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25/09/2009

TEMA 15 – “O silêncio interior”

 O silêncio interior (99)


 O silêncio interno (5)

1 – A Erva do Diabo -
2 – Uma Estranha Realidade -
3 – Viagem a Ixtlan -
4 – Porta para o Infinito - 123
5 – O Segundo Circulo do Poder -
6 – O Presente da Águia - 260
7 – O Fogo Interior - 130-133-173-194-207-271-275-277
8 – O Poder do silêncio - 117
9 – A Arte de Sonhar -
10 – Passes mágicos - 32-33-99-140a147-182-229
11 – A Roda do Tempo - 253
12 – O Lado Ativo do Infinito - 131-133-142-215-218-230-244-261-272-283-294
13 – Sonhos Lúcidos -
14 – A Travessia das Feiticeiras -
15 – Encontros com o Nagual - 22-39-66-89-93-95-96-111

(*) NOTA: Conforme já avisamos, recentemente, quando um texto longo, ou capítulo


inteiro de algum dos 15 livros falar de forma focalizada sobre o tema em questão (às vezes
o nome do capítulo é mesmo o nome do assunto tratado), em vez de fazermos
sequencialmente várias citações, resolvemos transcrever todo o texto/capítulo para termos
uma compreensão mais completa do tema.

CONSIDERAÇÕES

Não há considerações.

- Observe-o! - mandou Dom Juan.


Os passos do homem eram miúdos, mas pesados. Seu andar tinha uma certa oscilação. Ele não foi
para a igreja; circundou-a e desapareceu por trás dela.
- Não há necessidade de tratar o corpo de modo tão horrível - disse Dom Juan, num tom de
desprezo. - Mas o fato triste é que todos nós aprendemos com perfeição a enfraquecer nosso tonal.
Chamei a isso entregar-se.

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Ele pôs a mão em meu bloco e não me deixou mais escrever. Alegou que, enquanto eu ficava
escrevendo, não me conseguia concentrar. Sugeriu que eu relaxasse, desligasse meu diálogo
interno e me largasse, fundindo-me com a pessoa a ser observada.
Pedi-lhe que explicasse o que ele queria dizer com "fundir". Ele disse que não havia meio de
explicar, que era uma coisa que o corpo sentia ou fazia quando posto em contato observacional com
outros corpos. Depois, esclareceu o ponto dizendo que no passado ele chamara a esse processo
"ver" e que consistia de um intervalo de verdadeiro silêncio interior, seguido por um alongamento
exterior do ser, um alongamento que se encontrava e fundia com o outro corpo, ou com qualquer
coisa dentro de nosso campo de consciência.
Nesse ponto eu quis voltar às minhas notas, mas ele me impediu e começou a destacar várias
pessoas do povo que passavam por ali.
Mostrou dezenas de pessoas abrangendo uma vasta gama de tipos entre homens, mulheres e
crianças de várias idades. Dom Juan disse que ele escolhera pessoas cujo tonal fraco se encaixaria
num plano de classificação, e assim me mostrava uma variedade preconcebida de "entregas".
A Porta para o Infinito, pág. 123

Fomos andando devagar por uma colina suave, percorrendo uns 60 ou 70 metros até a base das
pedras. Ele ficou ali por um momento e cochichou em meu ouvido que o nagual me estava
esperando bem naquele lugar. Eu lhe disse que, por mais que me esforçasse, só conseguia distinguir
as pedras e alguns tufos de mato e cactos. Ele, porém, insistiu em afirmar que o nagual estava ali,
esperando por mim
Mandou que eu me sentasse, desligasse meu diálogo interno e conservasse os olhos focalizados no
topo das pedras. Sentou-se a meu lado e, colocando a boca junto a meu ouvido direito, cochichou
que o nagual me vira, que estava ali embora eu não o pudesse avistar e que meu problema era
apenas de não conseguir desligar completamente meu diálogo interno. Ouvi todas as palavras que
ele proferiu num estado de silêncio interior. Compreendi tudo, e no entanto não era capaz de
responder; o esforço necessário para pensar e falar teria sido impossível. Minhas reações aos
comentários dele não eram propriamente pensamentos, e sim unidades completas de sentimento,
que tinham todas as conotações de significado que geralmente associo ao pensamento.
A Porta para o Infinito, pág. 190

