e que integra agora o processo.
É neste despacho, assinado pelo
procurador Carlos Casimiro, que
são feitas duras críticas ao com-
portamento de Ivo Rosa, salien-
tando o MP que o juiz terá voltado
a dar ordens ao Departamento
Central de Investigação e Ação Pe-
nal (DCIAP), a 15 de julho, para lhe
ser enviado de novo o inquérito.
O juiz Carlos Alexandre reagiu de
imediato e escreveu o seguinte
num despacho que também já está
no processo: “Confesso, como
substituto legal, que não com-
preendi o racional deste despacho
súbito e destas ordens” e informou
o CSM, o órgão que tutela os juí-
zes. No documento judicial ainda
fez questão de informar: “O signa-
tário mantém todo o serviço em
dia e intenta continuar a fazê-lo.”
Lalanda e as 23 testemunhas
Também o diretor do DCIAP,
Amadeu Pinto, escreveu em ju-
lho ao CSM a perguntar se Ivo
Rosa se mantinha em exclu-
sividade de funções, o que
lhe foi naturalmente
confirmado. Depois de
obter esta resposta, o
MP não poupou o
juiz, destacando no
despacho de setem-
bro que Ivo Rosa “não
 24 SETEMBRO 2020
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Sobe&Desce
pode, nem tem de intervir” no
processo que visa o ex-patrão de
José Sócrates – “(...) nem tem de
o consultar e, muito menos,
acompanhá-lo”.
No meio desta confusão, tam-
Octávio Ribeiro
bém várias defesas de acusados Jornalista
vieram alegar nulidades várias,
que o MP vê como uma tentativa
de atrasar ou impedir a instrução g
de um caso que envolve a suspei- Maria José Morgado
ta da prática de inúmeros crimes Procuradora-geral adjunta
nos negócios milionários do plas- Entra para a His-
ma feitos durante largos anos por tória a sua acusa-
privados com o Estado português. ção que atinge
Mas antecipando-se a esta guer- três juízes da Rela-
ra entre o MP, defesas e Ivo Rosa, ção. Sempre se fa-
e ainda durante as férias judiciais, lou de ovelhas
a 20 de agosto, o juiz Carlos Ale- tresmalhadas por
xandre decidiu avançar de vez venda de sentenças à linha,
com a instrução do processo e mas Rangel e os seus cúmpli-
marcou as datas da audição de ces atingiram um patamar
arguidos e das respetivas teste- único na presunção de impu-
munhas. Segundo o calendário nidade. Está a fazer-se justiça.
definido, o primeiro a ser interro-
gado, a partir das 9h30 de 12 de g
outubro, é o advogado Paulo Fari- Cristiano Ronaldo
nha Alves, acusado de dois cri- Futebolista
mes, um de falsificação e outro Na época em que
de branqueamento de capitais. chegará aos 36
O calendário de audições conti- anos, apresenta-se
nua nos dias seguintes. A 19 de brilhante. Marca
j outubro é a vez de serem ouvidas pela seleção e
Lalanda e no TCIC as três testemunhas apre- pela Juventus com
Castro sabe-
rá este ano sentadas por Cunha Ribeiro, o facilidade sobre-
se o proces- médico que está acusado de cor- -humana. O que mais impres-
PEDRO CATARINO

so que o rupção passiva, abuso de poder, siona é a sua resposta física,

visa será
julgado recebimento indevido de vanta-
gem, falsificação e lavagem de di-
nheiro. De destacar que nem Cu-
nha Ribeiro ou Lalanda e Castro
solicitaram novo interrogatório
judicial. No entanto, o ex-respon-
sável da Octapharma requereu
que fossem ouvidas 23 testemu-
nhas que residem em seis países
– além de Portugal, moram no
Reino Unido, Suíça, Itália, França,
Espanha e Alemanha.
O juiz Alexandre aceitou todas
as testemunhas arroladas pela
defesa de Lalanda (inquirições
começam a 20 de outubro), mas
mandou que fossem ouvidas por
Skype, recusando a expedição de
cartas rogatórias para o efeito. E
marcou logo o debate instrutório
do processo para 10
e 11 de novembro. W
indiferente à passagem do
tempo. Está já na nuvem mais
alta dos semideuses da bola.
i
António Costa Silva
Gestor
O seu plano estra-
tégico é um traba-
lho elogiável pela
clarividência. Tem
um ponto crítico
inaceitável: na fer-
rovia, a adesão à bi-
tola europeia não está prevista
e é imperativa. Abdicamos da
soberania monetária, mas man-
temos a bitola ibérica. Para Ber-
lim e Paris ficarem mais longe?

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 24 SETEMBRO 2020
A semana www.sabado.pt
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A POLÉMICA
AUTÁRQUICAS. O PRIMEIRO CANDIDATO SOCIALISTA FOI ESCOLHA DE JOÃO PAULO REBELO

A guerra do PS Viseu
Há uma “campanha negra”, uma denúncia ao MP
e um pré-escolhido para a corrida à câmara arrasado... no partido.
Por Margarida Davim

N
o PS de Viseu há ataques à
escolha de candidatos autár-
quicos, trocas de acusações
de deslealdades e até uma
denúncia ao Ministério Público (MP).
Há uma semana, o Congresso da Fede-
ração de Viseu devia ter servido para
acalmar a situação, mas a luta por in-
fluência política e a aproximação das
autárquicas não ajudou à pacificação.
João Paulo Rebelo, secretário de Es-
tado da Juventude e Desporto, é um
dos protagonistas da história e é alvo
de uma denúncia ao Ministério Públi-
co, a que a SÁBADO teve acesso, que
junta notícias sobre o governante para
demonstrar a rede de influência que
alegadamente terá montado em Viseu.
Está lá a forma como indicou, como
coordenador Covid da região Centro,
a empresa de um ex-sócio para fazer
testes ao vírus, e a escolha de um mo-
torista de Gueifães com uma condena-
ção por conduzir sob efeito do álcool.
Mas também o ajuste direto (que está
publicado no portal dos contratos pú-
blicos) de uma obra pelo Insti-
tuto Português do Desporto
e Juventude, que tutela,
ao filho do ex-deputado do PS José
Junqueiro, Luís André Junqueiro, no
valor de 16.800 euros.
Uma fonte próxima de João Paulo
Rebelo fala numa “campanha negra”
e recusa a ideia de “negócios em troca
de apoios” políticos em Viseu. Contac-
tado pela SÁBADO, o governante diz
que “não há guerras, não há inimigos”
dentro do PS e que sabe “distinguir o
que é o partido e o que é o Governo”.
Candidato amigo de Rebelo
Foi para José Rui Cruz que Rebelo
perdeu a Federação do PS em Viseu.
Mas antes conseguiu influenciar a es-
colha do candidato autárquico do PS
a Viseu. Há socialistas que asseguram
que Rebelo trocou a possibilidade de
ser ele próprio candidato por um
apoio da concelhia de Mangualde nas
eleições à federação. Em troca, pro-
pôs o ex-presidente da câmara do
concelho, João Azevedo. A imposição
deste nome surge antes de qualquer
decisão no PS a nível nacional sobre
as autárquicas de 2021. Outras fontes
socialistas garantem que foi um estu-
do sobre a notoriedade de potenciais
candidatos a apontar para Azevedo.
Ora, o nome encontrado para dispu-
tar a autarquia liderada pelo politica-
mente fragilizado Almeida Henriques
(PSD e a braços com notícias de sus-
peitas judiciais) está longe de ser con-
sensual. Em maio, ao Jornal do Centro,
o socialista José Junqueiro arrasou a
escolha: disse que ir buscar um candi-
dato a Mangualde era “passar um
atestado de menoridade aos viseen-
ses” e pôs em causa as capacidades
deste seu ex-assessor no Governo.
“Como deputado (...) não se adaptou
às novas funções.”
E João Azevedo é muito próximo de
João Paulo Rebelo, com quem já divi-
diu casa em Lisboa e, apesar de o seu
nome ter sido fechado antes das elei-
ções, num encontro em que o secretá-
rio-geral adjunto do PS, José Luís Car-
neiro, juntou os dois candidatos à fe-
deração, a escolha é vista como con-
sequência da ação de Re-
belo. José Rui Cruz não
quis comentar. W

T T
José Rui Cruz João Paulo Rebelo
É o novo presidente da É próximo do candidato
federação, mas em Viseu do PS a Viseu, que foi
assegura-se que João anunciado antes mesmo
Paulo Rebelo mantém de os órgãos do partido
influência na região se pronunciarem sobre
autárquicas

18
 abanca.pt

EU

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A semana
OBITUÁRIO
Ruth Bader Ginsburg (1933-2020)
Segunda mulher a chegar ao
Supremo Tribunal dos Estados
Unidos e ativista feminista
marcante dos anos 70, Ginsburg
morreu na sexta-feira, dia 18
N
a faculdade de Direito de
Harvard, em 1956, era uma
das nove entre 500. Um pro-
fessor perguntou-lhe: “Como justifi-
ca que uma mulher tome o lugar de
um homem qualificado?” Os ecos
da pergunta iniciática vieram anos
mais tarde quando se graduou pela
Universidade de Columbia. À procu-
ra de trabalho em sociedade de ad-
vogados, as portas tinham afixados
sinais que diziam “Só Homens”. Foi
assim o caminho de Ruth Bader
Ginsburg até ao Supremo Tribunal
dos Estados Unidos, em 1993, como
a segunda mulher nomeada, a pri-
meira pelo Partido Democrata.
O setor da justiça era como a lei
e a sociedade: um gigante fosso
entre os géneros, com os anos 60
feitos de mulheres donas de casa.
Ainda tudo estava por fazer quan-
do Ginsburg se tornou professora
em Columbia, à falta de oportuni-
dades para exercer advocacia.
A luta veio sobretudo com os
movimentos feministas dos anos
70, que a juntaram a Gloria Stei-
nem ou Shirley Chisholm em torno
do direito ao trabalho, à igualdade
salarial ou ao aborto – igualdades
que não eram ditadas pela lei e que
nunca chegaram a alcançar o so-
nho da Emenda dos Direitos Iguais,
uma emenda à Constituição norte-
-americana que as fixaria na lei
basilar. Ainda em fevereiro de
2020, a juíza expressava a vontade
de ver essa causa ressurgir.
É vista como defensora da repre-
sentatividade, sobretudo se lembrar-
mos a sua reação à pergunta: “Quan-
do é que o Supremo Tribunal terá
mulheres suficientes?” — “quando
forem nove [o número total de juí-
zes]”, atirou. Mas a sua vocação foi
20
o impacto da lei na vida das pessoas,
“tornar melhor a vida dos que não
têm a nossa sorte: é isso que eu acho
ser uma vida afortunada”, dizia.
Começou por defender casos de
abuso da liberdade e integridade fí-
sica das mulheres em tribunal, atra-
vés da União Americana pelas Li-
berdades Civis (ACLU), como a este-
rilização de mulheres afro-america-
nas sem consentimento, nos anos
70, mostrando-se combativa por to-
das as classes sociais. Mais recente-
mente, sobre o #MeToo, expressou a
vontade de ver o movimento servir
não só “as estrelas de Hollywood,
mas também a mulher que é em-
pregada de hotel”.
A sua chegada ao Supremo Tribu-
nal é inesperada. Em 1993,
Bill Clinton tinha uma lis-
ta de homens a consi-
derar e, segundo o
próprio, foi Hillary
Clinton que lhe falou
de Ginsburg e
do seu im-
portante tra-
balho na
ACLU. “Le-
vámo-la à
Casa Branca às
escondidas, num do-
mingo à noite, ninguém
sabia. Tivemos a con-
versa de uma vida.”
No discurso que marca
a aceitação deste cargo
vitalício, Ruth Bader Gins-
burg declarou-se como a
prova de que “os tempos es-
tão a mudar”, acrescentan-
do de seguida que “as
mulheres, os diferentes
grupos raciais e mino-
rias étnicas devem
trazer ao direito a sua
visão do mundo”.
O seu dever sobre-
viveu sempre às im-
potências do corpo.
Em 1999 foi opera-
da a um cancro no
LUIS GRAÑENA
24 SETEMBRO 2020
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www.sabado.pt
CATARINA MOURA
PARA A cólon e fez quimioterapia, nunca
GERAÇÃO faltando ao Tribunal. A partir de
MILLENNIAL, 2009 outros tumores cancerígenos
GINSBURG É levaram-na a ser operada e a voltar
NOTORIOUS aos tratamentos, entre outras com-
RBG, UMA plicações de saúde. Abandonar o
HEROÍNA cargo não foi hipótese. A dias de
NACIONAL morrer, por causa de metástases do
E UM ÍCONE cancro no pâncreas, ditou à neta: “O
POP meu mais ardente desejo é não ser
substituída até que um novo Presi-
dente tome posse” – Trump e o Se-
nado estão já a apressar uma no-
meação que pode fazer o Supremo
Tribunal pender definitivamente
para o lado oposto aos ideais pro-
gressistas e igualitários de Ginsburg.
Para millennials e gerações mais
recentes, que crescem na América
mais polarizada das últimas décadas
e onde direitos como o aborto ou a
contraceção não são adquiridos,
Ruth Bader Ginsburg é Noto-
rious RBG (numa declinação do
rapper Notorious B.I.G., assas-
sinado nos anos 90). Tor-
nou-se aos 80 anos um
ícone pop, ao repetir o “I
dissent” (eu discordo) em
consecutivas avaliações
das leis da administração
Trump. Enchia auditórios
como uma estrela pop, é pro-
tagonista de tatuagens e recebia
presentes pelo correio: todas as
semanas, uma gola original,
que usava sobre a
toga, numa ex-
pressão de femi-
nilidade num ter-
reno de homens.
Usava-as muitas
vezes de forma
simbólica: tornou-
-se icónica, como
símbolo de resistên-
cia, a que usava
quando discordava
da maioria dos juízes
do Tribunal. Fez ques-
tão de a usar no dia
seguinte à eleição
de Trump. W
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 A semana

AS FRASES F
Ricardo Araújo Pereira, humorista, SIC
“Porque é que não convido o André
Ventura? A resposta mais fácil é:
porque não quero. Tenho esse direito.
A liberdade é isso”
F F F
António Costa Arturo Pérez-Reverte Paris Hilton
“Isto não é uma corrida de 100 “A pandemia, em vez de gerar “London, se for menina,
metros. É uma longa maratona o mais nobre do ser humano está e estou a descobrir um
e não sabemos quantos a criar o menos nobre, o egoísmo,
quilómetros vai ter esta a não solidariedade” nome para o menino.
maratona” Escritor, Renascença Ando a perguntar aos
Primeiro-ministro, sobre a pandemia,
conferência de imprensa
meus amigos, mas não
quero um tema de
F
F Ursula von der Leyen
cidades”
Socialite, sobre os filhos que vai ter,
Daniel Bessa “Sempre vi em Portugal PodcastOne
“Apoio de Costa a Vieira ofende- um forte aliado pela
-me como contribuinte, como
cidadão e como pessoa causa da Europa” F
Presidente da Comissão Europeia, Público
Economista, Renascença Suzana Garcia
“Vive-se um clima de ansiedade
F e medo na TVI”
F Pinto da Costa Advogada, Nova Gente
Ana Gomes “Caminham para ficar na
“Quero ser a candidata dos história como os carrascos
ciganos, dos africanos, do desporto nacional” F
das pessoas de pele de Presidente do FC Porto, Teresa Guilherme
Jornal de Notícias
qualquer cor, dos gays, “Quantas pessoas com 65 anos
das minorias, quero ser estão contentes a atirar sapatos
a candidata desses F ao ar no meio de um programa
todos” Vera Kolodzig de televisão?!”
Candidata à presidência “Descobri que existe Apresentadora, TVMais
da República, RTP
um cozido à
portuguesa vegano,
F nos Açores, que F
Nazaré da Costa Cabral é maravilhoso” Sérgio Conceição
“Devíamos pensar Atriz, Nova Gente “Dou muita importância ao lado
num imposto espiritual e por isso leio muito
excecional de sobre o tema”
solidariedade para Treinador do FC Porto, Expresso
a pandemia”
Presidente do Conselho
das Finanças Públicas,
Expresso
F
Irina Shayk, modelo, Lux
F “Acreditem em mim, há dias
Christian Drosten
em que acordo e penso:
NEIL MOCKFORD/GETTYIMAGES

“Não nos vamos livrar

das máscaras tão cedo” ‘Meu Deus, não sei o que
Virologista, Deutsche Welle fazer, estou a desmoronar’”
REGIS DUVIGNAU

22
 24 SETEMBRO 2020
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F
Ana de Armas, atriz, Vogue

“Quando
passamos
o ano inteiro
de um lugar
para o outro
sentimos
a falta dos
chinelos e das
calças de fato
de treino”

23
 24 SETEMBRO 2020
A semana www.sabado.pt
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SÓNIA BENTO

INSÓLITO
!
! Os patos “pesticidas”
Homem usa cobra da Tailândia
em vez de máscara Na Tailândia, o segundo maior
Num autocarro em Man- exportador de arroz do mundo,
chester, Inglaterra, um os agricultores ainda usam
homem usou uma cobra uma solução centenária para
enrolada ao pescoço, que manter os arrozais em condi-
lhe tapava o nariz e a ções ideais. Todos os anos,
boca, em vez da máscara. libertam dezenas de milhares
Os outros passageiros fi- de patos nos seus campos para
caram chocados e as au- os limpar de pragas.
toridades foram chama-
das a intervir para corri-
gir a situação. !
Obrigados a casar
com 15 e 12 anos
! 1. Na Indonésia, um rapaz, de
Jeans sujas de relva 15 anos, e uma rapariga, de 12,
por 650 euros foram obrigados a casar-se,
A Gucci está a vender por quebrarem uma regra que
jeans orgânicas por €650 proíbe o namoro depois do pôr
com a ilusão de manchas do sol.
de relva ao redor da área

ISTOCKPHOTO
2. Os adolescentes só namo-
dos joelhos. A marca de ravam há quatro dias, mas
luxo italiana afirma que como ele levou a rapariga a
é uma nova abordagem casa já passava das 19h30, os
entre o vintage e o ! pais dela disseram que eles
contemporâneo.
O prato mais fedorento tinham de se casar.
3. Este bizarro “toque de reco-
Feito de raia, hongeo é considerado o prato mais fedo- lher” para namorados é muito
rento da Coreia do Sul e até do mundo. No entanto, praticado pelo povo Sasak, da
ilha de Lombok.
muitos apreciadores não se cansam do odor a urina
que emana e dizem que a sensação de menta na gar-
ganta é viciante. Mas degustar aquela iguaria tem um !
custo: o mau cheiro tende a permanecer na boca e O paraíso verde tornou-
-se num pesadelo
também na roupa durante algum tempo, por isso os Um condomínio em Cheng-
restaurantes que o servem aconselham os clientes a du, na China, deveria ser um
selar os casacos em sacos de plástico. paraíso para os moradores,
mas dois anos depois da
inauguração tornou-se um
! ! pesadelo, com vegetação ex-
UM TRIBUNAL HOLANDÊS Casamento com tensa e pragas de mosquitos.
CONDENOU UMA EMPRESA convidados de cartão
Em Inglaterra, os casa-
DE BALÕES DE AR QUENTE A mentos têm um limite de
PAGAR 68 MIL EUROS A UM 30 pessoas, o que causou
COLECIONADOR DE PAPA- um problema a um casal
GAIOS, PELA MORTE DE TRÊS que tinha planeado a ceri-
mónia para 100 convida-
AVES. A JUSTIÇA CONSIDEROU QUE dos. Gastaram mais de 2
OS PÁSSAROS MORRERAM DE STRESS mil euros em réplicas de
PROVOCADO PELO LANÇAMENTO DE cartão, em tamanho real,
UM BALÃO, A 50 METROS DA GAIOLA. para simular as presenças.

24
 PRÉMIO GESTÃO
DE EMPRESAS
E NEGÓCIOS
JORNALISMO *
SETEMBRO DE 2020
PRÉMIOS SANTANDER/
UNIVERSIDADE NOVA DE LISBOA
DE EXCELÊNCIA
“O grande assalto ao
banco do Estado” *E Jornalistas, porque
POR ALEXANDRE MALHADO, ANA TABORDA,
BRUNO FARIA LOPES, CARLOS RODRIGUES LIMA
só assim há Jornalismo
E EDUARDO DÂMASO

CTC SENTINEL
COMBATING
TERRORISM CENTER
AT WEST POINT
AGOSTO DE 2020
“Inside the foreign
fighter pipeline to
Syria: a case study of
Portuguese islamic
state network”
POR NUNO
TIAGO PINTO

Estas investigações não 7|2|2019

ganharam prémios ou
fama internacional.
Mas são puro serviço
público. É por si, e para si,
que existimos, caro leitor

24|1|2019 9|5|2019 16|5|2019 7|7|2019 5|9|2019 3|10|2019 30|1|2020 6|2|2020


A semana
INDISCRETO S Foge cão, que
te fazem barão
! mesmo gabinete, Marina Gonçal-
OS GABINETES AO PODER
Cavaco Silva achava que os secre-
tários de Estado eram meros “aju-
dantes de ministro” e resistia a pro-
movê-los. Agora, são os verdadei-
ros ajudantes promovidos a gover-
nantes. Numa só remodelação, o
novo secretário de Estado Adjunto
e das Comunicações, Hugo Men-
des, é o ex-chefe de gabinete do
ministro Pedro Nuno Santos; a an-
tecessora de Mendes na chefia do
! !
Ana Gomes, a
cábula e a múmia
Que algumas perguntas no
programa Isto é gozar com
quem trabalha não pare-
cem surpreender os entre-
vistados já se sabia. Mas
isso pareceu demasiado
óbvio com a entrevista a
Ana Gomes, dia 20. A
candidata presidencial
levava cábulas prepa-
radas e praticamente
leu toda a sua primeira
resposta. Mas, mesmo
preparada, chamou
“múmia paralítica” a
Cavaco Silva. A cam-
panha promete.
26
24 SETEMBRO 2020
www.sabado.pt
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ves, passou a secretária de Estado
da Habitação; na Educação, a chefe
de gabinete do ministro, Inês Ra- !
mires, passou a secretária de Esta-
do; o novo secretário de Estado da Medina e o mui
Saúde, Diogo Serras, foi adjunto da
ministra Mariana Vieira da Silva;
precoce ciclista
Teresa Coelho, nas Pescas, foi vá- A nova campanha da Câmara de
rias vezes adjunta e também chefe Lisboa assegura que “não há re-
de gabinete. A frase de Almeida gresso à escola mais seguro” e
Garrett no título terminava: “Para mostra “João, 12 anos, ciclista em
onde, se me fazem visconde?” Lisboa desde 2010”. É possível
que João pedalasse para a escola
em 2010? Talvez... mas, aos dois
anos, só com rodinhas laterais.
“Mais seguro, mais saudável e
amigo do ambiente”, escreveu o
presidente Fernando Medina.
!
EDP: a nota
zero a Ciências
A EDP também teve agora o seu
momento de contas malfeitas
numa campanha, com o sugesti-
vo slogan: “A geração que quer
um mundo com zero CO2.” Ora, o
CO2 é indispensável à vida: o car-
Gonçalves bono que nos constitui (e aos de-
mais seres vivos) foi captado,
tem novo todo ele, pelas plantas, do CO2
advogado atmosférico. Alguém faltou às au-
las de Ciências. Ou então não
Paulo Gonçalves, o anti- quer expirar CO2? Estando vivo,
go assessor jurídico da não dá – nem para a “geração
SAD do Benfica (que zero”. Seria zero a Ciências?
agora anda a fazer ne-
gócios de jogadores,
como Darwin), mudou
de advogado para li-
dar com as agruras
do caso E-Toupei-
ra. Deixou Pinto de
Abreu e escolheu
Tiago Bastos, o ad-
vogado que não
conseguiu evitar a
prisão de Armando
Vara.
 24 SETEMBRO 2020
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O CARTOON
Por Vasco Gargalo

27
 A semana

ENTREVISTA
Escolher a altura e o QI do seu filho pode estar mais perto do que
pensa. O especialista em tecnologia futurista, e conselheiro da OMS
sobre genética, diz que a seleção de embriões será a nova realidade.
Por Vanda Marques

JAMIE METZL

“O sexo reprodutivo
vai acabar,
será mais seguro
usar a ciência”
ESTHER HORVATH

O
ponto de partida do livro
de Jamie Metzl parece a
sinopse de um filme de
ficção científica: “Temos
todas as ferramentas de que necessi-
tamos para alterar a composição ge-
nética da nossa espécie. A ciência
está pronta. A concretização é inevi-
tável.” O que o conselheiro da Orga-
nização Mundial de Saúde para o
desenvolvimento de normas inter-
nacionais para a manipulação do ge-
noma humano descreve é a possibi-
lidade de sabermos – assim que nas-
cemos – se vamos ter alguma doen-
ça incapacitante; ou até a capacida-
de de escolhermos o embrião mais
saudável e mais inteligente como fi-
lho. Impossível? O norte-americano
de 52 anos garante que não e conta
que para escrever Manipular Darwin
teve de se policiar para não ser
conservador. “Tinha uma voz interna
que me dizia: ‘Isto é uma projeção
maluca.’ Mas tive de me lembrar que
as mudanças radicais não podem
estar baseadas no passado, mas na
velocidade a que a ciência avança.”
Para isso refere que se há 100 anos
éramos pouco mais de 2 mil milhões
de humanos, com 20% destes a
saberem ler, hoje somos quase 8 mil
milhões e 85% letrados. A velocidade
dos avanços científicos é tal que o
Genoma nosso cérebro – que é do tempo em
É o conjunto que vivíamos nas savanas, em África,
da informação e estávamos programados para pro-
genética,
blemas práticos como caçar – tem
codificada no
ADN. Contém dificuldade em acompanhar aquilo a
ainda informação que Metzl chama revolução genética.
hereditária Mas ela já chegou, temos é de perce-
ber os seus limites éticos.
Qual é a importância de
conhecermos o nosso genoma?
F Acredito que dentro de pouco tempo
“A origem mais a maior parte das pessoas vai ter
provável da acesso ao seu genoma sequenciado
Covid-19 é assim que nascer. Essa informação
uma libertação não fará apenas parte do seu relató-
acidental do rio eletrónico de saúde, o que permi-
instituto de tirá que tenha um tratamento de
virologia de saúde individualizado, mas terá in-
Wuhan” formação sobre potenciais riscos.
Por exemplo, se souberes que o teu
filho, logo quando nasce, tem maior
probabilidade de desenvolver diabe-
tes tipo 2, vais focar-te mais na dieta
dele e em que faça exercício físico.
Se souberes que a tua filha tem
maior probabilidade de ter cancro da
mama, vais começar a fazer exames
quando ela tiver 15 ou 20 anos e não
apenas 40. Esta informação permite-
-te agir. Agora, é uma escolha. Tens
pessoas como eu, que tenho todo o
meu genoma sequenciado, outras
que preferem não saber. Para mim é
uma vantagem. Imaginando que sei
que tenho um risco elevado de
demência, se calhar, vou ter mais
cuidado com a minha dieta e vou
fazer mais exercício físico ou então
vou dar especial atenção às investi-
gações sobre o tema. É uma escolha.
No seu livro defende que a
reprodução vai passar a ser feita
pela ciência. Porquê?
Ao longo do tempo mudámos a
forma como fazemos bebés – antes

