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GÊNERO E ENSINO
Prof. Me. Jefferson Campos * Prof.ª Me. Raquel Fregadolli Gonçalves
UNIDADE I
introdução à
TEORIA DOS
GÊNEROS
UNIDADE II
OS GÊNEROS
DISCURSIVOS:
fundamentos
teóricos-metodológicos
UNIDADE III
GÊNEROS
TEXTUAIS:
procedimentos
de trabalho
FUNDAMENTOS
O ENSINO DE ESPECIFICIDADES DO
TEÓRICO-
LÍNGUA PORTUGUESA GÊNERO VERBO-VISUAL
METODOLÓGICOS
palavra do reitor
Reitor
Wilson de Matos Silva
Direção Unicesumar
CENTRO UNIVERSITÁRIO DE MARINGÁ. Núcleo de Educação a Distância: Reitor Wilson de Matos Silva, Vice-Reitor Wilson de Matos Silva Filho, Pró-Reitor de Administração Wilson
C397 de Matos Silva Filho, Pró-Reitor de EAD Willian Victor Kendrick de Matos Silva, Presidente da Mantenedora
Nome do Livro / Professor. Cláudio Ferdinandi.
Publicação revista e atualizada, Maringá - PR, 2014.
61 p.
“Pós-graduação Núcleo Comum - EaD”. NEAD - Núcleo de Educação a Distância
1. ?????????????. 2. ?????????????. . 3. EaD. I. Título.
Direção de Operações Chrystiano Mincoff, Coordenação de Sistemas Fabrício Ricardo Lazilha, Coordenação
CDD - 22 ed. ??? de Polos Reginaldo Carneiro, Coordenação de Pós-Graduação, Extensão e Produção de Materiais Renato
CIP - NBR 12899 - AACR/2 Dutra, Coordenação de Graduação Kátia Coelho, Coordenação Administrativa/Serviços Compartilhados
Evandro Bolsoni, Gerência de Inteligência de Mercado/Digital Bruno Jorge, Gerência de Marketing
NEAD - Núcleo de Educação a Distância Harrisson Brait, Supervisão do Núcleo de Produção de Materiais Nalva Aparecida da Rosa Moura, Design
Av. Guedner, 1610, Bloco 4 - Jardim Aclimação - Cep 87050-900 Educacional Nalva Moura, Diagramação Melina Ramos, Revisão Textual Hellyery Agda Gonçalves da Silva,
Maringá - Paraná | unicesumar.edu.br | 0800 600 6360 Fotos Shutterstock.
boas-vindas
Pró-Reitor de EaD
Willian Victor Kendrick
de Matos Silva
a importância da pós-graduação
os gêneros com essa característica, propomos que paradigma teórico, quanto como percurso desse
você observe a extensão do que você aprenderá trabalho a Teoria dos Gêneros discursivos, desen-
nessa disciplina para a prática de ensino seja da volvida pelo filósofo da linguagem Mikhail Bakhtin
escrita, seja da leitura de gêneros verbais, seja na e seu círculo de estudo. Já na terceira unidade, nos
prática de análise linguística como ferramenta para preocupamos em propor um projeto de leitura, pro-
o estudo de determinado gênero. dução e divulgação do gênero charge jornalística,
Na primeira unidade, buscamos situar a teoria apoiando as práticas em uma proposta intersemió-
dos gêneros discursivos no interior da prática peda- tica instituída por meio dos pressupostos da Teoria
gógica do ensino de Língua Portuguesa. Para isso, dos Gêneros discursivos com uma articulação com
convidamos você, aluno(a), a revisitar conosco as a teoria da Análise de Discurso, norteada pelas con-
considerações de Mikhail Bakhtin e de estudiosos tribuições de Michel Foucault – aliás, teoria essa que
contemporâneos para mais bem compreendermos faz parte do componente curricular do curso em
essa relação. Na segunda unidade, propusemos um estudo –, de modo a estabelecer uma pedagogia
eixo metodológico de reflexão, no qual retoma- do olhar, isto é, um modo peculiar de tratamento
mos questões de ordem teórica sobre os gêneros de gêneros verbo-visuais.
discursivos, focalizando, sempre e como uma fi- Ao fim, convidamos a todos a uma reflexão
nalidade, a implementação da prática de ensino acerca do trabalho com gêneros verbo-visuais em
de Língua Portuguesa. Você encontrará conceitos, sala de aula, as contribuições dessa prática, a rele-
indicações de procedimentos e dispositivos de tra- vância e as possíveis deficiências dessa articulação
balho elaborados pelos teóricos e estudiosos desse entre as teorias descritas no processo de constru-
campo linguístico do saber, para instituir um modo ção de sentidos na prática de leitura escolar.
de abordagem pedagógica do gênero discursivo Observe que, ao final da disciplina, você poderá
verbo-visual. Delimitamos como objeto de estudo recuperar o trajeto que já percorreu nos outros com-
a charge jornalística, compreendida, nesse texto, ponentes da grade curricular do seu curso, o que,
como gênero discursivo verbo-visual. A aborda- com certeza, irá possibilitar uma formação mais
gem que propomos é constituída, pela articulação ampla e, insistimos, significativa, para sua forma-
de teorias que possuem, de uma outra maneira, ção como professor de Língua Portuguesa.
um objeto de estudo semelhante, qual seja, lingua-
gem em funcionamento. Assim, elegemos como
01
sumário
INTRODUÇÃO À TEORIA
DOS GÊNEROS
24 gêneros e os pcns
31 considerações finais
02
OS GÊNEROS DISCURSIVOS: FUNDA-
03
TÍTULO
MENTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS
96 conteúdo
96 conteúdo
1 INTRODUÇÃO À TEORIA DOS GÊNEROS
Plano de estudo
A seguir, apresentam-se os tópicos que você estu-
dará nesta unidade:
• O ensino de Língua Portuguesa
Objetivos de Aprendizagem • O que são gêneros discursivos?
