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JOÃO DAS NEVES DIAS NETO

O DIREITO EM SANTO TOMÁS DE AQUINO


O JUSNATURALISMO E O DIREITO POSITIVO NA OBRA DE
SANTO TOMÁS DE AQUINO

Niterói
2020
joão das neves dias neto

O DIREITO EM SANTO TOMÁS DE AQUINO


O JUSNATURALISMO E O DIREITO POSITIVO NA OBRA DE
SANTO TOMÁS DE AQUINO

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado


à Universidade Anhanguera, como requisito
parcial a obtenção de titulo de graduado em
Direito.

Orientador:
Niterói
2020

JOÃO DAS NEVES DIAS NETO

O DIREITO EM SANTO TOMÁS DE AQUINO


O JUSNATURALISMO E O DIREITO POSITIVO NA OBRA DE
SANTO TOMÁS DE AQUINO

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado


à Universidade Anhanguera, como requisito
parcial a obtenção de titulo de graduado em
Direito.

BANCA EXAMINADORA

Prof.(a). Titulação Nome do Professor (a)

Prof.(a). Titulação Nome do Professor (a)

Prof.(a). Titulação Nome do Professor (a)


Niterói, de mês de 2020.
Dedico este trabalho ao meu grande
incentivador: João das Neves Dias, Avô,
Pai, Irmão e Amigo! Uma homenagem
póstuma aquele a quem, depois de Deus,
devo tudo que sou...

AGRADECIMENTOS

Aquela que tem me acompanhado todos os dias em meio às lutas e


dificuldades sem me deixar desanimar um só instante: Julie de Castro Lima.
Companheira de vida e de história! Aos professores e colegas de turma que nesta
caminhada estiveram comigo para que chegasse até aqui, especialmente a amiga
Yasmim Arlete por todo apoio e incentivo.
“Uma coisa não é Justa porque Deus
quer, mas Deus quer a que é Justa.”
(Santo Tomás de Aquino)

DIAS NETO, João das Neves. O Direito em Santo Tomás de Aquino: O


Jusnaturalismo e o Direito Positivo na obra de Santo Tomás de Aquino. 35 folhas.
2020. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Direito) – Universidade
Anhanguera, Niterói, 2020.

RESUMO

O trabalho busca aprofundar a compreensão das Leis Naturais e das Leis


Positivas na Obra de Santo Tomás de Aquino em relação à forma como o ser
humano tem de encarar, partindo de dentro de si mesmo, a moral e a ética. Voltado
especialmente para aqueles que objetivam Operar o Direito tendo em vista que
Santo Tomás de Aquino é o maior, filósofo, teólogo, sociólogo, e principalmente
jusfilósofo, e pensador político da História, mas também a todos os estudiosos do
campo da Filosofia do Direito.

Palavras-chave: Direito Positivo. Santo Tomás de Aquino. Jusnaturalismo. Filosofia


do Direito.
DIAS NETO, João das Neves. O Direito em Santo Tomás de Aquino: O
Jusnaturalismo e o Direito Positivo na obra de Santo Tomás de Aquino. 35 folhas.
2020. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Direito) – Universidade
Anhanguera, Niterói, 2020.

ABSTRACT

The work seeks to deepen the understanding of Natural Laws and Positive
Laws in the Work of Saint Tomas of Aquino in relation to the way the human being
has to face, starting from within himself, morals and ethics. Aimed especially at those
who aim to Operate the Law considering that Saint Tomas of Aquino is the greatest,
philosopher, theologian, sociologist, and mainly philosopher jus, and political thinker
of History, but also to all scholars in the field of Philosophy of Law.

Keywords: Positive Law. Saint Tomas of Aquino. Jusnaturalism. Philosophy of law.


SUMÁRIO

INTRODUÇÃO............................................................................................................10

O PENSAMENTO E OBRA TOMISTA........................................................................11

O DIREITO NATURAL EM SANTO TOMÁS..............................................................19

O DIREITO POSITIVO NA OBRA DO AQUINATE.....................................................25

CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................................32

REFERÊNCIAS...........................................................................................................34
INTRODUÇÃO

Tema de grande interesse ao estudioso do Direito é o que diz respeito ao


Direito Natural e o Direito positivado na Obra de Santo Tomás de Aquino,
verificando-se a admissão da supremacia do direito Natural, o qual o Doutor
Angélico discorre profundamente em suas Obras, sobre os corpos normativos
positivados. Evidentemente, são históricos os embates que se renovam nos bancos
das faculdades de direito e mesmo no âmbito dos julgamentos judiciais no que diz
respeito aos princípios jurídicos como desdobramento do Direito Natural em face do
Direito Positivado.
Nesse espectro, entende-se oportuno abordar novamente o assunto, agora
nesta pesquisa, de modo a fomentar o debate e sugerir um novo olhar sobre o
Direito enquanto objeto da Justiça. A ideia principal é conceber o Direito Natural de
Santo Tomás e suas relações com o Direito positivado atual, não só como uma fonte
nascedouro de autoridade para o Direito de nossos dias, mas também compreende-
lo como um método jurídico deveras proveitoso na contemporaneidade.
Esta pesquisa tem o objetivo de trazer novamente à tona a importância da
reflexão do desenvolvimento da compreensão das Leis Naturais e das Leis Positivas
em relação à forma como o ser humano tem de as encarar partindo de dentro de si
mesmo a moral e a ética especialmente para aqueles que objetivam Operar o Direito
tendo em vista que Santo Tomás de Aquino é o maior, filósofo, teólogo, sociólogo, e
principalmente jusfilósofo, e pensador político da História da Humanidade.
Procura-se ainda dar a conhecer o modo como se relacionam e a
interdependência entre o Jusnaturalismo e do Direito Positivo na Obra de Santo
Tomás de Aquino, apresentando, de forma geral, a Obra de Santo Tomás de
Aquino; e os aspectos do Direito Natural na Obra do Doutor Angélico; Observando
os pontos específicos de relação entre o Direito Positivo e o Jusnaturalismo.
Buscando-se demonstrar que o Direito Natural tomista é excelente fonte e método
de auxílio ao trabalho operadores do Direito e autoridades públicas em geral, por
sua estreita relação com o Direito Positivado já explicita na própria Obra de Santo
Tomás.
11

O PENSAMENTO E OBRA TOMISTA

Os grandes mestres das Universidades Medievais se voltaram para a ciência


jurídica, especialmente no que tange ao chamado direito natural. Instruções,
ensinamentos e obras compostas por estudiosos como Pedro Lombarda, Isidoro de
Sevilha, Alberto Magno, Tomás de Aquino, Graciano, Boaventura, Guilherme de
Auxerre, entre outros, são provas do altíssimo nível de estudo do direito natural
deste período da história da humanidade.
Santo Tomás de Aquino, entre os mestres supra, foi sem duvida o maior
expoente da filosofia escolástica. Tendo sido membro da Ordem dos Dominicanos,
uma Ordem de Religiosos Católicos, foi também professor da Universidade de Paris,
Aquino ficou conhecido com o aluno mais brilhante de Santo Alberto Magno (1206-
1280). Suas maiores influências são Platão e Santo Agostinho, este último
considerado como sendo um neoplatônico, tendo também influencia de
Alberto Magno e do filosofo Aristóteles, que representa o pensamento filosófico
grego dominante durante a Escolástica.
Nasceu no feudo de Roccasecca, na Sicília, no ano de 1225. Sua vida foi
integralmente dedicada ao estudo e ensino de Filosofia e Teologia. Escreveu, ao
todo, mais de 60 livros. Sobre Santo Tomás, o pensador protestante e jurista
alemão Rudolf Von Jhering, em sua obra A Finalidade do Direito, assim
observa:

