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Paulo Serra
Universidade da Beira Interior
mento que possibilita a sistematização do co- tudo nas revistas Popular Science Monthly
nhecimento 1 . (1877-1878) e The Monist (1891-1893). No
"Comunicar"significa, etimologicamente, entanto, a maior parte dos seus trabalhos
"pôr em comum". No processo de comuni- inéditos, reunidos nos Collected Papers (em
cação, que simplificadamente podemos en- 9 volumes), só foi publicada entre 1931 e
tender como a troca de uma mensagem en- 1958.
tre um Emissor e um Receptor, os Signos Daqui resulta que muitas das teorias mais
desempenham um papel fundamental. Sem interessantes de Peirce, nomeadamente no
Signos, não há mensagem, nada podemos âmbito da Semiótica ou Lógica (disciplinas
pôr em comum. Os Signos são tão importan- que Peirce identificava), fossem mal conhe-
tes que se pode (e costuma) definir, de forma cidas, ou mesmo desconhecidas, até há rela-
essencial, a Semiótica como a "ciência dos tivamente pouco tempo. À medida que es-
signos". A Semiótica da Comunicação po- sas teorias forma sendo "descobertas"e estu-
deria, desta forma, ser definida como "Ciên- dadas (por exemplo por autores como Eco),
cia dos signos da (utilizados na) Comunica- Peirce foi ganhando uma importância cres-
ção"... cente no campo da Semiótica, da Lógica e
Um dos principais estudiosos contempo- da Filosofia em geral.
râneos dos Signos (e um dos fundadores da Tomando como mote a citação de Eco,
moderna ciência semiótica) foi Charles San- este trabalho procura, fundamentalmente, es-
ders Peirce (1830-1914). Considerado por clarecer e relacionar duas dessas teorias de
alguns como sendo, porventura, o maior fi- Peirce: a do Signo e a da Abdução. Assim,
lósofo norte-americano 2 , Peirce teve uma faremos um percurso que implicará três mo-
vida afectiva, profissional e académica bas- mentos, correspondendo, cada um deles, à
tante conturbada e infeliz 3 . procura de resposta às questões que se indi-
Em matéria de obras científico- cam:
filosófiicas, a única publicada em vida,
por Peirce, foi Photometric Researches, de 1. A Semiótica: o que é a Semiótica?
1879, resultado do seu trabalho nos domí- como surgiu? qual a importância de
nios da geodesia e da astronomia . Deixou Peirce nes-se surgimento? qual a con-
um segundo livro terminado, The Grand cepção Peirceana de Semiótica?
Logic, e publicou vários artigos, sobre- 2. O pragmatismo e a abdução: em que
1
António Fidalgo, Semiótica: a Lógica da Co- consiste o pragmatismo de Peirce? o
municação, Covilhã: Universidade da Beira Interior, que trouxe Peirce de novo com a sua te-
1995, pp. 5-7 oria da abdução?
2
J. Resina Rodrigues, "Peirce (Charles Sanders)",
in Logos - Enciclopédia Luso-Brasileira de Filosofia, 3. O Signo: como se construiu historica-
Lisboa: Editorial Verbo, Volume 4, p. 38 mente a noção de Signo? como se liga
3
Para uma biografia de Peirce, ver António Fi-
Peirce a essa história? qual a concep-
dalgo, "Dados biográficos de C. S. Peirce", in Charles
S. Peirce, "Como tornar as nossas ideias claras", tra- ção Peirceana de Signo? como classi-
dução policopiada na Universidade da Beira Interior, fica Peirce os Signos? qual a relação
1994, pp. I-V entre Signo e abdução?