• Refletir sobre a relação dos gêneros discursivos • Gêneros e os PCNs
com o ensino de Língua Portuguesa.
• Compreender como os PCNs contemplam os
gêneros discursivos.
• Definir o que são e como se constituem os
gêneros discursivos.
Olá, aluno(a)!
Seja bem-vindo(a) à primeira Unidade do nosso livro. Esta unidade
é dedicada a uma abordagem teórica e reflexiva sobre a concepção
de gêneros, uma vez que o estudo que propomos a você tem como
objetivo maior explicitar a pertinência do trabalho com os gêneros
discursivos no ensino e na aprendizagem da Língua Portuguesa. Isso
porque, dentre as diferentes abordagens e teorias, cabe a nós, profes-
sores e pesquisadores da língua(gem), optar por aquela(s) que seja(m)
mais significativa(s), a fim de que se possa contribuir com a nossa prática
pedagógica. Também não podemos nos esquecer de que há um docu-
mento que orienta nossa prática, os Parâmetros Curriculares Nacionais
– Língua Portuguesa (PCNs), o qual, embora não seja explícito quanto à
menção de qual perspectiva teórica na qual podemos nos fundamen-
tar, nos ajuda a compreender quais aspectos devemos vislumbrar no
trabalho com a Língua Portuguesa, tanto no âmbito da escrita, quanto
na oralidade, nos eixos da leitura, da produção textual e da análise
linguística.
Uma das grandes contribuições dos PCNs é o olhar voltado ao ensino
para a construção de cidadãos ativos. Para isso, recorre-se aos gêneros
como condição de possibilidade para desenvolver no aluno a capacida-
de de interpretar e, assim, posicionar-se. O domínio sobre os gêneros é
relevante, conforme os PCNs, porque leva o aluno a refletir sobre o uso
da língua e os efeitos por ela produzidos. Trata-se de nos colocar menos
inocentes frente aos sentidos, uma vez que, muitas vezes, o alcance do
aluno reflete o nosso.
Nessa perspectiva e com a pretensão de ir mais longe no estudo e tra-
balho com os gêneros, assumimos como vertente teórica a perspectiva
bakhtiniana acerca dos gêneros aliada ao importante papel da inte-
ração, estabelecida na concretude dos enunciados. Essa postura nos
possibilita cumprir com os objetivos propostos pelos PCNs, além de
nos proporcionar um olhar mais crítico sobre os textos e sobre os pro-
jetos pedagógicos. Bons estudos!
Gêneros Textuais e o Ensino de Língua
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Cremos ser de conhecimento de todos nós pela observação do registro escrito da língua
envolvidos com a educação que o ensino pelos literatos considerados cânones, pois,
de língua materna na/pela escola sempre neste modo de “usar” a língua se concreti-
foi marcado por uma tendência tradicio- zava o ideal do bem falar e/ou escrever. O
nal, escolástica e, por isso, ideológica, cuja desvio desse registro era considerado pela
orientação principal era (ou é) o ensino, escola como um erro, motivo pelo qual se
somente, da norma culta padrão. Assim, as atribuía ao falante uma deficiência em se
práticas de ensino e de aprendizagem da apropriar do modo único e inequívoco de
Língua Portuguesa estiveram perpassadas uso da língua.
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N
a atualidade, com as contribuições contribuem para entender que passa por
da Linguística ao ensino de língua adaptações, uma vez que, pelo seu caráter
materna, mudaram-se os parâme- ideológico, tem “hora”, “lugar” e interlocutor.
tros, pois, como vimos na seção anterior, Não se fala, nem se escreve da mesma forma
alguns estudiosos passaram a defender a tese em todos os lugares. O estilo de linguagem
de que uma língua se constitui no movimen- com o qual você se dirige ao seu chefe no
to contínuo da sociedade e se manifesta de trabalho, não é o mesmo de quando ambos
modo tal que pode, de maneiras diferentes, estão no happy hour, por exemplo. Nesse
atingir seu objetivo primordial: o de colocar sentido, o ensino dos gêneros não sugere
os sujeitos em diálogo consigo mesmo, com deixar de lado o ensino da língua na sua
os outros e com a sociedade que os cerca. norma culta, mesmo porque ela também se
Essa inovação no modo de conceber a língua faz necessária em algumas situações que pas-
reverbera nos documentos que orientam o samos. Entendemos, portanto, que a língua
ensino de língua materna na escola, na atu- não pode ser concebida pelos professores
alidade, e reiteram a necessidade de tornar como um elemento estagnado e que não
as aulas de Língua Portuguesa um constante pode ter alterações, pois sua funcionalidade
refletir sobre a língua, tendo sempre em vista se perde em meio ao preconceito do modo
que dificilmente um determinado registro de falar do outro.
da língua constitui-se em um erro, incorre- Em função disso, a proposta das
se, no máximo, em um uso inapropriado ao Diretrizes Curriculares Nacionais de Língua
contexto comunicacional no qual figura. Portuguesa (DCEs) e dos Parâmetros
Entretanto, a postura do professor atre- Curriculares Nacionais (PCNs) é a de que o
lada, muitas vezes, à memória daquele aluno aprimore sua competência linguís-
que detém o conhecimento, faz da língua tica, de modo a estar apto a adaptar-se às
materna, uma língua “madrasta”. Desse modo, mais diferentes circunstâncias/contextos
a língua perde o seu caráter primeiro de co- de uso da língua. A sugestão que é dada
municar e passa a ter aspecto de exclusão. ao professor pelo livro didático para que
Avesso a esse efeito de sentido, o estudo este não avalie formalmente a atividade é
e o ensino da língua a partir dos gêneros muito problemática.