28

nem pensávamos em cuidados de
alimentação pré-natal, não tínha-
mos bebés em hospitais – por isso
vamos continuar a mudar. O ponto
aqui é que a biologia está cheia de
bugs, ou seja, temos mutações
genéticas um bocado ao calhas. A
maioria delas não nos afeta, algu-
mas até são vantajosas, outras pro-
vocam-nos doenças. Sabemos que
a natureza tem um risco inerente.
Por isso, se ao usarmos as ferra-
mentas tecnológicas disponíveis
pudermos ter um processo de fazer
bebés com um risco inferior ao da
natureza, não o vamos fazer? Va-
mos lá chegar dentro de 20 anos.
Nessa altura, as pessoas vão sentir
que ter bebés através do sexo é um
risco. Podem escolher fazê-lo, por
ideologia ou religião, mas será uma
escolha. Ter crianças por FIV [ferti-
lização in vitro], através da seleção
de embriões, será o mais seguro.
Por isso digo que o sexo reproduti-
vo vai acabar, será mais seguro
usar a ciência.
Temos de estabelecer fronteiras,
se passarmos a poder escolher
não apenas entre embriões
saudáveis e com doenças, mas
optarmos pela altura, personali-
dade, como diz no livro, estamos
a caminhar para a eugenia?
Neste momento compreendemos a
genética simples, ainda não com-
preendemos tão bem a genética
mais complexa, como o impacto
que tem na inteligência ou na per-
sonalidade, mas isso vai mudar. Va-
mos ter a capacidade de fazer apos-
tas cada vez mais seguras que serão
aplicadas no processo de procria-
ção. Por exemplo, hoje, podes per-
ceber se aquele embrião terá uma
malformação perigosa. Mas num
futuro não muito longe, baseado
numa evolução chamada avaliação
poligénica [utilização de algoritmos
complexos para rever o risco de
desenvolvimento de uma doença ou
distúrbio], vamos compreender me-
lhor estas características complexas.
Isso significa que, se és uma mãe a
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g ter um bebe por FIV, vais ter de or-
Com 52 anos, denar os teus embriões. Poderá ser
Jamie Metzl é for-
mado em Direito em primeiro lugar aquele que tem a
e História Asiática, maior probabilidade de ser alto ou
o seu hobby são aquele que tem a maior componen-
as maratonas e
ultramaratonas te de QI. Vamos ter essas escolhas
que podem ser vistas como eugenia.
Podes colocar a questão de outra
forma: uma mãe que opta por não
colocar um embrião que tem uma
mutação genética de uma doença
Livro grave e escolhe outro saudável,
Manipular tecnicamente isso é eugenia. Não
Darwin podemos ter tabus a falar nisto.
Autor
Jamie Metzl Porquê?
Editora Por exemplo, nós sabemos que o
Ed. Desassossego nosso planeta não vai durar para
sempre, a nossa espécie para sobre-
viver terá de sair deste planeta e vi-
ver noutro. Não podemos fazê-lo
com a biologia que temos hoje. Va-
mos ter de fazer mudanças genéti-
cas. Poderá ser por causa de uma
guerra nuclear ou das alterações cli-
máticas, mas vamos mudar de pla-
neta. Repare, os dinossauros eram Q
29

A semana
Q os seres mais adaptados à Terra
no seu tempo. Até deixarem de o ser.
Estamos perante questões éticas
quando falamos de crianças com
síndrome de Down que quase
desapareceram de alguns países?
A síndrome de Down é quase inexis-
tente em alguns países, por exemplo,
no Norte da Europa. Isso levanta
questões importantes, porque nor-
malmente quem tem síndrome de
Down tem uma esperança de vida
mais curta, em média tem mais pro-
blemas cardíacos, mas muitos levam
vidas significativas e contribuem
para a nossa sociedade. A questão
não será se síndrome de Down é OK
ou não, mas se estás a selecionar um
embrião entre 10 para implantar e
sabes que um deles terá síndrome de
Down, deves escolhê-lo? Se o esco-
lheres, o sistema de saúde do teu
país ou o teu seguro, devem pagar
por essa escolha? Falemos de outra
desordem genética que custa milha-
res de dólares e em que garantida-
mente a criança vai morrer. Seria
considerado imoral para os pais es-
colherem esse embrião para implan-
tar versus outro que não teria esses
problemas? É uma pergunta difícil,
mas os pais respondem a isso todos
os dias quando fazem essas escolhas.
Onde se traça a fronteira do eti-
camente correto quando vemos
o que aconteceu na China, ao
nasceram os primeiros bebés
geneticamente modificados?
Neste caso, já o disse publicamente,
He Jiankui é um canalha e um viga-
rista. Ele não foi nada transparente,
não obteve o consentimento infor-
mado dos pais, não seguiu as diretri-
zes básicas da ciência. Estas crianças
não iam nascer com VIH, mas ele
tentou alterar o genoma delas para
lhes dar um potencial marginal au-
mentado de resistência ao VIH. É
sempre um risco mudar o genoma
de alguém. Faria muito mais sentido
correr esse risco se houvesse uma
necessidade médica. Ou seja, fazer
uma intervenção que salvasse a vida
das crianças. A conversa que preci-
samos de ter não é sobre a ciência
existir ou não, mas sobre os valores
que vamos necessitar para guiar a
30
ESTHER HORVATH
g ciência. Só porque uma coisa é pos-
Pertence ao sível, não quer dizer que seja ética ou
Genome Project-
-Write e, em 2019, correta. É que hoje nós temos os po-
foi nomeado para deres dos deuses.
o comité consultivo
da OMS sobre
genoma humano Argumenta que a genética pode
ser usada numa guerra?
O campo de tecnologia sempre foi
pensado num contexto de rivalida-
de. Quando o biofísico He Jiankui
estava a fazer testes de manipulação
em embriões humanos, ele descre-
veu os seus esforços como uma for-
ma de trazer glória para a China.
Quando visitei o laboratório de ge-
nética em Pequim havia bandeiras
chinesas em todo o lado. A China
está a pensar esta tecnologia revolu-
cionária como um elemento central
para ter poder no mundo. Muitos fa-
lam em criar supersoldados. Já se vê
isso entre os militares russos, ao
fazerem o sequenciamento do ge-
noma no recrutamento de soldados
Bill Clinton para fazerem apostas informadas
Metzl trabalhou sobre quem será o mais adequado
com o ex-Presi-
para uma função. Mas penso que a
dente dos EUA
no Conselho de
competição não será entre soldados
Segurança mas entre sociedades.
Nacional, e ainda
no Departamento Fala também de armas genéticas,
de Estado um tema cada vez mais impor-
24 SETEMBRO 2020
www.sabado.pt
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tante, quando ouvimos teorias
da conspiração sobre a Covid-19.
Como separamos as fakes news
das verdadeiras?
Uma questão que surge ligada à
manipulação genética de humanos,
é o campo da biologia sintética, que
está a emergir e que pode transfor-
mar vários aspetos da nossa vida.
As origens da Covid-19 – é a minha
opinião pessoal, apesar de ser difícil
de provar – são um desses exem-
plos. Para mim, o mais provável é
que a origem da Covid-19 seja uma
libertação acidental do instituto de
virologia de Wuhan.
Porquê?
No meu blogue tenho uma secção
inteira a explicar isto, mas dou-lhe a
versão mais simples. Wuhan estava
a estudar os coronavírus em morce-
gos e o mais próximo do SARS-Cov2
é um coronavírus de morcegos que
foi extraído de uma mina na provín-
cia de Yunnan. Em 2012, esse vírus
infetou seis mineiros e três deles
morreram. As hipóteses matemáti-
cas de que um surto tenha ocorrido
naquela cidade [Wuhan], de toda a
China, sendo a única que tem um la-
boratório de virologia de nível 4 que
estava a estudar coronavírus de
morcegos e que o vírus que apare-
ceu seja o mais parecido com o vírus
que sabemos que eles estavam a es-
tudar... As probabilidades de isto ser
outra coisa são muito, muito baixas.
Mas é mais complexo. Falando na
guerra biológica, o ponto básico é
que estamos a perceber que a biolo-
gia é possível de ser compreendida,
de ser refeita e é cada vez mais ma-
nipulável. Isto abre novas possibili-
dades para a nossa espécie. Umas
são muito entusiasmantes, como
a capacidade de curar e prevenir
doenças terríveis, ou de tornar pos-
sível à nossa espécie viver no espa-
ço. Outras são assustadoras. Refiro-
-me à criação de [agentes] patogéni-
cos que nos podem matar a todos. A
diferença é o papel que cada um de
nós pode ter para ajudar a tomar de-
cisões inteligentes e como as socie-
dades se podem organizar e, ainda,
como a comunidade internacional
pode decidir em conjunto a forma
mais correta de agir. W
 21 721 90 50 / cetelem.pt
Dias úteis, das 9h às 20h.

Categoria: Crédito Categoria: Instituições de Crédito Categoria: Instituições

ao Consumo – 2020 Não Bancário – 2020 de Crédito – 2020

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processamento de prestação de 1,50€. TAN desde 7,80%, TAEG desde 9,9% e MTIC desde 8.167,80€. Crédito sujeito a aprovação pelo Cetelem
– marca do BNP Paribas Personal Finance S.A., Sucursal em Portugal.
 Opinião
A LAGARTIXA
E O JACARÉ
Se houvesse uma
calamidade ainda mais
séria, uma pandemia mais
mortal, uma guerra, cuja
resposta e mitigação
exigissem grande disciplina
social ia ser bonito, neste
mundo que estamos a
construir, cada vez mais
infantilizado
O pelos centros comerciais. É pelos vis-
Professor
José Pacheco Pereira
32
O cumprimento das regras sanitárias, a
Necessidade,
aceita-se,
“cansaço”
não
A esmagadora maioria dos portugue-
ses precisa de trabalhar para ter pão
para a sua boca e a dos seus. Os tra-
balhadores são muitas vezes coloca-
dos em condições laborais péssimas
para o controlo da pandemia, ou por-
que não sabem e não podem fazer
diferente, ou porque a entidade pa-
tronal é desleixada com a saúde dos
seus trabalhadores, precisa apenas
que eles trabalhem. Sabemos isto, e
nunca devemos minimizar o básico
princípio de necessidade que afecta
em primeiro lugar quem mais precisa
e, por isso, não cumpre as regras da
boa conduta sanitária.
Mas os estudos epidemiológicos da
actual vaga de infecções vão muito
além destas circunstâncias e mos-
tram duas causas já mais inaceitáveis:
o desprezo dos jovens pelas regras de
segurança sanitária e uma coisa a
que chamam o “cansaço” dessas
mesmas regras, ou seja, as pessoas
estão fartas da disciplina que se exige
nestes tempos de crise. E isso remete
para perversões da sociedade em
que vivemos. W
O mum, são desavergonhados e honra
Um mundo
infantilizado
Nas sociedades que construímos en-
tre os reality shows e as redes sociais,
entre a ignorância agressiva e a pre-
guiça do pensar generalizados, as
pessoas “cansam-se” muito depres-
sa. Não é do trabalho físico, é de não
saberem o que hão-de fazer quando
não há espetáculos, nem festas, nem
jogos de futebol, não podem estar em
grupos a beber copos, nem a vaguear
tos este “cansaço da pandemia” que
explica o descuido generalizado no
maioria das quais são objectivamen-
te muito fáceis de cumprir. Se hou-
vesse uma calamidade ainda mais
séria, uma pandemia mais mortal,
uma guerra, cuja resposta e mitiga-
ção exigissem grande disciplina so-
cial ia ser bonito, neste mundo que
estamos a construir, cada vez mais
infantilizado. W
O
A doação
da honra
Poucos dias depois de o primeiro-mi-
nistro, acompanhado por várias altas
sumidades do Estado e dos partidos,
do PS e do PSD, ter doado a sua honra
a um homem que há muito não a me-
receria, esse homem atirou-lhes fora
com a honra, entrando em grande
num processo judicial que abrange
dezenas de crimes e personalidades
pouco recomendáveis. É verdade que
todos são inocentes até sentença pas-
sada em julgado, mas cada cidadão
pode fazer o seu julgamento, não da
legalidade, mas dos comportamentos
cívicos, éticos, socialmente inaceitá-
veis que são a marca de água do fute-
bol. Em particular dos grande clubes
em que todos os dirigentes desporti-
vos e a fauna que vive à sua volta, pa-
recem tirados a papel químico, sejam
do Benfica, ou do Porto, ou do Spor-
ting. Uma coisa têm também em co-
não sabem o que é. W
SUSANA VILLAR
 24 SETEMBRO 2020
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O canos que bloquearam a escolha de

A democracia Obama com o argumento de que se

estava em ano eleitoral, e agora vão a

nos EUA correr à voz do dono para, a semanas

de eleições, forçarem uma nova es-

debaixo colha que dá uma sólida maioria aos

sectores mais reaccionários da ma-

de uma gistratura americana. Justiça seja fei-

ta, ou melhor, injustiça seja feita, que

tempestade Trump não precisa de ser hipócrita

para acelerar que nem uma bala para

perfeita preencher a vaga do Supremo Tribu-

A morte de Ruth Bader Ginsburg,
mais proeminente juíza liberal do Su-
premo Tribunal americano, ofereceu
o espectáculo deprimente das voltas
e reviravoltas dos senadores republi-
nal, como se a lei da morte fosse uma
sua vitória. Ninguém tinha dúvidas
de que era o que ele ia fazer, e tam-
bém não tenho dúvidas de que se
Trump rezasse, teria feito todas as
orações a todos os deuses, a Cristo, a
Alá, a Buda, a Manitu, seja a quem for
para que Ruth Bader Ginsburg mor-
resse ainda durante o seu mandato.
E muito provavelmente fez e algum
destes deuses resolveu vingar-se dos
homens (e não só dos americanos)
concedendo-lhe o presente do lugar
vago no tribunal.
Aliás, Trump nem sequer escondeu
esse desejo preparando as listas de
candidatos a substitui-la ainda estava
viva. Se Biden, que é um candidato
fraco, não ganha as eleições a Trump,
nada o controla no segundo mandato
e as práticas autocráticas que já estão
em curso, deixarão de ter qualquer
controlo judicial e os EUA conhece-
rão um período inédito de ditadura
pessoal e de partido, num clima de
guerra civil. Recorde-se que o siste-
ma eleitoral americano permite que
Trump perca por quase cinco mi-
lhões de votos (em 2016 perdeu por
três) e mesmo assim seja eleito Pre-
sidente. W

Texto escrito segundo

o anterior acordo ortográfico

33
MAIS DE 200 PRÉMIOS

Qualidade
dos vinhos da Casa
Ermelinda Freitas
premiada cá e lá fora
Em ano de confinamento, a empresa conseguiu alcançar quase 200 prémios
em concursos nacionais e internacionais de vinho, que atestam a qualidade
dos produtos que põe no mercado

A
Casa Ermelinda
Freitas foi premia-
da com 15 Meda-
lhas no Concurso
Mundial de Bruxe-
las (CMB) 2020,
que se realizou no
início de setembro
em Brno, na República Checa. Entre
elas destaque para a Grande Medalha
de Ouro obtida pelo RockSand Shiraz
2018, distinção alcançada por menos
de 1% dos vinhos a concurso.
O CMB é uma competição interna-
cional que se realiza há mais de 20
anos, em que participaram vinhos de
todo o mundo. Este ano foram avalia-
dos por um júri constituído por 320
especialistas de 50 países, que pro- A Casa
vou, durante três dias, 8500 amostras Ermelinda
de 46 países produtores. Freitas
A Casa Ermelinda Freitas já obteve cional 2018 e Valoroso Chardonnay
187 medalhas em concursos nacio- foi eleita 2018, na competição realizada duran-
nais e internacionais em 2020. Desta- Produtor te a feira ProdExpo 2020, que decorre
que para o prémio de Best Of Show Europeu anualmente na Rússia. No XX Con-
Península de Setúbal, atribuído ao vi- 2020 curso de Vinhos da Península de Se-
nho Vinha do Fava Touriga Nacional no túbal, o Casa Ermelinda Freitas Mos-
2018 no concurso Mundus Vini 2020 catel Superior de Setúbal Roxo 2010
– Edição verão, no qual a empresa al- Sommelier recebeu as distinções de O Me-
cançou nove medalhas de ouro e duas Wine
de prata. Também para as três Pro- Awards,
dExpo Star alcançadas pelas referên- em O RockSand Shiraz 2018
cias Vinha da Valentina Reserva Inglaterra.
Signature, Vinha do Fava Touriga Na- A marca foi criada pela
empresa apenas para ser co-
mercializada no mercado exter-
no, “no qual se tem vindo a im-
plementar com grande suces-
so”, salienta Jaime Quendera, o
enólogo da casa. “Provém de
uvas muito maduras e é
um vinho fino, cheio e
elegante, com um estilo
internacional como os
grandes vinhos do
chamado Novo Mun-
do”, acrescenta. A sua
qualidade foi premia-
da recentemente com
uma Grande Medalha
de Ouro no Concurso
g Vista da adega, com a vinha à volta, o que facilita Mundial de Bruxelas
o transporte das uvas na altura da vindima deste ano.
 j UMA CASA GERIDA POR MULHERES DESDE A SUA FUNDAÇÃO

Empresa faz
Leonor Freitas,
proprietária
e gestora
da Casa
Ermelinda Freitas
100 anos em 2020

“
Fundada por Leonilde Assunção, em 1920, esta empresa familiar
“
Gosto de ser
a Senhora
tornou-se, pelas mãos de Leonor Freitas, numa das maiores empresas
vitivinícolas da Península de Setúbal em pouco mais de 20 anos

A
do Castelão
Casa Ermelinda Frei- levar o negócio para a frente sozinha.
tas faz 100 anos. “É, por isso, que estou aqui e existe,
Empresa familiar cu- hoje, a Casa Ermelinda Freitas”, explica

“
jos destinos têm a empresária.
sido comandados
essencialmente por Dos 60 aos 550 hectares de vinha
Em 550 mulheres, é gerida No início eram apenas três pessoas,
Victor Machado e Forbes Portugal

hectares por Leonor Freitas, incluindo Leonor Freitas, numa casa

de vinha coadjuvada por Joana Freitas, a sua fi-
“
produzimos
mais
de 21 milhões
de litros
de vinho.
lha. Trata-se da quarta geração de mu-
lheres à frente dos destinos da empresa
agrícola fundada por Leonilde Assun-
ção em 1920, na freguesia de Fernão
Pó, concelho de Palmela. A gestão fe-
lhor Vinho e de O Melhor Vinho Ge- minina manteve-se pelas mãos de Ger-
neroso. O Dona Ermelinda Branco Re- mana Freitas, a avó da presente pro-
serva 2018 foi considerado O Melhor prietária, e depois pela mãe, Ermelinda,
Vinho Branco. que deu o nome atual à empresa. E
sente-se na forma afetiva como Leonor
Melhor produtor europeu 2020 trata de tudo o que faz.
No início deste ano, a empresa já A proprietária e gestora da Casa Erme-
tinha sido eleita Produtor Europeu linda Freitas é da terra. Nasceu e cresceu
2020 no Sommelier Wine Awards, em Fernão Pó, onde fez a escola primá-
em Inglaterra, pelo segundo ano ria. Completou o resto dos estudos em
consecutivo. “É a primeira vez que colégios internos, pois os pais queriam
esta distinção é atribuída duas ve- que ela tivesse uma vida melhor, fora
zes consecutivas a um produtor de vi- do mundo rural. Só vinha
nhos tranquilos português”, revela, a casa aos fins de semana
com orgulho, Leonor Freitas, presi- e nas férias.
dente da empresa. Tirou mais tarde o cur-
A competição premeia os melhores so de Serviço Social no
vinhos disponíveis nos restaurantes, Instituto Superior de Ser-
bares e hotéis do Reino Unido, sele- viço Social, no Largo do
cionados por um júri de 150 escan- Mitelo, em Lisboa e tra-
ções. No evento, a Casa Ermelinda balhou durante mais de
Freitas conquistou 12 medalhas, en- 20 anos no Ministério da
tre as quais quatro de ouro, seis de Saúde, onde se dedicou
prata e duas de bronze. A grande no- em particular a áreas
vidade foi o ouro alcançado pelo vi- como a da prevenção
nho Campos do Minho, do mais re- contra o alcoolismo e das
cente projeto da empresa, a Quinta do toxicodependências. Não
Minho, na Região dos Vinhos Verdes. pensava voltar de novo ao
“Esta distinção recompensa o empe- mundo rural mas, no fi-
nho de toda a equipa e mostra, mais g Leonor e Joana Freitas, a quarta
nal da década de 90, o pai
uma vez, que estamos no caminho e a quinta gerações de mulheres faleceu de repente e a mãe
certo”, diz Leonor Freitas. P à frente dos destinos da empresa não tinha condições para
agrícola com 60 hectares de vinha.
“A maior parte estava plantada com
a casta tinta tradicional da região, a Cas-
telão. Além disso havia um pouco de
cepas brancas Fernão Pires, que apenas
representavam 5% do total”, recorda.
Naquela altura a adega era, como mui-
tas outras em Portugal, tradicional e es-
truturada essencialmente para a vinifi-
cação de tintos.
Apesar de não se sentir preparada
para se envolver no projeto, abraçou-o
“muito motivada”. Acumulou pruden-
temente a gestão da empresa com o seu
trabalho no Estado, e continuou a ven-
der vinhos a granel, tal como o tinham
feito os seus antecessores.
Estimulada pela sua capacidade inata
de empreender, começou por alargar o
seu património vitícola. As primeiras
aquisições foram feitas por motivos afe-
tivos, a parentes. “Assim fui juntando,
de novo, a herança partilhada da minha
avó”, explica Leonor Freitas. Mas de-
pois passou a adquirir mais vinhas por-
que precisava, para assegurar a produ-
ção e a resposta às solicitações do mer-
cado, que foram crescendo.
A maior parte do património vitícola
atual da Casa Ermelinda Freitas, de 550
hectares, fica próximo da adega de Fer-
nando Pó. Nela são produzidos, hoje,
mais de 21 milhões de litros de vinho.
E as duas castas iniciais passaram a ser
31, apesar de o Castelão ainda se man-
ter como principal variedade da empre-
sa. “Gosto de ser a Senhora do Caste-
lão”, explica Leonor Freitas. P
 Destaque

DINA
REPORTAGEM. NOS BASTIDORES DA CONVENÇÃO DA EXTREMA-DIREITA

A HISTÓRIA
DA MULHER
QUE VIVE
NA SOMBRA
DE VENTURA...
36
 24 SETEMBRO 2020
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Eleições autárquicas em Loures

37
 Destaque

Férias no México em 2018

Jantar do partido em 2020

...e que está presente na vida do Chega

como se integrasse a direção.
A fisioterapeuta é discreta, quase
submissa, mas uma católica
ultraconservadora. Na convenção
do partido, que marcou a entrada
do Opus Dei na direção do Chega,
voltou a estar ao lado do político
mais polémico do País.
Por Alexandre R. Malhado
Campanha das Europeias de 2019

Com os pais e o irmão em 2016

Com a coelha Acácia em 2019

38
38
 24 SETEMBRO 2020
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Antes de votar nas Autárquicas de 2017

Comício no Porto em janeiro de 2020

Num jogo do Benfica em 2017

Quando se casaram, em 2016

Direção do Basta em 2019

Campanha das Legislativas de 2019

39
 Destaque

O
s delegados ao g
congresso do Che- ugue, id tempus
dolor. Etiam orci
ga e os dirigentes magna, euismod
do partido estavam eget tempus sed,
incrédulos. Eram congue id mau-
ris. Nunc gravida
quase 14h do pas- sem
sado domingo e a
lista à direção nacional apresentada
por André Ventura tinha acabado de
ser chumbada por 193 dos 278 dele-
gados presentes na Quinta Nova do
Degebe, em Évora. Nessa altura,
poucos repararam na mulher esguia
de vestido cor-de-rosa, que se le-
vantou da mesa da direção, onde
se sentava ao lado de André Ventu-
ra, e atravessou o recinto para se
dirigir a Rita Matias, um dos novos
nomes indicados para a direção e
filha de Manuel Matias, presidente
do Partido Pró-Vida, que se fundiu
com o Chega. Tratava-se de Dina
Nunes Ventura, mulher do deputa-
do único do Chega e uma das figu-
ras mais presentes na vida do parti-
do desde a sua fundação – apesar
de não desempenhar nele qualquer
papel oficial.
Naquele momento de grande ten-
1
são, Dina Nunes Ventura terá de-
sempenhado um papel que lhe é re-
conhecido por várias figuras do par- anos. E se a Dina Ventura não são paróquia desempenhou um lugar
tido. O de “figura maternal” e “dócil” Morte conhecidas considerações políticas importante na vida do líder do Che-
que, apesar de se interessar e intervir 44% do partido no interior do Chega, os militantes ga: foi na residência de São Nicolau
na vida política do marido, assume a votou interna- reconhecem-lhe funções como se que André Ventura ficou alojado de-
tarefa vista como fundamental de mente a favor dos órgãos sociais fizesse parte. Al- pois de abandonar o presidiário no
apaziguar ânimos e estabelecer pon- da pena capital guém que se faz presente na vida do Externato de Penafirme, em A dos
tes. “Ela quis felicitar a Rita e dar para crimes partido desde a fundação. “[Ela tem] Cunhados, Torres Vedras, por se ter
uma palavra de apoio” numa altura muito graves. a responsabilidade de ser a âncora apaixonado por uma rapariga. Foi aí
difícil, conta à SÁBADO o delegado É mais uma do líder”, diz a atriz Maria Vieira à que morou enquanto tirava Direito
Luís Montenegro, que presenciou a divisão no SÁBADO, que a foi abraçar mal a na Universidade Nova de Lisboa,
conversa. A jovem havia conquista- partido viu no recinto. “Disse-lhe para ter curso que terminou com 19 valores,
do a direção na véspera com uma coragem porque, de todos nós, é ela em 2005.
moção ao congresso onde fazia uma que tem que ter o nosso maior Os dois conheceram-se depois de
apologia a uma “IV República, as- apoio. É a ela que o André se vai en- André Ventura sair da faculdade.
sente nos valores da família, da vida costar nas mágoas”, acrescentou a Dina Nunes Ventura partilha com
e da dignidade humana” – e agora, mandatária presidencial. E aquela ele a fé católica. E nunca o escon-
estava a ver a nomeação boicotada era uma noite de mágoa. deu: na noite das últimas eleições
pelo seu próprio partido. legislativas rezou ao lado do marido
Nessa noite, André Ventura deixou “ELA TEM DE Insultos no trabalho na igreja onde se casaram, em fren-
o congresso numa posição imprevis- TER O NOS- Dina Nunes e André Ventura – que te às câmaras – onde tem apareci-
ta. No início de setembro tinha sido SO APOIO. É não quiseram responder às questões do recorrentemente no último ano,
reeleito para a liderança do Chega A ELA QUE O da SÁBADO sobre a influência da embora passando relativamente
com 99,1% dos votos. E menos de ANDRÉ SE mulher na vida política do deputado despercebida.
um mês depois não tinha consegui- VAI ENCOS- único – casaram-se a 18 de junho de Todavia, a vida do casal começou a
do reunir os dois terços dos delega- TAR NAS 2016, numa cerimónia católica pre- mudar desde que André Ventura se
dos necessários para eleger a direção MÁGOAS”, sidida pelo padre Mário Rui, na igreja candidatou à Câmara Municipal de
que ele próprio escolhera para con- DIZ MARIA de São Nicolau, em Lisboa. O local Loures pelo PSD. Foi nessa campa-
duzir o partido para os próximos três VIEIRA não foi escolhido ao acaso. Aquela nha que o agora deputado lançou