Dom Juan me guiou magistralmente através de inúmeras interrupções da intenção, até que eu fiquei
convencido, como vidente, que meu corpo mostrava o efeito do bloqueio funcional do primeiro anel
de poder. Ele disse que podia ver uma capacidade invulgar no meu casulo em forma de ovo, em
volta da região das minhas omoplatas. Descreveu-a como uma rugosidade que se formava
exatamente como se a casca de luminosidade fosse um lençol de músculo sendo contraído pelos
nervos.
Para mim, o efeito do bloqueio funcional do primeiro anel de poder era conseguir apagar a certeza
que eu tinha tido toda a vida de que o que meus sentidos percebiam era "real". Entrei
tranqüilamente num estado de silêncio interior. Dom Juan disse que o que dá aos guerreiros aquela
extrema falta de confiança que seu benfeitor sentiu no fim da vida, aquela resignação à derrota que
ele próprio estava sentindo, é olhar a imensidão da Águia, que nos deixa sem esperança. A
esperança é o resultado de nossa familiaridade com nossos desnates e a idéia de que podemos
controlá-los. Em tais momentos só o caminho dos guerreiros pode nos fazer persistir em nosso
esforço de descobrir o que a Águia ocultou de nós, mas sem esperança de jamais compreender o que
descobrirmos.
O Presente da Águia, pág. 260

Enquanto almoçávamos no dia seguinte, Dom Juan disse que Genaro havia empurrado meu ponto
de aglutinação com sua marcha de poder, e que fora capaz de fazê-lo porque eu estivera em um
estado de silêncio interior. Explicou que o ponto de articulação de tudo o que os videntes fazem é

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algo sobre o qual vinha falando desde o dia em que nos conhecemos: parar o diálogo interno.
Salientou, vez após vez, que o diálogo interno é o que mantém o ponto de aglutinação fixo em sua
posição original.
- Depois que se chega ao silêncio, tudo é possível – disse ele.
Falei que estava muito consciente do fato de que, em geral, conseguia parar de falar comigo mesmo,
mas ignorava como o fazia. Se me pedissem para explicar o procedimento, não saberia o que dizer.
- A explicação é extremamente simples - disse Dom Juan. - Você exerceu sua vontade, e dessa
maneira estabeleceu uma nova intenção, uma nova ordem. Então, sua ordem tomou-se a ordem da
Águia.
"Esta é uma das coisas mais extraordinárias que os novos videntes descobriram: que nossa ordem
pode tomar-se a ordem da Águia. O diálogo interno pára do mesmo modo como começa: por um
ato da vontade. Afinal, somos forçados a começar a conversar com nós mesmos por aqueles que nos
ensinam. Enquanto nos ensinam, comprometem sua vontade e nós comprometemos a nossa, ambos
sem saber. Enquanto aprendemos a conversar com nós mesmos, aprendemos a manipular a vontade.
É nossa vontade que nos faz conversar com nós mesmos. A maneira de parar de conversar com nós
mesmos é usar exatamente o mesmo método: precisamos exercer nossa vontade, precisamos ter esta
intenção."
Ficamos em silêncio por alguns minutos. Perguntei-lhe a quem se referia quando disse que
tínhamos professores que nos ensinavam a conversar com nós mesmos.
- Estava falando do que acontece com os seres humanos quando são crianças, uma época em que
são ensinadas por todos, ao seu redor, a repetir um diálogo infindo sobre si mesmas. O diálogo
toma-se internalizado, e essa força mantém fixo o ponto de aglutinação.
"Os novos videntes dizem que as crianças têm centenas de professores que lhes ensinam exatamente
onde colocar seu ponto de aglutinação.".
Explicou que os videntes vêem que as crianças não têm, de início, o ponto de aglutinação fixo. Suas
emanações aprisionadas encontram-se em estado de grande agitação, e seus pontos de aglutinação
mudam para qualquer ponto da faixa humana, dando às crianças uma grande capacidade de
focalizar emanações que mais tarde serão completamente dispensadas. Então, enquanto crescem, os
humanos mais velhos ao redor, através de seu considerável poder sobre elas, forçam os pontos de
aglutinação das crianças a se tomarem mais estáveis por meio de um diálogo interno
progressivamente mais complexo. O diálogo interno é um processo que fortalece constantemente a
posição do ponto de aglutinação, porque essa posição é arbitrária e necessita de reforço constante.
- O fato é que muitas crianças vêem. Quase todas aquelas que vêem são consideradas esquisitas e
todos os esforços são feitos para corrigi-las, para fazê-las consolidar a posição de seus pontos de
aglutinação.
O Fogo Interior, pág 130

- Foi exatamente o que eu quis dizer. Nas duas margens das faixas de emanações do homem existe
um estranho acúmulo de refugos, uma incalculável pilha de lixo humano. É um depósito muito
mórbido e sinistro. Tinha grande valor para os antigos videntes, mas não para nós. Uma das coisas
mais fáceis que alguém pode fazer é cair nele. Ontem, Genaro e eu desejamos dar-lhe um rápido
exemplo dessa mudança lateral; foi por isso que fizemos seu ponto de aglutinação caminhar, mas
qualquer pessoa pode atingir esse depósito simplesmente parando o diálogo interno. Se a mudança
é mínima, os resultados são explicados como fantasias. Se a mudança é considerável, os resultados
são chamados de alucinações.
Pedi que explicasse o ato de fazer caminhar o ponto de aglutinação e ele disse que, uma vez que os
guerreiros atingem o silêncio interior parando o diálogo interno, o som da marcha do poder, mais
do que sua visão, é o que capta seus pontos de aglutinação. O ritmo de passos abafados agarra
instantaneamente a força de alinhamento das emanações no interior do casulo, desconectada pelo
silêncio interior.

