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Ana Luiza Petillo Nery e Carmen Fernandez

O fenômeno da luminescência é visualmente atraente e desperta a curiosidade das pessoas de todas as idades. Trata-se da
emissão de luz resultante de um processo de excitação eletrônica, que pode ocorrer na forma de fluorescência (onde a emissão
de luz cessa quando a fonte de energia é desligada) ou como fosforescência (que pode durar horas mesmo depois de desligada
a fonte de luz). Neste artigo propomos a utilização do fenômeno de fluorescência como estratégia de ensino para desenvolvimento
do tema estrutura atômica; mais especificamente, do modelo atômico de Bohr. O fenômeno da fluorescência pode ser facilmente
demonstrado através da utilização de materiais acessíveis como água tônica, espinafre ou hortelã, vitamina B2, sabões em pó e
casca de ovo marrom.


fluorescência, estrutura atômica, modelo de Bohr

Recebido em 4/8/03, aceito em 13/4/04

O
tópico “Estrutura Atômica” é mental para um estado excitado, de veu uma quantidade discreta de ener- 39
de difícil abordagem em sala maior energia, eles precisam absorver gia, suficiente para promover um elé-
de aula, por exigir um alto uma quantidade de energia certa, tron de um nível inferior para um nível
nível de abstração dos alunos, sendo, correspondente à diferença entre os superior de energia. A energia do fóton
muitas vezes, apresentado precoce- níveis de energia inicial e final. Por outro deve coincidir com aquela correspon-
mente nos cursos de Química do En- lado, ao retornar às órbitas de menor dente à transição eletrônica. Diz-se
sino Médio. Por outro lado, é um tema energia os elétrons podem emitir a que a molécula foi do estado funda-
de extrema importância, por ser básico energia correspondente na forma de mental para o excitado. A molécula
nas explicações de todos os fenô- radiação eletromagnética - luz de deter- não pode permanecer indefinidamen-
menos químicos. Uma dificuldade ex- minada freqüência, isto é, monocro- te no estado excitado, por este ser
tra na compreensão desses conceitos mática (Tolentino e Rocha-Filho, 1996). termodinamicamente ins-
é a raridade de experimentos nesse No caso de certas substâncias, a tável em comparação ao
tema, o que torna o assunto ainda mais excitação dos elétrons de suas molé- estado fundamental, e
inacessível e, não raro, sem significado culas pode produzir emissão de luz por pode dissipar a energia
para os alunos. Um bom panorama fluorescência ou por fosforescência,
desse tema pode ser obtido com a conforme discutiremos na seqüência.
leitura dos artigos de Santos (2001), Neste artigo, propomos a utilização
Almeida e Santos (2001), Duarte de substâncias fluorescentes para
(2001), Oliveira (2001) e Rocha (2001), abordagem do tema estrutura atômica.
todos publicados no Caderno Temático Luminescência é o nome do fenômeno
sobre estrutura da matéria. mais genérico que engloba a fluores-
No modelo de Bohr, a idéia central cência e a fosforescência. A lumines-
é a quantização que estabelece que cência é definida como a emissão de
os elétrons nos átomos podem apre- luz na faixa do visível (400-700 nm) do
sentar somente certos valores defi- espectro eletromagnético como resul-
nidos de energia. Isto implica que, no tado de uma transição eletrônica. O pri-
estado fundamental os elétrons dos meiro passo de um processo fotoquí-
átomos de um determinado elemento mico ou fotofísico envolve a absorção
possuem valores de energia caracte- de um quanta de luz (fóton) por uma
rísticos, relacionados às órbitas às molécula e, conseqüentemente, a pro-
quais pertencem. Para que ocorra uma dução de um estado eletronicamente
transição eletrônica, isto é, para que os excitado (vide esquema ao lado). Isto
elétrons passem de um estado funda- significa dizer que a molécula absor-