40

uma série de ataques à comunidade
cigana, dizendo que os ciganos “em
termos de composição de rendimen-
to vivem quase exclusivamente de
subsídios do Estado” – algo que não
se reflete nos números dos estudos
publicados sobre a matéria. Evoluiu
depois para posições ainda mais ex-
tremistas: a prisão perpétua para ho-
micidas e violadores, um plano de
2 quando podia. “Sempre que ela ia
24 SETEMBRO 2020
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1
Ventura prome-
teu lutar por Sem máscaras
Portugal “até à A convenção do Chega não
última gota de
sangue” no cumpriu as regras da DGS
encerramento da
convenção O caso 400 pessoas juntas
sem distanciamento social.
2 Algumas só no domingo usa-
O académico ram máscara no interior.
Riccardo Marchi
presente na con-
venção. Almoçou A queixa A GNR identificou mi-
com Nélson Dias litantes do Chega sem máscara.
da Silva, vice-pre-
sidente da Mesa Ficaram presentes até ao fim.
da Convenção e
conhecido da
extrema-direita.
A defesa Elemento da direção
do Chega disse ao Observador
que o partido tem “menos pes-
soas aqui do que no Avante!.
Fico sempre preocupado quan-
do há possibilidade de alguém fi-
car doente”, acrescentou.
FOTOS: JOÃO MIGUEL RODRIGUES
NA NOITE política do marido e, sobretudo, das
DAS ELEI- suas afirmações muito próximas da
ÇÕES LEGIS- extrema-direita. “A última vez que
LATIVAS aconteceu foi já há algum tempo,
DINA REZOU, penso que ultimamente não tem ha-
EM FRENTE vido. As pessoas naturalmente reco-
ÀS CÂMARAS, nhecem-na, sabem quem ela é e res-
confinamento para a população ci- AO LADO DO peitam a liberdade dela. Mas acredito
gana e, mais recentemente, a inclu- MARIDO NA que depois, fora do trabalho, haja
são da castração física e química de IGREJA ONDE outro tipo de mal-estar ou ameaças”,
pedófilos na revisão constitucional, SE CASARAM diz à SÁBADO Sandra Matias, a ami-
por exemplo. ga de Dina e mulher do líder do Par-
Fisioterapeuta de crianças num tido Pró-Vida, Manuel Matias.
hospital de Lisboa há mais de 10 Com a criação do Chega e o ritmo
anos, Dina Ventura começou a pas- frenético de digressões do deputa-
sar por situações complicadas, como do único pelo País, Dina Ventura
ameaças verbais, por causa da vida acabou por adaptar a sua rotina de
forma a acompanhar o marido
a Setúbal a jantares do partido falá-
vamos de tudo um pouco. De saú-
de, porque ambas trabalhamos na
mesma área, mas também de como
ela gere as emoções pela ausência
Sá Carneiro do André, que tem de percorrer o
Em Évora, o País principalmente em campa-
presidente do nha”, frisa Carina Deus, tesoureira
Chega voltou a da distrital de Setúbal e a militante
colar-se à figura número 29 do Chega. “A política,
do fundador do deixa-a para o marido, ela é mais
PPD/PSD. “Ele de socializar com as pessoas.”
acreditava em Dina Ventura nem sempre conse-
muitas das gue acompanhar o marido nessas di-
coisas que gressões. Mas quando pode, está lá.
eu digo” Mesmo em ocasiões privadas, de Q
41
 Destaque

Q negociações nos bastidores. Esteve
bastante ativa nas eleições euro-
peias: marcou presença na Herdade
da Torre em Arronches, quando o lí-
der do Partido Popular Monárquico,
Gonçalo da Câmara Pereira, acordou
com André Ventura a coligação Bas-
ta. No fim da campanha das euro-
peias, chegou a fazer uma publica-
ção política no Facebook: “E assim
encerrámos ontem mais uma cam-
panha. Uma campanha intensa,
exaustiva e na qual houve dias que
apenas nos cruzávamos um com o
outro. Mas espero (e acredito!) que
cada minuto que dedicámos a esta
campanha, não foi em vão.”
Fonte da direção do Chega explica
à SÁBADO que a presença de Dina
Ventura nos eventos partidários não
é um acaso. “É normal o André que-
rer ter a mulher ao seu lado, sendo a
família uma das bandeiras mais im-
portantes do partido. É uma das
componentes católicas conservado-
ras que o André quer reforçar”, afir-
ma. E Dina Nunes Ventura não pare-
ce importar-se: é católica e solidária
com as ideias do marido.
Já na convenção de Évora esteve
sempre acompanhada por um segu-
rança e pelo irmão, Miguel Nunes,
que foi um dos delegados do Chega.
Isto quando não estava sentada com
o marido na mesa da convenção,
enquanto se contavam nervosamen-
te os votos que determinariam se a
direção tinha sido aprovada ou não.
DINA ESTEVE Aprendiz de arquiteto”, escreveu o
NA REUNIÃO ex-deputado dirigindo-se a Ferreira.
EM QUE À SÁBADO, a PSP e a GNR locais fri-
ANDRÉ sam que não souberam de nada,
VENTURA mas o militante do Chega Loulé diz
ACORDOU que vai apresentar queixa.
COM O PPM O que se seguiu no sábado e no
A COLIGA- domingo mostrou um aparelho par-
ÇÃO BASTA tidário fora do controlo do líder –
apesar da reeleição com 99,1% dos
votos –, com divisões estruturais
espelhadas nas várias moções
apresentadas ao congresso e nos
jogos de bastidores das listas derro-
tadas da direção.
Ao todo, foram apresentadas 34
moções, algumas de censura ou des-
confiança para com o Conselho Na-
cional de Jurisdição, órgão discipli-
nar e fiscalizador do partido, por ina-
ção. O autor de uma das moções foi
Rui Rocha, candidato derrotado na
distrital do Porto, que impugnou as
eleições por alegada fraude eleitoral
no dia 10 de julho e que ainda hoje
não teve resposta às suas queixas.
“Neste partido não há critérios uni-
formes na aplicação de sanções”,
queixa-se o autor da Moção U. A dis-
trital do Porto foi conquistada por Jo-
sé Lourenço, cujas ligações aos Su-
per Dragões já são conhecidas: além
de ter arregimentado a equipa de
boxe do FC Porto para fazer a caixa
de segurança de André Ventura no
Mercado Ferreira Borges, no Porto,
José Lourenço tem inúmeros registos
nas redes sociais de almoços com o
líder da claque dos Super Dragões,
Fernando Madureira, e Caesar De-
Paço, cônsul honorário de Portugal
na Flórida e patrocinador oficial do
FC Porto. Recentemente, tornou-se
presidente executivo da SAD do Ca-
nelas 2010, clube do qual Fernando
Madureira comprou 39% das ações.
Ventura também perdeu o controlo
ideológico das moções apresentadas.

Pancadaria e protesto
Na manhã de domingo, a lista apre-
sentada por André Ventura foi
chumbada pela segunda vez. Mas se
na altura das votações a tensão foi
evidente, ainda antes de o congresso
começar alguns delegados chegaram
a vias de facto na zona das acredita-
ções. À SÁBADO, o arquiteto João
Carvalho Ferreira, do Chega Loulé,
diz que foi agredido pelo ex-deputa-
do do CDS (agora próximo do Che-
ga), Arlindo Fernandes, pelas 17h30
de sexta-feira. “Ao chegar-se ao pé
de mim e de outros delegados co-
meçou a chamar-me nomes e a dar-
-me murros no peito e pescoço”, ex-
plicou. Os dois já se tinham pegado
nas redes sociais: “Qual é a tua mo- 1
ral? Porco sabujo. Alcoviteiro.

42

2 ga comentavam a presença de Car-
Na Moção Estratégica Global para
Portugal, Rui Roque (ex-conselheiro Os problemas
nacional do PNR e antigo membro
da Frente Nacional de Mário Macha-
no Chega
do), um dos elementos da extrema- Esquemas, fascistas e muitas,
-direita nacional que encontrou um muitas guerras
lugar no Chega, apresentou uma
proposta para retirar os ovários a Assinaturas falsas
mulheres que abortem “por razões A fundação do Chega
que não sejam de perigo imediato Corre no DIAP de Lisboa um
para a sua saúde”. Propôs ainda o processo por milhares de assi-
naturas falsas entregues ao TC.
Infiltração fascista
Dirigentes e militantes
Há ex-membros da Nova
Ordem Social, extinto grupo
neonazi de Mário Machado.
Guerras distritais
Luta pelo protagonismo
Os líderes distritais boicotaram
a lista da direção do Chega.
restabelecimento do “serviço militar
obrigatório já, para mulheres e ho-
mens, com um período de incorpo-
ração mínimo de seis meses”. Já Jor-
ge Rodrigues de Jesus apresentou
uma moção para a “ilegalização dos
partidos de inspiração marxista (por
exemplo, PCP ou BE)”, enquanto
Durval Cardoso Padrão propôs a
criação de “uma lista nacional de ar-
rendatários” e que o “despejo por
falta de pagamento deve ser rápido
(entre 15 e 30 dias)”.
Nos bastidores, de acordo com as
FOTOS: JOÃO MIGUEL RODRIGUES
informações recolhidas pela SÁBA-
DO, várias distritais mobilizaram o
voto contra a lista apresentada por
Ventura. Entre elas estavam as dele-
gações de Porto, Santarém e Portale-
gre, cada uma por razões diferentes.
24 SETEMBRO 2020
www.sabado.pt
www.sabado.pt
Fonte da direção do Chega diz que
foi criada “uma aliança improvável
de vários presidentes de distritais,
cada um com a sua exigência”. O ob-
jetivo seria obrigar André Ventura a
ceder às suas pretensões – o que
não terá acontecido.
Fascista que ficou por expulsar
Na Quinta Nova do Degebe, em Évo-
ra, os militantes mais jovens do Che-
los Tasanis. Ex-membro do núcleo
1 de Évora do movimento neonazi
André Ventura
chegou à conven-
Nova Ordem Social (NOS), de Mário
Machado, Tasanis fora expulso pela
ção de mão dada
com a mulher direção do Chega por ligações a gru-
pos fascistas e racistas. Já no Twitter,
2 escrevia: “Os portugueses são bran-
Cinha Jardim é cos e europeus”, “Salazar era um
uma das novas
apoiantes do bom homem” e “o melhor estadista
líder do Chega de sempre!” Por que motivo Tasanis
continua como militante (e delegado,
com opção de votar moções)? A ra-
zão reside na lentidão do Conselho
de Jurisdição, tão atacado em con-
gresso: “Tasanis tem um processo
disciplinar suscitado pela direção,
ainda não está terminado. Por isso
continua a ser militante.”
Outro ex-militante foi visto no re-
cinto: Gerardo Pedro, ex-diretor de
conteúdos e ex-dirigente nacional
do Chega, que se demitira do partido
há quatro meses após a revista Visão
ter revelado que geria mais de 20 mil
perfis falsos nas redes sociais, foi
avistado pela SÁBADO na conven-
ção. “É o Gerardo? O que faz por
aqui?”, perguntou a SÁBADO. Gerar-
do Pedro negou ser quem é: “Não
sou o Gerardo, não, não.” Contudo,
foi desmascarado por alguém nas
redondezas que o chamou pelo
nome. “Vim só trazer a minha mu-
lher”, acabou por justificar. À SÁBA-
DO, Ventura garante que o ex-diri-
gente não voltou ao partido e já não
tem nenhum cargo político: “Ele es-
tava a auxiliar a parte técnica, já não
NO faz parte das estruturas do partido”,
CONGRESSO justifica o líder.
ESTEVE UM
EX-MEMBRO Opus Dei na direção
DO MOVI- O líder do partido chegou a acenar
MENTO com uma nova demissão do cargo,
NEONAZI para choro e pânico de muitos dos
NOVA OR- militantes presentes. Apresentou pela
DEM SOCIAL terceira vez a sua lista a votação e Q
43

Destaque
1
Q no fim de domingo ela foi aprova-
da com 247 votos favoráveis e 26
contra, num universo de 273 votan-
tes. A nova direção tornou-se então
mais académica e cristã, em compa-
ração com a anterior. O professor
universitário e investigador Gabriel
Mithá Ribeiro, com posições públicas
contra o que chama “vigarice antir-
racista”, e o diplomata reformado
António Tânger Correia são os dois
novos vice-presidentes do Chega.
O ex-diplomata, com uma carreira
de mais de 40 anos e passagens por
Pequim, Doha, Cairo, Belgrado, Sa-
rajevo e Telavive, foi adjunto de
Freitas do Amaral durante o governo
de Sá Carneiro. No currículo tem
uma mancha: em março de 2009, o
então ministro dos Negócios Estran-
geiros, Luís Amado, suspendeu-o
durante 90 dias devido a várias irre-
gularidades encontradas na gestão
da embaixada em Vilnius. De acordo
com o relatório final do processo
disciplinar, instaurado pela Inspe-
ção-Geral Diplomática e Consular
(IGAC) – divulgado pela SÁBADO
em 2012 – Tânger Correia não co-
municou nem devolveu às Necessi-
dades os reembolsos de IVA pagos
na aquisição de serviços localmente,
e que constituem uma receita do Es-
tado, e usou esse dinheiro para ad-
quirir bens e serviços sem autoriza-
ção, como 34.826,50 euros para
comprar tapetes, armários de cozi-
nha e até passagens aéreas, por
exemplo. Na mesma altura enganou
os serviços centrais do MNE ao in-
44
2
1 formar que o condomínio da resi-
André Ventura dência custaria €2.550 e o da chan-
ameaçou demi-
tir-se antes de celaria €1.950 – “por estimativa ba-
ver a sua lista seada no encargo da embaixada de
aprovada à ter- Espanha”. Com base nesses valores,
ceira tentativa
o MNE enviou anualmente ao em-
2 baixador €54.060 euros para despe-
A atriz sas de condomínio. No entanto, a
Maria Vieira,
mandatária IGAC concluiu que só foram pagos
presidencial de aos senhorios €7.492,43 anuais e
André Ventura, que €41.181,42 terão sido usados
não faltou ao
congresso para “pagamentos de segurança,
manutenção de jardins, limpezas e
outros”. Na época, Tânger Correia
justificou a sua atuação com “a ne-
cessidade de assegurar o bom fun-
cionamento do posto”.
Para novos vogais foi escolhido o
UM DOS NO- médico-veterinário Pedro Frazão,
VOS VOGAIS um supranumerário do Opus Dei. O
DA DIREÇÃO novo dirigente do Chega, que tem
DO CHEGA, “assessorado o gabinete parlamentar
PEDRO nos últimos meses em questões de
FRAZÃO, agricultura e pescas”, confirmou à
É SUPRANU- SÁBADO pertencer à prelatura: “An-
MERÁRIO DO dré Ventura sabe que sou membro
OPUS DEI Opus Dei e referi que faz parte de
24 SETEMBRO 2020
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FOTOS: JOÃO MIGUEL RODRIGUES
uma vertente da minha esfera pes-
soal e privada. Não faço gala disso.
Faz parte da minha pessoa mas não
é algo que uso como alavanca. Foi a
obra que sempre me deu formação
espiritual, desde que comecei a ir es-
tudar a uma residência da obra,
aproximando-me do padre Gonçalo
Portuário.” À SÁBADO, o Opus Dei
garante que a presença de membros
da prelatura na direção do Chega
não a incomoda: “As pessoas do
Opus Dei têm total liberdade de
atuação política”, garante o porta-
-voz Pedro Gil.
No discurso de vitória, Ventura pas-
sou uma mensagem interna, dizendo
que recusou ceder “àqueles que pen-
savam que seríamos um partido
como os outros, em que com jogadas
dos bastidores se define o poder in-
terno”. À SÁBADO, o líder do Chega
diz: “o que aconteceu ali foi uma ten-
tativa de me fazer ceder e de orientar
escolhas em função de estruturas in-
ternas”. “Não aceito isso depois de
ser eleito por mais de 99%.”
No fim, quando a nova direção do
Chega subiu ao palanque para entoar
o hino nacional, Dina Ventura jun-
tou-se ao grupo e posicionou-se ao
lado de André Ventura. Em seguida,
beijou-o. “É a mulher do André Ven-
tura!”, gritaram os militantes. De
acordo com Sandra Matias, uma das
suas amigas mais próximas, “ela sabe
da importância de as esposas esta-
rem ao lado dos maridos, de apoiar
as causas pelas quais eles lutam, que
naturalmente somos solidárias”. W
 Opinião 24 SETEMBRO 2020
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INSTANTÂNEOS
(OU QUASE)
c c c
(I)mobilidade Viva o Comparações
Há secretários de ministro, viva O caso do juiz Rangel
Estado que querem As três máscaras tem testas de ferro,
sair, há aqueles que laváveis (por período) dinheiro em contas de
são obrigados e há que o ministro Tiago terceiros e pedidos de
Eduardo Pinheiro, o Brandão Rodrigues massa para a família.
homem da Mobilidade, mandou dar a alunos Alguém vivia acima das
cuja mulher, Vilma, (e e professores são possibilidades, há
ele) faturou milhares de uma qualidade favores, conversas em
em contratos públicos confrangedora. À código e desprezo pelo
na câmara de primeira lavagem, a da Estado de direito. Parece
Matosinhos. Quando minha filha perdeu a Operação Marquês.
ele lá estava a presidir. partes. Durou uma tarde. Em pequenino.

c c c
Má memória Realidades É tão natural
As vezes que o O sindicato dos juízes O programa de Ricardo
colunista Miguel Sousa deu-lhe para apreciar Araújo Pereira tem uma
Tavares agora escreve a existência do tribunal entrevista a políticos.
sobre o Novo Banco central (dos poucos É gozo, eu sei, mas haja
(e bem) são que já fez alguma coisa algum decoro e não
proporcionais às vezes pela imagem da justiça deem antes as
que não escreveu portuguesa). Quere-o perguntas aos
sobre as malfeitorias fundido porque há lá convidados. Ana Gomes
do BES. Foram-se as colegas que sabem levou as respostas
incompatibilidades. muitos segredos. escritas (e leu-as).

c c c
Santos da casa Olha o robô Embirração
Para que serve Nuno Volta a falar-se de João Alguém tem de avisar a
Santos? Na TVI, claro. Ferreira para líder do Deslandes, a Blaya e
Sobretudo quando passa PCP. Mas para suceder outras tantas cantoras,
a imagem que Cristina a Jerónimo de Sousa atrizes e gente das TVs
manda e desmanda, e falta-lhe algo que já não há pachorra
atira para o caixote fundamental (não, para lamentos sobre as
escolhas e vontades do não é só o passado agruras voyeuristas das
diretor-geral. A pergunta antifascista): empatia, redes sociais. Sobretudo
faz sentido, agora ligação às pessoas. quando toda essa gente
ou a prazo. se alimenta disso.

O
Diretor-adjunto
António José Vilela

45
 Portugal

OPERAÇÃO LEX. AS CONCLUSÕES DO RELATÓRIO DA PJ

JOSÉ VEIGA
E A VAIDADE
DO BENFICA
DITARAM O FIM
DO JUIZ RANGEL

46

Um encontro no Ritz com José Veiga foi a suspeita
que levou a PJ a desvendar a teia do ex-juiz
desembargador, que lhe proporcionou centenas
de milhares de euros. Por Carlos Rodrigues Lima
S
ó alguns anos mais tarde é
que João Vieira Pinto terá
percebido a descontração
do empresário José Veiga,
durante o julgamento em primeira
instância do processo em que am-
bos foram acusados, em 2011, de
fraude fiscal e branqueamento de
capitais devido à transferência do
então Internacional A do Benfica
para o Sporting. Ouvido pela Polí-
cia Judiciária como assistente na
Operação Lex, o agora diretor na
Federação Portuguesa de Futebol,
recordou que durante uma das
sessões do julgamento, José Veiga
“lhe deu uma palmada nas costas
e disse: ‘Está descansado que ain-
da vamos ser todos absolvidos’”.
A profecia cumpriu-se, mas só em
relação ao ex-empresário de joga-
dores de futebol, porque o futebo-
lista acabaria condenado no Tri-
bunal de Relação de Lisboa, que
apenas lhe subtraiu o crime de
branqueamento de capitais.
Por trás da confiança de José Vei-
ga terá estado uma estreita ligação
ao amigo juiz desembargador Rui
Rangel, acusado recentemente de
21 crimes na Operação Lex, de cor-
rupção passiva passando por bran-
queamento de capitais, fraude fis-
cal, entre outros. Rangel só não foi
acusado do crime de violação de
segredo de funcionário, porque ou-
tro dos suspeitos no processo, o ex-
-presidente do TRL, não “vislum-
brou” qualquer indício neste senti-
do, recusando-se a apresentar a
necessária queixa que levaria a
mais acusações (trata-se de um
crime que depende de queixa).
A relação entre José Veiga e Rui
24 SETEMBRO 24 SETEMBRO 2020
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j Rangel foi detetada durante uma
Há 37 anos na vigilância policial na investigação
magistratura, Rui
Rangel estava há do processo Rota do Atlântico –
15 anos como caso que envolve suspeitas de cor-
desembargador rupção no comércio internacional e
no Tribunal da
Relação de Lisboa branqueamento de capitais com
origem em negócio de petróleo no
Congo. Estavam os inspetores da PJ
a acompanhar os passos de Veiga e
do seu sócio, Paulo Santana Lopes,
quando os dois foram apanhados, à
porta do Hotel Ritz, em Lisboa (a 2
1
milhão
de outubro de 2015), com o então
juiz desembargador Rui Rangel que,
assinalou a Polícia Judiciária no re-
A conta é da latório final da Operação Lex, a que
Polícia Judiciá- a SÁBADO teve acesso, chegou ao
ria e diz respei- encontro ao volante de um “BMW,
to ao montante modelo X6”. “Tal facto, demonstra-
total que Rui tivo de relação entre indivíduos que
Rangel terá não teriam quaisquer negócios em
amealhado comum (…) suscitou suspeitas sobre
entre 2005 a natureza de tal encontro, bem
e 2017 como da existência de eventuais
benefícios auferidos pelo magistra-
do, proporcionados por José Veiga.”
As suspeitas adensaram-se
quando, ainda no âmbito da Rota
do Atlântico, foram detetadas
transferências de dinheiro da con-
ta de uma sociedade de José Veiga
no BES de Cabo Verde para o ad-
vogado José Bernardo Santos Mar-
tins. O rasto do dinheiro conduzi-
FÁTIMA ria os investigadores ao desembar-
GALANTE, gador, uma vez que os movimen-
JUÍZA, TAM- tos realizados pelo advogado te-
BÉM FOI riam como último beneficiário Rui
ACUSADA. É Rangel. A investigação recolheu
SUSPEITA DE indícios de que das contas do ad-
BENEFICIAR vogado e do seu filho, Bernardo
DOS ESQUE- Santos Martins, saíram montantes
MA DO EX- para pagar despesas de Rui Ran-
-MARIDO gel, de prestações de crédito Q
47
 Portugal
As provas
Judiciária conseguiu escutas
e SMS comprometedores
LUÍS FILIPE VIEIRA (LFV)
“Tou f... com o Rangel. Já
lhe vou dizer (...) Em vez
de dizer ó Luís já de-
monstraste que és meu
amigo, vamos lá tratar
desta merda! Não senhor!
Deixar a carroça, c..., na-
queles burros fatelas que
andam pouco, pá!”
(Escuta 30/5/2017)
RUI RANGEL (RR)
“Olá Luís, vou estar com
o Jorge ao fim do dia
para tratar do assunto.
Não me esqueço nunca
dos meus amigos”
(SMS 19/7/2017)
JORGE BARROSO “A dra
juiz é susceptível a alguma
reunião com ela, porque
isto é do presidente do
Benfica. Ele está incomo-
dado com este processo”
FUNCIONÁRIA JUDICIAL
“Se calhar, está o presi-
dente do Benfica inco-
modado e muitos outros
utentes do tribunal que
ainda não têm os proble-
mas resolvidos”
(Escuta de 20/7/2017)
RR E JOSÉ VEIGA: “Ami-
go, esqueceu-se? Não,
ouve só um erro e foi fei-
to [transferência de di-
nheiro] novamente hoje”
(SMS de 29/9/2013)
LFV “Já tenho medo de
andar a falar de nomes
ao telefone, parece que
um gajo anda aqui...”
(Escuta de 26/10/2017 )
SANTOS MARTINS “É ur-
gente retirar o nome do
Sr. Magistrado dos regis-
tos do Banco de Portugal”
(Email 25/9/2012)
48
Q para a compra de carros, passan-
do pelos respetivos seguros e até
levantamentos em numerário, os
quais acabariam no bolso do antigo
juiz do Tribunal da Relação de Lis-
boa. O acesso de Rangel a elevadas
quantias de dinheiro em numerário
foi, aliás, confirmado em janeiro de
2018, quando a Polícia Judiciária
realizou uma busca ao seu aparta-
mento, no Dafundo, em Algés. “Re-
leva-se a apreensão de numerário
no valor de 9.600 euros, em sete
notas de 500 euros, 10 notas de
100 euros e 102 notas de 50 euros”,
descreveu a PJ, no relatório final da
investigação, entregue aos procu-
radores Maria José Morgado, Vítor
Pinto, Sara Sobral e Paula Moura. O
dinheiro encontrava-se “escondido
na arrecadação, dissimulado, mis-
turado dentro de um caixote com
caixas e revistas, inserido em enve-
lope com a indicação ‘20500’,
guardado num saco verde com de-
senho de animais e a descrição
‘jardim zoológico em festa’”.
A acusação da Operação Lex
relaciona os pagamentos feitos a
MANUEL ARAÚJO
g Rui Rangel – que entre 2012 e 2013
Escutas revelam é suspeito de ter amealhado 345
nervosismo de
Luís Filipe Vieira mil euros – com os interesses de
com o processo José Veiga em vários processos ju-
fiscal parado no
Tribunal de Sintra
dicias: um no âmbito tributário, que
corria no Tribunal Administrativo
e Fiscal de Sintra, 717/08.1BESNT,
cuja pendência, já em 2015, causa-
va um dano reputacional a José
Veiga, interessado na compra do
BES/Cabo Verde, após a resolução
do banco central, o Banco Espírito
Santo, em agosto de 2014. Ouvido
como testemunha na Operação
Vaz das Lex, Paulo Santana Lopes, antigo
Neves sócio de José Veiga, confirmou aos
O antigo presi- investigadores que Rui Rangel “es-
dente do Tribu- tava ao corrente da necessidade de
nal da Relação resolver essa situação” e que, num
de Lisboa foi dos encontros com Veiga, o então
acusado de desembargador garantiu que “até
corrupção ao final” de 2015, o processo “esta-
passiva e abuso ria resolvido”.
de poder
Rangel no camarote do Benfica
Os interesses e as preocupações de
José Veiga passavam ainda pelo tal
MINISTÉRIO processo em que, juntamente com
PÚBLICO João Pinto, foi condenado por
ACUSOU 17 fraude fiscal e branqueamento de
PESSOAS NA capitais. Foi este caso que abriu as
OPERAÇÃO portas do Tribunal da Relação de
LEX. O JUL- Lisboa à investigação da Operação
GAMENTO Lex. Suspeita-se que Rui Rangel,
DEVERÁ DE- juntamente com o então presiden-
CORRER NO te do TRL, Luís Vaz das Neves, terá
SUPREMO manipulado a distribuição do re-
curso. Na madrugada do dia em
j que o processo foi distribuído, a
Bruna Garcia do 7 de janeiro de 2013, Rangel fez
Amaral é suspei-
ta de ter sido a questão de enviar a Vaz das Neves
verdadeira auto- o número do processo, o
ra de acórdãos 1/05.2FFLSB, através de duas men-
relativos a pro-
cessos distribuí- sagens: por SMS e pelo Spotlight,
dos a Rui Rangel “garantindo que, por via desta du-
 24 SETEMBRO 2020
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pla via de envio, a mensagem che- influentes de Rangel” assistirem a