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- Essa força se prende imediatamente às margens da faixa - continuou. - Na margem direita,


encontramos infindáveis visões de atividade física, violência, assassinato, sensualidade. Na margem
esquerda, encontramos espiritualidade, religião, Deus. Genaro e eu fizemos seu ponto de
aglutinação caminhar para ambas as margens, de modo a dar-lhe uma visão completa dessa pilha de
lixo humano.
Dom Juan reafirmou, como se tivesse pensado melhor, que um dos aspectos mais misteriosos do
conhecimento dos videntes é os incríveis efeitos do silêncio interior. Disse que, quando o silêncio
interior é atingido, os laços que ligam o ponto de aglutinação à área onde está localizado começam
a soltar-se, e o ponto de aglutinação fica livre para se movimentar.
Disse que, normalmente, o movimento é para esquerda, e que esta preferência direcional é uma
reação natural da maior parte dos seres humanos, mas que existem videntes capazes de dirigir este
movimento a posições abaixo da área onde o ponto está costumeiramente localizado. Os novos
videntes chamam essa mudança de "mudança para baixo".
- Os videntes também sofrem mudanças acidentais para baixo. Felizmente, o ponto de aglutinação
não permanece ali por muito tempo, pois aquele é o lugar da besta. Ir para baixo é contrariar nosso
interesse, embora seja a coisa mais fácil de fazer.
O Fogo Interior, pág 133

- Verá isso muito breve - afirmou em tom sinistro, e riu.


Interroguei-o a respeito com medo crescente, e aquilo apenas provocou mais riso. Finalmente, disse
que ia falar sobre a maneira como os novos videntes chegaram ao corpo sonhador e como o usavam.
- Os antigos videntes estavam procurando uma réplica perfeita do corpo - continuou. - E quase
conseguiram. A única coisa que nunca conseguiram copiar foram os olhos. Em lugar de olhos, o
corpo sonhador tem simplesmente o brilho da consciência. Você nunca percebeu isso antes, quando
Genaro lhe mostrava seu corpo sonhador.
"Os novos videntes não podiam importar-se menos com uma réplica perfeita do corpo; na realidade
não estão interessados sequer em copiar o corpo. Mas mantiveram o nome de corpo sonhador,
significando uma sensação, uma onda de energia que o transportava, pelo movimento do ponto de
aglutinação, a qualquer lugar neste mundo, como a qualquer lugar nos sete mundos alcançáveis pelo
homem."
Dom Juan delineou então o procedimento para se chegar ao corpo sonhador. Disse que começa com
um ato inicial que, pelo fato de ser continuado, desenvolve uma intenção inflexível. A intenção
inflexível leva ao silêncio interior, e o silêncio interior à força interior necessária para fazer o
ponto de aglutinação se deslocar nos sonhos para posições adequadas. Chamou a essa seqüência de
alicerce. O desenvolvimento do controle vem após ter sido completado o alicerce; consiste em
manter sistematicamente a posição de sonho agarrando-se com tenacidade à visão dosonho. A
prática constante resulta numa grande facilidade em manter novas posições de sonho com novos
sonhos, não tanto porque a pessoa obtém controle deliberado com a prática, mas porque cada vez
que esse controle é exercido a força interior sai enriquecida. A força interior, por sua vez, faz o
ponto de aglutinação se deslocar para posições de sonho, que são cada vez mais apropriadas para
proporcionar sobriedade; em outras palavras, os próprios sonhos se tomam cada vez mais
controláveis, e até mesmo ordenados.
- O desenvolvimento dos sonhadores é indireto. É por isso que os novos videntes acreditavam que
podemos sonhar sozinhos. Uma vez que sonhar usa um deslocamento natural, intrínseco, do ponto
de aglutinação, não deveríamos precisar de ninguém para ajudar-nos.
"O que precisamos desesperadamente é de sobriedade, e só nós mesmos podemos consegui-la. Sem
ela, o deslocamento do ponto de aglutinação é caótico, como são caóticos nossos sonhos comuns.
"Assim, em tudo e por tudo, o procedimento para se chegar ao corpo sonhador é a impecabilidade
em nossa vida diária."
O Fogo Interior, pág 173