“Nesta presente segunda edição acrescento uma nota ao texto,


graças à crítica que o Sr. Hohoff, Capelão em Häffe, consagrou à minha
obra (no Literarischer Handweiser, sobretudo para a Alemanha católica,
Münster, An. 23, n. 2), ao mesmo tempo em que elucida com muitas e
valiosas informações sobre a literatura concernente à moral católica. Prova-
me ele, com citações de Tomás de Aquino, que este grande espírito já
havia reconhecido, com perfeita exatidão, tanto o elemento realista, prático
e social, como o histórico da moralidade. Censura-me, e com justiça,
pela minha ignorância. Mas tal censura cabe, com muito mais razão, aos
Filósofos e teólogos protestantes, pouco cuidadosos de tirar partido dos
pensamentos grandiosos de Tomás de Aquino. Com espanto a mim mesmo
me pergunto como foi possível tivessem jamais podido cair em tão
completo esquecimento, entre os nossos sábios protestantes, verdades como
as professadas por ele! Quantos erros ter-se-iam evitado se tivessem
12

elas sido fielmente guardadas! Quanto ao que me toca, talvez não tivesse
escrito de todo o meu livro se as houvesse conhecido; pois, as ideias
fundamentais que nele ia expor já se encontram, com perfeita clareza e
notável fecundidade de concepção, expostas nas obras desse vigoroso
pensador.”1

Através da análise dos escritos e ideias de Santo Tomás de Aquino, percebe-


se que o autor definia a justiça de dois modos distintos, um dotado de princípios
absolutos e outro aplicado às relações particulares. Desta forma, pode-se dizer que,
para ele, a justiça poderia ser Geral ou Particular. A “justiça geral” sendo universal,
dotada de princípios absolutos que seriam estabelecidos por Deus, e que nas obras
de Aristóteles se denomina “Justiça Natural”, e a que seria a “justiça particular” que
nada mais é que a particularização da “justiça geral” onde seu uso seria aplicado
nas relações particulares e que se subdivide em distributiva ou comutativa. Na
distributiva cada um recebendo de acordo com seu mérito, um tipo de justiça de
subordinação em que o estado distribui aos cidadãos em uma relação de
verticalidade. Já na forma comutativa, seria uma justiça coordenada havida entre
particulares e objetivando ser equilibrada. Nesta forma, não há uma relação de
subordinação como na primeira.
No mesmo caminho de pensamento de Santo Agostinho, Santo Tomás de
Aquino propaga a existência de uma Lei advinda de Deus, a qual denomina-se
“Eterna” e outra advinda dos homens que se define “Humana”. Desse modo, para
ele, a divisão de Leis se daria entre “Lei eterna” que é a lei de Deus, sendo perfeita e
eterna onde o homem, por ter cometido o pecado original, não teria acesso a essa
lei. Contudo, Deus, por seu caráter misericordioso, nos daria duas formas de
conhecer a lei eterna, sendo elas as Leis Divinas, que são os textos religiosos e que
devem, na opinião do autor, ser interpretadas para se chegar à lei eterna. E a Lei
Natural que é a totalidade de leis descobertas pela razão. Pois para ele raciocinando
corretamente se pode chegar à lei Eterna. A lei natural, por conseguinte, é a
1

JHERING, Rudolf. Der Zweck im Recht. 2. ed .Leipzig: Breitkopf und Härtel, 1886. v. 2.

p. 161.

CORRÊA, Alexandre. Concepção tomista do direito natural (1941). In: Id. Ensaios políticos
e Filosóficos. Prefácio de Ubiratan Macedo. São Paulo: Editora Convívio/EDUSP, 1984. p. 167.
13

participação do ser racional, pensante, na lei eterna. As Leis Humanas são as


formas de leis criadas pelos seres humanos para que de forma ordenada se possa
viver em sociedade. Entretanto, nesta concepção, para serem minimamente justas,
deverão ser, de certa forma, um reflexo da chamada lei eterna. Portanto infere-se
que para Aquino a classificação de Leis é composta pela Lei Eterna, Lei Natural,
Lei Divina e Lei Humana.
Sendo Santo Tomás não um jurista mas um Filósofo do Direito, no sistema
filosófico apresentado pelo Aquinate, a sua concepção de Direito Natural encontra-
se como sendo normas emanadas pelo cosmos racional natural ao ser humano,
homem e mulher. Ou seja, de acordo com o pensamento de Santo Tomás o Direito
Natural demonstra a natureza original do individuo humano, exatamente da forma
como ela foi por Deus concebida. A humanidade, bem como tudo na criação, dispõe
de uma finalidade objetiva e razão de ser, cuja efetivação se alcança pela
obediência às leis naturais. Em suma, os princípios e normas do Direito Natural são
as regras que dizem ao individuo aquilo que ele deve ser enquanto ser humano.
Nesse pensamento, Santo Tomás de Aquino adota a conhecida teoria das quatro
causalidades de Aristóteles, de acordo com a qual os fenômenos e os seres podem
ser determinados em consonância com quatro ordens de causa: eficiente, material,
formal e final. É desta última forma de causa que se desenvolvem as regras do
Direito Natural Aristotélico-Tomista. Os preceitos Jusnaturalistas orientam o
individuo na direção daquilo que eles entendem como a realização plena da
natureza humana. Mesmo não tendo sido jurista nem tido a formação
acadêmica que seria necessária a um operador do direito, Santo Tomás foi, no
entendimento de todos os estudiosos, um Filósofo do Direito, que ocupa de
acordo com Gino Áreas “lugar de relevo na História da Filosofia do Direito”.
Sendo mesmo o que podemos considerar como a maior representação dos Filósofos
do Direito, inferindo-se disso que não se tem noticia de que outro, filósofo ou
jusfilósofo, e principalmente teólogo como o Doutor Angélico foi, jamais pode
produzir tão vasta doutrina a respeito da Justiça e da Lei, do Direito Natural e
mesmo do Direito Positivo quanto Santo Tomás de Aquino.
Em seu artigo, Aspectos do Direito na obra de Santo Tomás de Aquino, Victor
Emanuel Vilela ressalta que “é de impressionante valor e atualidade o pensamento
político de Santo Tomás”, principalmente condensado, na obra Comentário à
Política de Aristóteles, e nos tratados Da lei e Do direito e da justiça da Suma
14

Teológica, trazendo ainda o pensamento de Bernard Roland-Gosselin, “os princípios


da política tomista são católicos, quer dizer, válidos para todos os tempos e
lugares”.2