garia ao destinatário”, referiu a Ju-
diciária no relatório final. Certo é
que o processo foi distribuído, não
por sorteio, mas manualmente ao
juiz Rui Gonçalves que, curiosa-
mente, já tinha recebido o recurso
de José Veiga de forma particular
na sua caixa de correio eletrónico
dois meses antes.
Ouvido no processo, o desembar-
gador Rui Gonçalves confirmou a
receção na sua caixa de email do
recurso de José Veiga, “mas não to-
mou conhecimento da sua receção,
muito menos do seu conteúdo”.
“Tal versão, salvo melhor opinião,
não é enquadrável com os factos”,
referem os inspetores João Bran-
co e Pedro Albergaria, autores
do documento da PJ.
As pontes que Rui Rangel é
suspeito de ter construído en-
tre a sociedade civil e o sistema
de justiça apanharam, ainda, o
presidente do Benfica, Luís
Filipe Vieira, acusado de um
crime de recebimento inde-
vido de vantagem relativo
às movimentações feitas
por Rangel sobre um pro-
cesso tributário, novamente
no Tribunal Administrativo e
Fiscal de Sintra, de uma em-
PEDRO SIMÕES
oferecida a Rangel pelas suas dili-
gências – uma viagem na comiti-
va do clube a Manchester e bilhe-
tes para os jogos – ter já sido con-
siderada como uma oferta social-
mente adequada, a PJ, porém, re-
colheu SMS, que demonstram a
sua importância para os próxi-
mos de Vieira e para o próprio
Rangel. Em maio de 2017,
Fernando Tavares, vice-pre-
sidente do clube e outro dos
acusados, escreveu a
Vieira: “Luís, importan-
te colocar o Rui e o fi-
lho no camarote para
estarmos à vontade
para o apertar com o
processo de Sintra.
Abraço.” Já a 10 de ou-
tubro de 2017, e depois
de Fernando Tavares
ter dito não conseguir
um jogo da seleção nacional, Rui
Rangel respondeu: “O Vieira é
sempre a mesma merda. Para nós
nunca, para os outros sempre. Por
isso é que não dá vontade nenhu-
ma de resolver os assuntos dele.”
Noutra conversa, a 11 de setembro
de 2017, Rui Rangel queixa-se a
Fernando Tavares: “Bom dia, ami-
gão do coração. Desculpa o desa-
g bafo. Pergunta: já fui de novo ex-
Fernando comungado da tribuna presiden-
Tavares (à esq.ª)
integrou em 2012 cial?” No dia 20, Fernando Tava-
a lista de Rangel, res respondeu que Rangel tinha
“Benfica aos bilhetes à sua espera na receção
Benfiquistas”
da porta 18 e estes com direito a
parque de estacionamento.
ACUSAÇÃO O relatório final da Polícia Judi-
DO MP FOI ciária descreve ainda como, além
SUBSCRITA de Rangel, o advogado Jorge Barro-
POR QUATRO so também procurou ajudar o pre-
PROCURA- sidente do Benfica, tendo para isso
DORES, contactado o Tribunal de Sintra,
LIDERADOS tentando agendar uma reunião en-
POR MARIA tre o juiz do processo e Luís Filipe
JOSÉ Vieira. Em vão, como demonstra a
MORGADO escuta (ver conversas nestas pági-
nas). Impaciente com o arrastar do
processo – “são 2 milhões, porra,
j não posso ter o dinheiro parado”,
José Veiga foi relatou a Jorge Barroso –, Vieira
acusado de cor- ainda insistiu com Rangel através
rupção ativa. Terá de SMS, dizendo que tinha um
feito chegar mais

presa de Luís Filipe Vieira. obter bilhetes para os de 300 mil euros pensamento constante: “SINTRA,
Apesar de a contrapartida amigos “importantes e a Rui Rangel SINTRA, SINTRA.” W

PUB

49

Portugal
h Um dos maiores pesos
Com Pedro Nuno
Santos, o seu
ex-ministro, das
Infraestruturas,
e António Costa
PERFIL. O ÚNICO NOME PARA UM VELHO PROJETO
ENDIVIDOU AVEIRO,
VAI EMPRESTAR DINHEIRO
Na recente remodelação, só uma saída pareceu promoção: a de Alberto Souto, dado como a caminho do
Banco de Fomento. Mas como gestor autárquico saiu mal – com milhões a faltar. Por Maria Henrique Espada
D
esde 2012 que se fala de
um Banco de Fomento. O
Governo vai finalmente
concretizá-lo – a lei está
feita e deverá começar a funcionar
em novembro. Pelo meio, houve
uma remodelação e um nome, e
apenas esse até agora, surgiu na
corrida, sem cargo predefinido:
Alberto Souto de Miranda, ex-se-
cretário de Estado Adjunto e das
Comunicações. “Não posso confir-
mar, também não vou desmentir”,
diz o próprio, que acrescenta ter
sido surpreendido pela notícia e
mais não adianta: “É só uma hipó-
tese de trabalho.”
Nove de outubro de 2005: Alberto
Souto perdia as eleições autárqui-
cas em Aveiro, depois de dois man-
datos à frente da autarquia, eleito
pelo PS. O anuário financeiro dos
municípios portugueses para esse
ano indicava Aveiro como o quarto
50
Alberto
Souto
Tem 62 anos,
três filhos e
já é avô
O estádio
era o do estádio munici-
pal de Aveiro, construí-
do para o Euro 2004.
Custou 62 milhões de
euros e um serviço de
dívida para o futuro
município do País com maior endi-
No BEI vidamento líquido, o quarto com
acompanhou maior saldo negativo entre as recei-
processos do tas e as despesas comprometidas, o
Banco Europeu sexto com maior passivo exigível
de Investimen- em 2005. Uma fonte do CDS local
to em Portugal da altura, que nesse ano ganhou a
(TAP, autoestra- autarquia em coligação com o PSD,
das, Grupo recorda o cenário recebido: “A câ-
Amorim, PT, mara estava em pré-falência, andá-
ponte Vasco da mos oito anos em que até pagar os
Gama, etc.) salários era um problema. Tinham
sido feitos investimentos sem se sa-
ber onde se ia buscar a receita. Só
BANCO DE saímos disso com o apoio do Fundo
FOMENTO: de Apoio Municipal, de resto ainda
“NÃO POSSO em curso em Aveiro. Herdámos
CONFIRMAR, uma década perdida.” Com o cari-
TAMBÉM cato de que no fim do mandato
NÃO VOU chegou a haver protestos de em-
DESMENTIR. preiteiros junto à câmara, amea-
É UMA çando fechar as empresas face aos
HIPÓTESE DE atrasos dos pagamentos da autar-
TRABALHO” quia. A pré-falência é um termo que
24 SETEMBRO 2020
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O governo
Da CGD para o gover-
no, a convite de Pedro
Nuno Santos, camarada
de Aveiro. Tinha a
tutela dos portos,
aeroportos, CTT e
comunicações
A câmara
Liderou Aveiro entre
1998 e 2005. Fez obra
e era visto como um
autarca arejado. Mas
quando saiu a câmara
tinha a quarta maior
dívida do País
MÁRIO CRUZ
também o atual autarca do PSD,
Ribau Esteves, já chegou a usar.
A gota de água terá sido a cons-
trução do estádio para o Euro
2004: custou 62 milhões de euros.
Dez anos depois, ainda custava 3,5
milhões de euros por ano, em ma-
nutenção.
Entre a banca e a política
A imagem do autarca que deixou a
autarquia aflita foi determinante na
derrota e ficou, admite até quem o
ajudou na campanha. E, embora só
até certo ponto, mesmo o próprio:
“A oposição fez o seu papel e explo-
rou muito essa questão.” Mas, recor-
da, a decisão de fazer o estádio foi
unânime. “A questão política só che-
gou depois. A candidatura portugue-
sa começou com seis estádios e
acabou com 10, mas com o mesmo
dinheiro.” Sobrou menos para
cada um. Mas a “nódoa” do des- Q
VILA GALÉ COLLECTION PRAIA VILA GALÉ AMPALIUS VILA GALÉ TAVIRA
(ALBUFEIRA) (VILAMOURA)

Portugal
Q pesismo “será sempre o calcanhar
de Aquiles dele” do quase futuro
banqueiro, diz um amigo que pediu
para não ser identificado.
Um próximo conta que Alberto
Souto costumava brincar quando
viu a primeira folha de salário
como autarca em Aveiro dizendo
“no que eu me fui meter”... O pró-
prio atenua, diz que quando muito
seria “uma piada” – sabia obvia-
mente no que se ia meter, e quanto
ia perder, quando deixou o posto
de jurista no Banco Europeu de In-
vestimento, no Luxemburgo, onde
residia. Mas queria voltar e ter os
filhos a crescer “fora daquele am-
biente luxemburguês”. O convite
do PS local para se candidatar à au-
tarquia não prometia vitórias num
bastião que até aí fora sempre CDS.
Mas Alberto Souto de Miranda tinha
uma vantagem: o seu nome é um
cartão de visita poderoso. O avô,
Alberto Souto, é uma figura históri-
ca da elite aveirense, líder do Parti-
do Republicano, fundador do Banco
Regional de Aveiro e presidente da
Associação Comercial e Industrial,
entre outras e variadas coisas –
uma delas, ter sido presidente da
câmara em 1957, já durante o Esta-
do Novo. Aceitou a nomeação, mas
seria despedido por Salazar. O neto
foi em 1998 o que o avô fora.
Esse “aveirismo” pesou na vitó-
ria. O seu primeiro cartaz tinha as
salinas atrás e o slogan “Ser de
Aveiro, como este sal”, e chegou a
distribuir saquinhos de sal na
campanha – o candidato do CDS
era de importação.
Obra feita e derrota
O primeiro mandato correu
bem. Vindo de fora, era mais
moderno do que a própria ci-
dade e introduziu uma série de
inovações: as BUGA, as 2
primeiras bicicletas de
utilização gratuita co-
letiva em Portugal, ou
o início da utilização
dos canais da ria
para o turismo nos
moliceiros. Para o
que foi preciso reti-
rar os esgotos a desa-
guar neles, reconstruir
52
1
os muros em ruínas e construir com-
portas para estabilizar as marés. Cor-
reu bem. Num momento “marcelísti-
co” – em 1989, Marcelo Rebelo de
Sousa dera um mergulho no Tejo
durante a campanha em Lisboa –
uma vereadora até mergulhou nos
canais durante uma prova de nata-
ção promovida pela autarquia para
demonstrar até que ponto estavam
limpos e seguros. Orgulha-se ainda,
por exemplo, de ter deixado “uma
rede de saneamento aos melhores
níveis europeus”. Mesmo com a
questão financeira a pesar no segun-
do mandato, quem o acompanhou
na altura admite que a derrota foi
uma surpresa: “Ele não estava à es-
pera.” O que não é de espantar, já
que talvez nem a oposição esperasse
ganhar como admite o centrista
João Almeida, de São João da
Madeira, ali ao lado: “Havia
pouca noção de que pudésse-
mos reconquistar a câmara”, as-
sume. Nas urnas, a dívida pesou
mais do que o “fomento”.
Depois da câmara, fi-
cou mais longe da po-
lítica. Esteve na ANA-
COM e regressou à
banca, passando de
novo pelo BEI (2012-
-2017). Estava na
CGD como adminis-
trador não executivo,
PEDRO CATARINO
antes de ser convidado
24 SETEMBRO 2020
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O caso da passarada
Que não é estúpida mas não
funciona em política
Escreveu um texto em feve-
reiro, no Público, a defender o
aeroporto do Montijo. Com ar-
gumentos e uma frase com po-
tencial de gafe: “os pássaros não
são estúpidos” e desviar-se-iam.
Foi o que ficou. Agora, acredita
que a pandemia permitirá me-
lhorar o projeto, estendendo a
pista e sem aterrar o Tejo. Se a
ANA, a quem compete encontrar
DAVID CABRAL SANTOS
financiamento, o solicitar ao Ban-
co de Fomento, não é impossível
que o encontre do outro lado.
1 para o Governo (e de novo para per-
Tem um der dinheiro) por Pedro Nuno San-
percurso
profissional tos, que conhece do PS-Aveiro. Não
na banca lhe falta carreira na banca, para
2 onde alegadamente poderá regres-
O atual autarca sar, mas também nunca largou
de Aveiro, Ribau Aveiro. É próximo do deputado Fili-
Esteves (PSD) pe Neto Brandão e do círculo de Pe-
acusou-o de
deixar a câmara dro Nuno Santos. E mesmo como
pré-falida governante continuou a ir todos os
fins de semana à terra. Fez reuniões
de secretários de Estado e partici-
pou em conselhos de ministros em
direto da casa que construiu na Cos-
A alcunha ta Nova e cujas linhas modernas a
É “Beto” para os destacam da vizinhança.
amigos, “emba-
ralha” para O “embaralha” que sabe jogar
quem jogava A saída com destino prévio aponta-
basquetebol do não surpreende um amigo que o
com ele no conhece há muito: “Ele geriu sempre
Galitos, o clube muito bem a carreira. Se sai de um
de Aveiro sítio, tem noção das oportunidades e
para onde quer ir.” Afinal, não é à
toa que quando jogava basquetebol
no Galitos ganhou a alcunha de
O AVÔ, UM “embaralha” – sem nada de pejora-
VELHO RE- tivo. Quando chegava ao cesto bara-
PUBLICANO, lhava os adversários com mudanças
FOI TAMBÉM de bola de uma mão para outra.
PRESIDENTE Vários centristas e um social-de-
DA CÂMARA mocrata da terra elogiaram-no à
DE AVEIRO. SÁBADO. Dizem-no pouco “parti-
O NOME AJU- dário” e nada sectário. O que talvez
DOU NA seja natural. O irmão Luís é presi-
PRIMEIRA dente da Assembleia Municipal em
CAMPANHA
Aveiro – pelo PSD. W
 Escolhas
A meio caminho
Os dias ficam mais curtos e as Um trenchcoat ou um blusão podem
noites mais frias. Saber escolher o casa- ser a escolha certa mesmo por cima de
co ideal para todos os momentos do um vestido mais delicado.
dia pode ser crucial para enfrentar a O maior truque, para fazer a opção cer-
amplitude térmica da época. ta no que toca a casacos mais frescos,
Chegou aquela altura do ano em que é como os encara e os veste. Levantar
ao sairmos de casa pensamos sempre, golas, arregaçar mangas, ou marcar
levo ou não casaco? Os chamados ca- cinturas com cintos contrastantes faz a
sacos de meia estação, são essenciais e diferença.
podem marcar a diferença. Os casacos Esta estação, além dos clássicos (bla-
leves podem, mesmo que esteja com zers, trenchcoats, blusões), surgem os
um coordenado mais confortável, dar novos casacos-camiseiro, os coletes e
um ar mais formal, ideal para a reunião
online.
os casacos ¾ com matérias e estampa-
dos que os tornam preponderantes no
Vindimas 2020:
Escolher o casaco perfeito pode ser guarda-roupa deste outono. Prepare-se vamos
um exercício de estilo, mas hoje em dia
tudo depende do seu estilo pessoal.
e descubra como saber usar o casaco
ideal nos dias mais frescos.
apanhar uvas?
A pandemia não poupou
as vindimas, mas as uvas con-
tinuam a ser apanhadas e algu-
mas quintas resistem – e bem – ao
invasor, oferecendo programas
em total segurança.
Como será a experiência de apa-
Conheça nhar uvas no ano 0 d.C. (depois
em unibanco.pt de Covid)? Com muito mais segu-
todas rança, máscaras e álcool gel omni-
as vantagens presentes, reservas obrigatórias,
para o seu
menos pessoas e definitivamente
dia a dia.
Aproveite menos contacto. Isso está diferen-
a oferta te – e ainda bem – mas depois a
de adesão. intensidade com que as casas vi-
vem este momento crucial não
TAEG 15,5% mudou em nada e a festa conti-
nua exatamente na mesma. Sim,
as vindimas de 2020 valem muito
a pena, como pode ver por estes
Faça Você Mesmo: dicas e truques programas de norte a sul. “Pelos
para resolver problemas em casa caminhos de Portugal”, escolha o
seu programa de eleição e conte
Não negue à partida uma ciência com o UNIBANCO para fazer a
que não conhece. Venha descobrir como sua reserva com toda a comodi-
pode ser tão fácil resolver as avarias lá de casa dade e segurança!
com a ajuda dos “especialistas” do Youtube
Pode até achar que os trabalhos manuais
não são para si, ou já teve uma má experiên- Leia a totalidade
cia, mas quando alguma coisa não está bem destes e outros artigos
o seu primeiro instinto é chamar imediatamen- no blog do Unibanco
te um perito. Nada de errado, naturalmente,
e por algum motivo eles são especialistas,
mas a verdade é que a maioria dos problemas
têm uma solução tão simples que chega
a ser um desperdício chamar um profissional
para os resolver. Há muitas reparações que
todos podemos fazer, poupando um dinheirão
no processo. Estes 10 problemas são um belo
exemplo disso mesmo...
*TAEG Cartão de Crédito Unibanco 15,5% Exemplo para um limite de crédito de € 1.500, com reembolso no prazo de 12 meses e à Taxa Anual Nominal (TAN) de 14,20%. PAra mais informações contacte a Unicre S.A.
 Portugal

HISTÓRIA. DESENHOS DA MÍTICA GAIOLA ABERTA CONTINUAM FECHADOS

VILHENA, O ILUSTRAD
Foi o autor mais censurado pelo antigo regime e irritou políticos no novo. O sobrinho, que organiz

“I
ncorrigível e manhoso Vilhe-
na.” Foi com estas palavras
que a censura determinou a
proibição de O Humor Pari-
siense, uma coletânea de dese-
nhos publicada em 1965. Com
apenas 38 anos, José Vilhena era
já um velho conhecido do regime.
Os seus livros circulavam às es-
condidas por quiosques e tabaca-
rias de todo o País. No dia seguinte
ao 25 de Abril começou a dese-
nhar a revista que mais fama lhe
deu: a Gaiola Aberta. As pinturas
originais estão agora a ser reuni-
das pelo sobrinho, Luís Vilhena,
para fazer uma exposição do autor
mais censurado de sempre em
Portugal: todos os seus livros fo-
ram apreendidos.
Mais de 40 anos depois, numa
h
As revistas de
Vilhena eram
Até a princesa
vendidas às Carolina do Mónaco
escondidas em
chegou a processá-lo
quiosques e
tabacarias. O seu
espólio está a A revista Gaiola Aberta foi
cargo do sobri- das publicações mais provoca-
nho, o arquiteto doras em Portugal. Com tira-
Luís Vilhena
gens de 100 mil exemplares, foi
publicada de forma ininterrupta
durante nove anos. Por uma
montagem com uma foto de
Carolina do Mónaco, a princesa
pediu-lhe indemnização: 100
mil dólares. O processo arras-
tou-se e acabou por prescre-
ver por impossibilidade de saí-
rem divisas do País. “Gastei mil
1.000
desenhos
contos [5 mil euros] em advo-
gados”, disse o ilustrador.

pequena sala de um apartamento de José Vilhena

na Estrela, em Lisboa, onde decor- estão com o so-
reu a entrevista com a SÁBADO, brinho Luís, caver o incómodo que os dese-
Luís Vilhena vai dispondo cuida- que tem ainda nhos pudessem causar, determi-
dosamente os originais do tio, mais alguns ar- nou que a exposição fosse organi-
quase todos com anotações ma- quivos avulsos zada no espaço da cantina. O so-
nuscritas e indicações para os fun- por explorar brinho não se conformou com a
cionários da gráfica. “Por favor, opção e tem tentado uma mudan-
MARILINE ALVES

não dobrar e não sujar. Entregar ça para um espaço mais digno e

ao Alves”, lê-se num deles. “Ainda
estou a encontrar coisas. Outro dia
descobri uma caixa, por curiosida-
de abri e ainda tinha uns desenhos
antigos”, conta Luís, arquiteto e
ex-deputado, enquanto mostra o
desenho de capa da primeira
Gaiola Aberta, que juntava Spínola
e Camões, assinado com a data de
abril de 1974.
O pedido de exposição da obra
de Vilhena foi submetido pelo so-
brinho, quando este ainda era de-
putado. Aprovado pela Assembleia
da República, faltava decidir o es-
paço para instalar a exposição.
Ferro Rodrigues, talvez para pre-
próximo do plenário. Mas não nos
circuitos em que as visitas de es-
colas mostram as obras de arte do
parlamento aos miúdos.
Há também contactos com a Câ-
mara de Lisboa e a vereadora da
Cultura mostrou-se interessada na
O PARLA- ideia. Mas veio a pandemia e Vi-
MENTO lhena e os seus desenhos, que re-
ADMITIU tratam uma época e pelos vistos
EXPOR AS ainda confrontam o pudor da atual,
OBRAS NA continuam guardados. “Dá-me
CANTINA, ideia de que não há muita vontade
ONDE SÓ OS em fazer a exposição. Em termos
DEPUTADOS políticos continua a ser um autor
AS PODE- maldito”, resume Luís Vilhena.
RIAM VER A revista Gaiola Aberta, uma das
publicações mais irreverentes, hu-
morísticas e provocadoras, acaba-
ria por ser publicada pela primeira
vez apenas 21 dias depois da revo-
lução. Juntando a escrita, o dese-
nho, a pintura, as fotomontagens,
a fotografia, o autor disparava em
todas as direções: políticos, pa-
dres, prostitutas, velhos costumes,
nada escapava às aguarelas do
pintor. Uma espécie de crónica
dos tempos. Nos primeiros anos de
democracia em Portugal, a revista

54

OR (AINDA) MALDITO
ou o seu espólio, planeia uma exposição. Mas parece que o tio continua incómodo. Por André Rito
era um retrato do seu pensamento
crítico e mordaz, combinando a
sátira política com o erotismo,
sendo a mulher figura omnipre-
sente nos seus trabalhos.
O cartunista que fazia tudo
“Ele sempre viveu disto, não teve
outro trabalho. Há cartunistas que
são tipógrafos, publicitários, ele
vivia dos livros e revistas que pu-
blicava. Fazia tudo: escrevia, dese-
nhava, paginava, editava e distri-
buía”, conta Luís Vilhena. Com ti-
ragens “brutais” de 100 mil exem-
plares, a Gaiola Aberta era uma
revista saída de apenas uma cabe-
ça. “A única pessoa que lá esteve a
trabalhar foi para lhe organizar os
arquivos, que ele tinha comprado,
de uma revista – que tinha um
grande espólio de fotografia”, re-
corda o sobrinho.
Foi por esta época, com os lucros
da sua publicação, que comprou a
moradia em Oeiras e investiu num
24 SETEMBRO 2020
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Ford Mustang, vermelho e preto.
“Eu tinha uns 12 anos, ia ao lado
e toda a gente olhava; era impos-
sível passar na praça do Saldanha
de janela aberta sem que ninguém
reparasse. A malta a chamar ‘filho
da puta, fascista, cabrão’, e ele im-
pávido a gozar o momento.”
Apesar do humor cáustico, de ter
escrito e ilustrado anedotas, Vi-
lhena era um homem reservado.
Luís, que tem 36 anos de diferen-
ça para o tio, lembra-se de orga-
nizar festas de aniversário na casa
de Oeiras. “Fazemos anos no
mesmo dia, 7 de julho. Levava os
meus amigos, que iam sempre
empolgados porque iam conhecer
o Vilhena. Depois acabavam por
ficar desapontados porque ele
não contava anedotas, não era um
tipo de ter piada. Nunca ouvi o
meu tio contar uma anedota”, as-
segura o sobrinho.
Políticos como prostitutas
Filho de uma professora primária
e de um proprietário agrícola, José
Vilhena passou a sua infância na
aldeia de Freixedas, concelho de
Pinhel. Com 10 anos foi estudar
para Lisboa, mudando-se depois
para o Porto, onde fez um ano de
serviço militar. Alguns dos colegas
que o acompanharam na tropa fa-
riam mais tarde parte do seu gru-
po de amigos. Não chegou a ter-
A GAIOLA minar o curso de Arquitetura na
ABERTA Escola de Belas-Artes do Porto, e
TINHA TIRA- regressou a Lisboa para começar a
GENS ENOR- desenhar para jornais.
MES DE 100 Seguindo a tradição de Gil Vi-
MIL EXEM- cente, Bocage ou Bordallo Pinhei-
PLARES. O ro, começou também a escrever li-
SEU AUTOR vros de bolso com um humor pi-
VIVIA SÓ cante e subversivo, escondido nas
DISSO entrelinhas para fugir ao crivo Q
55
 Portugal
Q da censura. “Se há alguma coisa
de que me possa gabar é da minha
ousadia nessa época, de publicar
coisas que as outras pessoas não
se atreviam a publicar. E só me
tornei conhecido por causa disso,
não pela qualidade”, dirá mais tar-
de, numa das suas raras entrevis-
tas, nos anos 90, à revista do Inde-
pendente, feita por Rui Zink. Títu-
lo: “Feio, porco e mau.”
Entre os mais de 50 livros publi-
cados em nome próprio, contam-
-se obras com desenhos a preceito
e títulos sugestivos como Branca
de Neve e os 700 Anões, Antologia
do Humor Russo, Proibido Buzi-
nar, Como Apanhar um Marido,
Diz-me com quem dormes, A pílu-
la. A História da Pulhice Humana
é uma das suas trilogias mais co-
nhecidas e em quase todas as ca-
pas surgem ilustrações de mulhe-
res com decotes generosos em po-
ses provocadoras. Eram estas as
obras que circulavam clandestina-
mente, apesar da censura recor-
rente imposta pelo Estado Novo.
2 ganda comunista, passagens obsce-
3 4
56
1
Balsemão era pri-
meiro-ministro e
tinha clientela.
As restantes
prostitutas de
esquina queixa-
vam-se...
2
A República en-
gordou. E no tra-
seiro tem a cara
de Mário Soares
3
As “girls da TVI”
são freiras atrevi-
das
4 1
Balsemão na
cama com Frei-
tas: crise conju-
gal. Ou política?
5 “Este livro cínico e despudorado
A primeira Gaiola revela uma ousadia que bem se
Aberta, ainda pode classificar de desafio às auto-
branda: Spínola ridades pois que abertamente as
com Camões
ataca e apresenta textos em que to-
6 dos os assuntos indesejáveis são
Os candidatos à largamente exibidos”, pode ler-se
Presidência ajoe-
lham (Eanes) ou num documento da censura, a pro-
beliscam o ma- pósito do livro Branca de Neve e os
milo à República 700 anões, acusando-o de propa-
(Soares Carneiro)
nas, ilustrações imorais, e de achin-
calhar a religião católica, a família e
a ordem social. “Acresce que anun-
cia as obras já proibidas do mesmo 5
autor e a próxima continuação de
uma delas. Este livro não pode dei-
RETRATAVA xar de ser proibido de circular no
POLÍTICOS País”, escreveu, em 1962, o censor Retratou as principais figuras
VESTIDOS que analisou a obra. políticas vestidas de mulher.
DE MULHER, Com um ritmo de um livro por Numa das suas obras mais icóni-
DE PROSTI- mês, parodiava figuras religiosas e cas, publicada na Gaiola Aberta,
TUTA E ATÉ políticas, acabou detido algumas surge Cunhal como uma prostitu-
SENTADOS vezes pela PIDE. Estava preso e ta, ao lado de Soares, Freitas e
NA SANITA incomunicável há três meses Balsemão. “Não sei o que é que os
quando a ponte Oliveira Salazar – homens veem naquela gaja”, dizia
hoje ponte 25 de Abril – foi inau- Soares na ilustração, referindo-se
gurada. Não cedia a ideologias, era ao então primeiro-ministro do
apartidário, e tinha entre os seus PSD, Pinto Balsemão. “Os meus
alvos preferenciais os políticos, clientes é que ele não apanha”,
que afrontou de forma mais direta rematava Cunhal. Na mesma en-
e corrosiva após a revolução. Má- trevista a’O Independente, Vilhe-
rio Soares, Freitas do Amaral, Ma- na mostrava-se pouco crente na
nuel Alegre (sentado na sanita), política. “Dos políticos, de uma
Francisco Pinto Balsemão, Sá Car- maneira geral, não admiro nin-
neiro, foram alguns dos mais visa- guém, em princípio desconfio
dos pelas suas ilustrações quase sempre deles.”
sempre politicamente incorretas e Algumas das suas obras ainda
provocadoras. são hoje possíveis de encontrar
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passado pensei da mesma forma ‘A’: ‘Ana’, ‘Anabela’, com negati-