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- Foram os antigos videntes que, ao descobrirem que a percepção é alinhamento, tropeçaram em


algo monumental. A parte triste é que suas aberrações impediram novamente que soubessem o que
haviam realizado.
Apontou a cadeia de montanhas a leste do pequeno vale onde a cidade está localizada.
- Há cintilação suficiente naquelas montanhas para abalar seu ponto de aglutinação. Exatamente
antes de o sol se pôr atrás dos picos do oeste, você terá alguns momentos para todas as cintilações
de que precisa. A chave mágica que abre as portas da Terra é feita de silêncio interno e mais
qualquer coisa que brilhe.
- O que devo fazer exatamente, Dom Juan?
Ambos examinaram-me. Pensei ver em seus olhos uma mistura de curiosidade e desagrado.
- Simplesmente corte o diálogo interno - disse-me Dom Juan.
O Fogo Interior, pág 194

Repetiu, como se estivesse tentando enfiar a idéia em mim, que o alinhamento é uma força única
porque ou ajuda o ponto de aglutinação a se deslocar, ou o mantém agarrado à sua posição
costumeira. O aspecto do alinhamento que mantém o ponto estacionário, disse ele, é a vontade; e o
aspecto que o faz mudar é a intenção. Observou que um dos mistérios mais assombrosos é como a
vontade, a força impessoal do alinhamento, se transforma em intenção, a força personalizada, a
serviço de cada indivíduo.
- A parte mais estranha deste mistério é que a mudança é tão fácil de realizar - continuou. - Mas o
que não é tão fácil é convencer a nós mesmos que isso é possível. E aí que reside nossa segurança.
Temos de ser convencidos. E nenhum de nós quer sê-lo.
Disse-me então que eu estava em meu estado de consciência mais agudo, e que me seria possível
conseguir que o meu ponto de aglutinação se deslocasse mais profundamente para o meu lado
esquerdo, para uma posição de sonho. Disse que os guerreiros só deveriam tentar ver ajudados pelo
sonho. Argumentei que adormecer em público não era um dos meus fortes. Ele esclareceu sua
afirmação, dizendo que deslocar o ponto de aglutinação de sua localização natural e mantê-lo fixo
em nova localização é estar adormecido; com a prática, os videntes aprendem a estar adormecidos e
ainda assim atuar como se nada acontecesse com eles.
Após uma pausa curta, acrescentou que para se ver o casulo do homem é preciso olhar as pessoas de
trás, enquanto se afastam. É inútil olhar para as pessoas face a face, porque a parte dianteira do
casulo ovóide do homem tem um escudo protetor que os videntes chamam chapa frontal. É um
escudo quase indevassável, indeformável, que nos protege por todas as nossas vidas contra o assalto
de uma força peculiar que provém das próprias emanações.
Disse-me também para não me surpreender se meu corpo ficasse rígido como se estivesse
congelado; disse que eu iria sentir-me como uma pessoa parada no meio de um quarto olhando para
a rua através de uma janela, e que a velocidade era essencial, uma vez que os outros iriam mover-se
com extrema rapidez pela minha janela de ver. Falou-me então para relaxar os músculos, silenciar
meu diálogo interno e deixar meu ponto de aglutinação afastar-se sob a magia do silêncio interno.
Incentivou-me a golpear-me suave mas firmemente em meu lado direito, entre a anca e a caixa
torácica.
Fiz isso três vezes e vi-me profundamente adormecido. Era um estado extremamente peculiar de
sonho. Meu corpo estava dormente, mas me encontrava perfeitamente consciente de tudo que
acontecia. Podia ouvir Dom Juan falando comigo, e podia seguir cada uma de suas afirmações
como se eu estivesse acordado, embora não pudesse absolutamente mover meu corpo.
Dom Juan disse que um homem ia passar por minha janela de ver e que eu deveria tentar vê-lo. Sem
sucesso, tentei mover minha cabeça e então uma brilhante forma ovóide apareceu. Era
resplandecente. Fiquei impressionado pela visão e, antes que pudesse recobrar-me da minha
surpresa, ela partira. Afastou-se flutuando, saltando para cima e para baixo.