Como salienta o pensador e escritor


francês Bernard Roland-Gossel
O Direito Natural, de acordo com o Doutor Angélico, se divide em duas partes,
uma universal e imutável e que é outra variável. A primeira parte se relaciona aos
princípios da Lei Natural, ou seja, os denominados princípios sindréticos, que são
conhecidos pela Sindérese, que é o hábito intelectual dos primeiros princípios de
ordem prática. Tais princípios podem ser reduzidos ao princípio segundo que é
simplesmente que devemos fazer o bem e evitar de toda forma o mal. Enquanto
que a segunda parte diz respeito aos princípios secundários do Direito Natural, que
são então derivados dos primeiros princípios, sendo expressões próprias de suas
necessidades imediatas. Segundo Santo Tomás, Deus, Criador e Regedor do
Universo, por meio de sua Providencia dirige os caminhos do Homem, o
encaminhando pela Lei. Esta, como já foi dito, se divide em Lei Eterna, Lei Natural,
Lei Divina Positiva e Lei Humana Positiva, ou, Lei Humana, que é a organização e
direcionamento da razão sempre para o bem da coletividade, e que é promulgada
pela autoridade constituída que tem o dever e encargo da Comunidade.
Diante do exposto é mister comentar que a noção de Lei Natural e
fundamentadora do denominado Direito Natural é encontrada na antiguidade,
conforme a afirmação de Aristóteles, na Retórica:

É bastante cabível agora efetuar uma completa classificação das


ações justas e injustas. Principiemos por observar que ações
justas e injustas foram definidas relativamente a dois tipos de
direito, além de o ser relativamente a duas classes de pessoas.
Quando falo de dois tipos de direito ou leis, refiro-me à lei particular
e à lei comum. A primeira varia segundo cada povo e é aplicável aos
membros de cada povo, sendo parcialmente escrita, parcialmente não
escrita; a lei comum é a lei natural, visto que há, de fato, uma
justiça e uma injustiça das quais todos têm, de alguma maneira, a

2
ROLAND-GOSSELIN, Bernard. La doctrine politique de Saint Thomasd’Aquin, 1928, p. 164.
15

intuição, e que são naturalmente comuns a todos,


independentemente de todo Estado e de toda convenção
recíproca. É isso que a Antígona de Sófocles expressa com clareza
ao declarar que o sepultamento de Polinices fora um ato justo, a
despeito da proibição; ela quer dizer que fora um ato justo por ser um
direito natural...3

Durante muito tempo houve uma disputa entre as concepções Jusnaturalista


e Positivista do Direito. O conceito do Direito Positivo prevaleceu e o Naturalismo
tomou um contorno mais Histórico que Jurídico. Neste escopo vamos mergulhar no
contexto histórico da Obra de Santo Tomás de Aquino para a partir de ela
compreender a influencia do Direito Positivo no Jusnaturalismo e os motivos que
levaram a o primeiro ocupar lugar de destaque no cenário Jurídico enquanto que o
segundo tomou um contorno mais Histórico- Filosófico.
A compreensão e o conceito de justiça desenvolvidos por Santo Tomás de
Aquino, que concorda parcial ou totalmente com diversos filósofos, dos que o
precederam e que foi utilizado por aqueles posteriores, influenciou e continua
influenciando as mais diversas formas de teorias jusnaturalistas mesmo que por
vezes se aparente uma contradição em relação ao juspositivismo ou Direito Positivo.
Observa-se, em primeiro lugar, que o Aquinate sistematizou seu pensamento
Jurídico de modo fortemente tradicional e por outro lado supreendentemente
inovador para seu tempo. Conseguindo unificar numa doutrina única as principais
lições de direito de Aristóteles, de Cícero e Gaio, com aquelas que absorveu de
Graciano e de seu mestre Alberto Magno. Anexando-se a isso a presença de seu
próprio discernimento, que denomina-se Tomista, a cerca dos temas levantados. De
toda sorte, para aqueles que defendem o Direito Natural, o Direito Positivo não pode
ser conhecido sem a influencia e nuances inferidas do Direito Natural.
Santo Tomás de Aquino, foi um filósofo e teólogo que influenciou e segue
influenciando não apenas o cristianismo mas a humanidade. Devido suas bases
Aristotélicas não deixou de conjecturar sobre conhecimento metafísico ou, o
conhecimento e as experiências do individuo com Deus. Ele demonstra, em sua
obra, uma temática de que a justiça é uma virtude, e que a forma de manifestação

ARISTÓTELES. Retórica. I, 13. Trad., textos adicionais e notas de Edson Bini. 1. ed. São Paulo:

Edipro, 2011 p. 15.


16

dessa virtude da justiça, em relação ao direito, se faz através de leis eternas, leis
naturais e leis humanas. Por isso o homem, ser criado por Deus, dotado em seu ser
das leis naturais, que são as virtudes da Justiça, as desenvolve nas leis naturais
(Jusnaturalismo) e nas leis humanas (Juspositivismo) que estão intimamente ligadas
às leis naturais, ou seja, as leis humanas não podem se desvincular das leis
naturais. Tais explosões são dadas no chamado “Tratado da Lei” que possui dentro
da principal obra do Doutor Angélico, intitulada “Suma Teológica” (1265-1273),
imensa importância. Portanto é importantíssimo ao operador do Direito o
conhecimento de tais relações. Segundo Mário Curtis Giordani, Santo Tomás de
Aquino é de grande representatividade para o Direito:

Pelo vigor de sua inteligência, pela solidez e amplitude de seu


saber, pela profundeza de sua doutrina, pela sinceridade com que
procurou a verdade, pela luminosa clareza com que expôs sua
argumentação e pela admirável coerência com que formulou suas
conclusões, uma fonte perene de inspiração para um vasto elenco de
estudiosos que inclui principalmente teólogos, filósofos e juristas. 4

Deste modo busca-se apresentar as nuances e pontos específicos do Direito


Positivo na obra do Doutor Angélico, que em verdade levam a efetivação de todos
os preceitos do Direito Natural, embora, segundo Santo Tomás, esta é uma tarefa
árdua, que não será atingível por todos os seres humanos. Daí a imperiosidade da
revelação dos mandamentos da lei de Deus, pelos quais o Senhor deixa claro a
todos as normas e preceitos da lei natural para todos os homens de fé.
O Direito Natural, que para Santo Tomás tem seu fundamento metafísico
último em Deus, o Sumo Bem, repousa totalmente num critério de justiça,
organizado em normas inerentes a natureza humana, através das quais o individuo
se direciona, com o objetivo de agir retamente. De acordo como Jusfilósofo
Alexandre Corrêa, “a razão conhece os preceitos do Direito Natural, intuitivamente,
sendo ele, neste sentido, racional.” Porém salienta o mesmo pensador e jurista,
depende o Direito Natural, “no travejamento dos seus princípios, dos dados que
ministra a experiência e, como tal, é experimental”. 5 Razão que só pode chegar ao