Gêneros Textuais e o Ensino de Língua
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A professora Marlene perce- veu abortar o trabalho com aproveitamento dos conhe-
beu que os alunos encontra- o gênero conto e investiu na cimentos sobre sequências
vam-se muito desmotivados leitura e interpretação de his- narrativas, o que possibi-
em suas aulas em razão da tórias em quadrinhos. litou à professora Marlene
dificuldade em entender al- O trabalho com os recursos reinvestir no trabalho com
guns recursos linguísticos de paralinguagem enrique- o gênero conto.
presentes no gênero con- ceram e complementaram a
Fonte: Situação verídica e
to, embora sua turma fosse comunicação. Os elementos
foi vivenciada por um dos
composta por leitores vora- das histórias em quadrinhos,
autores.
zes de quadrinhos. Atenta a em seu caráter atrativo, con-
esse fato, a professora resol- tribuíram para um melhor
C
om o intuito de atender ao trabalho com gêneros do discurso na escola,
devemos, na condição de professores, levar em consideração a habilida-
de do aluno em vagar pelos diferentes registros da língua, atribuindo a
cada interlocutor e a cada contexto comunicacional a especificidade que lhe é
devida (PARANÁ, 2008). Orientados por esse propósito, seguimos juntos para o
próximo tópico. Nele veremos como os PCNs concebem o gênero.
Gêneros Textuais e o Ensino de Língua
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Frente às inúmeras leituras e literaturas que perspectiva teórica, insistimos que os gêneros
tratam da noção de gêneros, recorremos dizem respeito às formas de funcionamen-
à perspectiva bakhtiniana para sustentar to da língua na prática social, ou seja, tratam
e orientar as discussões teóricas a serem do uso efetivo da linguagem. Isso porque ele
apresentadas nesta unidade. Diante dessa estabelece
uma interconexão da linguagem com a vida social. A linguagem penetra na vida por
meio dos enunciados concretos e, ao mesmo tempo, pelos enunciados a vida se
introduz na linguagem. Os gêneros estão sempre vinculados a um domínio da ati-
vidade humana refletindo suas condições específicas e suas finalidades. Conteúdo
temático, estilo e organização composicional constroem o todo que constitui o enun-
ciado, que é marcado pela especificidade de uma esfera de ação (FIORIN, 2006, p. 61).
A
formulação da noção de gênero de seu conteúdo ideológico ou relativo à
está submetida às condições da vida” (BAKHTIN, 1992, p. 96) ela não pode ser
língua. Esta, enquanto um sistema considerada, do ponto de vista do ensino,
que vive no interior de uma comunidade como fim do processo de aprendizagem
falante, funciona conforme as regras sociais, do aluno. Na verdade, a língua, conforme
consolidando a relação do verbal com o ex- entende Bakhtin (1992), é o que possibili-
traverbal (ideologia). Por essas normas de ta a interação social, por isso, o sentido que
funcionamento, os gêneros bem como a críamos estar nela encerrados é produzidos
língua, possuem caráter normativo. Apesar na relação dos sujeitos falantes em interação
do efeito de estabilidade que a língua e o verbal, em diálogo. Daí deriva a palavra dia-
gênero produzem por esse caráter normati- logismo na teoria bakhitiniana. O dialogismo
vo, é importante salientar que “essas normas é a força motriz da relação entre língua e so-
variam [...]. Mas, enquanto normas, a natu- ciedade, sendo esta a grande contribuição
reza de sua existência permanece a mesma” dessa teoria ao contexto escolar de ensino
(BAKHTIN, 1992, p. 91). Por isso é muito de línguas (DURAN, 2011).
comum ouvirmos que a noção de gêneros Par tratar do dialogismo precisamos en-
está ligada a ideia da perenidade das formas tender dois outros conceitos: enunciação e
de uso da linguagem no interior das práticas interação. O dialogismo se define pela noção
de interação sociais. Perceba, se a língua, para de diálogo, este “organiza a atuação de sujei-
Bakhtin, “no seu uso prático, é inseparável tos que interagem entre si através da língua
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O
s gêneros, em sua particularidade, O conteúdo temático é considerado o
são condizentes com as esferas primeiro item do gênero porque consiste em
discursivas em que circulam (mi- um elemento intimamente ligado ao gênero,
diática, educacional, jurídica, religiosa etc.). já que é correspondente à centralidade dos
Cada umas dessas esferas, através do tempo e sentidos por ele produzido. O tema é ine-
do uso efetivo da linguagem, foi elaborando rente à enunciação e se manifesta por meio
tipos relativamente estáveis de enunciados dos sentidos construídos nos gêneros do
os quais, por sua vez, são o que estamos tra- discurso (MENEGASSI, 2010). O gênero discur-
tando desde há muito como gêneros. Diante sivo “define a exauribilidade semântica, em
disso, compreendemos os gêneros como função da temática discutida, da finalidade
enunciados relativamente estáveis, constru- da produção, do seu interlocutor e, conse-
ídos historicamente pela atividade humana quentemente, pela situação comunicativa
em situação de interação e que traduzem a estabelecida” (MENEGASSI, 2010, s.p). Não há
eficiência de um uso mais ou menos específi- neutralidade no conteúdo temático, pois nele
co da linguagem em cada uma dessas esferas evidenciam-se o contato do gênero com o
discursivas. Diante da importância dessa defi- referente. Pela avaliação social, os aspectos
nição, indicamos que reflitam sobre ela, pois dos enunciados são definidos constituindo,
ela será primordial para o bom andamento assim, a escolha do conteúdo e da forma.
dessa disciplina. A escolha do objeto determina seus limites
Retomando, podemos definir a natureza e sua exaurabilidade semântico-objetal. O
dos gêneros como social, histórica, discursiva, objeto (tema) “determina, evidentemente,
dialógica e, sobretudo, ideológica. Esse caráter também a escolha da forma do gênero na
ideológico dos gêneros pode ser identificado qual será construído o enunciado” (BAKHTIN,
pelo estilo de linguagem. É por meio desse 2003, p. 281).