6 fazer de vela. Tinha 3 anos.”
em livrarias e alfarrabista. Na In-
ternet há coleções de Vilhena à
venda por 100 euros. Os seus te-
mas eram recorrentes, recorda
Luís Vilhena, que tem perto de
mil desenhos do tio, além de vá-
rios outros arquivos avulsos que
ainda estão a ser organizados.
“Política, crítica de costumes,
Igreja”, recordando, por exemplo,
um dos seus maiores clássicos:
Criada para todo o serviço. “Con-
ta a história de uma criada da
província que vai para Lisboa, na-
mora com um soldado raso mas
depois envolve-se com o filho do
patrão. Percebe-se como era o
País na altura, sem ser pornográ-
fico”, afirma Luís Vilhena.
e começo a descrer de mim.”
O próprio Luís Vilhena, quando
tinha três anos, era “usado” pelo
tio para convencer as mulheres
mais resistentes ao seu charme.
“Era um playboy. Quando tinha
uma conquista mais complicada,
passava em casa da minha mãe e
levava-me para mostrar ‘sou um
gajo responsável, gosto de crian-
ças’”, recorda o sobrinho. “Tenho
fotos com ele no seu MG desca-
potável, ao pé de umas miúdas
giríssimas, com cabelo tipo B52
que se usava nos anos 50. Eu a
Anos mais tarde, o sobrinho en-
controu um velho arquivo metáli-
co no qual descobriu dezenas de
ficheiros organizados por ordem
O sonho alfabética, com algumas das suas
dele era ser modelos. “Puxava uma gaveta e
uma espécie de aquilo começava logo pela letra
Hugh Hefner da
Playboy. Che-
gou a ter uma
boîte, a Night
and Day, na Du-
que de Loulé.
“Só que passa-
dos uns meses
aquilo degene-
rou e ficou igual
ao Elefante
Branco”
vos e provas de contactos. Depois
quando chegava ao ‘F’, tinha coi-
sas de família. Depois de ter mor-
rido tive de ir organizar a sua casa
da Duque de Loulé. Tinha as pa-
redes forradas a quadros de mu-
lheres. E em cima da mesa, um
retrato da minha avó.”
José Vilhena morreu em 2015,
com 87 anos, quando estava num
lar há quase sete. “O meu tio deve
ter pensado que com a vida boémia
que levava só viveria até aos 80.
Por isso aqueles últimos sete anos
foi a família que o manteve. Nunca
o vi fazer observações relativamen-
te a mulheres. Mas essas barreiras
psicológicas caíram quando teve
Alzheimer. Num almoço, veio à
mesa uma empregada servir-nos.
Quando se virou, ele disse-me ‘já
viste as mamas daquela gaja?’ Todo
o restaurante ouviu.” W
PUB

Um galã mulherengo
Com casa em Oeiras e um aparta-
mento que lhe servia de escritó-
rio, na rua Duque de Loulé, em
Lisboa, durante décadas levou
uma vida boémia, almoçando
com a família todos os domingos.
“Era um galã, gostava de ser mu-
lherengo”, conta Luís, que encon-
trou recentemente o diário que o AS DUAS HI-
tio escrevera nos primeiros anos PÓTESES DE
de carreira. Era quase integral- EXPOSIÇÃO
mente dedicado a histórias com AINDA
mulheres. Primeira entrada, a 7 ESTÃO POR
de julho de 1953: “Completo 26 CONCRETI-
anos. Faço o anual exame de ZAR. “CONTI-
consciência, a costumada pro- NUA A SER
messa de emendar todos UM AUTOR
os defeitos. Mas vejo que no ano MALDITO”

57
 Crónica
VÁ LÁ
À SUA VIDA
Gil Vicente chamou ao juiz o amante
(“amador”) de perdiz. Hoje, o pássaro,
à época, símbolo da corrupção, tanto
pode passar por uns bons milhares
num offshore, como por uns bilhetes
para a bola. Há ainda quem se venda
por pouco, muito pouco
C amigos ou, avançando um pouco, o
No País dos
amantes
de perdizes
NÃO HÁ ESTRATÉGIA CONTRA A
CORRUPÇÃO QUE VALHA NUM
País que é intrinsecamente corrupto.
Bem pode a ministra da Justiça colo-
car as criancinhas a ouvirem sermões
sobre a integridade das funções
públicas, a honestidade ou a
igualdade de oportunidades,
quando essa mesma criança
um dia, já crescida, até teste-
munhará, e apoiará, o encar-
regado de educação a dar
“uma palavrinha” ao professor
para arredondar a nota de for-
ma a compor a média. O discurso
“Portugal não é um País de cor-
ruptos” até pode trazer dividen-
dos políticos – nunca nenhum
político corrupto confessou o cri-
me – e atrair os investidores
internacionais, mas uma via-
gem pelo passado recente
mostra-nos o contrário, cujo
epílogo aconteceu esta se-
mana com uma acusação a
três juízes desembargadores.
A memória (desculpem a in-
sistência no tema) não é, como
se sabe, uma característica
C muito apreciada nos dias que
Subdiretor correm. Mas convém recuar uns
Carlos anos e perceber como a corrupção
Rodrigues (seja no sentido jurídico do termo ou
Lima no conceito social) varre todos os se-
58
tores da sociedade portuguesa. Ainda
se lembram de como médicos, dele-
gados de informação médica e far-
macêuticos montaram um esquema
de fraude ao Serviço Nacional de
Saúde? Até para mortos foram passa-
das receitas de medicamentos com-
participados a 100% pelo Estado, de-
vidamente aviadas numa farmácia
perto de si. E os rapazes das Finanças
que, após umas boas almoçaradas e
uns envelopes lá tratavam de regula-
rizar a situação fiscal do contribuinte
faltoso. Podemos ir um pouco mais
atrás no tempo, e temos um diretor-
-geral do Ministério da Administra-
ção Interna a distribuir obras pelos
grupo de militares que à volta de ba-
tatas, cenouras e afins montaram um
esquema nas messes da Força Aérea.
Os autarcas suspeitos e acusados
de corrupção sucedem-se, como se
a prática fosse obrigatória para se
atingir o estatuto de “autarca mode-
lo”. Na dita alta política, um antigo
primeiro-ministro (José Sócrates) é
suspeito de corrupção, o mesmo
acontecendo com um dos seus mi-
24 SETEMBRO 2020
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nistros que mais dinheiro geriu, Ma-
nuel Pinho.
Pequeno parêntesis para recordar
que até ao fim do ano os Planos Di-
retores Municipais estão em revisão.
Fase fulcral para se perceber quais
os terrenos urbanizáveis nos próxi-
mos anos. Escusado será desenvol-
ver este tema, porque já se percebeu
o que está a acontecer.
É certo que o espírito da estratégia
contra a corrupção da ministra da
Justiça, Francisca Van Dunem, já está
a produzir efeitos: bastaram uns “mil
paus” para que a deputada socialista
Hortense Martins fosse à sua vida,
apesar de ter falsificado um docu-
mento. É a crise, até a falsificação
está pela ruas da amargura. Se havia
dúvidas quanto à utilidade da tal es-
tratégia contra a corrupção, o pri-
meiro-ministro dissipou-as: dias de-
pois de o documento ser conhecido,
António Costa entrou para a comis-
são de honra da candidatura de Luís
Filipe Vieira ao Benfica.
Continuando com breve exercício
de memória: o procurador Orlando
Figueira foi condenado por corrup-
ção por ter recebido uns valentes
milhares de euros do antigo vice-
-presidente de Angola, Manuel Vi-
cente. Enquanto os juízes expulsa-
ram de imediato Rui Rangel, no Mi-
nistério Público aguarda-se pela
conclusão do recurso, que depois
dará mais um recurso e, com algu-
ma imaginação, ainda mais um
para o Tribunal Constitucional.
Entretanto, Orlando Figueira con-
tinua em funções – algures num
tribunal ou em teletrabalho – e
pago pelo erário público.
Pois é! No Auto da Barca do
Inferno, o Diabo cumprimen-
tou o Corregedor (juiz) como o
“amador de perdiz”. O pássaro
era um símbolo da corrup-
ção. Hoje, as perdizes
tanto podem passar por
uns meros jantares e
almoços bem regados,
uns milhares de euros,
algures numa conta
bancária, uns empregos
para familiares ou uns
bons milhões na conta de
um amigo. Tudo depende da
forma de confecionar o bicho. W
 - Sobre a cena toda:
Dia do anúncio
Mundo da demissão do David,
junho de 2016
- Sobre a cena toda: - Seta em Samantha:
Dia do anúncio - Seta Estava arrasada
da demissão do David, - Sobre a cena toda:em David Cameron:
com o resultado
Convidou-nos para jantar.
Dia do anúncio
junho de 2016 Pediu para trazermos do Brexit
da demissão do David,
- Seta em David Cameron: junho de 2016"montes de bebidas"
- Seta em Samantha:
Convidou-nos para jantar. - Seta em Cameron:Só conseguiu
Pediu- para - Seta em David Cameron:
Sobretrazermos
a cena toda: acompanhar
Nesta noite bebeu
Convidou-nos para jantar. - Seta em David
Samantha:
"montes Diadedobebidas"
anúncio um depois
cocktail, de beber arrasada
Estava um gin
Pediu para trazermos
da demissão do David, vinho, whisky e fumou com o resultado
"montes de bebidas"
- Seta em Cameron:
junho de 2016 um charuto cubano do Brexit
Nesta noite bebeu
um cocktail, - Seta em Cameron:
- Seta em David Cameron: - Sete em Cameron:- Seta em Samantha:
Nesta noite bebeu
vinho, whisky e fumou
Convidou-nos
umPediu
charuto
para jantar.
cubano um cocktail, Confessou-nos que Só conseguiu
para trazermos vinho, whisky e fumoudespreza a falta acompanhar David
"montes de bebidas" um charuto cubano de ideologia depois de beber um gin
- Sete em Cameron: de Boris Johnson
Confessou-nos que
- Seta em Cameron:
despreza - Sete em Cameron:
Nestaanoite
faltabebeu
Confessou-nos que
de ideologia
um cocktail,
de Boris Johnsone fumou despreza a falta
vinho, whisky de ideologia
um charuto cubano de Boris Johnson
- Sete em Cameron:
STEFAN WERMUTH/REUTERS

Confessou-nos que - Sobre a cena toda:

despreza a falta Dia do anúncio
de ideologia da demissão do David,
de Boris Johnson junho de 2016

Q
ualquer um dirá, sem dúvi- - OS
PUBLICAÇÃO. O LIVRO QUE ESTÁ A ASSUSTAR Seta em David Cameron:
CONSERVADORES BRITÂNICOS
das, que a declaração da

AS MEMÓRIAS
Convidou-nos para jantar.
demissão de David Came-
ron como primeiro-minis- Pediu para trazermos
tro da Grã-Bretanha lhe custou. Não "montes de bebidas"
previra a derrota do “remain” no re-
ferendo ao Brexit. Mas o que aconte-

INDISCRETAS
ceu atrás do número 8 de Downing - Seta em Cameron:
Street antes e depois desta declara- Nesta noite bebeu
çã0o, a 26 de junho de 2016, estava
por contar. Até agora. um cocktail,
Nos últimos dias, os jornais britâni- vinho, whisky e fumou

DA AMIGA
cos têm publicado excertos de Diary um charuto cubano
of an MP’s Wife: Inside and Outside
Power (o diário da mulher de um de-
putado: dentro e fora do poder), es- - Sete em Cameron:
crito por Sasha Swire. Entre eles, está
a história de como David e a mulher, Sasha Swire acompanhou nos bastidores Confessou-nos que e o
David Cameron
Samantha, se prepararam para este despreza a falta
anúncio: ela pensou que não conse-
início do governo de Boris Johnson. As anotações no seu diário
de ideologia
guiria estar a seu lado. Antes preci- revelam governantes inseguros, que afogam as derrotas em
de Boris Johnson
sou de beber um Negroni, um
cocktail feito com gin.
álcool e que fazem muitas piadas sexuais. Por Sara Capelo

60

- Seta em Samantha:
Estava arrasada
com o resultado
do Brexit
ela reagiu com um “peço-lhe, por fa-
- Seta em Samantha:
vor, não escreva sobre isso” – ainda
Só conseguiuque “isso” e muito mais estejam a
acompanhar David
partir de dia 25 nas livrarias britâni-
cas. Está
depois de beber um ginlá a descrição de um Boris
Johnson, atual primeiro-ministro,
“calculista” e “desesperadamente
solitário e infeliz”. Também é tratado
como “uma das Kardashians”. Está lá
a sua antecessora, Theresa May, que
“não tem uma única ideia original na
cabeça”. Está lá um Michael Gove,
ex-ministro da Justiça, “ligeiramente
maluco”. E, sobretudo, está lá um
David Cameron que como primeiro-
-ministro dava a imagem de estar
particularmente interessado no ta-
manho dos pénis dos seus ministros
ou ficava acordado até tarde com o
marido de Sasha, Hugo, “a admirar
os mamilos” da atriz Keira Knightley
na televisão. Durante um passeio,
disse até a Sasha que o perfume dela
lhe dava “vontade de a levar para
trás dos arbustos para dar uma”. A
autora aligeira: “Não vou bater nos
homens por serem homens. Eles
comparam mesmo tamanhos.”
Não há como sair bem das entra-
das indiscretas do diário que Sasha
Swire escreveu entre 2010 e 2019.
No início deste ano, Sasha decidiu
partilhá-lo com um agente literário.
Teria interesse em publicá-los? Dado
o conteúdo indiscreto, como não?
“Talvez eu tenha sido ingénua. Mas
Pouco depois, Sasha e Hugo, o ma- estou apavorada por causar proble-
rido deputado que dá nome ao livro, mas”, disse ao The Guardian, des-
foram até à casa dos Cameron carre-
gados de bebidas, como David lhes
pedira. David fez “um Negroni letal A reação dos Cameron
antes de avançarmos para um sem- Amigos, amigos, indiscrições à
-número de garrafas de vinho, parte? Autora garante que sim
whisky e brandy”, escreveu Sasha.
Estava “incandescente de raiva” en- Sasha Swire assegura que
quanto fumava charutos cubanos. ainda há dias esteve com o ca-
A divulgação dos primeiros capítu- sal amigo durante um fim de
los dos seus “diários políticos mali- semana. Samantha perguntou-
ciosamente indiscretos” causou -lhe se, no livro dela, iria retratá-
“consternação entre os envolvidos” -la como uma esquerdalha. A
e até na própria, notou a jornalista autora confirmou-o e a retrata-
do The Guardian que entrevistou da “riu-se”. Quanto a David, é
uma aparentemente arrependida citado pelo The Independent
Sasha Swire na cozinha de sua casa. como tendo declarado apenas
Quando lhe perguntou sobre um que o diário é “um pouco
episódio de um jantar em que o anti- embaraçoso”.
go vice-primeiro-ministro Michael
Heseltine imitou um convite da Rai-
nha Isabel II para formar governo,
24 SETEMBRO 2020
www.sabado.pt
www.sabado.pt
j crevendo o texto como “livre”, como
As notas de Sa- ela. Em 2009, quando o amigo “Da-
sha Swire sobre
ve” a convidou para o parlamento,
o dia da demis-
são de Cameron, declinou: ela sabia que não conse-
após a derrota
no referendo do
guiria estar calada. Agora, provou-o.
Brexit, em 2016 Sasha, uma ex-jornalista e filha de
um antigo ministro da Defesa de
Margaret Thatcher, entrou no círculo
próximo dos Cameron depois de um
jantar. O seu marido, o antigo depu-
tado conservador e ministro de as-
suntos externos Hugo Swire, tam-
bém frequentou Eton, tal como Ca-
meron. E ter sido aluno do elitista
colégio, diz ela, é o motivo por que
Hugo nunca foi apontado ao cargo
de primeiro-ministro – a época era
de procurar variedade. Talvez por
isso, a colunista do The Telegraph
Hannah Betts seja bastante crítica
quanto à publicação deste “diário
A autora de vingança”, que serve apenas para
Sasha Swire “expor a amargura [de Sasha e Hu-
tem 57 anos e go] por não serem jogadores mais
dois filhos. importantes” na política britânica.
Quando estu- Na entrevista autojustificativa ao The
dava artes ti- Guardian, Sasha disse que não tem
nha como cole- saudades desse mundo: “Quem está
ga John Gallia- de fora pensa que os políticos são
no. O pai, Sir muito profissionais. Não são. É total-
John Nott, foi o mente amador. É por isso que é tão
ministro da De- sexy e tão tóxico e eu estou muito
fesa envolvido feliz por já não fazer parte disso.”
na guerra das
Malvinas Confissões com queijo de cabra
O diário termina em 2019, quando
Hugo deixou o parlamento, pelo que
ainda deixa espaço para memórias
indiscretas sobre o atual chefe do
Governo. Em agosto de 2019, quan-
do ainda “se estava a beliscar” por
ter chegado ao cargo, Boris Johnson
recebeu os Swire para jantar em
Downing Street. Ele próprio prepa-
rou uma sanduíche de queijo de ca-
bra e figos a Sasha e disse-lhe que,
com a crise do Brexit no parlamento
britânico, estava “com dificuldade
CAMERON em dormir à noite; é tudo tão preo-
NOTOU QUE cupante”. A conversa à mesa saltaria
O PERFUME depois para temas mais comezinhos.
DE SASHA Sasha confidenciou-lhe que o mari-
LHE DAVA do namorou com Jerry Hall, modelo
“VONTADE e ex de Mick Jagger. Johnson gritou:
DE A ATIRAR “Hugo! Comeste a Jerry Hall?”
PARA OS Esta montanha-russa na conversa
ARBUSTOS fez Sasha mudar a sua opinião sobre
PARA DAR Johnson: ele é afinal uma “ilha louca”
UMA” que só quer ser amada. W
61
 Opinião

RELATÓRIO O Podem tê-los minimizado. Podem

MINORITÁRIO Dilemas tê-los apoiado a destempo, arrepen-

dendo-se. Podem tê-los olhado

Há aparentemente novas
dinâmicas em marcha, na
do PS como sapos que têm de ser engoli-
dos, para evitar males maiores.
Mas nunca o silêncio.

A
questão das presidenciais. inda falta um ano, mas a pro- Não resulta. A política é feita do ruído.
Mas, fundamentalmente, cissão precisa de se organizar Claro que o PSG e o PSP são coisas
tudo continua igual, no adro. diferentes.
sobretudo no que toca O PS-Governo (PSG) tem de se de- Nem todo o PS está no Governo,
às escolhas do PSG (PS- cidir (ou não) sobre se aceita apoiar nem todo o Governo está no PS.
-Governo) e do PSP (PS- sem pestanejar um Marcelo “consen- Mas não cubramos o sol com a pe-
-Partido). Só uma coisa sual”. Ou se o apoia, pestanejando. neira. O atual Governo representa o
alteraria tudo O PS-Partido (PSP) deve pronunciar- PS, e é representado por ele. Repre-
-se também, ou em vez do primeiro. senta-o, aliás, mais e melhor do que
Em boa medida, apesar de os parti- quando tínhamos uma “geringonça”
dos não apresentarem candidaturas, mais forte e menos equívoca.
os pretendentes ao trono laico são A questão é só esta: o que ganha e o
quase sempre antigos, presentes ou que perde o PSG/PSP num apoio a
futuros animais partidários. Marcelo, mesmo antes de este ter
Daí que não pareça estranho que os anunciado a candidatura? E no não
partidos falem. apoio a uma militante, que já indicou
Aliás, em nenhuma eleição, desde o desejo?
1976, estiveram os mesmos calados Parece óbvio que, na presumível vi-
perante os candidatos a Belém. são de poder de António Costa, o
atual Governo, ou um parecido, com
o mesmo programa (que é, afinal, o
do PSP), só consegue sobreviver Q

O j
Direito sucessório
A sucessão da admirável Ruth Gins-
burg (uma mulher contra as modas e
as correntes, a começar pelo Roe vs.
Wade, o caso do aborto), no crucial
Supremo Tribunal dos EUA, não é só
folclore e fogo de vista.
Apesar de existirem apenas três juí-
zes “progressistas” (Breyer, Soto-
mayor, Kagan), a verdade é que os
restantes cinco (Kavanaugh, Gorsuch,
Alito, Thomas, Roberts) são, como me
dizia um próximo, “conservadores
autónomos”. Incluindo John Roberts:
“sobretudo” (citando ainda) “um cen-
trista puro”.
Simplificando, de três contra 4+1
passar-se-ia, sob Trump, para três
contra seis (ou 5+1). Algo que continua
GARY HERSHORN/REUTERS

a causar alergia aos espíritos que de-

sejam uma justiça de leis, e não de
O
Politólogo homens: os mandatos vitalícios. W
Nuno Rogeiro
nrogeiro@gmail.com

62

JOSE SENA GOULAO
Q se tiver, como PR, um político não
hostil por sistema, não conflituante
por convicção e apaziguador por cir-
cunstância.
E se essa visão inclui, como os mais
próximos especulam, uma candidatu-
ra de Costa a Belém, a seguir a Marce-
lo, parece normal que o putativo can-
didato queira usar no currículo um se-
gundo mandato executivo bem-suce-
dido.
Por outro lado, se aquilo que for bom
para Costa for bom para o PS (e parece
ser assim, salvo melhor opinião), o PSP
quererá as mesmas coisas: um PR que
não seja “força de bloqueio”, que não
vete em excesso, nem pronuncie
amiúde mensagens “negativas”.
O h
Uns e os outros
A recente captura de um “chefe in-
ternacional da Jihad”, em Cabo Del-
gado, pode ser de extremo signifi-
cado, na análise e no combate ao
terrorismo desta matriz. Se ficar
confirmado que o homem pertence
à Al-Qaida e não ao Daesh, as coi-
RICARDO ROCHA
sas melhoram e pioram para Mo-
çambique. Melhoram, porque po-
dem demonstrar profunda divisão
entre o jihadismo local, na cauda da
disputa global entre os dois bandos.
Pioram, porque a Al-Qaida, respon-
sável pelo 11 de Setembro e pelo
ataque ao Charlie Hebdo, procura
renascer das cinzas e “investir” em
África. Não como um exército terri-
torial bárbaro, à maneira do Dito
Estado Dito Islâmico, mas como um
grupo de células “revolucionárias”,
agindo por toda a parte. W
D.R.
O PSP gostaria, certamente, de ter um
candidato próprio vencedor à partida.
Ora, desde 1976 que não há verda-
deiramente grandes surpresas nas
presidenciais. Por outras palavras, e
sem querer ser cínico, nenhum can-
didato inicialmente “sem hipóteses”
chegou a Belém.
O PSP precisaria assim de optar: ou
apostar tudo num candidato “doutri-
nalmente certificado”, mas “sem hi-
póteses”, ou apoiar vários candida-
tos, incluindo o que tem óbvias opor-
tunidades de ganhar, para não se di-
zer que violou gravemente a sua pró-
pria alma, ou pôr a sua convicção por
inteiro no favorito, mesmo que este
seja ideologicamente um estranho.
A primeira e a terceira hipóteses pa-
recem (para já) remotas.
O PSP não é uma instituição de
caridade (o que não quer dizer que
seja contra ela), e pouco ganharia
em apoiar totalmente uma candi-
datura eventualmente da sua área,
mas decidida sem consultar primei-
ro bases, quadros, dirigentes, mili-
tantes, etc.
j do de hoje (Guerini), Epic Continent,
24 SETEMBRO 2020
www.sabado.pt
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Por outro lado, também poderia não
lucrar nada em apoiar um candidato
dito ganhador, mas que não lhe desse
100% de garantias de “fidelidade”.
É aqui que entra a lógica própria das
presidenciais.
Como se disse, embora não alheios
aos partidos, os candidatos mais im-
portantes foram sempre, em regra,
homens vindos dos mesmos partidos,
mas entretanto distanciados por
questões de personalidade, percurso,
dimensão e projeto próprio. As exce-
ções conhecidas são as de Otelo e de
Soares Carneiro.
O PSP não pode assim ter a certeza
sobre tudo, no que toca a Belém.
Marcelo é capaz de continuar a ser,
por convicção, um sanador, mas
pode também revelar-se um sonha-
dor, além do que o Governo quer,
pode ou sabe fazer.
Claro que, sem Marcelo, e com a
“área natural” da “direita” disputada
por Miguel Albuquerque e André Ven-
tura, por exemplo, tudo seria mais fácil
para a decisão do mesmo PSP.
E do PSG? W
O
Páginas tantas
O que leio? Deus e o Mercado, diá-
logo entre Cés ar das Neves e Vítor
Melícias, O Som da Montanha, de
Yasunari Kawabata, D. Quichotte,
de Salman Rushdie (na foto), todos
na... D. Quixote. Lá fora: The Balkan
Reconquista, de William Holt (Univ.
of Utah), sobre a tragédia dos turcos
deslocados ao longo dos tempos, In
Prima Fila, de G. Castellaneta, refle-
xão sobre o lugar de Itália no mun-
de Nicholas Jubber, acerca das nar-
rativas heroicas sobre a Europa
(Barnes & Noble), A Political Philo-
sophy of Conservatism, de Ferenc
Hörchner (Bloomsbury), e a impe-
cável tradução de Saint Loup, Le
Pacte des Diables (Buchet), de Ro-
ger Moorhouse, sobre a natural
aliança Hitler/Stalin. W
63
 Dinheiro