4
GIORDANI, Mário Curtis. Tomás de Aquino e o direito romano. In: Estudos em homenagem ao
Professor Caio Mário da Silva Pereira. Rio de Janeiro: Forense, 1984. p. 458.
5
CORRÊA, Alexandre. Há um Direito Natural? Qual o seu conteúdo? (1914). In: Idem. Ensaios
políticos e filosóficos. Prefácio de Ubiratan Macedo. São Paulo: Editora Convívio/EDUSP, 1984. p. 36.
17

pleno conhecimento direito Natural através da consciência que se gera pelas


experiências da vida quotidiana na Comunidade Perfeita, ou Comunidade Moral
conforme ensinado pelo Doutor Angélico. E para que tudo isso se efetive o caráter
intelectual na ética tomista é de suma importância, pois, segundo ele, a vontade
humana por sua natureza própria nos inclina a agir de acordo com o intelecto; que
por si só, já é agir virtuosamente. Sendo da natureza do intelecto dirigir a vida do
homem, em consequência disto, Santo Tomás de Aquino formula a regra seguinte:
“o bem do homem deve estar de acordo com a razão”, estando a Razão sempre de
acordo com os preceitos do Direito Natural inerente a existência e consciência do
ser humano.
Diante de todo exposto é de suma importância o conhecimento e exposição
da Obra de Santo Tomás e das relações entre o Direito Positivo e o Jusnaturalismo
nesta que é considerada a maior das Obras de Jusfilosofia e Filosofia do Direito da
História da Humanidade. O principal objetivo, deste estudo, é de apresentar a obra
de Santo Tomás de Aquino acerca da teoria da lei natural e suas relações com a lei
positiva. Neste sentido, buscamos apresentar as principais características essenciais
da lei, no pensamento do Aquinate; para, em seguida, discorrer sobre seu
pensamento sobre a lei natural e seus preceitos básicos; e, finalmente, tratar da
relação dela com a lei positiva na obra do Doutor Angélico.
18

O DIREITO NATURAL EM SANTO TOMÁS

Os primeiros estudos do Doutor Angélico sobre o tema do direito natural


foram deixados em lições em que comentou as proposições de Pedro Lombarda
sobre esta forma de direito. Lições em que já se encontra o esboço, da teoria sobre
o direito natural que, anos mais tarde, ele mesmo, sendo mestre em Paris, levará à
conclusão e que até os dias de hoje permeia os estudos jurídicos.
Na Suma Teológica Aquino desenvolve a sua teoria do direito natural no
contexto do denominado tratado da lei. Nestas questões, define o que para ele é a
lei natural segundo o sentido humano, descreve como ela pode ser conhecida pelo
homem, evidencia totalmente seu conteúdo, do qual emanam as suas principais
propriedades sendo elas: unidade, imutabilidade e perenidade na própria alma
humana. Na questão 57 da mesma obra, o direito natural é visto no tratado de jure,
que trás a abordagem de sua distinção em relação ao direito positivo, e a sua
divisão naquilo que se tem de direito natural propriamente dito, e em direito das
gentes bem como nas formas especiais (P.ex.: direito paterno, direito dominativo e
direito doméstico).
Na atualidade, a chamada doutrina do direito natural, ou Jusnaturalismo, tem
sido negada e até combatida por muitos autores. Não tendo sido assim entre os
autores, juristas e filósofos do medievo e mesmo entre os antigos. Santo Tomás de
Aquino, em vários momentos de sua obra, aborda o tema e demonstra como a
própria razão do ser humano o induz a descoberta de algo que está arraigado no
mais profundo de sua própria natureza. Procurando abordar o Direito Natural como
categoria Jusfilosofica, que tem importância capital no cenário Jurídico da atualidade
e é de utilidade impar pois nos leva a reflexão das origens do chamado Direito
Positivado, vamos agora adentrar na obra do Doutor Angélico para compreender
qual sua concepção daquilo que seja o Direito Natural ou o Jusnaturalismo como
queira. Adianta-se que para Tomás de Aquino é o Direito Natural fundamental para a
existência e compreensão de toda forma de Direito-justo. De modo que
consequentemente, o Direito Natural tomista constitui-se em uma grande fonte
jurídico-metodológica para que se possa adequadamente chegar à interpretação do
próprio Direito como um todo, com reflexos fortemente proveitosos para a resolução
de lides judiciais.
Tendo por base os juristas romanos antigos, o Direito Natural chegou a ser
19

classificado como sendo um Direito baseado na natureza própria das coisas, ou


seja, na natureza das coisas de acordo com uma disposição ordenada e organizada
pelos elementos próprios da Natureza. Uma vez que para os romanos a natureza
era, a primeira ordem de direitos e deveres para todos os seres que habitam a terra.
O modo de pensamento dos romanos pré-medievais explicita que o universo
e sua natureza formam uma ordem natural que permeia toda a essência dos seres
que a integram, mormente os seres humanos. Jacques le Goff, sendo citado por
Bernardo de Chartres, sugere que o espírito de ordenação das coisas por meio das
leis naturais é extraído do próprio livro do Gênesis. 6A ideia de que o Direito Natural
enquanto sendo uma ordem e ordenamento que o próprio Deus Criador estabeleceu
aos seres humanos de respeito à ordem natural de todas as coisas do mundo e de
que essa ordem o objetivo maior é o princípio de realização dos homens em si e em
sociedade permite aproximar o Direito Natural do pensamento jurídico, ou seja, da
formulação e edição de normas de regulação para a convivência em sociedade.
O pensamento romano do Direito Natural não se dissipou de todo no
Medievo, tendo alcançado principalmente em Santo Tomás de Aquino os contornos
jusfilosóficos próprios que nos são de interesse nesta pesquisa. Para Tomás de
Aquino o Direito Natural é concomitante à natureza racional do homem 7. E de acordo
com o pensamento de Dom Odilão Moura, o Direito Natural não se confunde com o
as normas positivadas:

Haverá um direito proveniente da própria natureza da


coisa, direito natural, que não se confunde com as normas da
justiça firmadas entre duas pessoas (…). Enquanto o primeiro
direito (direito natural) independe da vontade humana, o
segundo (direito positivo) nasce dela por uma convenção
estabelecida. O primeiro direito é instituído e promulgado por
Deus, que possibilita ao homem, pela sua própria natureza
racional, facilmente conhecê-lo, e só Deus poderá alterá-lo,
mas não o faz, porque a sabedoria divina não é contraditória.
O segundo direito é firmado por convenção humana, cabendo
ao homem promulgá-lo, anulá-lo ou modificá-lo, se necessário
for. É de sua estrutura ser mutável. O direito natural é
6
Cf. Os intelectuais na idade média, 2ª ed., tradução de Margarida Sérvulo Correia, Lisboa:
GRADIVA, 1984, pp. 54-55.
7
Na Questão 91, Artigo 2, da secunda secundae, Tomás explica: “E tal participação da lei eterna na
criatura racional se chama lei natural”
20

imutável, como a própria natureza do homem, visto ser


elaborado pela sabedoria divina. Evidentemente, o direito
positivo deve subordinar-se ao direito natural. Toda lei que
contradiga as normas do direito natural é iníqua e desumana. 8