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Tudo fora tão repentino e rápido que me senti frustrado e impaciente. Senti que estava começando a
acordar. Dom Juan falou-me novamente e me convenceu a relaxar. Disse que eu não tinha direito
nem tempo de ficar impaciente. Subitamente, outro ser luminoso apareceu e afastou-se. Parecia
feito de um novelo branco fluorescente.
Dom Juan sussurrou em meu ouvido que, se eu quisesse, meus olhos seriam capazes de desacelerar
tudo o que focalizavam. Avisou-me depois que outro homem estava vindo. Percebi naquele instante
que existiam duas vozes. A voz que havia acabado de ouvir era a mesma que me mandara ser
paciente. Era a de Dom Juan. A outra, a que me disse para usar os olhos para desacelerar o
movimento, era a voz da visão.
O Fogo Interior, pág 207

Dom Juan olhou para o céu. Estendeu os braços acima da cabeça, como se tivesse ficado sentado
por muito tempo e empurrasse o cansaço físico para fora do corpo. Ordenou que eu desligasse meu
diálogo interno e entrasse em silêncio interior. Então, levantou-se e começou a afastar-se da
praça; fez-me sinal para que eu o seguisse. Entrou por uma rua lateral deserta. Reconheci-a como
sendo a mesma rua onde Genaro me havia proporcionado sua demonstração de alinhamento. No
momento em que me lembrei disso, encontrei-me caminhando com Dom Juan em um lugar que
então me era muito familiar: uma planície deserta com dunas amarelas que pareciam de enxofre.
Recordei então que Dom Juan já me havia feito perceber aquele mundo centenas de vezes. Também
me lembrei de que, além da paisagem desolada das dunas, havia um outro mundo brilhando com
uma luz branca extraordinária, uniforme e pura.
Quando Dom Juan e eu entramos nele dessa vez, senti que a luz, vinda de todas as direções, não era
uma luz revigorante, mas tão tranqüilizante que me dava a sensação de ser sagrada.
Enquanto aquela luz sagrada me banhava, um pensamento racional explodiu em meu silêncio
interior. Pensei que era realmente possível que os místicos e santos tivessem feito essa viagem do
ponto de aglutinação. Haviam visto Deus no molde do homem. Viram o inferno nas dunas de
enxofre. E então viram a glória do céu na luz diáfana.
Meu pensamento racional apagou-se quase imediatamente sob o assalto do que eu estava
percebendo; Minha consciência foi tomada por uma multidão de formas, figuras de homens,
mulheres e crianças do todas as idades, e outras aparições incompreensíveis brilhando com uma
cegante luz branca.
Vi Dom Juan caminhando ao meu lado, olhando para mim e não para as aparições, mas no instante
seguinte vi-o como uma bola de luminosidade, saltando para cima e para baixo poucos metros
adiante de mim. A bola fez um movimento abrupto e assustador, chegando mais próximo a mim, e
vi seu interior.
O Fogo Interior, pág. 271

- Quero que você ultrapasse todos os deslocamentos laterais e vá diretamente até o próximo mundo
total: o mundo negro. Dentro de alguns dias, terá de fazer a mesma coisa sozinho. Não irá ter tempo
de cuidar de mais nada. Terá de fazê-lo para escapar à morte..
Disse que o rompimento da barreira da percepção é a combinação de tudo o que os videntes fazem.
No momento em que essa barreira é rompida, o homem e seu destino assumem um sentido diferente
para os guerreiros. Devido à importância transcendental de romper aquela barreira, os novos
videntes usam o ato de rompê-la como um teste final. O teste consiste em saltar do topo de uma
montanha para um abismo, em estado de consciência normal. Se o guerreiro que salta para o abismo
não apagar o mundo cotidiano e aglomerar outro antes de atingir o fundo, ele morre.
- O que você irá fazer será provocar o desaparecimento deste mundo, mas de alguma forma irá
permanecer você mesmo. Esse é o último bastião da consciência, aquele em que os novos videntes
se apóiam. Eles sabem que, depois de arderem com a consciência, de certa maneira ainda retêm o
sentido de ser eles mesmos.

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Sorriu e apontou para uma rua que podíamos ver do local em que estávamos parados - a rua onde
Genaro me havia mostrado os mistérios do alinhamento.
- Aquela rua, como qualquer outra, leva à eternidade. Tudo que você deve fazer é percorrê-la em
silêncio total. Está na hora. Agora, vá! Vá!
Voltou-se e afastou-se de mim. Genaro o estava esperando na esquina. Genaro acenou para mim e
então fez um gesto convidando-me a ir. Dom Juan continuou a andar, sem voltar-se para trás.
Genaro juntou-se a ele. Comecei a segui-los, mas soube que estava errado. Assim, fui na direção
oposta. A rua estava escura, solitária e desolada. Não me deixei levar por sentimentos de fracasso
ou inadequação. Caminhei em silêncio interior. Meu ponto de aglutinação se deslocava a grande
velocidade. Vi os três aliados. Suas linhas medianas faziam com que parecessem sorrir de lado.
Senti que estava sendo frívolo. E então uma força semelhante a um vento desmanchou o mundo.
O Fogo Interior, pág. 275