PERFIL. RAMIRO SEQUEIRA, O NOVO PRESIDENTE EXECUTIVO DA TAP

O PUGILISTA
DIPLOMATA
NA EMPRESA
EM CHAMAS
Uma perna partida interrompeu-lhe o boxe e a peregrinação
anual, a pé, a Fátima. Chega à liderança da TAP com um
percurso técnico invulgar e elogios. Aceitou ser interino, mas
na empresa há quem pense que pode ficar. Por Bruno Faria Lopes

O
telefone vibra com o alerta
de acidente num avião da
companhia – e começa o
processo. Na sala do co-
mando de operações reúne-se a
equipa prevista para lidar com a ur-
gência que pode pôr muitas vidas
em risco. Uma das peças-chave nes-
se elenco é o vice-presidente res-
ponsável pelas operações que, na-
quela sala, é um gestor relativamente
jovem – chama-se Ramiro Sequeira,
tem 39 anos, e assumiu este mês a
liderança da TAP, em acumulação
com a vice-presidência com o pe-
louro das operações. “Mesmo que
saibamos que é uma simulação de
acidente, aquilo é uma situação de
stress e ele manteve-se sempre sere-
no”, conta à SÁBADO uma pessoa
que estava na sala. O episódio foi
contado para ilustrar o que este fun-
cionário da TAP – e várias pessoas
ouvidas pela SÁBADO – consideram
ser uma das principais características
do homem que aceitou pegar na em-
presa na fase mais difícil de sempre.
FEZ PARTE Serenidade é algo de que irá precisar.
DA EQUIPA Ramiro Sequeira, até aqui um nome
QUE desconhecido da esmagadora maio-
TORNOU ria dos portugueses, é um feroz adep-
A IBERIA A to da discrição. Fala pouco sobre a
COMPANHIA vida pessoal, nunca levou a mulher
AÉREA MAIS ou o filho pequeno à TAP ou às em-
PONTUAL presas por onde passou em Espanha,
DO MUNDO não milita no circuito lisboeta dos al-
moços e dos jantares com outros ges-
tores. É um lisboeta outsider numa
empresa tão política como a TAP, na
qual aterrou no verão de 2018 para
ficar à frente da delicada e crucial
parte das operações – a que lida com
escalas de pilotos e tripulações e com
todos os serviços de que um avião
precisa para descolar. Não parece ter
sido a primeira opção do conselho de
administração da empresa e do Go-
verno para o cargo de presidente
executivo interino – os media chega-
ram a falar de David Pedrosa, filho do
acionista Humberto Pedrosa e diretor
na TAP, que terá recusado. Mas o
perfil e o currículo de Ramiro acaba-
ram por ser notados como a opção

64
 24 SETEMBRO 24 SETEMBRO 2020
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j
Ramiro Sequeira,
39 anos, é um
interino com
influência enorme
sobre o futuro da
TAP: será um dos
autores do plano
de reestruturação
da empresa

D.R.

natural para uma tutela política sem
opções no curto prazo.
O novo presidente da TAP sabe pi-
lotar um avião nos simuladores, mas
não na realidade. Além da idade
também a sua formação é invulgar
para um presidente de uma grande
empresa como a TAP: chega ao topo
sem o percurso típico da licenciatura
(fez um MBA executivo quando já
estava na Iberia) e com um perfil
eminentemente técnico. Começou
aos 20 anos por baixo, na Portway,
a empresa que assiste passageiros e
transporta mercadorias no aeroporto
de Lisboa. Com 21 anos fez o curso
técnico de oficial de operações de
voo, similar ao dos pilotos. Depois
de passar pela Air Luxor e pela Lu-
zair emigrou para Espanha, onde fi-
cou 12 anos, sempre a queimar eta-
pas. Esteve cinco anos na low-cost
Vueling, ajudou a montar a start-up
de voos de baixo custo da Iberia e
saiu da companhia espanhola como
diretor do controlo de operações.
Em teoria, é um presidente execu-
tivo a prazo numa empresa em crise
existencial: o combinado com a tute-
la de Pedro Nuno Santos foi que
ficaria no cargo até ser encontrado
um gestor a título definitivo, recruta-
do num processo internacional. Em
nenhuma altura lhe foi dito que seria
considerado para o cargo que agora
ocupa como interino, em acumula-
ção com a vice-presidência das ope-
rações. A sua experiência muito con-
centrada na vertente operacional
pode ser uma desvantagem, mas
cinco pessoas ouvidas pela SÁBADO
– incluindo do conselho de adminis-
tração e do grupo dos pilotos – não
descartam que Ramiro venha a ser
COMEÇOU considerado no recrutamento e que
POR BAIXO possa ficar a título definitivo.
NO SETOR, “Se o processo do plano de reestru-
NÃO SE turação correr bem é incontornável a
LICENCIOU E sua inclusão na lista final de candi-
FEZ UM CUR- datos”, diz, sob anonimato, um
SO TÉCNICO membro do conselho de administra-
IDÊNTICO ção. Na esfera sindical, a perceção é
AO DOS idêntica. “Se foi chamado para gerir
PILOTOS na fase pior deste setor e se correr Q

65

Dinheiro
j de reestruturação
A DG Comp,
liderada por
Margrethe
Vestager, será
crucial no
plano sobre o
futuro da TAP
MICHAEL SOHN / POOL
h que reestruturou a Iberia e a tornara,
A gestão da TAP,
com apoio da
consultora BCG,
está a trabalhar
no plano que
o ministro Pedro
Nuno Santos
levará a
Bruxelas
BRUNO COLACO
Q bem por que razão não pode ficar
a seguir?”, questiona Henrique Mar-
tins, do sindicato SNPVAC. A difícil
conjuntura corre contra Ramiro Se-
queira, que não equaciona por en-
quanto o cenário da continuidade: a
TAP tem só cerca de um quarto dos
aviões a voar, a procura vai conti-
nuar deprimida por causa da pande-
mia e o plano de reestruturação que
tem de submeter à Comissão Euro-
peia vai ser muito duro (ver caixa).
A seu favor tem dois trunfos citados
por várias fontes: competência
técnica e talento diplomático.
Revolução e diplomacia
Quando chegou, na segunda metade
de 2018, nomeado por concurso, a
TAP era das piores do mundo na
pontualidade dos voos, desempenho
classificado como uma “vergonha”
pelo então presidente executivo, o
sanguíneo Antonoaldo Neves. Rami-
66
j
A contestação laboral
na TAP será proporcio-
nal à dureza do plano
JOÃO RELVAS
ro Sequeira fizera parte da equipa
em dois anos diferentes, a compa-
nhia aérea mais pontual do mundo.
Liderou, na TAP, uma pequena
revolução na frente operacional.
Tal como fizera na Iberia, pegou
em áreas que estavam espalhadas
por toda a empresa, por vezes em
edifícios diferentes, e integrou-as
num mesmo centro de controlo: es-
calas de tripulantes, planos de voos,
carga, manutenção, catering, entre
outros. Para agilizar a saída de cada
voo criou uma equipa que está no
terreno a impor ritmo e a limar todos
os problemas que podem surgir na
miríade de serviços de que um voo
depende, do catering ao carrega-
mento dos porões, passando pela
documentação do voo que os pilotos
precisam de ter. Digitalizou tudo, do
planeamento de escalas dos pilotos,
à informação para a gestão.
No gabinete do novo presidente da
TAP, além de uma camisola do Real
14
mil
Madrid emoldurada e assinada pelo
plantel – um presente de saída ofe-
Número total de
trabalhadores Reestruturação
no grupo TAP,
TAP com 929 milhões
antes da
de prejuízos desde 2008
pandemia. Hoje
já é menor e Na última dúzia de anos, só
vai encolher num deles a TAP não teve prejuí-
mais zos. Ao todo são 929 milhões de
euros em perdas. A dívida, que o
ministro Pedro Nuno Santos con-
siderou “brutal”, é de 3,3 mil mi-
“SE CORRER lhões de euros. A pandemia
BEM É IN- apanhou a TAP em contrapé
CONTORNÁ- (estava a investir para crescer),
VEL A SUA mas os problemas de viabilidade
INCLUSÃO são antigos, o que vai dificultar
NA LISTA as negociações com Bruxelas.
FINAL DE
NOMES PARA
O CARGO”
24 SETEMBRO 2020
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www.sabado.pt
recido pela sua equipa na Iberia – e
de um desenho do seu filho de um
avião colorido, está um ecrã plasma
com uma bateria de gráficos e de in-
dicadores que dão, em tempo real,
informação sobre os voos. Esta infor-
mação, que passou também a estar
nos smartphones de quem gere a
TAP, leva a uma resolução de proble-
mas que funciona – por WhatsApp ou
por telefone – quase 24h por dia.
Logo em 2019, a pontualidade da TAP
melhorou de 58%, em 2018, para 64%
no ano seguinte. Este ano, só com um
quarto dos voos no ar, está em 77%.
Tudo isto foi feito sem sobressalto
numa empresa altamente sindicali-
zada – há 14 sindicatos representa-
dos na TAP. Não é fácil encontrar
quem aponte falhas ao gestor. Se do
conselho de administração se ouve
que o novo líder executivo é “discre-
to, muito trabalhador, sereno e al-
guém com quem se consegue traba-
lhar e ter uma relação de confiança”
– uma opinião em contraste com a
que alguns membros desse conselho
têm sobre Antonoaldo –, dos sindi-
catos a apreciação não é diferente.
“É uma pessoa que classificamos de
muito cordata, de trato fácil”, conta
José Sousa, do Sitava, sindicato na
esfera da CGTP. Henrique Martins
confirma essa opinião sobre Ramiro,
gestor que em Espanha acumulou
experiência com sindicatos – na sua
primeira mensagem aos trabalhado-
res, emitida este mês, apelou à
“união entre nós, colegas”.
Na última apresentação de resulta-
dos, Ramiro Sequeira chegou ainda
com a perna partida no padel, des-
porto que nem chegou propriamente
a praticar. A fratura acabou com uma
sequência de cinco anos no boxe,
escolha desportiva em contraste
com o perfil de gestor que toda a
gente lhe aponta. Como vice-presi-
dente das operações estava habitua-
do a ter o telefone a tocar a qualquer
hora do dia ou da noite – um aero-
porto fechado num voo noturno é
um problema que lhe vai parar ao
telemóvel, por exemplo – e sobrou
sempre pouco tempo para o que
gosta de fazer: estar com a família,
correr ou fazer uma peregrinação
anual, a pé, a Fátima. Este ano, a
perna partida travou esse ritual. W
EM TEMPOS DE PANDEMIA, COMO SEMPRE,
ESTAMOS AO LADO DE QUEM PRECISA

SOCIEDADE PORTUGUESA
DE ORTOPEDIA E TRAUMATOLOGIA

REVISTA
GRÁTIS
JÁ NAS
BANCAS

INICIATIVA DA SANTA CASA DA MISERICÓRDIA E DA SOCIEDADE

PORTUGUESA DE ORTOPEDIA E TRAUMATOLOGIA, ATRAVÉS
DO GEOGER (GRUPO DE ESTUDO DE ORTOPEDIA GERIÁTRICA),
que desenvolveram uma campanha de prevenção de quedas
e um alerta para as medidas de prevenção durante a
pandemia, com a elaboração deste manual com informações
úteis e práticas. Para ler e divulgar!
 Sociedade

68

No seu novo romance, há um português nas SS, uma revolta judaica, movimentos
esotéricos e um mágico que se salva da câmara de gás a fazer truques. Mesmo
sem ter ido a Auschwitz para escrever o livro, ele garante que é tudo verídico.
“Havia no campo
de concentração
um bordel para os
bem-comportados”
E
steve para não escrever
este romance, que come-
çou a idealizar há três anos
e resultou em dois volu-
mes, impressionado com a realidade
atroz que a pesquisa lhe revelou.
Depois, como contou à SÁBADO,
reconsiderou, “para fazer justiça ao
que aconteceu”. O Mágico de
Auschwitz chega esta semana ao
mercado, mas para ler o fim da his-
tória da sobrevivência do protago-
nista, o judeu alemão Herbert Levin,
que no palco se anunciava como O
Grande Nivelli e continuou a carrei-
ra de ilusionista no pós-guerra, será
necessário esperar por novembro,
quando será publicado o segundo
volume, O Manuscrito de Birkenau.
De onde surgiu a ideia para este
romance?
Num programa de Luís de Matos,
puseram-me um idoso ao lado. Era
outro convidado e tinha 90 anos.
Tratava-se de Werner Reich. Fiquei
surpreendido com a idade dele, pois
estava fisicamente apto e cognitiva-
mente normal. Mais surpreendido
fiquei quando o Luís explicou que
BRUNO COLAÇO
ele tinha aprendido ilusionismo em
Auschwitz, onde conheceu um
grande mágico daquele tempo. No
Entrevista
JOSÉ RODRIGUES DOS SANTOS
Por Rita Bertrand (texto) e Bruno Colaço (fotos)
dia seguinte encontrei o Werner ao
pequeno-almoço no hotel, começá-
mos a conversar e... nasceu assim
O Mágico de Auschwitz.
Tem alguma ligação pessoal
ao judaísmo que o tenha levado
a escolher o tema?
Tenho a ligação que todos os por-
tugueses têm. Os estudos genéticos
mostram que os nossos genes do-
minantes são os judeus – 40%, bem
mais do que os genes lusitanos,
celtas, visigodos ou romanos, o que
significa quase metade. Portanto,
todos somos meio judeus. Não foi
isto que nos ensinaram na escola,
mas é o que os estudos genéticos
revelam. Pelos vistos a maioria dos
judeus não saiu de Portugal, mistu-
rou-se com os outros portugueses
e o resultado somos nós.
Porque dividiu o romance em
dois e deixou a parte mais em-
polgante e terrível para o fim?
Faz parte da lógica da narrativa, a
intriga evolui em crescendo. Lendo
O Mágico de Auschwitz, ficamos
primeiro com a sensação de que é
uma história típica do Holocausto.
Depois começam a surgir surpre-
sas, até percebermos que os dois
volumes nos revelam um
Auschwitz nunca contado em fic-
24 SETEMBRO 2020
www.sabado.pt
www.sabado.pt
j ção. Esse é o desafio deste projeto:
Neste romance, mostrar Auschwitz como nunca foi
Rodrigues dos
Santos recupera mostrado, fazer com que o leitor
Francisco, deixe Portugal em 2020 e mergu-
personagem que lhe em Auschwitz em 1944, como
apareceu em A
Vida num Sopro se vivesse lá. Não é preciso exage-
e O Anjo Branco rar, inventar ou dramatizar: basta
mostrar como era.
Como doseou a parte ficcional
e os eventos reais?
Todas as personagens são basea-
das em figuras reais e as situações
descritas são igualmente inspiradas
em acontecimentos verdadeiros.
Isso faz parte do exercício de
transportar o leitor para aquele
tempo e para aquele lugar. Acho
que a literatura sobre Auschwitz
contém uma boa dose de fantasia
sobre o que acontecia no campo.
Pareceu-me que se impunha um
livro diferente. Um livro cru e
verdadeiro. Essa é a ambição de
F O Mágico de Auschwitz.
“Todas as Teve muitas dúvidas durante
personagens o processo?
são baseadas Tive imensas dúvidas e, na realida-
em figuras de, quando concluí a pesquisa, to-
reais e as mei até a decisão de não escrever
situações o romance. Percebi que este era
inspiradas em um daqueles casos em que a reali-
acontecimen- dade era pior que tudo o que a
tos verídicos” imaginação pudesse conceber e Q
69
 Sociedade
Q achei que os leitores não esta-
vam preparados para um livro des-
tes. Depois reconsiderei. Pensei
que não era importante que os lei-
tores fossem ou não capazes de o
ler, o importante é que o escreves-
se e que, ao escrevê-lo, fizesse jus-
tiça ao que realmente aconteceu.
Sentiu que estava em terreno
demasiado delicado para dar
grande espaço à imaginação?
A imaginação está lá, pois não é
possível escrever ficção sem imagi-
nação, mas encontra-se ao serviço
da realidade. Para reconstruir a
realidade é preciso começar por
imaginá-la. Mas, de facto, não se
trata de dar rédea livre à imagina-
ção. Uma reconstituição histórica
dramatizada segue os aconteci-
mentos que são conhecidos e
apenas preenche com imaginação
o que não se sabe com exatidão.
Só depois de reunir os factos
é que partiu para a escrita?
O livro nasceu de muitas conversas
com Werner Reich e da investiga-
ção subsequente. Foi a pesquisa
que me revelou o livro que escrevi.
Se assim não fosse, estaria a pôr a
realidade ao serviço da imagina-
ção, ou seja, a usar Auschwitz para
contar uma história inventada. Não
é isso que eu quero. A imaginação
não passa de um instrumento para
recriar a realidade histórica. A ver-
dade é a raison d’être dos meus ro-
mances. Dizer a verdade é o meu
compromisso. Para quê gastar tem-
po com coisas inventadas?
Visitou as localizações do livro?
Sim, visitei Praga e a Rússia. Quanto
a Auschwitz, o meu plano era ir lá
esta primavera. Porém, a partir de
março houve aí um pequeno aconte-
cimento que atrapalhou as viagens...
Inicialmente, Levin surge como
um homem comum. Só no fim do
primeiro volume, quando Alfred
“Fredy” Hirsch lhe dá um baralho
de cartas para treinar para a re-
volta dos judeus, se percebe que ele
é um mágico de renome. Porquê?
O livro começa com a dimensão hu-
mana de Levin. A sua profissão de
ilusionista é irrelevante para tudo o
que lhe acontece nesta fase, a ele e à
sua família, embora esteja presente
na narrativa. Na segunda parte da
70
g história, contudo, o talento de mági-
Fotografámos co torna-se crucial e adquire maior
o autor no Largo
de São Domin- importância graças ao fascínio dos
gos, em Lisboa, nazis pelo ocultismo.
onde um memo- O português Francisco é um
rial recorda o
massacre de ju- bruto, um fascista sedento de
deus ocorrido sangue, que já tinha aparecido
no século XVI noutros livros seus. No entanto,
apaixona-se por uma russa e faz
tudo para a salvar. Acredita que
o amor redime? Que todas as
pessoas têm um lado bom?
Espinosa diria que não existe bem
nem mal, o que há são coisas de
que gostamos e às quais chama-
mos boas e coisas de que não gos-
tamos e às quais chamamos más.
Os nazis acreditavam que o Holo-
O primeiro causto era uma coisa má que fa-
volume de ziam em nome de um bem maior,
O Mágico de o que é um raciocínio típico de ze-
Auschwitz che- lotas. Vemos a Inquisição a pensar
ga ao mercado assim, bem como os jihadistas, os
esta semana. regimes comunistas de Lenine, Es-
O lançamento taline, Mao, Kim Il-sung e Pol Pot,
oficial é este ou Hitler. É como escreveu
sábado, 26 de Aleksandr Solzhenitsyn em O Ar-
setembro quipélago de Gulag, a frase que faz
epígrafe de O Manuscrito de Birke-
nau, o segundo volume de O Mági-
co de Auschwitz: “Para fazer o mal,
a primeira coisa necessária é acre-
ditar-se que se está a fazer o bem.”
Torquemada achava que todo o
F mal que fazia era em benefício de
“A um bem superior, e o mesmo
imaginação achavam Bin Laden, Lenine, Pol
não passa Pot, Hitler e todos os grandes as-
de um sassinos da história. Acreditavam
instrumento que iam “salvar” a humanidade.
para recriar Tem-se escrito muito sobre o
a realidade Holocausto mas não sobre a par-
histórica” ticipação de portugueses, certa-
BRUNO COLAÇO
mente porque Salazar optou
pela neutralidade. Quis mostrar
que não foi totalmente assim?
Quis recuperar a história esqueci-
da, como habitualmente procuro
fazer nos meus romances. Havia
portugueses nas SS e no entanto
não só a nossa literatura estranha-
mente não o menciona como mui-
tos historiadores nem tocam no as-
sunto. Achei que estava na hora de
quebrar esse silêncio. Uma vez que
havia portugueses nas SS, e que tal
facto permanece ignorado, escrevi
um romance em que uma das per-
sonagens centrais é um SS portu-
guês. Assim já não é possível igno-
rar este tema.
Há duas cenas no livro relacio-
nadas com sexo, a do bordel e a
do encontro frustrado de Levin
com a mulher nas latrinas, que
mostram que só os que têm as
necessidades básicas satisfeitas
sentem desejo. Porque fez ques-
tão de o sublinhar?
Não houve nenhuma razão particu-
lar, a não ser mostrar uma realida-
de da vida em Auschwitz. Havia no
campo de concentração um bordel
para os prisioneiros bem-compor-
tados. Aparentemente, os nacional-
-socialistas inspiraram-se em práti-
cas que já existiam nos campos de
concentração comunistas. E sim, os
prisioneiros judeus tinham vida se-
xual em Auschwitz. Isto está bem
documentado pela historiografia e,
naturalmente, constituía um ele-
mento importante da vida dos pri-
sioneiros enquanto seres humanos.
Portanto, não podia ignorar esta fa-
ceta da vida no campo.

A revelação do lado místico dos
nazis dá um interesse acrescido
à história?
É um tema que a historiografia so-
bre o nacional-socialismo só agora
começa a levar a sério. As principais
origens intelectuais do nazismo, de-
signadamente o nacionalismo, o so-
cialismo, o racismo e a eugenia são
já muito estudadas e estão bem do-
cumentadas, mas não o misticismo.
Durante muito tempo pensou-se
que era apenas uma faceta exótica,
agora começa a perceber-se que na
verdade teve um papel central em
toda a ideologia e designadamente
na conceção dos campos de exter-
mínio. Sendo este um romance so-
bre um mágico em Auschwitz, fazia
todo o sentido aprofundar a ligação
da ideologia nazi ao ocultismo e à
sua visão de que só eliminando os
sub-humanos se podia recuperar a
centelha divina dos seres humanos
e assim salvar a humanidade.
Essa ligação está provada?
O chefe máximo das SS, Himmler,
pertenceu a um movimento esoté-
rico chamado Liga dos Artama-
nem, o mesmo a que pertencia
o criador e comandante de
Auschwitz, Rudolf Hoess. Os SS
viam-se como uma ordem iniciáti-
ca, eram profundamente interessa-
dos no misticismo oriental, e ti-
nham até uma unidade, a Ahne-
O sobrevivente que inspirou o romance
Werner Reich contou à SÁBADO como era o mágico de Auschwitz
“Levin era muito mais velho que eu,
no campo tratava-o por senhor. Sempre
foi muito gentil comigo, creio que via em
mim o seu filho, que tinha menos 10 anos
que eu. Ofereceu-me um ombro
para chorar, que eu nunca usei,
e ter-me ensinado um truque
de cartas mostra que queria
fazer alguma coisa por mim.
Claro que saber aquele tru-
que me era inútil, eu não ti-
nha cartas, mas foi um pre-
sente que me deu, aquele co-
nhecimento era tudo o que ele
tinha.” É assim que o judeu ale-
j mágico na sua arte. A única magia
Em palco, o pro-
tagonista, Levin,
era O Grande Ni-
velli; morreu em
1977, dois dias
depois do seu úl-
timo espetáculo
nerbe, que organizava expedições
de investigação esotérica. Esse fas-
cínio subsiste até hoje para muitas
pessoas. Os nazis tinham apego às
coisas da natureza, ao herbalismo,
ao vegetarianismo, ideias que so-
brevivem e que têm a sua origem
na Jugendbewegung, um movi-
mento jovem do século XIX e que
está também na origem dos hippies O segundo
e dos beatniks. volume do ro-
Deixa muito claro que a magia mance – e des-
é ilusão, apenas truques. Não fecho da histó-
acredita no paranormal? ria de Levin –, O
Sou muito espinosista nesta ques- Manuscrito de
tão. O paranormal é simplesmente Birkenau, terá
o normal que não entendemos. As o lançamento
leis da natureza não se alteram em oficial a 22 de
circunstância alguma, podem é novembro
produzir efeitos que desconhece-
mos: se um homem das cavernas
visse um televisor, pensaria que F nos esfaqueiam. Se o livro que es-
era magia, mas a verdade é que o “O misticismo
televisor funciona sem recurso a teve um papel
qualquer alteração das leis da central na
natureza. A magia não passa do ideologia
normal que não compreendemos. nazi e na
Sentiu-se tentado a aprender uns conceção dos
truques? Acha que teria jeito? campos de
Cada macaco no seu galho, cada extermínio”
mão Werner Reich, dos poucos sobrevi-
ventes do Holocausto ainda vivos, hoje
com 93 anos e também ilusionista nos
tempos livres, recorda o mágico com
quem, em adolescente, partilhou
o beliche em Auschwitz. Veio a
Portugal como convidado de
um programa de televisão de
Luís de Matos e Rodrigues
dos Santos ficou fascinado
com as suas memórias. Foi
a primeira vez que o autor
ouviu falar d’O Grande Nivelli,
que resolveu tornar protagonis-
ta do seu novo romance.
24 SETEMBRO 2020
www.sabado.pt
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que procuro criar é aquela que usa
as palavras e a imaginação para re-
constituir um lugar e um tempo.
Os seus romances têm sempre
uma base factual. A pesquisa
dá-lhe um gozo particular?
É por ser jornalista?
É muito possível que haja influên-
cia profissional no meu apego aos
factos, à realidade, à verdade, mas
acho que esse é o mais importante
papel da ficção. Há quem pense
que a força da literatura reside no
jogo de palavras e no exercício es-
tilístico. Não tenho o mesmo en-
tendimento. As palavras e o estilo
são importantes, sem dúvida, mas
enquanto meio para dizer algo. A
essência da literatura está no que
temos a dizer. Se um romance tem
a capacidade de rasgar horizontes
na nossa mente e de nos fazer ver
o que antes nos estava escondido,
então é um grande romance. Kafka
escreveu: “Penso que apenas de-
víamos ler livros que nos ferem ou
tamos a ler não nos desperta como
um golpe na cabeça, para que o es-
tamos a ler?” É exatamente assim
que vejo a literatura. Se O Mágico
de Auschwitz nos despertar como
um golpe na cabeça, que mais
posso desejar enquanto escritor?
Já equacionou escrever uma
história contemporânea,
totalmente inventada?
De certo modo é o que já faço nos
romances do Tomás Noronha, em
que a ação decorre hoje e os temas
são em geral contemporâneos: a
existência de Deus em A Fórmula
de Deus, as alterações climáticas
em O Sétimo Selo, o que acontece
quando morremos em A Chave de
Salomão, o jihadismo em Fúria Di-
vina, a corrupção na Igreja em Va-
ticanum, a vida no universo em Si-
nal de Vida, a inteligência artificial
e o futuro da humanidade em
Imortal. Não encontra nada mais
atual que isto. Tão atual, aliás, que
a última edição de Imortal foi atua-
lizada com informação sobre a Co-
vid-19. Claro que não é ficção to-
talmente inventada, mas não é essa
que me interessa. Eu quero é usar
a ficção para dizer a verdade. W
71
 Sociedade
SAÚDE. HÁ QUEM SE VEJA AO ESPELHO E NÃO SAIBA QUEM É
ELES NÃO RECON
João Taborda da Gama quase almoçou ao lado de um desconhecido e Inês Teotónio Pereira não vi
T
inha um almoço combinado
com uma figura de topo da
política portuguesa, no céle-
bre restaurante Pabe, em
Lisboa. Chegou já um pouco atrasado
e, ao vislumbrar alguém parecido
sentado ao balcão, aproximou-se e
sentou-se ao seu lado. Só se aperce-
beria que estava com a pessoa erra-
da quando ouviu uma voz familiar
perguntar pela mesa ao empregado.
“Claramente, só me sentei ao lado
daquele homem porque achei que
era o outro. Só passados uns mo-
mentos percebi que me enganei, não
pela cara dele, mas pelo que me es-
tava a dizer. A conversa não estava a
fluir normalmente”, conta João Ta-
borda da Gama à SÁBADO. Foi, tal-
vez, dos episódios mais embaraçosos
que lhe aconteceu. Juntamente com
aquela vez em que o antigo secretá-
rio de Estado fez uma viagem ao lado
de David Justino, durante uma cam-
panha eleitoral de Cavaco Silva, e só
a meio percebeu com quem estava a
falar. “Eu sabia que era alguém que
eu conhecia, mas não se pode per-
guntar às pessoas quem elas são”,
diz divertido.
Não é feitio, é mesmo defeito.
Na verdade, o advogado, de 43
anos, sofre de uma condição
chamada prosopagnosia, que
consiste na dificuldade em reco-
nhecer rostos. A palavra quer di-
zer isso mesmo – deriva do ter-
mo grego posopon (face) e ag-
nosia (desconhecimento), razão
pela qual este problema tam-
bém é conhecido como ce-
gueira facial. “Eu percebo
sempre que é uma pessoa
conhecida, mas não consigo
identificar quem é. Sinto-me
como aquelas pessoas que se riem
72
JOÃO ESTEVE das anedotas passado um bocadi- de inteira. No dia seguinte, encon-
À CONVERSA nho. E outros percebem quando é trou-o à noite e não o reconheceu.
COM O que a pessoa percebeu”, compara. “Ele veio ter comigo, falou-me e
JOGADOR DO Inês Teotónio Pereira tem o mes- disse: ‘Então, que grande festa!’ E eu
BENFICA mo problema. Se lhe pedissem para fiquei a olhar: ‘Mas quem é este?’”,
POBORSKY E desenhar um dos seus seis filhos conta à SÁBADO. Sempre pensou
ACHOU QUE não conseguiria. Quando fecha os que era apenas distraída, mas nesse
ERA UM ES- olhos não vê a imagem dos seus dia percebeu que era mais que isso:
TRANGEIRO rostos. É como se no lugar das suas a antiga deputada, que está agora na
MAL VESTIDO caras houvesse um espaço em bran- direção de uma ONG, não decora
co. Mas não lhe acontece só quando caras. Mesmo as mais familiares.
fecha os olhos. Uma vez, num casa-
i mento, ficou sentada ao lado de um Mais as mãos do que as caras
Inês Teotónio senhor, com quem conversou a tar- O problema não tem a ver com a
Pereira diz que
o pai e um dos memória. “Está ligado ao reconheci-
seus 8 irmãos mento e muitas vezes não acontece
também têm só com rostos. Estas pessoas tam-
o mesmo
problema bém têm dificuldade em distinguir
modelos de carros ou espécies de
pássaros”, diz Martinho Pimenta,
neurologista do Hospital CUF Infan-
te Santo. “O processamento visual
não é suficientemente capaz de
identificar rostos. Por isso, são pre-
cisas outras informações. Muitas ve-
zes, o reconhecimento é feito pela
voz”, explica o especialista. Daí a
importância do contexto.
Para Inês Teotónio Pereira, as idas
à praia, assim como as mudanças de
FOTOS SÉRGIO LEMOS
visual, por exemplo, são um pesade-
lo. Razão: “As pessoas na praia são
todas iguais, está tudo de fato de ba-
nho, o cabelo molhado, não têm
óculos. Vou sempre para os sítios
mais recônditos para não encontrar
ninguém”, diz. É que, para quem não
conhece a sua condição, a jornalis-
ta, de 48 anos, passa mesmo por
“antipática ou malcriada”.
O que mais aflige João Taborda
da Gama é não saber se a forma
como falou com determinada
pessoa é a mais adequada. “O pior
erro é ser um registo pouco familiar
para uma pessoa que merece essa