Estas premissas formam a base do pensamento ético-jurídico de Santo


Tomás de Aquino. Ou seja, pugna-se pela pronta obediência da lei, sendo ela a
própria consequência do justo natural-racional. O que for contrário a isso, ou seja, a
lei sem o sentido do que é justo, não é lei, mas considera-se uma corrupção da lei
indo nesse sentido o sentido o Artigo 5 da Questão 60 da Suma Teológica:

Por lo cual, si la ley escrita contiene algo contra el


derecho natural, es injusta y no tiene fuerza para obligar,
pues el derecho positivo sólo es aplicable cuando es
indiferente ante el derecho natural el que una cosa sea hecha
de uno u otro modo, según lo ya demostrado (q. 57, a. 2, ad.
2). De ahí que tales escrituras no se llaman leyes, sino más
bien corrupción de la ley, como se ha dicho antes (1-2, q. 95,
a. 2), y, por consiguiente, no debe juzgarse según ellas. 9

Disso infere-se objetivamente que não se pode conceber de lei, ou de sua


interpretação que não se coadune as exigências do justo racional. Sendo posta em
cheque definitivamente a teoria de Kelsen da “verdade científica” expressa na teoria
pura do Direito observe-se a sua concepção:

Quando a si própria se designa como ‘pura’ teoria do


Direito, isto significa que ela propõe garantir um
conhecimento apenas dirigido ao Direito e excluir desse
conhecimento tudo quanto não pertença ao seu objeto, tudo
quanto não se possa rigorosamente determinar como
Direito. Isto quer dizer que ela pretende libertar a ciência
jurídica de todos os elementos que lhe são estranhos. Esse

8
A doutrina do direito natural em Tomás de Aquino. Idade média: ética e política, org. Luiz Alberto de
Boni, Porto Alegre: Editora da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul-EDIPUCRS,
1996, p.223.
9
Cf. Suma de teologia, tradução dos regentes de estudos das províncias dominicanas da Espanha.
Colaboradores: Ángel Martínez, Donato González, Emilio G. Estébanez, Luis Lopes de las Heras,
Jesús M. Rodríguez Arias, Rafael Larrañeta, Victorino Rodríguez, Antonio Sanchís, Esteban Pérez,
Antonio Osuna, Niceto Blázquez, Ramón Hernández, vol. 9, Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos,
1989 e 2001, p. 489.
21

é o seu princípio metodológico fundamental. Isto parecenos


algo de per si evidente.10

A lei natural, definida como ordenança realizada pela razão, é a chamada


disposição que confere ao ser humano todos os meios necessários para que ele
possa alcançar o fim natural que lhe é definido pelo hábito dos primeiros princípios
inerentes a sua natureza e inclinação. Deste modo, a lei natural é a mesma
ordenação feita pela razão aplicada, do mesmo modo como as proposições são
produto da razão especulativa. O mais próprio da lei natural é ser denominada como
sendo um produto da razão aplicada, porque toda forma de lei é, por definição, o
resultado da razão que se dirige para ordenar a conduta do ser humano que é livre.
Neste sentido a lei natural, enquanto inata e passiva no homem, na forma simples
de suas inclinações não é propriamente a lei e Santo Tomás adverte que é
importante não confundir esses dois planos, entre a lei Natural e a lei positiva,
porque não é a mesma coisa algo que se faz e aquilo com que este algo se faz;
utilizando analogicamente para explicar isto a gramática e as proposições que por
meio dela se formulam: com a gramática se pode construir uma oração correta, mas
a gramática não é a oração em si, mas o instrumento utilizado para construí-la.
Equivalente à gramática é o hábito dos primeiros princípios, hábito natural que nos é
dado pela nossa própria natureza (que, inclusive, pode-se aperfeiçoar se recebida à
instrução adequada; e mesmo se reforçar, através do exercício repetido de ações
corretas). Nicola Abbagnano, a propósito do Direito Natural medieval-tomista, expõe
que:

Em geral pertence á lei natural tudo aquilo a que o


homem se inclina naturalmente; S, Tomás distingue três
inclinações fundamentais por natureza: 1ª para o bem natural,
compartilhada com qualquer substância que, como tal, deseja
a própria conservação; 2ª para determinados atos que foram
ensinados pela natureza a todos os animais, como a união do
macho e da fêmea, a educação dos filhos e outros
semelhantes; 3ª para o bem, segundo a natureza racional
própria do homem , como a inclinação para conhecer a
verdade, viver em sociedade, etc. (S. Th., II, 1, q 94, a. 2) 11

10
KELSEN, Hans. Teoria pura do direito, 7ª ed., São Paulo: Martins Fontes, 2006, p. 1.
11
Cf. Dicionário de filosofia, São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 281
22

Sem nenhuma dúvida, a teoria do Direito Natural de Santo Tomás de Aquino


recoloca o Direito no lugar correto que deve ocupar. Uma vez que a ciência jurídica
atualmente tem sido conduzida através de métodos e critérios de desenvolvimento e
investigação que lhe retiram quase que totalmente o sentido essencial consistente
em sua própria razão de ser. A lei jurídica, por exemplo, não pode ser objeto de
desvios que lhe obstruam em sua vocação original de realização do bem comum e
da paz social, tendo como o justo natural-racional seu objetivo maior, conforme
ensina a Questão 90, Artigo 2, prima secundae, da Suma de Santo Tomás.
Igualmente a isso, a totalidade do Direito deverá sempre ser considerada como
sendo um instrumento de realização para leva a cabo o dar corretamente a cada um
o que é seu, na melhor concepção da Questão 58, Artigo 1, da secunda secundae
da Suma de Tomás. Uma vez que, como foi visto, o Direito é o objeto da Justiça. É
essa a Teoria do Direito Natural de Tomás de Aquino que objetivamos inferir para
aplicar ao Direito do nosso tempo.
Obviamente que existem outros modos e processos de investigação do
Direito que lhe atribuem outras formas metodológicas de efetivação. No entanto,
nenhuma delas poderá chegar a corromper a natureza própria da ciência jurídica,
Retirando-lhe pressupostos basilares, e que são representativos de sua adequada
aplicação científica enquanto ciência Jurídica e mesmo metacientífica, beirando,
com propriedade, inclusive, o metafisico. Estando nesses pressupostos exatamente
a teoria do Direito Natural de Santo Tomás de Aquino:

Para São Tomás, a lei natural não é propriamente um


ordo naturalis em um sentido metafísico, muito menos uma
espécie de lei no sentido da física moderna, mas um ordinatio
rationis. A lei natural é o resultado da razão enquanto dispõe
dos meios mais adequados para alcançar os bens para os
quais está naturalmente inclinado todo o dinamismo apetitivo
do homem. A razão prática humana não é, portanto,
executora de uma lei: é legisladora na medida em que
constitui a lei natural por meio de preceitos que emite a fim de
alcançar um fim natural. Apenas em um momento posterior, a
um segundo nível, no nível descritivo-reflexivo, a razão
prática volve sobre si mesma e descobre a lei natural já
constituída. A confusão destes dois níveis de ação da razão
23

prática leva necessariamente a interpretar mal a sua função


em relação à lei natural.12

Como ficou demonstrado, o Direito em sua totalidade carrega em si, geral e


tradicionalmente, tudo aquilo que se considera efetivamente legítimo, configurando-
se contrário a tudo que seja ilegítimo e incorreto. Compreensão do Direito que é,
sem sombra de dúvida, compatível com o jusnaturalismo, qual seja pelo fato de que
a lei jurídica tem por objetivo a regulamentação de todas as formas de conduta
humana, em sociedade, para o ordenamento geral, ou seja porque a ciência do
Jurídica é por excelência a ciência que busca a legitimação de tudo que se
considera adequadamente aceitável. Tal compreensão do Direito em geral tem por
sede basilar quase sempre o que é moralmente correto, ou seja, uma condição
moral que sugere a natureza das coisas no sentido do que é encaminhado para o
bem e a felicidade do individuo, para a boa convivência e a consequência disto será
alcançar a Comunidade Perfeita da qual trata o Aquinate em sua Obra.

12
Cf. RHONHEIMER, Martin. Ley natural y razón práctica. Pamplona: Eunsa, 2000, p. 59
24

O DIREITO POSITIVO NA OBRA DO AQUINATE

Para nosso Doutor Angélico as normas do Direito Natural, conforme foi visto,
encerram preceitos basilares do Direito como um todo, embora de modo como que
genérico. Sendo de certo modo normas abstratas, e por isso terminam por carecer
de especificação alcançada através direito positivado. Essa compressão faz com
que o pensamento, teoria e doutrina Tomista seja muito especifico se relacionados
às demais escolas de jusnaturalismo: Para ele, as normas do Direito Natural, ainda
que detenham primazia se fundem ao Direito Positivo e tem relação de dependência
deste para alcançar seu proposito e especificidade própria. Donde se poderia inferir
que, mesmo para Santo Tomás de Aquino, sem o Direito Positivo o Direito Natural é
completamente indefinido e vago; portanto, ineficaz.
Quando Santo Tomás ensina a que se deve a obediência às leis escritas
(que ele mesmo denomina como direito positivo), já explicita a existência de leis
justas, isto é, em sua teoria, as leis consonantes com o Direito Natural. Assim sendo,
na doutrina tomista, a lei não é mera consequência da vontade artificial do homem,
mas deve portar em si própria os valores transcendentes inerentes a Lei Natural. E,
disso, devem ocupar-se tanto os juristas como os intérpretes das Leis.
A primeira característica essencial da lei é reside no fato de que ela é uma
ordenação racional a toda ação. Ou seja, todo principio que nos serve de parâmetro
para a ação do ser humano se denomina enunciado de lei, que objetivamente tem
por principio impelir o individuo a agir de determinado modo. Uma Lei servirá sempre
para dar regulação a algo; e como sabemos que regular é necessariamente uma
atividade do intelecto movido pela razão; depreende-se que a lei é algo que
pertencerá ao campo da razão. Devemos neste sentido buscar compreender de que
modo se dá então a relação entre a Lei e a Razão para chegar ao entendimento De
qual a relação na Obra de Santo Tomás entre o Jusnaturalismo e o chamado Direito
Positivo. A argumentação de Tomás pode ser entendida da seguinte forma: se a lei
serve como princípio que regulamente, organiza e mede a ação; e como o princípio
de medir e de regular é algo próprio da razão; logo, a lei, em si, é um ordenamento
da razão, ou seja, a lei é um produto da atividade racional que é inata ao ser
humano. A lei natural é o resultado do exercício natural da razão prática. No artigo
primeiro, da questão 94, Tomás de Aquino refuta a compreensão dela como sendo
25

um simples hábito da consciência humana. Segundo Fernández Lago:

la ley natural son los primeros de la ley moral que el


hombre conoce desde el inicio de sus razonamientos
prácticos. pero, como acto de la razón, es generada por una
disposición habitual en la razón, a la que se llama sindéresis
o hábito por el que la razón práctica se perfecciona para
enunciar los principio de la ley natural. pero la ley no debe
confundirse nunca con el principio psicológico que la
produce13

A atividade da razão impele o ser humano à descoberta, através da


experiência, de princípios elementais do mesmo modo que a razão teórica o leva a
isto. Uma vez que em ordem especulativa o ente será a primeira noção a ser
apreendida; na ordem prática, o bem se infere como a primeira noção a ser
apreendida. Como quando praticamos ações objetivando um fim e a ele chamamos
de bem por consequência, chegar-se-á noção elementar de que o bem é desejado
por todos conforme ensina Tomás de Aquino. Dessa compreensão, segue-se o
primeiro princípio da razão prática de que o bem deve ser procurado e o mal evitado.
É deste primeiro princípio (o bem deve ser procurado e o mal evitado) que se
derivam todos outros preceitos que são naturalmente desejáveis – aos quais Santo
Tomás denomina de inclinações naturais –, são eles: em primeiro lugar a
preservação da vida; a preservação da espécie; a escolha da vida em sociedade; e
finalmente a busca pelo conhecimento (ou da verdade acerca de Deus 14). Estes
preceitos são inclinações naturais do homem, ou seja são fins que são poderão ser
naturalmente aceitos por todos surgidos do princípio mais básico da razão. Para
Tomás de Aquino eles podem, ser tomados como um conjunto de preceitos que
possuem em si próprios valores universais do sumo bem da ação do ser humano,
isto é: do chamado bem moral. Tais ações praticadas visando à realização dessas
inclinações naturais serão então ações moralmente aceitas e justificadas e se
identificam as ações virtuosas do ensinamento do Aquinate. E quando os seres
humanos buscam compreender seu fim ultimo e leva-lo a cabo através de suas
13
FERNÁNDEZ-LAGO, A. O. Tratado de la ley en general. Introducción a las cuestiones 90 a 97. In:
Suma de Teología II, parte I-II. 2ª edição. Madrid: BAC, 1989.