componente que podemos realizar os jul- O tema representa a vontade discursiva
gamentos de valor, pois, o estilo implica nas do falante (ou daquele que escreve). Para isso,
escolhas lexicais e gramaticais que produzem ele se serve de “formas estáveis de gênero
determinados sentidos e não outros. Tal ele- do enunciado” (BAKHTIN, 2003, p. 282). Tais
mento (estilo) é o que determina a entonação formas constituem-se por estrutura com-
do enunciado e produz efeitos sobre o seu in- posicional. A intenção do falante, ainda que
terlocutor, levando-o à avaliação sobre o que com toda a sua subjetividade e individuali-
foi dito a partir do modo como foi dito. Assim, dade, adapta-se a uma determinada forma
o estilo de linguagem se constitui como o de gênero.
elemento basilar para o gênero.
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Até mesmo no bate-papo mais descontraído e livre nós moldamos o nosso discurso por
determinadas formas de gênero, às vezes, padronizadas e estereotipadas, às vezes mais fle-
xíveis, plásticas e criativas (a comunicação cotidiana também dispõe de gêneros criativos).
Esses gêneros do discurso nos são dados quase da mesma forma que nos é dada a língua
materna, a qual dominamos livremente até começarmos o estudo teórico da gramática
(BAKHTIN, 2003, p. 282).
D
iante das definições acerca dessa por meio da teoria dos gêneros discursivos
composição triádica dos gêneros, é um caminho para formarmos nossos es-
pudemos compreender o regime tudantes da língua em usuários proficientes
do olhar no qual se configura essa noção. nos níveis linguístico-discursivo e social, o
Tais elementos constituem-se não apenas que tornaria a sala de aula mais do que um
como teoria para análise dos gêneros, mas campo de repetição de conceitos, mas de
também como elementos a serem relevados conversão de ações sobre a língua em ações
na elaboração e execução das aulas com foco de cidadania.
no processo de aprendizagem dos alunos. Perceba que as ideias apresentadas nos
Sendo assim, após a exposição das ideias de levam a pensar sobre a teoria dos gêneros do
que tratamos até aqui, esperamos que você ponto de vista didático, de modo a cumprir o
possa compreender que, para que nossos principal objetivo pedagógico: levar o aluno
alunos possam ler e produzir textos com res- a pensar para mudar sua conduta política.
ponsabilidade e consciência social e política, Tarefa a que nos dedicaremos nas próximas
a proposta de ensino da Língua Portuguesa unidades desse livro. Vamos continuar juntos?
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Várias instituições de ensino serem solicitados nos con- expressar-se por escrito so-
superior, como a Universida- cursos vestibulares. Segundo bre um determinado assun-
de Estadual de Maringá, já o departamento responsável to, além de avaliar o domínio
exigem, na prova de redação, pela elaboração das provas, e o conhecimento dos meca-
os gêneros discursivos (e não “a lista dos gêneros textuais nismos da língua culta”.
mais as tipologias textuais). é divulgada com antecedên-
Em razão disso, há vários cia e, periodicamente, sofre Fonte: Parte extraída e adap-
anos, na cidade de Maringá, mudança, mantendo parte tada do Manual do Candida-
escolas vêm encaminhando dos gêneros textuais solici- to. Disponível em: <http://
o trabalho pedagógico nos tados. A prova de redação é www.vestibular.uem.br/ma-
anos finais do ensino médio o principal instrumento de nualcandidato/UEM-Manu-
a partir dos gêneros desig- avaliação da capacidade de aldoCandidatoInverno2014.
nados como passíveis de pensar, compreender e de pdf>. Acesso em: 20 jul. 2014.
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gêneros e OS PCNs
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O
s Parâmetros Curriculares Nacionais investem na orientação pedagógica aos pro-
– doravante PCNs – orientam a fissionais da educação quanto ao trinômio
prática pedagógica visando a cons- USO -> REFLEXÃO -> USO de e sobre dife-
trução da cidadania como participação social rentes linguagens como forma de produção,
e política do corpo discente na ordem políti- expressão e comunicação das ideias; para
ca e social. A educação, no que compete ao interpretação e usufruto das produções cul-
ensino da Língua Portuguesa, comprometi- turais, em contexto público ou privado, de
da com o exercício da cidadania implica no forma que atenda às diferentes intenções e
domínio dos saberes linguísticos que pos- situações de comunicação. É com o foco no
sibilitem ao aluno o desenvolvimento da uso da língua que a teoria dos gêneros se
competência discursiva. É por isso que os constitui, se justifica e muito pode contribuir
PCNs, enquanto documento oficial, direta- para o ensino de língua. Razão de a proficiên-
mente relacionado às prerrogativas das leis cia em língua portuguesa ser, para os PCNs,
maiores como a Constituição Federal e a o princípio que deve orientar o ensino de
Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), Língua Portuguesa para que o aluno
Veja que o ensino de Língua Portuguesa, na como relativa ao conhecimento que o falante
condição de língua materna, visa não só o tem de sua linguagem” (BRASIL, 1998, p. 27).
funcionamento da língua nas práticas lin- Diante disso, você, na posição de pro-
guísticas, mas também nas práticas sociais, fessor de Língua Portuguesa, pode nos
sobretudo pelo fato de tais práticas porem perguntar: “Como, então, pensar o ensino
à prova a autonomia do uso da linguagem, dessa disciplina diante da necessidade tácita
bem como as capacidades e os domínios de prover aos nossos alunos da educação
linguísticos de escolhas de fala e de escrita básica – ou superior – um conhecimento
(BRASIL, 1998). Por isso, o ensino de língua que não seja meramente metalinguístico, isto
materna pauta-se no ensino “[d]a linguagem é, que não se refira à aprendizagem de ele-
como atividade discursiva, [d]o texto como mentos gramaticais ou de ‘técnicas’ de bem
unidade de ensino e [d]a noção de gramática falar ou escrever”?