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Peirce e o signo como abdução 3
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demos sintetizar em dois nomes: Semiolo- receptor); Peirce- ideia de semiose, que
gia (correspondente à tradição europeia, ini- exige apenas o intérprete; b) Delimitação:
ciada por Saussure) e Semiótica (correspon- Saussure - a Semiologia como parte da Psi-
dente à tradição anglo-saxónica, iniciada por cologia Social (o domínio exterior a este li-
Peirce). Tendo o mesmo o radical (semeion, mite escapa à Semiologia); Peirce - tudo é
que se pode traduzir por "signo"ou "sinal"), semiotizável (Semiótica ilimitada); c) Con-
as duas palavras traduzem, no entanto, duas cepções de Signo: Saussure - relação sig-
maneiras diferentes de entender a "ciência nificado/significante; Peirce - o signo como
dos signos"8 . "processo de mediação"que abre para a "in-
A Semiologia aparece definida por Saussure, finitude", um significante remetendo sempre
no Curso de Linguística Geral (editado pela para outro significante, numa cadeia intermi-
primeira vez em 1915), da seguinte forma: nável. Na opinião de Jeanne Martinet 12 , a
"Pode portanto conceber-se uma ciência que distinção fundamental reside nas diferentes
estuda a vida dos signos no seio da vida so- concepções de signo. Já Adriano Duarte Ro-
cial; ela constituiria uma parte da psicologia drigues 13 destaca que, enquanto a reflexão
social e, por conseguinte, da psicologia ge- de Saussure se centra na linguagem verbal,
ral; nós chamá-la-emos semiologia (do grego a de Peirce centra-se nos quadros lógicos do
semeion, signo). Ela ensinar-nos-ia em que conhecimento científico. Jurgen Trabant 14
consistem os signos, que leis os regem. (...) acentua, por seu lado, que a diferença fun-
A linguística não é senão uma parte desta ci- damental entre Semiologia e Semiótica as-
ência geral (...)."9 . senta nas diferentes tradições de que são ori-
Quanto à Semiótica ela é definida, por ginárias, a linguística e a filosófica: a tradi-
Peirce, num fragmento de 1897, nos seguin- ção linguística, dando atenção especial aos
tes termos: "Em seu sentido geral, a lógica é, signos linguísticos, tende a ver a Semiologia
como acredito ter mostrado, apenas um outro como uma extensão analógica da Linguística
nome para semiótica, a quase-necessária, ou (que funciona como modelo) a outros domí-
formal, doutrina dos signos"10 . nios da cultura que não a língua; a tradição
Diferentes autores têm sublinhado várias filosófica, dando atenção aos signos em ge-
distinções entre estas duas tradições (e con- ral, e preocupando-se sobretudo com o papel
cepções) da "ciência dos signos". Para Edu- da linguagem no conhecimento, tende a en-
ardo Prado Coelho 11 , as distinções centram- carar a Semiótica como parte de uma Teoria
se nos seguintes aspectos: a) Ponto de par- do Conhecimento. Bem ilustrativa da tradi-
tida: Saussure - acto sémico como facto so- ção linguística é a posição de Roland Barthes
cial que relaciona dois indivíduos (emissor- que, ressaltando o carácter de sistema mode-
8
lizante primário da língua, propõe, mesmo,
Fidalgo, ibidem, pp. 16-17; Jurgen Trabant, ibi-
dem, pp. 13-17 nos Elementos de Semiologia, de 1964, in-
9
Ferdinand de Saussure, Cours de Linguistique verter a relação entre Semiologia e Linguís-
Générale, Paris: Payot, 1978, p.33 12
10
Charles Sanders Peirce, Semiótica, S. Paulo: Edi- Ibidem
13
tora Perspectiva, 1977, p. 45 Adriano Duarte Rodrigues, Introdução à Semió-
11
Citado em Fidalgo, ibidem, p. 17 tica, Lisboa: Editorial Presença, 1991, p. 76
14
Trabant, ibidem, p. 13
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Peirce e o signo como abdução 5
tica, avançada por Saussure: "Em suma é ticas de Peirce "demonstraram ser fecundas
necessário admitir a partir de agora a pos- na lógica e na semiótica contemporâneas, do
sibilidade de inverter um dia a proposição mesmo modo que se tornaram fecundas as
de Saussure: a linguística não é uma parte, múltiplas distinções e classificações de sig-
mesmo privilegiada, da ciência geral dos sig- nos que ele forneceu nos seus escritos."19
nos, é a semiologia que é uma parte da lin- Para Peirce, Lógica e Semiótica
guística (...)"15 . Note-se que esta ideia de identificam-se: "Em seu sentido geral,
Bartthes já está, de certa maneira, presente a lógica é, como acredito ter mostrado,
no próprio Saussure, quando este afirma que apenas um outro nome para semiótica, a
"a língua, o mais complexo e difundido dos quase-necessária, ou formal, doutrina dos
sistemas de expressão, é também o mais ca- signos". A Semiótica é "quase-necessária"ou
racterístico de todos; neste sentido a linguís- "formal"no sentido em que, segundo Peirce,
tica pode tornar-se o padrão geral de toda a procede por "observação abstractiva", par-
semiologia, ainda que a língua não seja se- tindo dos signos particulares (do que os
não um sistema particular"16 . signos "são"), para as afirmações gerais (o
Apesar destas diferenças, as duas tra- que os signos "devem ser") 20 .