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absorvida através dos processos a 200.000 nm); a ultravioleta (UV), do Materiais necessários
descritos a seguir. lado oposto do espectro, cai entre 10 • Acetato de etila (ou removedor
Fluorescência - emissão de um nm e 400 nm. De acordo com suas de esmaltes, mistura de acetona
fóton de luz e retorno ao estado fun- propriedades físicas e efeitos bioló- e acetato de etila, entre outros
damental. gicos, parte da radiação UV é dividida componentes. Em geral as dife-
Fosforescência - o elétron exci- em três sub-regiões: UV-A (320- rentes composições disponíveis
tado decai para um nível intermediário 400 nm), UV-B (290-320 nm) e UV-C no mercado apresentam resul-
de energia a partir do qual ocorre (200-290 nm). Dentre elas, a radiação tados satisfatórios)
emissão de radiação ao retornar ao UV-A, também chamada de ultravio- • Ácido clorídrico 10% (ácido mu-
estado fundamental. Neste caso tam- leta próximo, é a menos nociva, sen- riático, adquirido em lojas de
bém pode ocorrer uma desativação do que fontes suas podem ser adqui- materiais de construção).
térmica. ridas comercialmente com o nome de Cuidado: corrosivo, deve ser
Transição vibracional ou não ra- luz negra. A radiação UV-B é a manuseado com cuidado. Em
diativa - a molécula retorna ao estado responsável pelo câncer de pele e a contato com a pele, lavar com
fundamental emitindo energia térmica UV-C não chega a atingir a superfície água corrente
através de uma série de transições terrestre (Costa e Silva, 1995). Assim, • Água tônica
vibracionais. para que uma dada emissão de luz • Ovo de galinha de casca mar-
Reação fotoquímica - a molécula seja observada a olho nu, a excitação rom
sofre algum tipo de reação no estado eletrônica deve ocorrer em uma faixa • Folhas de vegetais verdes (hor-
eletronicamente excitado. de comprimento de onda próximo ou telã ou espinafre)
Tanto no fenômeno da fluorescên- superior ao da região do UV. A colo- • Comprimido de vitaminas do
cia como no de fosforescência, a ração da luz emitida depende da complexo B
energia da radiação emitida é normal- variação de energia envolvida na • Almofariz e pistilo (ou amassa-
mente menor (comprimento de onda transição eletrônica; assim, uma dor para caipirinha e copo)
maior) do que aquela utilizada para emissão avermelhada deverá ocorrer • Filtro de papel (pode ser o utili-
40 gerar o estado eletronicamente exci- em uma faixa de energia associada a zado para café)
tado. Isto porque a emissão sempre comprimentos de onda próximos de • Béqueres de 250 mL (ou copos
ocorre a partir do estado excitado de 700 nm. de vidro)
menor energia. Assim, se a molécula Na fluorescência, os elétrons exci- • Fonte de excitação UVA: lâmpa-
absorver um fóton de luz suficiente tados retornam instantaneamente ao da de luz negra de 28 W, adqui-
para promover um elétron a um nível estado fundamental emitindo luz. rida em lojas de iluminação, ou
eletrônico, cuja energia seja superior Neste caso, tanto o estado excitado através da Internet. Custam em
à do primeiro estado excitado, a mo- quanto o fundamental possuem a torno de R$ 40,00 (dado coleta-
lécula dissipará parte da energia mesma multiplicidade de spin. Os do em janeiro de 2004). Mate-
absorvida vibracionalmente, retornan- vegetais verdes, a água tônica, a vita- rial necessário para montagem
do ao primeiro estado excitado e, a mina B2, a casca dos ovos marrons do dispositivo inclui a lâmpada,
partir dele, ocorrerá a emissão de e até mesmo os sabões em pó têm soquete, fios de cobre e um in-
energia. Para que possamos enten- em comum o fato de possuírem com- terruptor. O dispositivo pode ser
der, em termos energéticos, como postos fluorescentes em sua compo- montado dentro de uma caixa
selecionamos a fonte de luz adequa- sição. Já os mostradores de relógios de madeira com abertura fron-
da, precisamos recorrer a alguns con- e enfeites de quartos exibem o fenô- tal, que permite observação da
ceitos físicos. meno da fosforescência. Na fosfores- emissão de luz. Evite olhar dire-
A energia da radiação eletromag- cência, a multiplicidade de spin do tamente para a lâmpada, pois a
nética pode ser calculada através da estado excitado é diferente da do radiação pode causar danos à
equação de Planck: E = hc/λ (h = estado fundamental. Para retornar ao retina.
constante de Planck, c = velocidade estado fundamental deve ocorrer um
da luz no vácuo, λ = comprimento processo de inversão de spin; por Emissão de fluorescência da clorofila
de onda), também expressa em ter- isso o processo de fosforescência A clorofila é um pigmento natu-
mos de freqüência (ν): E = hν. A ener- ocorre em intervalos de tempo supe- ral encontrado em folhas de vege-
gia da radiação eletromagnética riores. De uma forma bastante sim- tais verdes. É esse pigmento que
depende apenas de sua freqüência: plificada, pode-se distinguir os absorve energia luminosa do sol
quanto maior, menor o comprimento fenômenos com relação ao tempo de para a fotossíntese, energia esta uti-
de onda e maior a energia. A luz visível emissão de radiação: enquanto na lizada pela planta para a síntese de
compreende uma faixa de compri- fluorescência a emissão é instantânea glicose a partir de dióxido de carbo-
mento de onda que abrange de e cessa quando a fonte de energia é no e água:
400 nm a 700 nm; já a radiação infra- desligada, na fosforescência esta po-
vermelha (IV), invisível, cai em compri- de durar horas, depois de desligada 6CO2(g) + 6H2O(l) →
mentos de onda mais longos (700 nm a fonte de excitação. C6H12O6(s) + 6O2(g)