14
Cf. STh IaIIae, q.94, a,2
26

próprias ações morais, ocorre então um progresso moral, através do qual mais
preceitos secundários poderão ser acrescentados à chamada da lei natural. Para
Tomás de Aquino o acréscimo dos chamados preceitos secundários é a única
mudança que poderia ocorrer na lei natural, tendo em vista que em relação aos
princípios mais básicos e universais ela sempre será imutável e impossível de deixar
de sê-la. Para Santo Tomás à medida que o homem reconhece a existência da Lei
Natural é que então lhe é permitido conhecer que tem um fim ultimo, superior a
todos os demais fins e próprio apenas da natureza humana, e então busca agir
sempre de acordo com ele. Buscando sempre a felicidade o ser humano participa
então da Lei Eterna que já sabemos ser, no ensinamento de Tomás, o ordenamento
racional presente na mente divina. No entanto, a lei natural também estará presente
nas leis humanas positivas que são criadas para o aperfeiçoamento das virtudes
humanas ou mesmo para refrear os ímpetos daqueles que se desregram, sendo
acima de qualquer outra coisa indispensáveis para preservação da paz comum e a
busca da sociedade perfeita. Será sempre promulgada por aqueles que sejam
responsáveis pelo bem comum, à lei civil só terá efetiva força de lei quando for em
sua totalidade um ordenamento adequado ao fim próprio racional humano.
A lei pode ser compreendida como ordem para alcançar um fim
determinado, no artigo 2, da questão 90, Santo Tomás escreve em seu responde:
“primum autem principium in operativis, quorum est ratio practica, est finis ultimus”15.
De acordo com o pensamento aristotélico, Aquino defende que toda ação se
desenrola visando um fim, no entanto há um fim último, mais adequado do que todos
os demais e próprio, de acordo com o princípio ordenador de tudo. No caso do ser
humano, por sua própria natureza, o princípio ordenador é racional, assim seu
objetivo deverá estar de acordo com a sua natureza racional. Se houvesse uma
escala de fins particulares, nada poderia ser mais racional do que buscar a própria
felicidade ou beatitude, o fim supremo ser humano. Desta maneira, toda lei é um
ordenamento da razão visando sempre à obtenção da felicidade do homem. No
entanto, a felicidade do homem passará pela felicidade da sociedade na qual está
inserido. Dito de outro modo, os seres humanos estão inclinados naturalmente ao
convívio em sociedade, e o bem comum é parte constitutiva da felicidade humana.
Ressalte-se que a lei tem ligação com o ordenamento comum e que ela deverá ser
estabelecida por alguém que é capaz dessa tarefa. E sendo assim, no plano da vida
15
Cfr. STh IaIIae, q.90, a.2, res.
27

em sociedade se encarregará aqueles responsáveis por governar de criar as leis


que ordenem sempre para o bem comum. Dessa característica resulta outra: a
necessidade da promulgação. Nas leis civis, por exemplo, o ato da promulgação fará
com que os preceitos normativos detenham o peso de coerção e de reconhecimento
público. Sem o poder promulgador, uma lei não passaria de uma orientação que
pode ou não ser seguida, ou reconhecido. Este aspecto coercivo faz parte da
natureza da conforme ensina Santo Tomás: “promulgatio necessária est ad hoc
quod lex habeat suam virtutem”16.
Santo Tomás de Aquino compreende a Lei Positiva de dois modos: A Lei
Positiva Divina e a Lei Positiva Humana. Quando se refere à Lei Positiva Divina, ou
seja aquela, segundo ele, que o próprio Deus promulgou por meio de uma
intervenção direta na História da Humanidade. Como no caso do Decálogo, que
Deus deu a Moisés, ou da Lei do Evangelho, chamada também Lei de Cristo.
Segundo Santo Tomás, a necessidade da Lei Positiva Divina é decorrente das
razões seguintes:
I – Como é o ente humano ordenado “ao fim da beatitude
eterna, excedente à capacidade natural das suas faculdades”, é
necessário que, “além da lei natural e humana, seja também dirigido
ao seu fim por uma lei imposta por Deus”;
II – o homem, cujo juízo é incerto, sobretudo no que diz
respeito às coisas contingentes e particulares, para poder, sem
dúvida nenhuma, “saber o que deve fazer e o que deve evitar”,
necessita dirigir “os seus actos próprios pela lei estabelecida por
Deus, que sabe não poder errar”;
III – não podendo a Lei Humana coibir e ordenar os atos
internos da pessoa humana, é mister que, para isto, sobrevenha a Lei
Divina Positiva;
IV – porque, como aduz Santo Agostinho, a Lei Humana não
tem o poder de punir ou de proibir a totalidade das malfeitorias. Isto
porque, caso desejasse eliminar todos os males, “haveria
consequentemente de impedir muitos bens, impedindo assim a
utilidade do bem comum, necessário ao comércio humano”. Destarte,
“a fim de nenhum mal poder ficar sem ser proibido e permanecer
impune, é necessário sobrevir à lei divina, que proíbe todos os
pecados”.17

16
Cfr. STh IaIIae, q.90, a.4.
17
Cfr. STh IaIIae, 1. parte da 2. parte, q. XCI, art. III
28

Santo Tomás insiste fortemente na nota racional da lei natural, e mesmo


quando está tratando da Lei Positiva em seus escritos, toda a sua teoria do direito
está nela mergulhada conforme vimos acima na citação da Suma Teológica.
Em se tratando da Lei Humana Positiva para Aquino, já sabemos, que não é
senão, a ordenação da razão para o Bem Comum, que se é promulgada pela
autoridade competente para tal. Isto porque, segundo ensina Aquino, “assim como a
razão especulativa, de princípios indemonstráveis e evidentes tira as conclusões das
diversas ciências, cujo conhecimento não existe em nós naturalmente”, sendo, no
entanto, reconhecidos por obra da razão; assim também, “dos preceitos da lei
natural, como de princípios gerais e indemonstráveis, necessariamente a razão
humana há de proceder a certas disposições mais particulares”. Sendo a razão
humana direcionada a encontrar as disposições corretas, tais, quando descobertas
observando-se as demais condições necessárias à essência da Lei (Natural) chega-
se então as chamadas Leis Humanas.18
Deve-se ressaltar que, segundo o Doutor Angélico, as leis humanas deverão
ser sempre conformes ao Direito Natural, nunca o violando o menor ponto que seja,
sob pena de iniquidade, e obviamente as leis iníquas não são leis, mas antes de
tudo corruptelas da lei, não tendo assim a menor força para obrigar ninguém:
A lei escrita, assim como não dá força ao direito
natural, assim não lhe pode diminuir nem tirar a força, pois,
não pode a vontade do homem mudar-lhe a natureza. E,
portanto, se a lei escrita contiver alguma disposição contrária
ao direito natural, será injusta, nem tem força para obrigar.
Pois o direito positivo se aplica quanto ao direito natural não
importa que se proceda de um ou de outro modo, como já
provamos [q. 57, art. 2, resp. à 2ª objeção]. E, por isso, tais
leis escritas não se chamam leis, mas, antes, corrupções da
lei, como já dissemos [Iª parte da IIaª parte., q. 95, art. 2]. E,
portanto, não se deve julgar de acordo com elas. 19

A definição mais autêntica da Lei Humana Positiva foi bem definida por Santo
Isidoro de Sevilha, em suas Etimologias, passagem destacada por Aquino na Suma
Teológica onde se diz que:

18
Cfr. STh IaIIae, Id. 1. parte da 2. parte,q. XCI, art. III
19
Id. Suma Teológica. II.ª parte da II.ª parte, q. 60, art. 5., resp. à primeira objeção. Tradução de
Alexandre Corrêa. 1. ed. v. XIV. São Paulo: Livraria Editora Odeon, 1937. p. 71.
29

A lei deve ser honesta, justa, possível, de acordo com


a natureza e os costumes pátrios, conveniente ao lugar e ao
tempo, necessária, útil, expressa com clareza, de modo a não
conter por obscuridade algo capcioso, escrita não para o
interesse privado, mas para a utilidade comum dos
20
cidadãos.

