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O NOME DE DEUS

Carta às conferências episcopais


Eminência / Excelência Reverendíssima,

Por disposição do Santo Padre e de acordo com a Congregação para a Doutrina da Fé,
esta Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos achou por bem
dar a conhecer às Conferências Episcopais a seguinte exposição sobre a tradução e
pronúncia, no âmbito litúrgico, do divino Nome, significado no tetragrama sagrado,
acompanhando-a de uma correspondente parte dispositiva.

I. Parte expositiva

1. As palavras da Sagrada escritura, contidas no Antigo e no Novo Testamento,


exprimem verdades que superam os limites impostos pelo tempo e lugar. É o que
acontece com a Palavra de Deus em palavras humanas e, através dessas palavras de
vida, o Espírito Santo introduz os fieis no conhecimento da verdade total, fazendo com
que a palavra de Cristo habite nos crentes com toda a sua riqueza (cf. Jo 14,26; 16,12-
15). Para que a palavra de Deus, escrita nos sagrados textos, seja guardada e transmitida
de forma integral e fiel, toda a tradução moderna dos livros bíblicos procura ser a
transposição fiel e cuidadosa dos textos originais. Esse trabalho literário exige que se
traduza o texto original com a máxima integridade e cuidado, sem recorrer a omissões
ou acréscimos de conteúdo e sem introduzir glosas ou paráfrases explicativas que não
pertençam ao texto sagrado.

Tratando-se do santo nome próprio de Deus, a fidelidade e o respeito da parte dos


tradutores devem ser máximos. De modo especial, como diz o n. 41 da Instrução
Liturgiam authenticam, “segundo uma imemorável tradição, já evidenciada na tradução
dos ‘Setenta’, o nome de Deus omnipotente, expresso em hebraico no tetragrama
sagrado e traduzido em latim com a palavra Dominus, deve ser posto em todas as
línguas vernáculas num vocábulo de significado equivalente”.

Não obstante a clareza desta disposição, nos anos recentes afirmou-se o costume de
pronunciar o nome próprio do Deus de Israel, conhecido como tetragrama sagrado ou
divino, por estar escrito com quatro letras consonânticas do alfabeto hebraico YHWH.
O uso da sua vocalização encontra-se tanto na leitura dos textos bíblicos tirados dos
Lecionários como em orações e cantos, e sob diversas formas de escrita e de pronúncia,
como, por exemplo, Yahweh, Yahwé, Jahweh, Jahwé, Javé, Jeovah etc. Daí a nossa
intenção de, com a presente Carta, expor alguns dados essenciais que justificam a norma
supracitada e dar algumas disposições que deverão ser observadas.

2. A veneranda tradição bíblica das Sagradas escrituras, conhecidas como Antigo


Testamento, confirma uma série de denominações divinas, entre as quais o santo nome
de Deus, revelado no tetragrama YHWH. Sendo expressão da infinita grandeza e
majestade de Deus, não se podia pronunciá-lo e, por isso, era substituído, na leitura do
texto sagrado, com uma denominação alternativa Adonay, que significa Senhor.
A própria tradução grega do Antigo testamento, chamada dos Setenta, e que remonta
aos últimos séculos anteriores à era cristã, usara regularmente o tetragrama hebraico
com o vocábulo grego Kyrios, que significa Senhor. Uma vez que o texto dos Setenta
constituiu a Bíblia das primeiras gerações cristãs de língua grega, em que foram também
escritos todos os livros do Novo Testamento, os próprios cristãos das origens nunca
pronunciaram o tetragrama divino. O mesmo aconteceu com os cristãos de língua latina,
cuja literatura tem início nos finais do século II, como resulta, primeiro, da Vetus latina
e, depois, da Vulgata de São Jerónimo: também nestas traduções o tetragrama é
regularmente substituído pelo vocábulo latino Dominus, correspondente tanto ao
hebraico Adonay como ao grego Kyrios. O mesmo vale para a recente Nova Vulgata,
que a Igreja adopta na liturgia.

O facto teve repercussões importantes na própria cristologia neo-testamentária. De


facto, quando São Paulo escreve, acerca do Crucificado, que “Deus o exaltou e lhe deu
um nome que está acima de todos os nomes” (Fl 2,9), não entende senão o nome de
Senhor, pois continua dizendo: “... e toda a língua proclame que Jesus Cristo é o
Senhor” (Fl 2,11; cf. Is 42,8: “Eu sou o Senhor: este é o meu nome”). A atribuição desta
qualificação a Cristo ressuscitado corresponde, nem mais nem menos, à proclamação da
sua divindade. O título, com efeito, torna-se permutável entre o Deus de Israel e o
Messias da fé cristã, quando não pertencia absolutamente à titularidade do Messias
israelita. Em sentido estritamente teológico, o título já se encontra, por exemplo, no
primeiro Evangelho canónico (cf. Mt 1,20: “O anjo do Senhor apareceu em sonho a
José”) e o encontramos regularmente nas citações veterotestamentárias (cf. Act 2,20: “O
sol converter-se-á em trevas... antes que chegue o grande dia do Senhor” [Jl 3,4]; 1Pd
1,25: “A palavra do Senhor permanece para sempre” [Is 40,8]). Já em sentido
propriamente cristológico, para além do texto citado de Fl 2,9-11, pode citar-se Rm 10,9
(“se proclamares com a tua boca que Jesus é o Senhor e acreditares no coração que
Deus o ressuscitou dos mortos, será salvo”), 1Cor 2,8 (“não teriam crucificado o Senhor
da glória”), 1Cor 12,3 (“...ninguém é capaz de dizer ‘Jesus é Senhor’ a não ser pela
acção do Espírito Santo”) e a fórmula que frequentemente se aplica ao cristão enquanto
vive “no Senhor” (Rm 16,2; 1Cor 7,22; 1Ts 3,8; etc.).

3. O facto de a Igreja ter deixado de pronunciar o tetragrama do nome de Deus tem a


sua razão de ser. Para além de um motivo de ordem puramente filológico, também há o
da fidelidade à tradição eclesial, uma vez que o tetragrama sagrado nunca foi
pronunciado em âmbito cristão nem traduzido em nenhuma das línguas em que a Bíblia
foi traduzida.

II. Parte dispositiva

À luz do acima exposto, manda-se observar o seguinte:

1. Nas celebrações litúrgicas, nos cantos e nas orações, não se use nem se pronuncie o
nome de Deus na forma do tetragrama YHWH.

2. Nas traduções do texto bíblico, para as línguas modernas, destinadas ao uso litúrgico
da Igreja, siga-se o estabelecido no n. 41 da Instrução Liturgiam authenticam, ou seja,
empregue-se para o tetragrama divino o equivalente Adonay / Kyrios: Senhor, Signore,
Lord, Seigneur, Herr, Señor, etc.

2
3. Nas traduções, no âmbito litúrgico, de textos que tenham, um a seguir ao outro, o
termo hebraico Adonay e o tetragrama YHWH, traduza-se Adonay com Senhor e use-se
a forma Deus para o tetragrama YHWH, analogamente ao que se faz na tradução grega
dos Setenta e na latina da Vulgata.

Da Sede da congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos sacramentos, 29 de


Junho de 2008.

+ Francis Card Arinze, Prefeito


+ Albert Malcolm Ranjith, Arcebispo Secretário

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