dições vão confluir na formação de uma A importância que Peirce atribui à Semió-
mesma "ciência dos signos". Deste modo, tica (Lógica) está bem patente no seguinte
Pierre Guiraud reconhecia, nos finais da dé- fragmento de uma carta sua a Lady Welby:
cada de 70, que: "... as palavras semiologia "Desde o dia em que, com doze ou treze
e semiótica recobrem hoje a mesma disci- anos, apanhei no quarto do meu irmão um
plina, sendo o primeiro termo utilizado pelos exemplar da Lógica de Whately nunca mais
europeus e o segundo pelos anglo-saxões"17 . fui capaz de estudar o que quer que fosse
A essa disciplina dá-se hoje, habitualmente, - matemática, moral, metafísica, gravita-
o nome de Semiótica - o que denota, desde ção, termodinâmica, fonética, economia,
logo, a absorção da semiologia linguística história das ciências, homens e mulheres,
pela semiótica filosófica 18 . vinho, metrologia - senão como estudo de
semiótica"21 . A Semiótica aparece, assim,
concebida como uma espécie de "matemá-
3 Peirce e a semiótica
tica universal"que, à maneira leibniziana,
Refere Abbagnano que, no que respeita à Se- abarca todas as restantes ciências 22 .
miótica, Peirce "retomou a teoria estóica do Como o Signo envolve a relação com três
significado, em termos que lhe deram direito coisas (com o próprio signo ou representa-
de cidadania na lógica moderna."Ainda se- men, o objecto e o interpretante), a Semió-
gundo o mesmo autor, as concepções semió- tica tem três ramos:
19
15
Roland Barthes, Elementos de Semiologia, Lis- Nicola Abbagnano, História da Filosofia, Lisboa:
boa: Edições 70, 1977, p. 87 Editorial Presença, Vol. XIII, 1979, pp. 9-11
20
16
Saussure, ibidem, p. 101 Ver nota 10
21
17
Pierre Guiraud, A Semiologia, Lisboa: Editorial Rodrigues, ibidem, pp. 89-90
22
Presença, 1978, p. 9 Fidalgo, ibidem, p. 14
18
Fidalgo, ibidem, p. 19
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1. Gramática Pura (segundo Peirce, Duns (que trata da relação entre os signos e os ob-
Escoto chamava-lhe grammatica specu- jectos a que se aplicam) e Pragmática (que
lativa) - "a sua tarefa é determinar o que trata da relação entre os signos e os intérpre-
deve ser verdadeiro quanto ao represen- tes). Como sabemos, Sintaxe, Semântica e
tamen utilizado por toda a inteligência Pragmática constiuem, hoje em dia, os três
científica a fim de que possa incorpo- grandes domínios da Semiótica 24 .
rar um significado qualquer". Segundo Peirce distingue, ainda, entre Semiótica ge-
Sebeok, é a teoria geral da relação de ral e "ciências psíquicas"(a que, mais pro-
representação e dos vários tipos de sig- priamente, poderíamos chamar "ciências se-
nos. mióticas"), em que inclui as ciências psico-
lógicas e sociais, a linguística, a história, a
2. Lógica Pura (ou Crítica) - "ciência do estética, etc. 25 .
que é quase necessariamente verdadeiro
em relação aos representamen de toda a
inteligência científica a fim de que pos- 4 Pragmatismo e abdução
sam aplicar-se a qualquer objecto, isto
é, a fim de que possam ser verdadeiros.
4.1 A máxima pragmatista
(...) ciência formal da verdade das re- Charles Sanders Peirce consta, nas Histórias
presentações.". Segundo Sebeok, com- da Filosofia, como um dos fundadores do
preende a teoria unificada da dedução, pragmatismo.