É justo e necessário, razoável e salutar, esclarecer, novamente, que o Direito


Natural por si só não basta como regra de vida, sendo necessária sua
complementação pelo Direito Positivo. Afinal ao Direito positivado cabe a missão de
levar a cabo os princípios do Direito Natural, aplicando suas máximas às
particularidades da vida em comunidade com o objetivo de se alcançar a Sociedade
Perfeita. E deverá levar sempre em consideração as circunstâncias de tempo e de
lugar. De acordo com o pensamento do Professor Alexandre Corrêa, de que as
ideias da chamada Escola Histórica, na forma que lhe imprimiu o Conde Joseph De
Maistre, “são admissíveis, como complemento à verdadeira teoria do Direito
Natural”.21

20
ISIDORUS HISPALENSIS, Sanctus. Etymologiarum sive Originum. Liber V, XXI. Tradução do
Autor. Disponível em: http://www.thelatinlibrary.com/isidore/5.shtml. Acesso em: 25 Outubro. 2020.
21
CORRÊA, Alexandre. Há um Direito Natural? Qual o seu conteúdo? (1914), 1. ed. v. XIV. São
Paulo: Livraria Editora Odeon, 1937. p. 42.
30
31

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como vimos, o Direito Natural em Tomás de Aquino carrega em seu bojo uma
categoria e metodologia que oportunamente dissipa incongruências que hoje
conspiram de forma radical contra o Direito e sua mais pura essência. Os mais
variados exemplos se demonstram no dia-a-dia judiciário como determinadas
normas jurídicas que invertem as posições de credor e devedor, ou de vítima e
criminoso, até mesmo de honesto e ímprobo, e que nada mais são que puros
reflexos dessa perversão do que chamamos Direito. É por isso que ao direito
positivo incumbe a particularização e efetivação dos preceitos do direito natural.
Como restou demonstrado, mais que nunca, o Direito Natural é capaz de, por sua
forma inata à própria razão de ser, impor sua necessidade e suas relações com o
direito positivo. 
Fato é que independente do tempo e do lugar existe um Direito comum a tudo
e a todos, que devota justa homenagem à ordem natural das coisas sobre as quais o
homem, em todas as línguas e nações, deve militar. Todo estudo e pesquisa que
envolve a Filosofia e Direito são importantes à magistratura, aos operadores do
direito, e aos estudiosos em geral. Portanto ressuscitar, novamente, as ideias e
ensinamentos de jusfilósofos, especialmente de Tomás de Aquino, aplicando-as ao
nosso dia-a-dia no Direito, é efetivar em cada um a consciência de pensar o Direito
como objeto da ação da Justiça.
Finalmente, é mister destacar que o Direito Natural per si não é bastante
como regra de vida, se fazendo necessária sua complementação através do Direito
Positivo. A este sempre caberá à concretização dos princípios elencados pelo Direito
Natural, levando a aplicação das máximas deste às diversas situações da vida em
Sociedade. E deverá sempre fazê-lo levando-se em consideração as circunstâncias
de tempo e de lugar, motivo que o levará a ter caráter eminentemente histórico
filosófico. Com esta pesquisa esperamos despertar ainda mais o interesse dos
Juristas da Atualidade pela portentosa obra do Aquinate, como ressalta Michel
Villey, “os juristas só teriam a ganhar caso se libertassem do preconceito que ainda
envolve o nome e a obra do Angélico Doutor.”22 Ficando o convite para que aqueles
que não a conhecem que se debrucem sobre tal para vislumbrar as maravilhas que
22
VILLEY, Michel. Filosofia do direito: definições e fins do direito: os meios do direito. Prefácio de
François Terré. Trad. de Márcia Valéria Martinez de Aguiar. Rev. téc. de Ari Solon. 2. ed. São Paulo:
Martins Fontes, 2008. p. 114.
32

sê-lhes serão apresentadas.


33

REFERÊNCIAS

ROLAND-GOSSELIN, Bernard. La doctrine politique de Saint Thomasd’Aquin 1928.

ARISTÓTELES. Retórica. I, 13. Trad., textos adicionais e notas de Edson Bini. 1.

ed. São Paulo: Edipro, 2011.

GIORDANI, Mário Curtis. Tomás de Aquino e o direito romano. In: Estudos em

homenagem ao Professor Caio Mário da Silva Pereira. Rio de Janeiro: Forense,

1984.

JHERING, Rudolf. Der Zweck im Recht. 2. ed .Leipzig: Breitkopf und Härtel,

1886. v. 2.

Os intelectuais na idade média, 2ª ed., tradução de Margarida Sérvulo Correia,


Lisboa: GRADIVA, 1984.

A doutrina do direito natural em Tomás de Aquino. Idade média: ética e política, org.

Luiz Alberto de Boni, Porto Alegre: Editora da Pontifícia Universidade Católica do Rio

Grande do Sul-EDIPUCRS, 1996.

CORRÊA, Alexandre. Concepção tomista do direito natural (1941). In: Id. Ensaios
políticos e Filosóficos. Prefácio de Ubiratan Macedo. São Paulo: Editora
Convívio/EDUSP, 1984.

RHONHEIMER, Martin. Ley natural y razón práctica. Pamplona: Eunsa, 2000.


34

FERNÁNDEZ-LAGO, A. O. Tratado de la ley en general. Introducción a las


cuestiones 90 a 97. In: Suma de Teología II, parte I-II. 2ª edição. Madrid: BAC, 1989.

PORFíRIO, Francisco. "Tomás de Aquino"; Brasil Escola. Disponível em:


https://brasilescola.uol.com.br/filosofia/tomas-aquino.htm. Acesso em 24 de outubro
de 2020.

ARIAS, Gino. Manual de Economía Política. Buenos Aires: L. Lajouane & Cia.

– Editores, 1942.

BITTAR, Eduardo C. B.; Almeida, Guilherme Assis de. Curso de Filosofia do Direito,
3ª edição. Editora Atlas.

TOMÁS DE AQUINO. Summa teologiae. Tetum Leoninum Romae 1892 editum ac


automato translatum a Roberto Busa SJ in taenias magneticas denuo recognovit
Enrique Alarcón atque instruxit. Disponível em: <http://www.corpusthomisticum.org/>

Suma de Teología. II, parte I-II. 2ª edição. Madrid: BAC, 1989.

Escritos políticos de Santo Tomás de Aquino. Trad: Francisco Benjamin de Souza


Neto – Petrópolis, RJ: Vozes. 1995.

VILLEY, Michel. Questões de Tomás de Aquino sobre Direito e Política. Martins


Fontes.

ISIDORUS HISPALENSIS, Sanctus. Etymologiarum sive Originum. Liber V, XXI.


Tradução do Autor. Disponível em: http://www.thelatinlibrary.com/isidore/5.shtml.

KELSEN, Hans. Teoria pura do direito, 7ª ed., São Paulo: Martins Fontes,
2006.
VILLEY, Michel. Filosofia do direito: definições e fins do direito: os meios do
direito. Prefácio de François Terré. Trad. de Márcia Valéria Martinez de Aguiar. Rev.
35

téc. de Ari Solon. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2008.

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