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Procedimento Emissão de fluorescência da casca de carbonato de cálcio (CaCO3), ocorre
Triture as folhas verdes usando o ovo marrom a seguinte reação química:
almofariz e o pistilo. Adicione a seguir A cor marrom da casca do ovo de- CaCO3(s) + 2HCl(aq) →
o acetato de etila. Então, filtre a solu- ve-se à presença da protoporfirina IX, CaCl2(aq) + CO2(g) + H2O(l)
ção num copo. Em uma sala escura um intermediário da síntese do grupo
ilumine o filtrado com a luz negra e À medida que a casca do ovo é
heme do sangue, responsável pelo
observe emissão vermelha (Figura 1). dissolvida, a protoporfirina IX é libera-
transporte de oxigênio. Quando adi-
Atenção: a fluorescência é melhor da para a solução e, sob luz UV-A, a
cionamos ácido clorídrico sobre a
observada em soluções diluídas. emissão de fluorescência aumenta
casca do ovo, que é constituída de
gradativamente, disseminando pela
solução uma tonalidade púrpura
intensa (Figura 2).
Procedimento
Em uma sala escura ilumine dire-
tamente a casca de um ovo marrom
com a luz UV-A. Após, quebre o ovo,
lave as cascas e transfira-as para um
béquer contendo aproximadamente
50 mL de acetato de etila. Ilumine
novamente com a luz UV-A. Adicione
aproximadamente 15 mL de solução
de ácido clorídrico 10%. Observe.
Após a dissolução da casca do ovo,
ilumine o béquer novamente e ob-
Figura 1: Extrato de folhas verdes em acetato de etila, na ausência (a) e na presença (b)
serve.
de radiação UV, quando apresenta fluorescência. 41
Emissão de fluorescência da água
tônica
O ingrediente ativo da água tônica,
que lhe confere o sabor amargo, é a
quinina, um alcalóide fluorescente
acrescentado à bebida sob a forma
de sulfato de quinino.
Procedimento
Numa sala escura, ilumine com a
lâmpada UV-A uma amostra de água
Figura 2: Solução aquosa de protoporfirina IX, obtida a partir de casca de ovo marrom, tônica e observe a emissão azul
na ausência (a) e na presença (b) de radiação UV, quando apresenta fluorescência. (Figura 3).
Emissão de fluorescência da vitamina
B2
A riboflavina (vitamina B2) é en-
contrada em vários alimentos, entre
eles leite e ovos, e emite fluorescência
esverdeada.
Procedimento
Triture um comprimido de comple-
xo B, dissolva-o em água e ilumine a
mistura com a lâmpada UV-A (Figu-
ra 4).
Comentários
A introdução ao tema “Estrutura
Atômica” é sempre uma transição difí-
Figura 3: Água tônica, que contém o íon quinino, na ausência (a) e na presença (b) de cil para o estudante, acostumado a
radiação UV, quando apresenta fluorescência. observar fenômenos experimentais

