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a
Departamento de Estatı́stica, UFMG. duczmal@ufmg.br
b
Departamento de Estatı́stica, Fı́sica e Matemática, UFSJ. celestino@ufsj.edu.br
c
Departamento de Matemática, UFMG. bulgarelli@ufmg.br
d
Departamento de Pediatria, UFMG. lindgren@medicina.ufmg.br
e
Polı́cia Civil de Minas Gerais draflaviamagalhaes@gmail.com
f
Departamento de Estatı́stica, UFAM. maxlima@ufam.edu.br
g
Departamento de Estatı́stica, UFOP. ivairest@gmail.com
5 de abril de 2020
Abstract
Mostramos, através de simulações numéricas, que o chamado Isolamento Social Ver-
tical é bastante ineficaz para conter a pandemia COVID-19. Apresentamos o modelo
SEIR-Rede, para uma rede de interações de grupos sociais, como um desenvolvimento
do modelo matemático clássico de epidemias SEIR (Susceptı́vel - Exposto - Infectado
(sintomático e assintomático) - Recuperado). No modelo SEIR-Rede podemos simular
contatos sociais entre grupos divididos por faixas etárias e fazer análise de diferentes
estratégias de isolamento social. No isolamento vertical apenas as pessoas idosas são
isoladas socialmente, e no isolamento horizontal pessoas de todas as faixas etárias
aderem ao isolamento. Esses dois cenários são comparados ainda a outro cenário de
controle em que nenhuma intervenção é feita para se isolar as pessoas. Concluı́mos que
o cenário de isolamento vertical é quase tão ruim quanto o cenário em que nenhum
isolamento é feito, tanto em termos do número de infectados como na aceleração do
número de casos. Por outro lado o isolamento horizontal, se aplicado com a mesma
intensidade em todos os grupos etários, reduz drasticamente o número total de infecta-
dos e a aceleração do número de casos, ”achatando a curva” de crescimento da doença.
Nossa análise foi feita para o municı́pio de Belo Horizonte, mas conclusões similares
valem também para outras cidades. Um programa em linguagem R é disponibilizado.
1 Introdução
Na epidemia de COVID-19 no Brasil tem se propagado a ideia de que o isolamento
social vertical, ao restringir o contato social com pessoas idosas, seria suficiente para
conter o avanço da doença. Essa noção se baseia na premissa de que pessoas com menos
de 60 anos sofreriam apenas sintomas leves, e poderiam sair de casa normalmente para
trabalhar e estudar durante a epidemia. No entanto, temos observado um elevado
número de internações, com casos graves e mortes também de pessoas com menos de
60 anos e sem doenças de base. Ainda mais grave é o fato que o isolamento social não
é via de regra 100% rigoroso, e pessoas idosas tendem a fazer contatos sociais durante
o perı́odo, aumentando a probabilidade de contrair a doença, pois mesmo uma pessoa
assintomática é capaz de transmitir o coronavirus. O termo correto seria portanto
’distanciamento social’ ao invés de ’isolamento social’. Neste trabalho usaremos ambas
terminologias para indicar uma redução na intensidade do contato social.
Medidas de distanciamento social na pandemia COVID-19 já estão provando sua
efetividade, favorecendo a redução da quantidade de pessoas infectadas (veja por ex-
emplo [Bakker et al., 2020], [Duczmal et al.2020], [Prem et al.2020], [Takahashi et
al.2020]). Porquê isso é importante? Principalmente porquê queremos que o pico
máximo da epidemia seja minimizado, isto é, que os hospitais não fiquem lotados com
um grande número de pessoas com manifestações graves do COVID-19 necessitando
de cuidados intensivos simultaneamente. Essa meta dos serviços públicos de saúde é
popularmente conhecida como ”achatar a curva” de casos e internações. Se não hou-
ver leitos suficientes para atender a todos, muitas pessoas podem morrer simplesmente
por falta de atendimento. Além disso, o adiamento do pico de casos seria potencial-
mente benéfico para que os gestores de saúde pudessem estar melhor preparados e os
pesquisadores encontrassem tratamentos mais eficientes. Portanto, se o isolamento so-
cial puder reduzir o pico de casos de pessoas infectadas, e ao mesmo tempo adiando
sua ocorrência, muitas vidas poderão ser salvas.
Vamos analisar esses problemas com uma técnica matemática de simulação de
evolução de epidemias, o modelo SEIR-Rede, obtido por nós a partir de uma mod-
ificação do modelo tradicional SEIR (Susceptı́vel - Exposto - Infectado sintomático -
infectado Assintomático - Recuperado).
No modelo SEIR, pessoas Suscetı́veis à infecção entram em contato aleatoriamente
com o virus COVID-19 se tornando Expostas, e após um perı́odo de incubação ficam
Infectadas, e se tornam capazes de passar esse virus aleatoriamente a outras pessoas
Suscetı́veis. Os Infectados podem ser assintomáticos (terem poucos ou nenhum sin-
toma) ou sintomáticos (desenvolverem sintomas tı́picos da infecção por COVID-19).
Os Infectados se tornam com o passar do tempo Recuperados (um termo técnico para
dizer que não podem infectar outras pessoas, podendo sobreviver ou morrer). Nesse
modelo usamos uma estimativa do número de casos não-reportados, a partir do número
de casos reportados (confirmados). Assim, consideraremos que os casos reportados são
os indivı́duos sintomáticos e os casos não-reportados são os indivı́duos assintomáticos.