Gêneros Textuais e o Ensino de Língua
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A resposta é curta, mas não muito simples de Segundo essa teoria, a concepção de gêneros
compreender: precisamos ensinar ao aluno (em detrimento a concepção de texto ou de
aquilo o que eles ainda não sabem! Então, tipologias textuais) recupera o caráter inte-
se considerarmos que, ao chegar à escola, o racional da linguagem, enquanto um fazer
aluno já possui um conhecimento significati- ideológico que se materializa e, razão dos
vo (baseado em observação e uso) da língua objetivos de uso que fazemos da língua(-
e que lhe serve cotidiana e rotineiramente gem). Língua(gem) que se molda às formas
para interagir socialmente (família, amigos da dos gêneros para comunicar e produzir sen-
escola, da vizinhança etc.), o que, necessaria- tidos. Prática linguística que implica refletir
mente, sobre e da língua ele ainda não sabe? sobre a língua(gem) e que requer, no traba-
lho pedagógico, levar os alunos a pensar e
a falar sobre a língua(gem) a partir do olhar
crítico, não para que sejam “estudiosos” da
língua(gem) – tarefa que compete a nós, pro-
fessores – mas para que sejam capazes de
Em 10 anos de seu Programa de Pós-
Graduação em Letras na Universidade identificar as nuances das diferentes condi-
Estadual de Maringá, foram defendidas
ções de uso da língua(gem) implicadas nas
10 dissertações de mestrado com a
temática dos gêneros textuais ou dis- diversas situações de comunicação a que são
cursivos.
expostos diariamente. Dessa maneira, o que
Fonte: Dissertações defendidas. Dis-
ponível em: <http://www.ple.uem. se espera do trabalho com os gêneros discur-
br/>. Acesso em: 12 ago. 2014. sivos em sala de aula é que os alunos saibam
se comportar linguisticamente diante das
coerções sociais estabelecidas para a cons-
trução dos discursos, bem como saibam
manipular a língua(gem) a seu favor, quando
Confrontado com esse cenário, o que se tratar de elencar diferentes elementos
propomos como caminho profícuo para a linguísticos-discursivos nos processos co-
resolução dessa situação-problema, é pensar municacionais. Observe que alçar as aulas
o ensino de Língua Portuguesa, em seus três de Língua Portuguesa a esse objetivo é dar
eixos – leitura, produção textual e análise consequência ao objetivo maior legado à
linguística – a partir de uma teoria que con- educação básica: formar cidadãos críticos e,
sidera a linguagem, inicialmente, como um no caso específico, habilidosos nos diferentes
campo ideológico e, de igual maneira, como usos a que a língua(gem) pode ser submeti-
um espaço privilegiado para a interação da a favor de seu usuário.
humana. Eis a razão para que busquemos De acordo com os PCNs (BRASIL, 1998,
amparo nos estudos dos gêneros discursivos. p. 34),
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ao tomar a língua materna como língua de ensino, a dimensão de como os sujeitos desen-
volvem sua competência discursiva não pode ser perdida. O ensino de Língua Portuguesa
deve se dar num espaço em que as práticas de uso da linguagem sejam compreendidas
em sua dimensão histórica e em que a necessidade de análise e sistematização teórica
dos conhecimentos linguísticos decorra dessas mesmas práticas.
NOÇÃO DE GÊNERO
TEORIAS OU VERTENTES REPRESENTANTES
SOCIOSSEMIÓTICA Jim Eggins, Michael Halliday, Désirée Mota-roth
SOCIORRETÓRICA Charles Bazerman, Bárbara Hemais , Bernadete Biasi-Rodrigues
INTERACIONISTA-SOCIODIS- Bernard Scheneuwly, Joaquim Dols, Roxane Rojo, Jean-Paul Bronckart,
CURSIVA Elvira Lopes Nascimento,
Vera Cristóvão
SEMIODISCURSIVA Patrick Charaudeau, Dominique Maingueneau, Maria Marta Furnaleto
SOCIOCOGNITIVA Ingedore Grunfeld Villaça Koch, Luiz Antônio Marcuschi
DIALÓGICA Mikhail Bakhtin e seu círculo de estudos, Beth Brait, Rosângela Hammes
Rodrigues, Wanderley Geraldi, Adail Sobral, Renilson Menegassi
Fonte: Elaborado pelos autores.
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T
anto a oralidade como a escrita se da cidadania. Ainda de acordo com os PCNs
manifestam sob formas específicas, (1998, p.25), “cabe à escola ensinar o aluno
dadas as circunstâncias comuni- a utilizar a linguagem oral no planejamen-
cacionais a que o usuário está exposto. A to e realização de apresentações públicas:
categoria oral tem recebido menos atenção realização de entrevistas, debates, seminá-
pelas atividades escolares, uma vez que esta rios, apresentações teatrais etc.”. Apesar de
é equivocadamente entendida como natural os gêneros orais serem contemplados pelos
do ser humano por ser concebida nas rela- PCNs e vividos cotidianamente nas salas de
ções familiares. Apesar dessa noção acerca aulas, optamos por elencar outros pontos
da oralidade, a interação dialógica na sala de fundamentais que se referem ao trabalho
aula entre professor e alunos põe em fun- com gêneros escritos.
cionamento inúmeros gêneros orais, além No que diz respeito à categoria escrita,
de se tratar de “uma excelente estratégia de é preciso, sobretudo, contemplar na mesma
construção do conhecimento, pois permite proporção as práticas de leitura e de escrita,
a troca de informações, o confronto de opi- a compreensão/interpretação dos gêneros,
niões, a negociação de sentidos, a avaliação bem como a habilidade e a capacidade de
dos processos pedagógicos em que estão produzir um gênero conforme suas exigên-
envolvidos [alunos e professores]” (BRASIL, cias. Essa categoria exige um trabalho de
1998, p. 24). No entanto, o que se busca é o maneira heterogênea, uma vez que a finalida-
desenvolvimento de competências linguís- de de cada gênero contempla um trabalho de
ticas que ofereçam suporte para o exercício exploração didático-pedagógica específica.