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discotecas (luz UV-A), as roupas bran-
cas parecem brilhar com uma tonali-
dade azulada?
2. Compare os experimentos rea-
lizados com a emissão de luz obser-
vada em interruptores elétricos e en-
feites de parede.
3. Por que a Ciência necessita
de modelos para explicar os fenô-
menos?
4. Os modelos atômicos de Dal-
ton e Thomson podem explicar o fe-
nômeno da luminescência? Expli-
Figura 4: Solução aquosa de vitaminas do complexo B, na ausência (a) e na presença que.
(b) de radiação UV, quando apresenta fluorescência. 5. Quais evidências experimentais
não podiam ser explicadas com os
modelos atômicos anteriores ao de
da Química até então. Considerando- presente na vida dos estudantes, es-
Bohr?
se um programa tradicional de ensi- pera-se que os experimentos propos-
6. Em que medida o modelo de
no, esse tópico costuma ser aborda- tos provoquem discussões em sala
Bohr explica a luminescência?
do na 1a série do Ensino Médio, atin- de aula, que venham a facilitar a me-
gindo um aluno, via de regra, muito diação do professor, tornando a estru- Agradecimentos
imaturo e com sérias dificuldades de tura da matéria um tópico mais com-
raciocínio abstrato. Por outro lado, os preensível e significativo. Os experi- Agradecemos a Lélio Tonso pela
materiais de apoio tradicionais não mentos fornecem ao professor tam- realização das fotos deste artigo.
apresentam ao professor estratégias bém uma possibilidade de trabalhar
42
de ensino que venham auxiliá-lo no de forma interdisciplinar com a disci- Ana Luiza Petillo Nery (ananery@estadao.com.br),
desenvolvimento do tema de forma plina de Física, uma vez que os con- licenciada e bacharel em Química, doutora em Ciên-
eficaz dentro do espaço da sala de ceitos abordados permitem extensas cias (Química Orgânica) pela USP, é professora da
aula, incentivando a participação e discussões em ambas as áreas. Escola Vera Cruz, na cidade de São Paulo. Carmen
Fernandez (carmen@iq.usp.br), licenciada e bacha-
motivação dos alunos. rel em Química, mestre e doutora em Ciências (Quí-
Considerando a fluorescência um Questões para discussão
mica Orgânica) pela USP, é professora do Instituto
fenômeno atraente e rotineiramente 1. Por que, sob a luz negra das de Química da USP.

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Abstract: Fluorescence and Atomic Structure: Simple Experiments to Treat the Theme – The phenomenon of luminescence is visually attractive and arouses of people of all ages. That is the
emission of light resulting from an electronic excitation process, which can occur in the form of fluorescence (where light emission ceases when the energy supply is turned off) or as phosphores-
cence (which can last for hours even after the energy supply was turned off). In this paper, the use of the fluorescence phenomenon as a strategy for teaching the theme atomic structure is proposed,
more specifically, Bohr’ atomic model. The fluorescence phenomenon can be easily demonstrated through the use easily accessible materials such as tonic water, spinach or mint, vitamin B2,
powder soap and brown eggshell.
Keywords: fluorescence, atomic structure, Bohrs’model

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