da indução e da retrodução (inferência O pragmatismo é, segundo Abbagnano, "a
hipotética ou abdução). forma que foi assumida, na filosofia contem-
porânea, pela tradição clássica do empirismo
3. Retórica Pura (ou Especulativa) - "o seu inglês", na sequência de Locke, Hume e Stu-
objectivo é o de determinar as leis pelas art Mill. Ainda segundo o mesmo autor,
quais, em toda a inteligência científica, o pragmatismo constitui "o primeiro contri-
um signo dá origem a outro signo e, es- buto original dos Estados Unidos da Amé-
pecialmente, um signo acarreta outro.". rica para a filosofia ocidental". Assentando
Segundo Sebeok, refere-se à eficácia da ambos na noção de "experiência", empirismo
semiose 23 . clássico e pragmatismo diferem, no entanto,
em relação à maneira como entendem essa
Esta tripartição da Semiótica viria a ser noção. Assim, enquanto o empirismo clás-
retomada por Charles Morris em 1938, nas sico entende "experiência"como experiência
suas "Foundations of the Theory of Signs". passada (e, como tal, constituindo um "pa-
Morris substitui as designações de Peirce pe- trimónio limitado que pode ser inventari-
las de Sintaxe (que trata da relação formal
24
dos signos uns com os outros), Semântica Charles Morris, "Fundamentos da Teoria dos Sig-
nos", tradução policopiada na Universidade da Beira
23 Interior (Tradução de António Fidalgo), 1994, p.7;
Peirce, ibidem, p.46; Thomas Sebeok(Org.),
Enciclopedic Dictionary of Semiotics, Berlin, New Rodrigues, ibidem, pp. 94-95; Bertil Malmberg, Les
York, Amsterdam: Mouton de Gruyter, 2ž volume, Nouvelles Tendances de la Linguistique, Paris: PUF,
p. 693; Rodrigues, ibidem, p. 94 1972, p. 192
25
Sebeok, ibidem, pp. 693-694
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Peirce e o signo como abdução 7
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Peirce e o signo como abdução 9
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14 Paulo Serra
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18 Paulo Serra
do signo para a semiose ilimitada. No dizer Ducrot, Oswald, Todorov, Tzvetan, 1978,
de Peirce, um termo (/Pai/) é uma proposi- Dicionário das Ciências da Linguagem,
ção rudimentar ("Se pai, então alguém que Lisboa: Publicaçóes D. Quixote (espe-
é filho deste pai") e esta uma argumentação cialmente os artigos "Semiótica", pp.
rudimentar ("Todos os pais têm ou tiveram 111-123 e "Signo", pp. 127-133)
filhos; Este homem é pai; Então este homem
tem ou teve um filho") 59 . Eco, Umberto, 1981, O Signo, Lisboa: Edi-
Sendo todo o signo eminentementemente torial Presença
abdutivo, podemos afirmar, de forma reci- Eco, Umberto, 1994, "O Signo", in Enciclo-
proca, que toda a abdução é eminentemente pédia Einaudi, Vol. 31 (O Signo), Lis-
sígnica. A abdução parte sempre de um boa: Imprensa Nacional - Casa da Mo-
"resultado"(facto surpreendente) para uma eda, pp. 11-51
"regra"(hipótese explicativa), funcionando o
primeiro como signo da segunda. Toda a ab- Eco, Umberto, 1994, "O Significado", in En-
dução envolve um acto de interpretação, de ciclopédia Einaudi, Vol. 31 (O Signo),
semiose, de atribuição de significado (que Lisboa: Imprensa Nacional - Casa da
não tem nem o rigor formal da dedução nem Moeda, pp. 79-81
o carácter de confirmação experimental da
indução). Fidalgo, António, 1995, Semiótica: a Ló-
Esta dupla implicação entre Signo e Abdu- gica da Comunicação, Covilhã: Uni-
ção esclarece, a uma nova luz, a identifica- versidade da Beira Interior
ção Peirceana entre Semiótica (do Signo) e
Guiraud, Pierre, 1978, A Semiologia, Lisboa:
Lógica (da Abdução). Simultaneamente ga-
Editorial Presença
nha um novo sentido a afirmação de Peirce
de que todas as ciências (todos os factos) não Kneale, William e Martha, 1972, O Desen-
são , no fundo, senão Lógica - Semiótica: to- volvimento da Lógica, Fundação Ca-
das as ciências procuram, a partir de determi- louste Gulbenkian ("Teoria das rela-
nados fenómenos (signos naturais), abduzir ções: de Morgan a Peirce", pp. 432-
as leis explicativas (regras gerais da interpre- 439)
tação) dos mesmos...
Kristeva, Julia, s/d, História da Linguagem,
Lisboa: Edições 70
7 Bibliografia
Malmberg, Bertil, 1972, Les Nouvelles Ten-
Abbagnano, Nicola, 1979, História da Filo-
dances de la Linguistique, Paris: PUF
sofia, Lisboa: Editorial Presença, Vol.
(especialmente pp. 190-192)
XIII, ( "O Pragmatismo", pp. 7-15).