"Os antigos videntes costumavam dizer que se os guerreiros vão ter um diálogo interno, devem ter
o diálogo apropriado. Para os antigos videntes, isso significava o diálogo sobre a feitiçaria e o
aguçamento de sua reflexão sobre si mesmos. Para os novos videntes, não se trata de diálogo, mas
da manipulação desapaixonada da intenção por meio de ordens sóbrias."
Repetiu várias vezes que a manipulação da intenção começa com uma ordem dada a si mesmo; a
ordem é então repetida até tomar-se a ordem da Águia, e então o ponto de aglutinação se desloca da
maneira desejada no momento em que os guerreiros atingem o silêncio interior.
O fato de que tal manobra seja possível, disse ele, é algo da maior importância para os videntes,
tanto os antigos quanto os novos, por motivos diametralmente opostos. Sabê-lo permitiu aos antigos
videntes deslocar seus pontos de aglutinação a posições de sonho inconcebíveis no desconhecido
incomensurável; para os novos videntes, significa recusar-se a ser alimento, significa escapar da
Águia através do deslocamento de seus pontos de agiu ti nação para a posição de sonho chamada de
liberdade total.
Explicou que os antigos videntes descobriram que é possível deslocar o ponto de aglutinação ao
limite do conhecido e mantê-lo fixado ali num estado fundamental de consciência intensificada.
Dessa posição, viram a possibilidade de lentamente deslocar seus pontos de aglutinação para outras
posições permanentes além daquele limite - um feito estupendo, repleto de ousadia, mas desprovido
de sobriedade, pois nunca conseguiram refazer em sentido inverso o movimento de seus pontos de
aglutinação, ou talvez nunca o tenham desejado.
Disse Dom Juan que os homens ousados, ante a escolha entre morrer no mundo cotidiano, e morrer
em mundos desconhecidos, irão inevitavelmente optar pela segunda hipótese, que os novos
videntes, compreendendo que seus predecessores haviam meramente escolhido mudar o local de
sua morte, chegaram à compreensão da futilidade de tudo aquilo; a futilidade de lutar para controlar
seus semelhantes, a futilidade de aglomerar outros mundos e, acima de tudo, a futilidade da
vaidade.
Uma das decisões mais felizes que os novos videntes tomaram, disse ele, foi nunca permitir que
seus pontos de aglutinação se deslocassem permanentemente para qualquer posição que não fosse a
da consciência intensificada. A partir dessa decisão, resolveram realmente seu dilema de futilidade
e descobriram que a solução não está simplesmente em escolher um mundo alternativo no qual
morrer, mas escolher a consciência total, a liberdade total.
O Fogo Interior, pág. 277

Há muitas maneiras de espreitar a si mesmo. Se não deseja usar a idéia de sua morte, use os
poemas que lê para mim para espreitar a si mesmo.
- Como disse?
- Disse-lhe que há muitas razões pelas quais gosto de poema - retrucou ele. - O que eu faço é
espreitar a mim mesmo com ele. Provoco um choque em mim mesmo com eles. Escuto, e enquanto

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você lê, calo meu diálogo interno e deixo meu silêncio interior ganhar impulso. Então a
combinação do poema e do silêncio desfecha o choque.
Explicou que os poetas inconscientemente anseiam pelo mundo dos feiticeiros. Por não serem
feiticeiros no caminho do conhecimento, os anseios são tudo o que têm.
- Vamos ver se você pode sentir sobre o que estou falando - disse, estendendo-me um livro de
poemas de José Gorostiza.
Abri-o na página marcada, e ele apontou o poema de que gostava.
O Poder do Silêncio, pág.117

- Toda a raça humana - disse-me ele numa ocasião - mantém um determinado nível de função e
eficácia através do diálogo interno. O diálogo interno é a chave para manter o ponto de
aglutinação estacionário na posição compartilhada por toda a raça humana: na altura das omoplatas,
a um braço de distância.
"Realizando o oposto do diálogo interno, isto é, o silêncio interior, os praticantes podem romper a
fixação dos seus pontos de aglutinação, adquirindo assim uma extraordinária fluidez de percepção.”
Passes Mágicos, pág. 32