Vale considerar que a inclusão da heterogeneidade textual não pode ficar refém de
uma prática ‘estrangulada’ na homogeneidade de tratamento didático, que submete
a um mesmo roteiro cristalizado de abordagem uma notícia, um artigo de divulga-
ção científica e um poema. A diversidade não deve contemplar apenas a seleção de
texto; deve contemplar, também, a diversidade que acompanha a recepção a que
os diversos textos são submetidos nas práticas sociais de leitura (BRASIL, 1998, p. 26).
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Chamamos sua atenção para o estudo das palavras, significa usar a língua materna nas
diferentes variedades de gêneros existentes funções políticas, sociais e culturais. Trata-se
e em crescente ‘nascimento’, tarefa, inclusive, de ensinar a usar a língua com prudência e
fundamental, porque os gêneros estão co- proficiência, estimulando e criando condi-
nectados com a vida social: se falamos a todo ções de possibilidade para cumprir com os
momento, a todo momento podemos “incre- objetivos dos PCNs: posicionar-se de maneira
mentar” formas cristalizadas de uso da língua. crítica e com responsabilidade sobre as situa-
É justamente essa possibilidade que roga ções sociais; conhecer-se a si com confiança e
uma observação atenta às modificações so- capacidade cognitiva, ética e estética; servir-
fridas pela língua em seu uso através do dia a se das diferentes linguagens para defender
dia, através da história. Veja, é justamente por seus direitos e cumprir com seus deveres. Ao
essa razão que os PCNs concebem o ensino apropriar-se dos conteúdos, o sujeito trans-
da variedade de gêneros na prática peda- forma-os em conhecimento, podendo agir
gógica, pois ensinar o aluno a lidar com a sobre ele através da interação com o outro.
diversidade de gêneros implica a familiariza- O conhecimento sobre os gêneros faz parte
ção dele com a língua portuguesa. Em outras do processo de aquisição da linguagem e
Gêneros Textuais e o Ensino de Língua
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considerações finais
atividades de autoestudo
Web
relato de
caso
relato de
caso
Plano de estudo
A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará
nesta unidade:
• Fundamentos teórico-metodológicos
• Gêneros Discursivos em Bakhtin: definição e
Objetivos de Aprendizagem desdobramentos
• Apresentar os fundamentos teórico-metodológicos • Operacionalizando o trabalho com os gêneros
para o trabalho com os gêneros. discursivos
• Definir os gêneros discursivos em Bakhtin.
• Operacionalizar o trabalho com os gêneros discursivos.
Caro(a) aluno(a)!
Sendo assim, logo nas primeiras páginas desta unidade, você notará
que os esforços envidados visam pontuar questões que tocam a
prática docente orientada pela teoria dos gêneros.
Boa leitura!
Gêneros textuais e o ensino de língua
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fundamentos
teórico-metodológicos
observância da gramática e das estruturas da como ponto de partida para o ensino. Através
língua escrita. Contudo, como já havíamos dessa guinada, muitos conceitos surgiram,
mencionado na primeira unidade, notou-se tais como coesão, coerência, intertextu-
certa falência dessa abordagem pelo fato de alidade, contexto etc. Essas noções foram
que tais conhecimentos já não davam conta importantes à Linguística, contudo, ainda
das especificidades de boa parte dos modos apresentavam limitações. A categorização
de uso da linguagem nos seus mais variados em que se propunham enquadrar os textos
contextos de comunicação. eram generalizantes e, mais uma vez, não
Em meados da década de 1980, estudos davam conta dos pormenores que diferen-
sobre a Língua Portuguesa tomaram o texto ciam drasticamente um texto do outro.
Fonte: Adaptado pelos autores de ARAÚJO, Antonia Dilamamr. Gêneros textuais acadêmicos: reflexões sobre metodologias de in-
vestigação. Revista Letras, n. 26, v. 1/2 – jan./dez. 2004. Disponível em: <http://www.revistadeletras.ufc.br/rl26Art04.pdf>. Acesso
22 ago. 2014.
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ara relembramos, chamamos sua um pouco depois, de Roxane Rojo. Os traba-
atenção para o fato de as ações pe- lhos desses dois pesquisadores encamparam
dagógicas que se voltam para a uma movimentação em torno da questão
consolidação desse objetivo serem várias e do trabalho do texto como objeto e objetivo
datarem de décadas anteriores a promulga- de ensino em sala de aula (GERALDI, 1984) e
ção da Lei de Diretrizes e Bases da Educação de como situar as relações entre texto, pro-
Nacional, da qual derivam os PCNs. Das mais fessor e aluno nesses mesmos processos,
significativas contribuições, não podemos tendo como base as leituras bakhtinianas
deixar de retomar, também, a produção sobre gêneros do discurso (GERALDI, 1984;
teórica de Mikhail Bakhtin. A mudança do ROJO, 2005). “Neste sentido, nas práticas de
paradigma linguístico/gramatiqueiro para ensino e de aprendizagem, a língua só tem
o textual propiciou não só a mudança do existência no jogo que se joga na sociedade,
objeto de ensino, mas o resgate da figura do na interlocução, e é no interior de seu funcio-
aluno como fundamental nos processos de namento que se pode procurar estabelecer
ensino e de aprendizagem, sobretudo pela as regras de tal jogo” (GERALDI, 1984, p. 43).