Martinet, Jeanne, 1983, Chaves para a Semi-
Barthes, Roland, 1977, Elementos de Semio-
ologia, Lisboa: Publicações D. Quixote
logia, Lisboa: Edições 70
59
Ver Eco, ibidem, pp. 38-40 e 46-49
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Peirce e o signo como abdução 19
Morris, Charles W., 1994, "Fundamentos da Todorov, Tzvetan, 1979, Teorias do Símbolo,
Teoria dos Signos", tradução policopi- Lisboa: Edições 70 ("Origens da semió-
ada na Universidade da Beira Interior tica ocidental", pp. 15-54)
(Tradução de António Fidalgo)
Trabant, Jurgen, 1980, Elementos de Semió-
Mounin, Georges, 1977, Introdução à Lin- tica, Lisboa: Editorial Presença
guística, Lisboa: Iniciativas Editoriais
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20 Paulo Serra
subsistente. Assim, só restam duas maneiras "mesa"nem o "verde", mas que "É verdade
de conceber o conteúdo: ou como estando que a mesa é verde").
nas coisas, na realidade empírica (solução do Um dos problemas postos pela doutrina
empirismo) ou como estando na Razão (so- estóica da linguagem verbal é o da relação
lução do idealismo alemão). Os Estóicos de- entre o semainomenon e o lektón. Para Sexto
fendem a primeira solução. Empírico eles são sinónimos. Esta interpre-
Os "incorporais"são entes de razão (entia tação não se afigura, no entanto, aceitável a
rationis), existem apenas na medida em que Eco.
há uma apreensão cognitiva da sua realidade. O lektón pode ser completo (uma propo-
Tal não significa, no entanto, que não sejam sição, por exemplo: "Dione caminha") ou
dotados de uma identidade própria, que per- incompleto (parte de uma proposição, no-
mite a sua predicação (exo do triângulo: três meadamente o sujeito ou o predicado; por
lados, três ângulos, etc.). Não são coisas, exemplo: "Dione", "caminha"). O lektón in-
mas "estados de coisas", "modos de ser", "re- completo não é uma categoria da "expres-
lações", "maneiras de ver". São exemplos de são", mas do "conteúdo": ele traduz uma
"incorporais"o vazio, o lugar, o tempo, as re- posição, um lugar dentro de uma proposi-
lações espaciais, as sequências cronológicas, ção. Um exemplo elucidativo poderia ser
as acções e os eventos. o seguinte: nas proposições "Ele tem um
Esta concepção da idealidade da signifi- coração de oiro"e "Um coração de oiro é
cação aproxima os Estóicos das semânticas uma riqueza espiritual", "um coração de
chamadas ideacionais ou conceptualistas (de oiro"exprime "conteúdos"diferentes porque
que Ockham e os nominalistas em geral, ocupa posições diferentes (de complemento
Locke, Husserl e Saussure são os principais directo e de sujeito, respectivamente). Nas
representantes).60 línguas ditas flexionais (com "casos"), como
Entre os "incorporais"conta-se o lektón, o latim e o alemão, a "posição"(função) é in-
que tem sido traduzido por "exprimível", dicada pela desinência, pela forma que a pa-
"dictum"ou "dizível". O lektón (completo) lavra assume .61
é uma proposição que se refere a um estado Assim, sendo o lektón completo ("Dione
de coisas (não a uma coisa) e que, como caminha") um "incorporal", também os lek-
tal, pode ser verdadeira ou falsa (Exo : Se eu tá incompletos que o constituem ("Dione",
afirmo "A mesa é verde", não afirmo nem a "caminha") são "incorporais".
60 61
Ver Carlos Bizarro Morais, "Estoicismo", in José Nunes de Figueiredo e Maria Ana Almen-
LOGOS - Enciclopédia Luso-Brasileira de Cul- dra, Compêndio de Gramática Latina, Porto: Livra-
tura,Volume 2, Lisboa: Verbo, 1990, que refere os es- ria Avis, 1967, definem "casos"como "as diferentes
tóicos como "sensistas e nominalistas"(p. 295). Ver formas que toma um substantivo, um adjectivo ou
também Manuel de Costa Freitas, "Conceptualismo", um pronome, segundo as diferentes funções (sujeito,
in LOGOS - Enciclopédia Luso-Brasileira de Cultura, complemento directo, indirecto, de posse, determina-
Volume 1, Lisboa: Verbo, 1989, que classifica o es- tivo, circunstancial)."(p. 22) (itálicos nossos).
toicismo antigo como "conceptualismo empirista"(p.
1083).
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