NHECEM CARAS
sualiza os rostos dos filhos de olhos fechados. Não são distraídos, têm prosopagnosia. Por Lucília Galha
Diferenças de género
As mulheres têm melhor
capacidade de memorização
Perante a imagem de uma
cara desconhecida, as mulhe-
res tendem a observá-la 10 a
40 vezes mais do que os ho-
mens, o que sugere que reco-
lhem mais informação visual
e, portanto, têm melhor capa-
cidade de memorização, se-
gundo um estudo da Universi-
dade McMaster, no Canadá.
A zona da cara a que prestam
mais atenção é aos olhos.
familiaridade. Parece que estamos
frios ou chateados”, diz. Reconhece
mais facilmente as mãos, o andar de
uma pessoa e até a sua silhueta, do
que uma cara – o que provoca es-
tranheza. Para os amigos é, so-
bretudo, divertido. Até porque
as peripécias se sucedem.
Como daquela vez em que fa-
lou com o jogador do Benfica
Karel Poborsky e achou que
era um estrangeiro “mal
vestido”. “Foi num restau-
rante em Alcântara, na zona
do buffet. Na minha cabeça,
eu estava a falar com um
estrangeiro de blazer e bo-
tas brancas sobre o que
eram ovas e o que devia ex-
perimentar e quando voltei
para a mesa, os meus amigos
disseram-me: ‘Grande conversa
com o Poborsky.’ Eu sabia perfeita-
mente quem era, gosto de futebol,
mas não o reconheci”, recorda.
Nunca se preocupou ao ponto de
procurar ajuda médica, mas inco-
modava-o fixar os sítios, e até o que
as pessoas lhe dizem, e não conse-
guir memorizar caras. Procurou na
Internet e percebeu o problema que
tinha. “O que me descansou foi ser
uma coisa circunscrita. Não é um
problema de memória ou de aten-
ção”, diz à SÁBADO.
A prosopagnosia é uma condição
rara que se estima que afete 2% da
população mundial. Há dois tipos:
a inata e sem causa conhecida (que
24 SETEMBRO 24 SETEMBRO 2020
www.sabado.pt
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INÊS PASSA Inês e João têm) e outra decorrente
POR de um AVC ou de outra lesão cere-
ANTIPÁTICA. bral (a doença de Alzheimer é talvez
PARA EVITAR a área com maior prevalência).
FALAR ÀS Também há diferentes níveis de
PESSOAS, gravidade – existe quem nem se-
QUANDO quer se reconheça ao espelho. As
ENTRA NUM pessoas com este problema têm
SÍTIO BAIXA alterações nas regiões occipitais e
A CABEÇA temporais do cérebro, sobretudo do
lado direito. “Porque o hemisfério
direito está relacionado com o espa-
i ço e a forma e o esquerdo com a lin-
O advogado, guagem”, explica o neurologista
filho de Jaime
Gama, desco- Martinho Pimenta.
briu através da Uma vez que não há cura, nem
Internet que um tratamento eficaz, têm de se
tem este pro-
blema arranjar estratégias de defesa. Inês
Teotónio Pereira normalmente en-
tra nos sítios a olhar para baixo, de
forma a não cruzar o olhar com
ninguém, e também desenvolveu a
arte de ter uma conversa igual para
todos – “para pôr a outra pessoa a
falar e ver se chego lá”. “E depois
acontecem coisas como conver-
sar com o marido de uma ami-
ga minha e nem sequer per-
guntar por ela, porque não sei
com quem estou a falar”,
conta, divertida. Outra
bengala é o marido, que
nunca a deixa sozinha
quando saem. “Acha que
tem de fazer de babysit-
ter.” Já João Taborda da
Gama está à mercê das
filhas (tem três e mais três
rapazes), que passam a
vida a enganá-lo. “Aconte-
ceu uma vez na rua apitar
para um rapaz que elas diziam
que era primo da minha mu-
lher. Começou por um engano,
agora fazem-me sempre essa
brincadeira”, conta. W
73

Sociedade
TENDÊNCIA. SITE VENDE FOTOS E VÍDEOS PREMIUM
A REDE SOCIAL DOS
NUDES VALE MILHÕES
As celebridades prometem conteúdos eróticos exclusivos
em troca de pagamento. A OnlyFans ganha cada vez mais
clientes, sobretudo em tempos de pandemia.
Por Sónia Bento
É
uma espécie de Instagram,
mas permite nudez e os perfis
são fechados. A OnlyFans é
utilizada sobretudo por profissio-
nais do sexo, embora celebridades
como a rapper norte-americana
Cardi B ou a atriz Bella Thorne te-
nham começado a usá-la recente-
mente para ganhar dinheiro. Alguns
utilizadores do TikTok também
encaminham os seus seguido-
res para a OnlyFans, prome-
tendo conteúdos premium.
Nos últimos meses, a rede
social britânica, criada por Tim
Stokely, tornou-se um fenómeno
e já tem 60 milhões de utilizado-
res registados. Apesar de oferecer
conteúdos pornográficos – fotos e
vídeos explícitos –conseguiu ser
reconhecida como um site, diga-
mos, sério. Ao mesmo tempo que
é possível ter acesso a imagens
porno, mediante o pagamento de
uma assinatura, o utilizador tam-
bém encontra aulas de música,
dicas de ioga, maquilhagem e
condicionamento físico ou con-
sultoria de moda. Assim, os subs-
critores podem sempre justificar
que não estão ali para ver nus,
mas por outras temáticas. A maio-
ria dos criadores de conteúdos são
homens, que estipulam preços
mensais entre 5 dólares (€4,20) e 25
dólares (€21). As mulheres, mesmo
sendo menos, cobram uma média
de 40 dólares (€33,70).
Para criar uma conta, tem de se co-
meçar por procurar alguém para se-
guir e verificar os níveis de assinatu-
ra daquele perfil, que varia consoan-
te a popularidade. Bella Thorne, por
exemplo, cobra 20 dólares (€16,80)
74
por mês. Além de vender a assinatu-
ra do seu feed, também pode nego-
ciar fotos personalizadas, a preços
extras. Apesar de ter sido lançado em
2016, a OnlyFans disparou durante a
pandemia, até porque a plataforma
passou a ser uma alternativa para al-
24 SETEMBRO 2020
www.sabado.pt
www.sabado.pt
As regras do site
Só para maiores de 18 e
com foto de perfil decente
É uma plataforma apenas
para maiores de 18 anos por
Beyoncé ter conteúdos pornográficos.
A estrela norte-
-americana A nudez só não é permitida na
ajudou a dar foto de perfil nem na de capa.
popularidade à
OnlyFans ao Os utilizadores têm de
fazer-lhe se registar com um cartão
referência em de crédito.
Savage, a sua
nova música 20% do que faturam os criado-
res de conteúdo fica para o site.
O site avisa que é proibido
ESTIMA-SE “reproduzir, distribuir, modificar,
QUE A FATU- vender ou transmitir qualquer
RAÇÃO DA material”.
EMPRESA
RONDE OS
84 MILHÕES
DE EUROS guns profissionais do sexo, que tive-
ram de parar de trabalhar por causa
do confinamento. Em maio, Stokely
revelou que o site tinha 200 mil no-
j vos utilizadores a cada 24 horas e
Bella Thorne, 7 mil novos criadores todos os dias.
ex-atriz da Dis-
ney, é uma das fi- A faturação da empresa ronda os
guras mais popu- 84,3 milhões de euros.
lares da OnlyFans
e também
a mais Nua ou só em lingerie?
polémica Um dos perfis mais populares é o de
Bella Thorne, de 22 anos, conhecida
por protagonizar produções da Dis-
ney e seguida por 24 milhões de pes-
soas no Instagram. Bella ganhou
mais de 840 mil euros nas primeiras
24 horas após entrar na OnlyFans, a
19 de agosto, e cerca de 1,6 milhões
de euros, em poucos dias, depois de
prometer publicar nudes. Cada assi-
nante pagaria cerca de 168 euros
para receber um pacote exclusivo
de imagens. Um deles chegou a per-
guntar se ela estaria mesmo nua.
“Sem roupa”, respondeu. Bella publi-
cou fotos em biquíni e lingerie, evi-
tando a nudez completa. Revoltados,
os seguidores começaram a pedir o
reembolso, o que obrigou a platafor-
ma a mudar algumas regras, por
exemplo, os criadores têm de espe-
rar 30 dias, antes de receberem o
pagamento na sua conta. W
 Sociedade

COVID-19. A LEI É OMISSA, NÃO OBRIGA NEM PREVÊ SANÇÕES

“
E
u dava-lhe era nos cornos”,

É OBRIGATÓRIO
respondeu-nos o taxista –
bruto e impaciente, tal e
qual a sua forma de con-
duzir. Era já a quarta viagem que

USAR MÁSCARA
fazíamos para tentar provar uma
teoria: não só é possível viajar de tá-
xi sem máscara, como há taxistas e
passageiros que o estão a fazer.

EM TODOS
A história começou no sábado, 12,
quando num serviço de táxi, já de-
pois da meia-noite, apanhámos um
motorista que não trazia máscara.

OS TRANSPORTES
“Costuma andar sem máscara?”,
perguntámos-lhe. “Não é obrigató-
rio, se tiver uma divisória”, respon- TVDE

deu-nos ele, de sotaque de Leste

MENOS NO...
(russo ou ucraniano). A divisória era
das mais simples, que não vão até
ao tejadilho. Trocámos objetos (di-
nheiro, troco, fatura) e se ele esti-
vesse com Covid-19 era muito pro-
vável que o vírus já estivesse nas
nossas mãos.
Na rua, ligámos para a central de TAXI
táxis com a ideia de fazer uma re-
clamação. “Os táxis são considera- q q
dos transporte privado, não é obri- Legislado Não legislado
gatório usar máscara”, responde- Lotação máxima Máscaras, viseiras, di-
de passageiros por visórias, limpeza das
ram-nos. “Tem a certeza do que viagem (dois) e inter- superfícies e disponibi-
está a dizer?” A resposta foi taxativa: dição de se sentarem lização de soluções
“Certeza absoluta.” Como viemos a no banco da frente desinfetantes
ver depois, quem está no terreno
(motoristas e passageiros) tem a cer-
teza absoluta também, mas do con-
trário. Fizemos mais cinco viagens
de táxi e só o último deles, num ser-
viço na segunda-feira, 21, estava Pode ser uma surpresa para si (tal como foi para nós):
certo. “Também penso que não é
obrigatório, nunca vi nada escrito.” é possível e legal um motorista e os passageiros estarem
“Ele disse que não era proibido?”, sem máscara num táxi. Nem a divisória é obrigatória.
perguntou o taxista nervoso que
apanhámos na 4ª, 16, quando lhe E comprovámos isso no terreno. Por Marco Alves
contámos o episódio do colega que
não trazia máscara. “Eu dava-lhe
era nos cornos, se ele viesse sem
máscara. Ou dava-lhe nos cornos, vos – ao contrário dos táxis). A SÁ- ra, ou que o carro possua uma di-
ou não entrava no táxi, isso era pon- BADO pediu um esclarecimento visória. Isso não significa que a po-
to assente.” E depois concluiu: “Os conjunto à DGS, Ministério de Saúde lícia não ande de olho nos táxis.
clientes são obrigados a trazer más- “EU DAVA- e Ministério do Ambiente e Ação Cli- “Às vezes passam carros da polícia
cara, senão, não entram. Quem é -LHE ERA mática (que tutela os transportes ur- pela praça [de táxis] e implicam,
que lhe disse isso? Na central disse- NOS COR- banos). A resposta chegou no próprio porque estamos ali quatro pessoas,
ram isso? Você deve estar a brincar NOS, SE ELE dia – segunda-feira, 14 – e confir- na rua, sem máscara. Implicam.
comigo. Isso é inacreditável. Isso VIESSE SEM mava a tese da lei omissa (ver caixa). Conheço dois [colegas] que apa-
está no Diário da República, é como MÁSCARA. nharam multa porque traziam três
nos autocarros.” VOCÊ DEVE Multas por três passageiros passageiros”, contou-nos um dos
Não está no Diário da República e ESTAR A Assim, é possível e legal fazer uma taxistas. “Um deles trazia um casal
não é como nos autocarros (que à luz BRINCAR viagem de táxi sem que o motoris- com um filho de 5 anos. Mas o po-
da lei são transportes públicos coleti- COMIGO” ta ou o passageiro tenham másca- lícia não quis saber disso. Foram

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 24 SETEMBRO 2020
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PUB
TRÊS PES-
SOAS COM O que diz a lei
MÁSCARA As diferenças entre os táxis
NÃO PODEM e os transportes coletivos
APANHAR
UM TÁXI, Motoristas
MAS SE FO- A lei é omissa, portanto, não são
REM DUAS obrigados a usar máscara (quer
ATÉ PODEM seja transportes públicos, táxis
IR SEM ou TVDE). A DGS recomenda
MÁSCARA usar máscara, mas é só isso,
uma recomendação.

Passageiros
São obrigados por lei a usar
máscara se estiverem num
transporte público coletivo (au-
tocarro, comboio, barco, me-
tro). Nos táxis ou TVDE podem
viajar sem máscara porque
A lei a lei é omissa.
estabelece
que deve ser
“acautelada a
renovação do quase mil euros de multa.”
ar interior das O caso haveria de nos ser relata-
viaturas e a do posteriormente por Florêncio
limpeza das Almeida, da Antral. “Casais com um
superfícies” filho têm de se dividir em dois tá-
xis.” Ou seja, segundo a lei, três
pessoas com máscara não podem
“Vamos tornar
apanhar um táxi, mas se forem
duas até podem ir sem máscara. E
a polícia “implica” com taxistas que
a sociedade
estão a conversar na rua com cole-
gas, mas nada pode fazer se vir um
deles dentro de um carro sem más-
mais amiga
Divisórias
cara a transportar um cliente.
Além do motorista de sotaque de
Leste que apanhámos, há mais ta-
das Pessoas
As mais
comuns são
em acrílico e
xistas a fazer serviços sem másca-
ra? Há. O taxista que ameaçou que
ia “aos cornos” disse-nos que se
com Demência.”
custam cerca houver “deve ser o [táxi] 200”.
de €30 Florêncio Almeida diz à SÁBADO
que tem conhecimento de mais ca-
sos. “Tenho. Mesmo passageiros.
Pois se não é obrigatório… Há pes-
soas que não andam de máscara,
Carros por mais que a gente diga para
particulares usar. Mas não tem chegado ao meu
Se o seu carro conhecimento que isso tenha trazi-
tiver mais de do problemas. Não acontece nada.
cinco lugares, Fazem a viagem, não podem impe-
todos têm de dir de entrar. O motorista só pode
usar máscara recusar um serviço se o passageiro
(caso não sejam não oferecer segurança ao moto-
todos do mes- rista e viatura. É segurança física,
mo agregado) não é saúde.” W

77
 Sociedade

HISTÓRIA. NOVO LIVRO DESCREVE ALIANÇA FANTASMA COM A ÁFRICA DO SUL E A RODÉSIA

O ACORDO SECRETO PAR

Oficialmente, os militares de Pretória nunca lutaram ao lado dos portugueses em África – mas

I
nício dos anos 70, em plena
guerra colonial. Os comandos g
portugueses saíam de uma ugue, id tempus
dolor. Etiam orci
base militar no Sul de Angola e magna, euismod
logo depois surgiam ao seu lado he- eget tempus sed,
licópteros descaracterizados, que ti- congue id mau-
ris. Nunc gravida
nham partido da base de Runtu, no sem
Norte da Namíbia. Apesar de não
estarem identificados, tinham um
código de voo familiar: “Primos.”
Cerca de 50 anos depois, é claro
para o investigador Vicente de Paiva
Brandão que eram pilotados por mi-
litares sul-africanos. Isso mesmo lhe
contou um dos envolvidos, o gene-
ral Guilherme Costa Santos, numa
entrevista de 2009 que é recordada
em Alcora: A Derradeira Tentativa
de Manter o Ultramar Português,
que será publicado no dia 29. O livro
reflete a pesquisa em arquivos
diplomáticos, militares e a análise
inédita de correspondência, como
a que foi trocada pelo general Paiva
Brandão (pai do autor e que esteve
envolvido no projeto Alcora).
JOÃO MIGUEL RODRIGUES

Juntos, militares portugueses e sul-

-africanos combatiam os movimen-
tos de libertação (MPLA, em Angola,
e SWAPO, na Namíbia) sem que
essa colaboração tenha sido oficiali-
zada: faziam parte de uma “aliança-
-fantasma”, de “um acordo que, su-
postamente, não existia” porque
tanto o governo de Pretória como
o de Lisboa evitavam assumir-se
como aliados, explica o investigador
e professor na Universidade de
Cabo Verde. “Portugal não queria
estar associado a um regime racista
e a África do Sul a um regime colo-
nialista.” Essa associação poderia
ser penosa nas Nações Unidas, onde
havia novos países independentes.
Mas essa colaboração discreta
existiu e até teve nome: Alcora, que
se prolongou muito para lá de um
mero “exercício militar”. E havia
mais motivos a empurrá-los para a
colaboração secreta: devido à pres-
são na ONU e na NATO, de que
Portugal era membro, França e Ale-
manha haviam-se retraído no for-
necimento de armamento e maqui-
FRANÇA naria a Portugal. “A França não se
ENVIAVA quer afastar completamente e aí
HELICÓPTE- entram os sul-africanos”, diz. O es-
ROS quema montado, de acordo com os
ALOUETTE documentos encontrados por Paiva
PARA Brandão em arquivos portugueses,
PORTUGAL sul-africanos e moçambicanos, era
ATRAVÉS este: a África do Sul adquiria heli-
DA ÁFRICA cópteros Alouette III 3 e Puma e ce-
DO SUL dia-os a Portugal. A estes juntava-
-se, desde os anos 60, o apoio sani-
tário (tendas e medicamentos). E “a
determinados militares foi propor-
cionado apoio médico sul-africa-
no.” Refere-se a feridos no terreno?
Sim, “e que foram, eventualmente,
retirados. Não há grandes registos,
mas percebe-se nas entrelinhas de
alguns documentos que existiu”.
A ajuda sul-africana era, sem sur-
presas, interessada. Ali existiam 10
milhões de brancos que não teriam
um destino europeu para onde fugir
caso o regime de apartheid termi-
nasse – os portugueses tinham a
metrópole, sublinha Paiva Brandão.

78

A SALVAR AS COLÓNIAS
terão sido imprescindíveis. A operação tinha um nome de código: Alcora.
j reunião em Pretória, em 1972 (ver
Vicente de Paiva
Brandão no
Jardim da Estrela
dias depois de
regressar de
Cabo Verde,
onde dá aulas
Angola e Moçambique eram, por
isso, vistas como “zonas-tampão”,
que deveriam manter-se sob o do-
mínio branco para impedir a chega-
da dos ventos da independência que
sopravam pelo continente.
Na “coincidência de vontades”
destes dois países – que Paiva Bran-
dão descreve como “de conveniên-
cia” – juntou-se, a partir de 1965, a
Rodésia (hoje Zimbabwe), desde en-
tão independente do Reino Unido:
“Forma-se ali um reduto de origem
europeia, governado por Ian Smith,
e que prepara muito bem as unida-
des militares.” Era mais um país in-
Pretória, 1972: Paiva Brandão na
Comissão Alcora com militares
da África do Sul e da Rodésia
teressado em combater os movi-
mentos de libertação e passou a in-
tegrar a Comissão Alcora, composta
por oficiais como os que constam da
foto). Ao centro, está o general por-
tuguês Paiva Brandão (as três ban-
deiras em cima da mesa são as dos
Cérebro: Jorge Jardim
O engenheiro era ainda próximo
de Hastings Banda, do Malawi
Depois de 1965, os ingleses
decretaram o embargo à Rodé-
sia no Porto da Beira e o novo
país deixou de ter acesso a com-
bustível. Jardim (o “espião de
Salazar” naquela geografia) abriu
caminho por Lourenço Marques
para as exportações em direção
à Rodésia com a ajuda da sua
“guarda pretoriana” e da África
do Sul, diz Paiva Brandão.
24 SETEMBRO 2020
www.sabado.pt
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Por Sara Capelo
países participantes). “O meu pai,
durante algum tempo, chefiou estes
encontros ao mais alto nível. Eram
reuniões preparatórias para um dis-
positivo [militar] que seria uma ten-
tativa derradeira de aguentar o re-
j gisto de origem europeia na África
subsariana”, diz o filho, que recor-
reu também aos arquivos do pai
para esta investigação. O objetivo
era “aguentar em Portugal” uma
j guerra que se iniciara em 1961 e “re-
Os irmãos Patrí- sistir na África do Sul”, insiste.
cio na ONU: Antó-
nio (à esq.ª) era
embaixador na A surpresa dos diplomatas
organização; Rui Com tanto a acontecer – e até com
era ministro dos
Negócios Estran- reuniões como a de Pretória, que
geiros (ao centro) juntava 16 oficiais dos três países –,
há uma frase nas cerca de 410 pá-
ginas de Alcora que surpreende:
Livro décadas depois, os diplomatas de
Alcora então ainda desconheciam a exis-
Autor tência desta cooperação militar.
Vicente de Como? “Há aqui uma distância en-
Paiva Brandão tre o que é o conhecimento militar
Editora e o que é o conhecimento político.
Casa das Letras Este era um acordo que, suposta-
mente, não existia. Havia indícios
de que havia uma colaboração,
mas não se percebia qual era o al-
cance e, sobretudo, ao nível militar,
foi camuflada.” Já com Marcello
Caetano no poder, a tese que Paiva
Brandão partilhou com a SÁBADO
é que Alcora existiu “para propor-
cionar ao poder político o negociar
numa posição de vantagem militar
no terreno” o futuro das colónias –
mas esse “desfecho de indepen-
“SEM O dência era inevitável”, considera.
APOIO SUL- Alcora termina com a certeza do
-AFRICANO autor de que esta colaboração com
SERIA MAIS a África do Sul não foi decisiva para
DIFÍCIL TER o remate da história portuguesa em
MANTIDO O África, mas que, diz à SÁBADO,
ESFORÇO DE “sem o apoio sul-africano seria mui-
GUERRA POR to mais difícil ter mantido o esforço
13 ANOS” de guerra ao longo de 13 anos”. W
79
 Crónica www.sabado.pt
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SANTOS E...
Há vida em Vénus mas não na Terra 1
Se na passada semana foi descoberta uma molécula que poderá indiciar a
O MORALISTA existência de vida nas nuvens da baixa atmosfera de Vénus, o sábado
confirmou a sua inexistência nas nuvens da alta sociedade civil do
Sign ‘O’ The Times poderia terceiro planeta a contar do sol: Durão Barroso acaba de rece-
ter sido imaginada no último ber a medalha “Sciat ut Serviat – Saber e Servir” atribuída
fim-de-semana. Começa com pela Federação Internacional das Universidades
um vírus. Passa para a violência Católicas “por altos serviços prestados
nas ruas. Entra no remoinho à sociedade e à cultura”.
dos desastres naturais.
Relembra catástrofes
tecnológicas. E atravessa
espectros nucleares