relação de interlocução instaurada entre pro- Em tempo paralelo, sobressaltaram os
fessor, objeto de ensino e aluno. estudos do Grupo de Genebra, que pro-
A passagem da compreensão de textos e punham um novo objeto de estudo. Na
sequências textuais para a noção de gêneros realidade, não se deixou de ter a língua
implicou, a partir da década de 1980, na mo- como meta de ensino, de uso e de signifi-
bilização dos estudos sobre os processos de cação, fato considerado por esses estudiosos
ensino e de aprendizagem de língua materna, como a língua enquadrada em gêneros dis-
dos quais sinalizamos as leituras bakhtinia- cursivos. Conforme explica Barbosa (2005,
nas realizadas por João Wanderley Geraldi e, p.4),
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Após dois anos de investi- O nosso segundo passo na rubrica, atestado, abaixo-as-
gação e aprimoramento de continuação dessa experiên- sinado, anais de eventos etc;
nossa prática pedagógica no cia foi elaborar um roteiro de e (b) gêneros do domínio ju-
que se refere ao ensino de investigação. Foi a partir des- rídico, tais como os verbetes
língua portuguesa, procura- se roteiro guia que os alunos de petição, citação, certidão,
mos enfocar dos temas e/ou foram capazes de estudar a declaração, edital etc.
objetos de estudo aspectos prática discursiva e social dos
de investigação inerentes ao gêneros de investigação que Fonte: Experiência relatada
texto e também inerentes mais lhe agradassem den- por Alex Caldas Simões e
ao gênero. Em se tratando tro das opções oferecidas adaptada pelos autores de:
do ensino superior, organi- por nós. Esse compilado de <http://www.ufjf.br/praticas-
zamos a investigação sob o opções foi extraído integral- delinguagem/files/2014/01/
rótulo de seminário, o que mente do livro Dicionário de 49-%E2%80%93-58-Os-g%-
em outros estratos de ensino gêneros textuais, de autoria C3%AAneros-discursivos-
pode ser visto como pesqui- de Sérgio Roberto da Costa na-sala-de-aula-proposi%-
sa ou trabalho de grupo ou (2009). C3%A7%C3%B5es-did%-
de campo. Antes de apresen- Desse livro, selecionamos C3%A1ticas-para-o-ensino-
tarem os seminários, os alu- gêneros pertencentes a superior-e-outros-segmen-
nos foram instruídos sobre o dois domínios: (a) gêneros tos-de-ensino.pdf.>. Acesso
que significa os conceitos de do domínio administrativo, em: 15 ago. 2014.
texto, gêneros textual, tipo tais com os verbetes de de-
textual e suporte. claração, ata, requerimento,
Isso pode ser feito com muita eficiência por meio de projetos pedagógicos que visem
ao conhecimento, à leitura, à discussão sobre o uso e as funções sociais dos gêneros
escolhidos e, quando pertinente, à sua produção escrita e circulação social (LOPES-
ROSSI, 2006, p. 74).
Você deve se lembrar de que os gêneros dis- gêneros literários. Resulta daí a difícil tarefa
cursivos têm como característica primeira de conceber um plano geral que abarque o
a heterogeneidade, porque compreendem estudo dos gêneros. No entanto, para que
desde o texto constituído por um relato do de fato se encaixem na categoria proposta
dia a dia (tal como as anotações de uma por Bakhtin,
agenda) até os mais elaborados, como os
[...] consideremos que todo gênero se define por três dimensões essenciais: 1) os con-
teúdos que vão (que se tornam) dizíveis por meio dele; 2) a estrutura (comunicativa)
particular dos textos pertencentes ao gênero; 3) as configurações específicas das unida-
des de linguagem, que são, sobretudo, traços da posição enunciativa do enunciador, e os
conjuntos textuais e de tipos discursivos que formam sua estrutura (DOLZ; SCHNEWLY,
2004, p. 52).
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ara o estudo dessas intersecções, é ne- é a discussão de problemas sociais contro-
cessário estabelecer uma abordagem versos e cuja linguagem predominante é a
que leve em consideração a hetero- da sustentação e negociação de tomadas de
geneidade dos gêneros e, ao mesmo tempo, decisão. Agrupam-se aqui a carta ao leitor,
instaure certa ligação entre ele, com o intuito resenha crítica, debate regrado etc. O quarto
de facilitar o trabalho com essas modalida- agrupamento dos gêneros é composto pelos
des de linguagem. Dolz e Schnewly (2004) da ordem do expor, que se referem à transmis-
propõem cinco agrupamentos dos gêneros são e construção de saberes. Sua linguagem é
discursivos através da observância de três apresentada por diferentes formas de saberes.
critérios que consideram essenciais, quais São exemplos desses gêneros o seminário,
sejam, os domínios sociais de comunicação, a conferência, o resumo etc. E por último, o
as capacidades de linguagem e as tipologias agrupamento dos gêneros da ordem do ins-
textuais. truir ou do prescrever, que englobam textos
Nesse ponto, chamamos sua atenção para de instrução e/ou prescrição que são de uso
o que segue: um resumo do que Dolz e de toda a sociedade. Exemplos desse agru-
Schnewly (2004) expõem sobre os cinco pamento são as bulas de remédio, regras de
agrupamentos em que se organizam os jogo e a Constituição Federal.
gêneros discursivos. Apesar do caráter didático instituído por
O primeiro agrupamento congrega os essa proposta, nota-se que dos critérios estabe-
gêneros da ordem do narrar, cujo domínio é o lecidos como distintivos de cada agrupamento
da cultura literária ficcional e cuja linguagem é privilegiado o da tipologia textual em detri-
dominante é a reconstrução do verossímil. mento dos outros dois, o que coloca no plano
Lendas, fábulas, conto, romance, novela, piada da invisibilidade características essenciais à
etc. são exemplos de gêneros desse agru- análise dos gêneros, sobretudo no que diz res-
pamento. O segundo comporta os gêneros peitos aos elementos da ordem da enunciação
da ordem do relatar, que visam à memória e e do discurso. Tendo em vista esse problema,
àdocumentação das experiências humanas: aproximou-se o olhar para a proposição bakh-
biografias, testemunhos, reportagem, notícia, tiniana de agrupamento de gêneros por meio
relato e anedota são exemplos desse agrupa- do estabelecimento de esferas de atividades
mento de gêneros. Os gêneros da ordem do ou de esferas de comunicação, baseado na
argumentar estão no terceiro agrupamento. metodologia de estudo da língua em suas re-
Esses são aqueles cuja característica principal lações com história e a sociedade.