Em todos os outros aspectos, a maneira de ensinar a Tensegridade é uma reprodução fiel da maneira
como Dom Juan ensinava os passes mágicos aos seus discípulos. Ele os inundava com uma
profusão de detalhes e deixava suas mentes atordoadas com a quantidade e a variedade dos passes
mágicos ensinados e com a implicação de que cada um deles individualmente era um caminho para
o infinito.
Os seus discípulos passaram anos acabrunhados, confusos e, acima de tudo, desanimados, porque
achavam que serem inundados dessa maneira era uma injusta investida violenta contra eles.
Uma vez, quando o questionei a respeito do assunto, ele me explicou:
- Quando ensino os passes mágicos a vocês, estou seguindo o estratagema dos feiticeiros
tradicionais de enevoar a sua visão linear. Saturando a memória cinestésica de vocês, estou lhes
criando um caminho para o silêncio interior.
"Uma vez que todos nós estamos cheios até a borda com o que precisamos fazer e com o que não
precisamos fazer no mundo da vida cotidiana, temos muito pouco espaço para a memória
cinestésica. Você deve ter notado que você não tem nenhum espaço. Quando quer imitar meus
movimentos, você não consegue permanecer me encarando. Precisa ficar ao meu lado para
estabelecer no seu próprio corpo o que é direito e o que é esquerdo. Agora, se uma grande seqüência
de movimentos lhe era apresentada, isso lhe custaria semanas de repetição para se lembrar de todos
os movimentos. Enquanto você está tentando memorizar os movimentos, precisa abrir espaço para
eles em sua memória afastando outras coisas do caminho. Esse era o efeito que os antigos feiticeiros
buscavam.”
A alegação de Dom Juan era que, se seus discípulos continuassem a praticar obstinadamente os
passes mágicos, apesar da confusão deles, chegariam a um limiar no qual sua energia redistribuída
faria pender a balança e eles seriam capazes de usar os passes mágicos com absoluta clareza.
Quando Dom Juan fez essas declarações, mal consegui acreditar nelas. Contudo, em um
determinado momento, exatamente como ele havia dito, parei de ficar confuso e desanimado. De
uma maneira muito misteriosa, os passes mágicos, uma vez que são mágicos, se organizaram em
seqüências extraordinárias que esclareceram tudo. Dom Juan explicou que a clareza que eu estava
experimentando era o resultado da redistribuição da minha energia.
Hoje em dia, a preocupação das pessoas que praticam a Tensegridade pode comparar-se exatamente
à minha preocupação e à das outras discípulas de Dom Juan, quando começamos a realizar pela
primeira vez os passes mágicos. Elas se sentem atordoadas com a quantidade de movimentos.
Reitero para elas o que Dom Juan reiterava repetidamente para mim: o que é de suprema
importância é praticar qualquer que seja a seqüência lembrada da Tensegridade. No final, a
saturação levada adiante trará os resultados buscados pelos xamãs do antigo México: a

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redistribuição da energia e suas três qualidades concomitantes - a inibição do diálogo interno, a


possibilidade do silêncio interior e a fluidez do ponto de aglutinação.
Como uma contribuição pessoal, posso dizer que, saturando-me com os passes mágicos, Dom Juan
realizou duas façanhas formidáveis: primeiro, trouxe para a superfície uma porção de recursos
ocultos que eu tinha, mas que não sabia que existiam, como a capacidade de me concentrar e a
capacidade de me lembrar de detalhes, e, segundo, rompeu gentilmente minha obsessão com o meu
modo linear de interpretação.
Quando o questionei sobre o que eu estava experimentando a esse respeito, Dom Juan me explicou:
- O que está acontecendo é que você está sentindo o advento do silêncio interior, uma vez que o
seu diálogo interno tem sido minimamente ressaltado. Um novo fluxo de coisas tem começado a
entrar no seu campo de percepção. Essas coisas sempre estiveram lá, na periferia da sua consciência
geral, mas você nunca teve energia suficiente para ficar deliberadamente consciente delas. À
medida que você enxota o seu diálogo interno, outros itens de percepção começam a preencher o
espaço vazio e, portanto, a falar.
"O novo fluxo de energia que os passes mágicos trouxe para os seus centros de vitalidade está
tornando o seu ponto de aglutinação mais fluido. Ele não está mais rigidamente paralisado. Você
não está mais sendo dirigido pelos nossos medos ancestrais que nos tornam incapazes de darmos
um passo em qualquer direção. Os feiticeiros dizem que a energia nos torna livres, e esta é a
absoluta verdade.
Passes Mágicos, pág. 33

Uma das mais importantes séries para os praticantes da Tensegridade é chamada de a série das
cinco preocupações. Um apelido para esta série é a série Westwood, porque foi ensinada
publicamente pela primeira vez no Pauley Pavilion na Universidade da Califórnia, em Los Angeles,
localizada numa área chamada Westwood. Essa série. foi concebida como uma tentativa de integrar
o que Dom Juan Matus chamava de as cinco preocupações dos xamãs do antigo México. Tudo que
esses feiticeiros faziam girava em torno de cinco preocupações: primeira, os passes mágicos;
segunda, o centro energético no corpo humano chamado de centro para decisões; terceira, a
recapitulação - as maneiras para aumentar o campo de ação da consciência humana; quarta, sonhar a
arte genuína de romper os parâmetros da percepção normal; quinta, o silêncio interior - o estágio
da percepção humana do qual esses feiticeiros empreendiam cada uma das suas consecuções
perceptivas. Essa seqüência das cinco preocupações foi um conjunto moldado na compreensão que
aqueles feiticeiros tinham do mundo ao seu redor.
Passes Mágicos, pág. 99