C Was Your Girlfriend, o novíssimo All
Às vezes
neva em Abril
DIA 25 é lançada a Super Deluxe Edi-
tion de Sign ‘O’ The Times, o álbum de
1987 do senhor Prince Rogers Nelson. O
nono trabalho de estúdio do Nostrada-
mus da pop reaparece acrescido, como
meteoro nos céus cuja cauda espalha
mil pepitas de gelo incandescente, de 6
CD e um DVD de faixas extras, versões
longas e temas alternativos, num total
de 45 gravações inéditas mais dois con-
certos nunca disponibilizados, um de-
les contendo a única parceria em palco
do Rei Midas do funk com Miles Davis.
É como ser congelado numa câmara
criogénica no apogeu dos anos 80 e
acordar 33 anos depois no interior da
caverna de Ali Babá com a chave da
pista de dança no bolso.
Há diamantes, pérolas, incenso e
mirra no cofre capazes de ressuscitar
as mais hirtas múmias do rock ou do
R&B – Starfish and Coffee, I Could Ne-
ver Take the Place of Your Man, If I
My Dreams – mas a energia vital desta
supernova ao centro da galáxia espira-
lada no coração do universo Prince
continua a ser a faixa que dá título ao
álbum. Escrita pelo profeta de Minnea-
polis a um domingo invernoso de 1986
– Prince, homem de fé e epicurista se-
xual, gostava de compor os temas mais
simbólicos no dia de descanso do Se-
nhor –, Sign ‘O’ The Times poderia ter
sido imaginada no último fim-de-se-
mana, tal é a presciência. Começa com
um vírus, imagine-se: um vírus que, 40
anos depois, permanece sem vacina
(“In France a skinny man died of a big
disease with a little name”). Passa para
a violência nas ruas, fruto das desigual-
dades rácicas. Entra no remoinho dos
desastres naturais. Relembra catástro-
fes tecnológicas. E atravessa espectros
nucleares (Trump and Kim, anyone?)
para terminar numa nuvem de bons
augúrios com a eclosão do amor e o
nascimento de um rapaz, Nate.
Prince era um vidente, e talvez tives-
se pressentido o que lhe aconteceria 10
anos depois, no Outono, a 16 de Outu-
bro de 1996, quando o príncipe e a bai-
larina que escolhera, Mayte Garcia –
viu-a pela primeira vez à porta do seu
autocarro de tournée, tinha ela 16 anos,
e disse para o guitarrista que o acom-
panhava: “Está ali a mulher com quem
vou casar” – tiveram um filho, o her-
deiro das Arábias do pop/rock, Amiir.
Como na canção, a tragédia não re-
pousa, e Amiir morreu uma semana
mais tarde, de síndrome de Pfeiffer.
Mayte ainda ficou grávida de novo,
mas abortou; acabaram por se divor-
ciar em 2000.
Prince, como Bowie antes dele, en-
sinou a duas gerações que o desejo
não tem rosto único ou sentidos proi-
bidos. Que a vida são dois dias mas
não acabavam em 1999. Que a me-
lhor forma de amarmos é bailar. E
que, às vezes, neva em Abril (Someti-
mes it Snows in April, balada de ma-
res gelados, do mesmo biénio mila-
groso 1986/1987). Com Prince Rogers
Nelson, a neve e o sol podem nascer
ao mesmo tempo. Não há estações,
só o arrepio do reencontro. W
Texto escrito segundo
o anterior acordo ortográfico

Há vida em Vénus
mas não na Terra 2
A segunda prova da ausência de vida
no nosso planeta foi recolhida durante
o congresso do Chega em Évora, onde foi votada
uma moção para a remoção dos ovários a mulheres que
abortem por uma plateia cujos cérebros foram removidos
à nascença. Além de não ser justo, segundo este piquenique
de maluquinhos, que certos criminosos sejam apenas alvo de castra-
ção química e não anatómica. Haja tomates e coerência.
C

...PECADORES
Jornalista
Pedro Marta
Santos

80
 Desporto

FUTEBOL. AS RECEITAS DE 2019 CHEGARAM AOS 84 MILHÕES DE EUROS

DE ONDE VÊM
OS MILHÕES
DA FEDERAÇÃO?

82

C
abaret Maxime, Hot Clube
de Portugal e o quartel dos
Bombeiros Voluntários da
Ajuda. Há 20 anos, eram
estes os vizinhos da Federação Por-
tuguesa de Futebol (FPF), que fun-
cionava desde 1968 num velho edi-
fício da Praça da Alegria. Em 2016, a
FPF (que desde 2004 teve outra sede
no centro de Lisboa, na Rua Alexan-
dre Herculano, perto do Largo do
Rato) decidiu expandir-se para fora
da capital. A 31 de março, no mesmo
dia em que celebrava 102 anos,
inaugurou a Cidade do Futebol, em
Oeiras (junto ao estádio Nacional),
depois de 17 meses de obras e de um
investimento de 15 milhões de euros.
O local passou a receber os servi-
ços administrativos da FPF e os es-
critórios dos selecionadores e da di-
reção, mas o grande salto qualitativo
foi a criação do Centro Logístico e de
Treinos das Seleções Nacionais, com
três campos relvados (mais um para
o treino de guarda-redes), vários
balneários, cinco ginásios e zona de
hidroterapia. A infraestrutura permi-
tiu à seleção principal, em maio, fa-
zer aí a preparação para o Euro
2016, que iria vencer, ao invés de
definir um quartel-general noutra
zona do País – o mais comum era
ser Óbidos, mas o estágio do Mundial
2010, por exemplo, foi na Covilhã,
e o do Euro 2008 foi em Viseu.
Em 2016, havia 120 pessoas a tra-
balhar em permanência na Cidade
do Futebol (tem havido um aumento
dos funcionários da FPF, que passou
de 90 em 2004 para 136 em 2019).
E em 217 dias houve pelo menos
uma seleção a usar o espaço, que
começou também a ser rentabiliza-
do com a permanência de clubes
e outras seleções – em dezembro
de 2016 e janeiro de 2017 estive-
ram lá a estagiar o campeão chinês,
Guangzhou Evergrande, e a seleção
sub-20 da Coreia do Sul.
Essa apetência para receber clubes
e seleções nas instalações da FPF
teve grande expressão no fim da
época 2019/20, face às alterações
que surgiram com a pandemia de
Covid-19. Para evitar constantes
viagens e diminuir os riscos, o Santa
Clara mudou-se dos Açores para a
Cidade do Futebol, onde ficou dois
A publicidade e os contratos de
TV atingem 36 milhões por ano e
os prémios pela participação em
europeus e mundiais já renderam
138,8 milhões desde 2000. Com
campos de futebol, hotel e canal
de TV – e 46 milhões no banco –,
a FPF só não movimenta mais
dinheiro que Benfica, FC Porto
e Sporting. Por Carlos Torres
meses, treinando e realizando aí
os jogos na condição de visitado. A
seguir, em agosto, foi a vez de Man-
chester City e Bayern de Munique,
dois dos clubes presentes na Final 8
da Liga dos Campeões, que decorreu
em Lisboa. Uma prova organizada
pela FPF e que, devido à rapidez, dei-
xou o diretor Daniel Ribeiro orgulho-
so, como referia à SÁBADO: “Nor-
malmente, são precisos dois anos de
trabalho para obter o mesmo resul-
tado que conseguimos em 10 dias.”
A FPF não divulgou a verba que re-
cebeu da UEFA pela organização da
Final 8 da Champions e pela cedên-
cia das suas instalações na Cidade do
Futebol (o relatório e contas da épo-
ca 2019/20 só deverá ser conhecido
em outubro), mas esse valor irá
ajudar umas finanças afetadas pelo
adiamento do Euro 2020, onde a
seleção principal, caso fizesse uma
boa prova, poderia receber entre 13 e
20 milhões de euros – ainda assim,
prevê-se um resultado positivo de
1,5 milhões em 2019/20.
A presença nas fases finais de eu-
h de 5,3 para 13,88 milhões).
A vitória no
Euro 2016
valeu à FPF
um prémio
de €25,5
milhões
24 SETEMBRO 2020
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ropeus e mundiais tem sido decisiva
para o crescimento e enriquecimen-
to da FPF, que desde 2000 já amea-
lhou 138,8 milhões de euros nas
principais provas da UEFA e da FIFA,
sendo o maior bolo os 25,5 milhões
de euros obtidos com a conquista do
Euro 2016, em França. O triunfo na
Liga das Nações, em 2019, valeu 12,3
milhões. Esses prémios são também
uma “mina” para os jogadores, que
só pela vitória no Euro 2016 recebe-
ram, cada, 350 mil euros. Já a chega-
da aos oitavos de final do Mundial
2018 valeu 66 mil euros (a seleção
paga entre 700 e 800 euros por dia
aos futebolistas selecionados e de-
j pois há prémios por objetivos).
O orçamento
para 2020/21 foi
aprovado a 27 de FPF é já o “quarto grande”
agosto e prevê Para se perceber como os prémios
€83 milhões de da UEFA e da FIFA fazem a diferen-
receitas e 81,5 mi-
lhões de despesas ça, basta olhar para os lucros da FPF
entre 2011 e 2017. Assim, na época
2011/12, quando recebeu 15 milhões
pela chegada da seleção A às meias-
-finais do Euro 2012, apresentou lu-
cros de 2,689 milhões. Em 2012/13,
voltou a ter receitas positivas, mas de
apenas 19.864 euros. Esse valor su-
biu em 2013/14, para 1,290 milhões
(apesar de Portugal, eliminado na
fase de grupos, só ter conseguido 6,9
milhões no Mundial do Brasil), e caiu
Santa Clara de novo em 2014/15 (435 mil euros).
e Belenenses Na época 2015/16, quando Portugal
SAD usaram as ganhou o Europeu em Paris, subiu
instalações da para os 3,1 milhões (embora as recei-
Cidade do Fute- tas, por questões de calendário, só
bol para treinar tenham contemplado a prestação da
e também fize- seleção até às meias-finais, que va-
ram ali os seus leu 20 milhões), e depois cresceu
jogos durante para os 3,7 milhões em 2016/17 (por
a pandemia força dos 5 milhões que faltavam do
Euro 2016 e do aumento das receitas
relativas ao Placard e apostas online,
Em outubro de 2015, numa altura
em que a Cidade do Futebol estava
EM OUTU- quase pronta, a FPF vendeu por 4,2
BRO DE 2015, milhões de euros o edifício da antiga
A VENDA DA sede, na Praça da Alegria. O dinhei-
ANTIGA ro, anunciou na altura o presidente
SEDE, NA da FPF, Fernando Gomes, foi canali-
PRAÇA DA zado para o futebol de formação,
ALEGRIA, com a criação de um programa dis-
RENDEU ponível para as associações distritais
À FPF €4,2 e para os clubes.
MILHÕES Ao nível financeiro, a FPF é neste Q
83
 Desporto
j
Em 2020, o San-
ta Clara fez cin-
co jogos na Ci-
dade do Futebol
Q momento o “quarto grande” do fu-
tebol português – apesar de não
vender jogadores. Segundo o relató-
rio e contas de 2018/19, a federação
movimentou 117,8 milhões de euros,
tendo tido receitas de 84 milhões e
gastos de 79 milhões. Muito mais do
que qualquer clube, à exceção dos
três grandes. Nessa mesma época, o
Benfica teve receitas de 300 mi-
lhões, o FC Porto de 176,3 milhões e
o Sporting de 151,6 milhões. Na lista,
muito abaixo da FPF, seguem-se o
Sp. Braga, com 44 milhões, e o Vit.
Guimarães, com 26,93 milhões.
Boronha critica “verbos de encher”
No que respeita a receitas, em
2018/19 a maior fatia recebida pela
FPF foi em direitos de transmissão
e publicidade (36,6 milhões). Segui-
ram-se 20,7 milhões em verbas do
Placard e das apostas online e 12,3
milhões com a vitória na Liga das
Nações. A FPF recebeu ainda 3,3
milhões do Estado, e a maioria (1,5
milhões) foi para pagar as desloca-
ções dos clubes às regiões
autónomas.
Quanto a despesas, realce
para os 16 milhões despen-
didos com as seleções, sen-
do 8,124 milhões com a sele-
ção principal, e ainda
os 12 milhões gas-
tos nas várias pro-
vas de futebol (5,4
milhões na Taça
de Portugal, 2,2
milhões no
Campeonato de
Portugal, 663
mil no futebol
feminino).
A FPF tem também
84
elevados gastos com pessoal. São
10,2 milhões de euros por ano, va-
lores que já geraram críticas. Antó-
nio Boronha, antigo vice-presiden-
te da FPF, apontou à SÁBADO os
“muitos verbos de encher”
da atual direção, que “ga-
nham dinheiro e não fa-
zem nada”, referindo-se
aos “elevados salários”
de alguns ex-jogadores
presentes na estrutura.
Mas a principal crítica
vai para o vice-presi-
dente Humberto Coe-
lho. “Eu tive esse cargo
quatro anos e sei que é
h
A Cidade do
Futebol abriu
em 2016 – custou
15 milhões e
tem três campos
importante. Mas nestes anos todos
em que lá está, a receber 14 mil eu-
ros por mês mais carro topo de gama
e outras mordomias, nunca o vi
apresentar uma única ideia.”
O lucro total da FPF em 2018/19 foi
de 3,612 milhões de euros (depois
de descontadas depreciações, gastos
de financiamento e impostos). Este
montante é praticamente metade do
registado na época anterior, quando
a FPF alcançou o maior lucro de
sempre (7,056 milhões).
A FPF aplicou os 3,6 milhões da
seguinte forma: 1,5 milhões para o
futebol não profissional, 1 milhão
para o apoio à qualificação dos trei-
nadores, 500 mil para reforço da ati-
vidade das seleções, 500 mil para
melhoria do sistema tecnológico de
apoio ao VAR e 111 mil para reforço
dos fundos patrimoniais. Aliás, neste
momento a FPF tem uma saúde in-
vejável, com 46,5 milhões em depó-
sitos (41,4 à ordem e 5,1 a prazo), se-
gundo dados de 30 de junho de 2019.
Na época 2018/19, a FPF decidiu
investir 3,9 dos 7 milhões de lucro
na ampliação da Cidade do Futebol,
com a construção da Casa dos Atle-
tas, que acaba com a necessidade de
dormir em hotéis em tempos de es-
A FPF TEVE tágio, seja para competições ou trei-
RECEITAS DE nos. Inaugurado em agosto de 2020,
84 MILHÕES. o espaço tem 44 quartos duplos
O SP. BRAGA (abriga em simultâneo 88 elementos
CHEGOU AOS das comitivas nacionais) e também
44 MILHÕES receção, sala de refeições, lounge
E O VIT. dos atletas, sala de estar para treina-
GUIMARÃES dores, sala multiusos, zona de trata-
OBTEVE 26,93 mentos e uma zona exterior para
MILHÕES churrascos e convívio.
O projeto da Cidade do Futebol
prevê ainda a construção de um mu-
j seu, de um pavilhão para o futsal e
Presidente desde de um campo para futebol de praia.
2011, Fernando Mas, diz à SÁBADO fonte da FPF, vai
Gomes foi reeleito
a 10 de julho, com ficar “em suspenso” devido à pande-
90,2% dos votos mia. “A prioridade, no atual contexto,

é ajudar os clubes e, conforme a dis-
ponibilidade financeira, desenhar
programas de apoio aos participantes
das competições que organizamos”.
Canal 11 contra o futebol “de elite”
A FPF decidiu apostar também na
área da comunicação e divulgação,
com a criação do Canal 11, que co-
meçou a funcionar a 1 de agosto de
2019. “O 11 terá muitos jogos das di-
ferentes seleções de Portugal, por-
que os adeptos gostam de ver Portu-
gal em campo. Mas teremos também
muito espaço para as outras compe-
tições de futebol não profissional,
futsal e futebol de praia”, garantia
Nuno Santos. O então diretor (que
saiu em janeiro de 2020 para a TVI
sendo substituído no 11 por Pedro
Sousa) avisava que o objetivo princi-
pal era que o futebol não se tornasse
“um produto de elite, caro”.
A construção da sede do Canal 11,
na Cidade do Futebol, com estúdios
e restantes equipamentos técnicos,
h futebol feminino jovem”. No primeiro
Inaugurada
em agosto,
a Casa dos
Atletas dá para
88 jogadores
foi financiada na íntegra pela UEFA,
ao abrigo do programa HatTrick,
criado para apoiar projetos das fede-
rações nacionais. “Foi considerado
um projeto muito inovador e vamos
seguir com interesse a sua evolu-
ção”, disse Karl-Erik Nilsson, vice-
-presidente da UEFA. Nuno Santos
revelou na altura que o orçamento
do Canal 11 para a época 2019/20
seria de 1,5 milhões de euros.
h
Devido à ligação
à seleção, é fácil
ao Canal 11
chegar aos
grandes craques
V I DA S PA R A L E L A S
COM A PARTICIPAÇÃO DA VENCEDORA DE UM OSCAR®
24 SETEMBRO NOS CINEMAS
24 SETEMBRO 2020
www.sabado.pt
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O Canal 11, garante a FPF, tem aju-
dado a que “mais rapazes e raparigas
pratiquem futebol”. No último ano,
“houve um aumento de 20% só no
dia, houve 586.954 pessoas a ver o
canal, que tem atualmente uma mé-
dia de 660 mil espectadores e já ob-
teve um pico diário de 1,3 milhões. A
FPF revela ainda que já alcançou 6,7
milhões de pessoas. Um sucesso que
NA ESTREIA, se poderá explicar pela facilidade que
EM 2019, O o 11 tem em chegar a grandes figuras
CANAL 11 do futebol, atuais ou do passado. De-
CHEGOU vido à ligação sentimental, que joga-
A 586.954 dor vai dizer não quando é contacta-
PESSOAS. do? Todos os que venceram o Euro
A MÉDIA 2016 já passaram pelo canal, de Qua-
ATUAL É DE resma a Cristiano Ronaldo, assim
660 MIL ES- como Fernando Santos, José Mouri-
PECTADORES nho, Rui Costa, Maniche e Vítor Baía,
que foi lá comentador.
A funcionar em canal aberto, além
de transmitir os jogos de 25 seleções
não profissionais de futebol (dos sub-
-15 aos sub-21), futsal e futebol de
praia, o 11 dá também destaque ao
futebol feminino (liga portuguesa),
assim como ao Campeonato de Por-
tugal (3º escalão nacional). Mas é ain-
da possível ver jogos de vários cam-
peonatos, como Polónia, Israel, Gré-
cia, Coreia do Sul, México e Brasil –
os fãs de Jorge Jesus puderam ver aí
os triunfos do Flamengo antes do seu
regresso ao Benfica e a Portugal. W
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HELEN MIRREN
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 Opinião
CORAÇÃO,
CABEÇA E
ESTÔMAGO
Se tão fácil foi encontrar
verbas para acolher uma
biblioteca sobre a qual
pouco se sabe, decerto que
para as grandes bibliotecas
privadas existentes em
Lisboa também não
faltarão os recursos,
para que possam ser
abertas ao público
O No Bairro da Graça, onde moro, co-
Escritor e sociólogo
João Pedro George
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O Oliveira Marques, depois continuada
Operação
Manguel (II)
SE HÁ COISA QUE FICÁMOS a saber
graças ao protocolo assinado entre a
CML e Alberto Manguel é que o di-
nheiro não escasseia em Portugal e
que o presidente da edilidade lisboeta
é um homem para a eternidade.
O próprio escritor argentino sinteti-
zou-o bem, com palavras que mere-
cem ser lembradas: “Nós vivemos, in-
felizmente, numa época em que um
político culto é um oximoro. E de súbi-
to aparece esta excepção, Fernando
Medina, que além de culto, no melhor
dos sentidos, tem consciência da fun-
ção social da cultura.”
Antes da vinda do escritor argentino,
o sector cultural definhava, o descon-
tentamento era geral, o mal-estar au-
mentava, as queixas eram muitas, o
erário estava exausto, a maior parte
das bibliotecas e arquivos municipais
funcionava na penúria ou em estado
deplorável, numa palavra, estava tudo
descapitalizado, não havia orçamen-
tos para nada.
Agora, que inesperadamente a cida-
de se descobriu liderada por um autar-
ca muito culto e fértil em consciência
cultural, presumo que a CML já criou
também condições para acolher ou-
tras bibliotecas de particulares (biblió-
filos e coleccionadores podem ficar
descansados, não se preocupem em
excesso, porque em breve a CML vai
disponibilizar outros palacetes e os re-
cursos não faltarão para valorizar esse
património da nossa cultura escrita).
Se tão fácil foi encontrar verbas
para acolher uma biblioteca sobre a
qual pouco se sabe (excepto que é
composta por 40 mil volumes, ou
serão obras? É que há uma diferença
relevante: uma obra pode ser com-
posta por vários volumes e, lendo a
entrevista e o protocolo, não se per-
cebe em que ficamos), decerto que
para as grandes bibliotecas privadas
existentes em Lisboa também não
faltarão os recursos, para que pos-
sam ser abertas ao público.
nheço pelo menos três, como a que foi
constituída pelo historiador A. H. de
por João Alves Dias, autor de notáveis
trabalhos sobre a história do livro. Vá-
rios juristas possuem bibliotecas inve-
jáveis, com destaque para as de Nuno
Espinosa, Martim de Albuquerque e
Luís Bigotte Chorão. Formadas em
Lisboa, mas deslocadas para a provín-
cia, por razões de espaço, há outras
duas bibliotecas eruditas: a denomina-
da “papelaria” do arquitecto Jorge de
Brito e Abreu e a magnífica, pelas suas
raridades, do investigador Luís F. Fari-
nha Franco.
E em Paço d’Arcos encontra-se a
maior biblioteca de Estudos Africanos
de Portugal e do mundo lusófono. Re-
firo-me à biblioteca do engenheiro
Daniel Nunes. Por certo que a CML,
neste quadro de patrimonialização da
cultura escrita, já tem planeada a aqui-
sição e alocação da colecção deste
grande bibliófilo, que ao longo de 60
anos conseguiu reunir bem mais de 40
mil obras, 12 mil das quais relaciona-
das com a história da escravatura e do
trabalho forçado.
Se o fez com uma biblioteca como a
de Alberto Manguel, onde um núcleo
importante é constituído por uma sé-
rie de romances policiais, porque não
fazê-lo também com estas bibliotecas
particulares, bem melhores e bem
maiores, utilizando de igual largueza
financeira?
Homem de imensa cultura, cuja ac-
ção tem sido ditada pela defesa do es-
paço público e do património cultural
como um bem comum, Fernando Me-
dina, quero crer, já solucionou igual-
mente os problemas com que a Biblio-
teca das Galveias se debatia há menos
de um ano, quando o Sindicato dos
Trabalhadores do Município de Lisboa
distribuiu um panfleto denunciando o
espectáculo das infiltrações, da dete-
rioração dos frescos e da queda de es-
tuque na principal biblioteca munici-
pal da cidade; das péssimas condições
de higiene das casas de banho (em nú-
mero insuficiente e tantas vezes en-
cerradas devido a avarias), da carência
de técnicos e das deficiências em ter-
mos de iluminação, climatização e
ventilação; da falta de segurança e de
protecção contra incêndios, já que os

alarmes continuavam avariados, não
havia ligação directa aos bombeiros,
nem planos de emergência e de eva-
cuação, o pessoal não tinha qualquer
formação sobre a utilização de extin-
tores, as câmaras de videovigilância
estavam inoperantes (os respectivos
códigos de acesso estavam desapare-
cidos, o que valeu a gargalhada geral
dos lisboetas) e só havia dois guardas
para supervisionar os cerca de dois mil
metros quadrados da biblioteca, o que
expunha os materiais bibliográficos à
rapina, ao desleixo e ao perigo de se
extraviarem ou de serem destruídos
por algum incêndio, além de colocar
em risco os trabalhadores, os cerca de
800 utentes diários e o acervo de cer-
ca de 64 mil livros. Agora que em Lis-
boa a cultura está a viver no melhor
dos mundos, tenho a certeza absoluta
de que Medina já meteu mãos à obra e
resolveu todos esses problemas da Bi-
blioteca das Galveias.
Do protocolo assinado se conclui
ainda, sem o mínimo lugar para dúvi-
das, que Medina já encontrou um local
definitivo para a Hemeroteca de Lis-
boa, que desde 2013 está provisoria-
mente em São Domingos de Benfica, e
o resp ectivo acervo (constituído por
milhares de volumes correspondentes
a cerca de 12 mil títulos de jornais e re-
vistas, que abrange periódicos desde o
século XVIII até à actualidade) já foi
retirado da garagem dos Olivais, onde
se encontra há sete anos e cuja consul-
MISS INÊS
24 SETEMBRO 2020
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ta implica fazer um pedido, para de-
pois se ficar à espera (durante um, dois
ou mesmo três dias) que uma carrinha
da hemeroteca vá buscar os docu-
mentos e os transporte, devidamente
acondicionados nuns contentores
azuis, entre os Olivais e a Rua Lúcio de
Azevedo, nas Laranjeiras.
Como não podia deixar de ser, o pre-
sidente da CML já resolveu também o
problema da inapelável falta de recur-
sos humanos, da rarefacção e da pre-
cariedade de trabalhadores qualifica-
dos (nas várias carreiras e especializa-
ções), sem os quais não é possível ga-
rantir a adequada preservação, classi-
ficação e catalogação dos acervos do-
cumentais. Já voltou a apostar na for-
mação técnica contínua do pessoal e
nas assinaturas de títulos de revistas
científicas, que tinham sido drastica-
mente reduzidas, e dotou finalmente
as bibliotecas de orçamentos próprios
e planeamentos anuais.
A Fernando Medina, mais do que a
ninguém, como claramente se viu, de-
vemos o fim das restrições orçamen-
tais e da incerteza das verbas atribuí-
das à cultura, que impedem os planos
de trabalho a longo prazo. A ele deve-
mos o fim do desinteresse pelos equi-
pamentos culturais de Lisboa, o fim
dos desvarios acumulados nos últimos
anos, que transformaram a cultura
numa máquina de promoção, de pro-
paganda e de ornamentação do poder.
Na verdade, se fizermos as contas ao
dinheiro que será necessário para tra-
zer do Canadá a biblioteca de Manguel
e para tudo o que envolverá a sua ins-
talação no Palacete dos Marques de
Pombal, da reabilitação deste último à
compra de estantes e demais equipa-
mento, passando pelos salários dos bi-
bliotecários e dos dois directores, bem
como pela dotação para aquisições e
eventos culturais, só por uma inexce-
dível má vontade é que não somos le-
vados a considerar que o tempo de
Fernando Medina ficará conhecido na
cultura como o das vacas gordas. E a
vinda de Manguel para Lisboa como
um milagre caído do céu. Ámen. W
Texto escrito segundo
o anterior acordo ortográfico
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