Essa simplificação se deve ao fato de que não se consegue na prática testar toda a
população durante todo o tempo. No Brasil se estima que existam pelo menos 20
vezes mais casos não-reportados do que casos reportados, mas esse número é provavel-
mente muito maior, principalmente devido à escassez de kits de testes disponı́veis (ver
[Takahashi et al. 2020]).
Alguns parâmetros são de interesse nessa simulação, como o tempo médio de in-
cubação Z, o perı́odo médio infeccioso D (durante quantos dias o indivı́duo infectado é
capaz de infectar outros), e a fração dos indivı́duos infectados que não apresentam sin-
tomas (mas continuam capazes de contagiar outros, embora com menor intensidade).
Um parâmetro extremamente importante, e que não depende só do virus, é a taxa
de transmissão B; ele depende do sistema de saúde do paı́s e do ambiente em que as
pessoas vivem. Se o valor de B é alto, isso significa que o virus tende a se espalhar
mais rapidamente na população. Todos os parâmetros da COVID-19 utilizados neste
trabalho foram obtidos a partir do artigo [Li et al.,2020] e adaptados para os dados de
casos observados de Belo Horizonte [Takahashi et al., 2020]. Foram utilizados dados
populacionais disponı́veis publicamente [Prefeitura de Belo Horizonte].
Na próxima seção vamos construir nosso novo modelo Modelo SEIR-Rede com iso-
lamento social e interação em rede. Na seção seguinte vamos apresentar vários cenários
simulando condições diferentes de isolamento social vertical e horizontal em Belo Hor-
izonte e estudar o seu impacto na redução do número de infectados simultâneos. Um
programa em linguagem R é apresentado.
2 O Modelo SEIR-Rede
O modelo proposto neste trabalho é um desenvolvimento do modelo utilizado em [Taka-
hashi et al. 2020], e generaliza o modelo SEIRis proposto em [Duczmal et al.2020]. O
modelo recente de [Prem et al.2020] também utiliza o modelo SEIR com divisão da
população em grupos e considera sua interação. Para uma descrição detalhada desses
modelos consulte os links na seção de Referências.
O modelo SEIR-Rede faz uma divisão da população entre n grupos de isolamento
social e utiliza a Matriz de Fração de Contato F , dada por
F11 F12 . . . F1n
F21 F22 . . . F2n
F = . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ,
1 1 1 1
No isolamento vertical apenas pessoas da faixa etária de 60+ anos são isoladas
socialmente. A matriz F é dada por
1 1 1 c
1 1 1 c
F =
1 1 1 c
c c c c
onde c = 1/15 significa que os contatos entre os indivı́duos da faixa de 60+ anos
tem contatos sociais reduzidos 15 vezes com indivı́duos de todas as faixas etárias e
vice-versa.
Por fim, no cenário de isolamento horizontal indivı́duos de todas as faixas etárias
aderem ao isolamento. A matriz F passa a ser
c c c c
c c c c
F =c c c c
c c c c
O fator c = 1/15 foi usado por ser idêntico ao fator de redução de contato social
estimada para a cidade de New York durante o final do mês de março (veja [Bakker et
al., 2020]).
A seguir apresentamos os resultados das simulações usando o modelo SEIR-Rede.
A curva em preto mede os infectados correntes em cada um dos dias da simulação,
isto é, quantas pessoas infectadas (não-recuperadas) existem em cada dia.
As curvas coloridas (azul (0-9 anos), verde (10-24 anos), laranja (25-59 anos) e ver-
melho(60+ anos)) medem os valores acumulados totais de pessoas que foram infectadas
ao longo do tempo para cada uma das faixas etárias.
Os números entre parênteses indicam a porcentagem aproximada de cada uma das
faixas etárias dentro da população como um todo.
No cenário de controle (sem isolamento) da figura 1 atinge-se um máximo de cerca
de 750 mil infectados simultâneos cerca de 30 dias após o inicio da epidemia. O número
de infectados é muito alto para todas as faixas etárias. Em particular, na faixa etária
de 60+ anos terı́amos mais de 300 mil infectados acumulados ao longo do perı́odo.
No cenário de isolamento vertical (15X) da figura 2 atinge-se um máximo de mais
de 600 mil infectados simultâneos cerca de 30 dias após o inicio da epidemia. O número
de infectados é muito alto para todas as faixas etárias. Em particular, na faixa etária
de 60+ anos terı́amos mais de 200 mil infectados acumulados ao longo do perı́odo.
No cenário de isolamento horizontal (15X) da figura 3 a epidemia não atinge di-
mensões significativas nos primeiros 120 dias de simulação. De fato, como pode ser
visto na figura 4, o número de infectados só passa a ser significativo após 16 meses,
com um núimero muito reduzido de infectados simultâneos.
Figure 1: Cenário de controle sem nenhum isolamento social, para fins de comparação.
Figure 2: Isolamento vertical, apenas com pessoas de 60 anos ou mais isoladas socialmente
(15X). Esse cenário é quase tão desfavorável quanto o cenário em que não há isolamento.
Figure 3: Isolamento horizontal, com todos os grupos isolados socialmente (15X). A epidemia
não atinge dimensões significativas nos primeiros 120 dias de simulação.