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É época de festa junina e a es- com a comunidade, propõe fizeram, cada um, o seu pró-
cola se prepara para receber um trabalho a ser desenvol- prio cartaz para ser fixado na
a comunidade. Professores vido em sala de aula sobre o rua onde moravam. O resul-
e alunos estão empolgados gênero convite. tado? Além de momentos ri-
para o acontecimento, mas, Os alunos se empolgam! quíssimos de aprendizagem
entre a festa e as tarefas das Ao final de oito aulas, os alu- da língua portuguesa, os alu-
aulas está o conteúdo pro- nos não só tinham estudado nos puderam participar da
gramático. A professora de as características do gênero construção efetiva da festa
Língua Portuguesa, atenta em questão, através de ativi- da qual participaram.
às demandas da escola, da dades de leitura, escrita co- Fonte: Situação fictícia ela-
sua disciplina, mas, princi- laborativa e análise de ele- borada de acordo com a ex-
palmente, da necessidade mentos linguísticos comuns periência dos autores.
de interação de seus alunos a esse gênero, com também
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operacionalizando o trabalho
com os gêneros discursivos
No que compete aos gêneros discursivos, o gênero que será trabalhado. Conhecer a
cuja produção é exequível em atividades materialidade real na qual circula o gênero
de sala de aula, são trabalhados a partir de é de extrema importância, pois coloca em
módulos didáticos. evidência boa parte das condições de pro-
Nessa perspectiva, o objeto de estudo é dução que circunscrevem esse modo de
abordado através de atividades que visam usar a linguagem. As atividades proposta
à leitura, produção escrita e circulação do nesse módulo devem propiciar ao aluno
gênero estudado. o conhecimento da organização linguísti-
No primeiro módulo, o de leitura, o ca do gênero, bem como de seus aspectos
aluno é colocado em contato direto com discursivos.
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Esse nível de conhecimento [...] permite uma série de inferências por parte do leitor
para escolha vocabular, o uso de recursos linguísticos e não linguísticos, a seleção
de informações, o tom e o estilo entre outros. São comentários que proporcionam
aos alunos, ainda que de forma gradual, a percepção da relação dinâmica entre os
sujeitos e a linguagem e a percepção do caráter histórico e social do gênero discur-
sivo em estudo (LOPES-ROSSI, 2006, p. 76-77).
A
observância desses passos no âmbito Durante as atividades desse módulo, a
da leitura habilita o aluno não só a produção de várias versões a revisão e a cor-
apreensão da organização textual reção participativa são tarefas fundamentais.
ou ao conhecimento das regras de produção A escrita entendida, nessa perspectiva teórica,
e circulação dos gêneros, mas a produção como um processo que requer aprimora-
escrita através da seleção e organização dos mento, daí a necessidade de uma primeira
conhecimentos sobre a temática e as outras produção, de uma correção, de uma leitura
especificidades do gênero que emerge no crítica e de uma refacção. Através dessas ati-
decorrer do módulo de leitura. vidades o professor terá a possibilidade de
O módulo de produção escrita sucede o perceber a necessidades dos alunos, sejam
anterior. Neste módulo didático, são previstas, elas no campo das especificidades temáticas
além das atividades de escrita propriamente ou de estruturação do gênero, ou propria-
ditas, aquelas que compõem as informações mente linguísticas, o que servirá de base para
e necessidades de composição do gênero que, nesse módulo, sejam desenvolvidas ati-
em questão. Lopes-Rossi (2006, p. 79) ressalta vidades de análise linguísticas que subsidiem
que “é necessário, para manter a essência da a apropriação dos conhecimentos pertinen-
proposta pedagógica, que a obtenção de in- tes à produção do gênero.
formações necessárias ao texto e à redação O último módulo proposto por Lopes-
propriamente dita seja feita de acordo com a Rossi (2006) é o de divulgação. Nesse módulo,
produção desse gênero em nossa sociedade”. finaliza-se o processo de produção do gênero,
Dessa maneira, o aluno tem consciência de pois é nele que leitura e escrita se concreti-
que a aprendizagem do gênero com o qual zam, sendo colocado o gênero no suporte
tem contato está se dando no uso real da em que costumeiramente é veiculado, como
língua, ou seja, a aprendizagem se dá ligada também adequado à esfera em que circula
ao processo em que, socialmente, o gênero socialmente.
aprendido é produzido.
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considerações finais
atividades de autoestudo
Web
1. Apresentação da proposta.
5. Ampliação do repertório sobre o gênero em estudo, por meio de leituras e análise de textos do
gênero.
7. Produção coletiva.
8. Produção individual.
9. Revisão e reescrita.
Fonte: Adaptado pelos autores de: AMARAL, Heloísa. Sequência didática e ensino de gêneros
textuais. Disponível em: < <https://www.escrevendoofuturo.org.br/index.php?option=com_content&-
view=article&id=212:sequencia-didatica-e-ensino-de-generos-textuais&catid=23:colecao&Itemid=33>.
Acesso em: 15 ago. 2014.