Dom Juan dizia que o silêncio interior era o estado buscado com maior avidez pelos xamãs do
antigo México. Ele o definia como um estado natural da percepção humana, no qual os
pensamentos são bloqueados e todas as faculdades do homem operam de um nível de consciência
que não requer a utilização do nosso sistema cognitivo diário.
Para os xamãs da linhagem de Dom Juan, o silêncio interior sempre tem sido associado à
escuridão, talvez porque a percepção humana, privada do seu companheiro habitual, o diálogo
interno, caia em algo que se assemelha a um buraco escuro. Ele dizia que o corpo funciona
normalmente, mas a percepção se torna mais aguda. As decisões são instantâneas e parecem provir
de um tipo especial de conhecimento que é destituído de verbalizações mentais.
De acordo com Dom Juan, a percepção humana, funcionando em uma condição de silêncio
interior, é capaz de atingir níveis indescritíveis. Alguns daqueles níveis de percepção são mundos
em si e de modo algum são como os mundos alcançados através do sonhar. Eles são indescritíveis e
inexplicáveis em termos dos paradigmas lineares que o estado habitual da percepção humana
emprega para explicar o universo.
No entendimento de Dom Juan, o silêncio interior é a matriz para um passo gigantesco de
evolução: o conhecimento silencioso ou o nível da consciência humana no qual o saber é

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automático e instantâneo. Nesse nível o conhecimento não é o produto da cogitação cerebral, da


indução e da dedução lógica ou de generalizações baseadas em semelhanças e diferenças. No nível
do conhecimento silencioso não existe nada a priori, nada que pudesse constituir um corpo de
conhecimento, porque tudo é iminentemente agora. Peças complexas de informação poderiam ser
captadas sem quaisquer preliminares cognitivas.
Dom Juan acreditava que o conhecimento silencioso era insinuado para o homem primitivo, mas
que o homem primitivo não era realmente o possuidor do conhecimento silencioso. Tal insinuação
era infinitamente mais forte do que a que o homem moderno experimenta, na qual a carga de
conhecimento é produto de aprendizado rotineiro. É um axioma dos feiticeiros o fato de que,
embora tenhamos perdido aquela insinuação, a avenida que conduz ao conhecimento silencioso
estará sempre aberta ao homem através do silêncio interior.
Dom Juan Matus ensinava a linha inflexível da sua linhagem: que o silêncio interior deve ser
obtido através de uma pressão consistente de disciplina. Precisa ser acumulado ou armazenado
pouco a pouco, segundo por segundo. Em outras palavras, a pessoa precisa se forçar a ficar em
silêncio, mesmo que seja apenas por alguns segundos. De acordo com Dom Juan, era conhecimento
comum entre os feiticeiros que, se a pessoa persiste, a persistência supera o hábito e, assim, é
possível chegar a um limiar de segundos ou minutos acumulados, que difere de pessoa para pessoa.
Se, para um determinado indivíduo, o limiar do silêncio interior for de, por exemplo, dez minutos,
uma vez que esse limiar é atingido, o silêncio interior acontece por si mesmo, espontaneamente por
assim dizer.
Fui previamente avisado de que não havia nenhuma maneira possível de saber qual poderia ser o
meu limiar individual e que a única maneira de descobrir isso era através da experiência direta. Foi
exatamente o que aconteceu comigo. Seguindo a sugestão de Dom Juan, eu tinha persistido em me
forçar a permanecer em silêncio e, um dia, enquanto caminhava na UCLA (Universidade da
Califórnia de Los Angeles), alcancei meu misterioso limiar. Sabia que o tinha alcançado porque, em
um instante, experimentei algo que Dom Juan havia descrito extensamente para mim. Ele o
chamava de parando o mundo. No piscar de um olho, o mundo parou de ser o que era e, pela
primeira vez, em minha vida, tornei-me consciente de que eu estava vendo a energia como ela fluía
no universo. Precisei me sentar em uma escada de tijolos. Sabia que estava sentando em uma escada
de tijolos, mas só o sabia intelectualmente, através da memória. Experimentalmente.. eu estava
descansando em energia. Eu mesmo era energia, assim como todas as coisas ao meu redor. Eu tinha
anulado o meu sistema de interpretação.
Após ver a energia diretamente, percebi algo que se tornou o horror do meu dia, algo que ninguém,
com exceção de Dom Juan, poderia me explicar satisfatoriamente. Conscientizei-me de que, embora
estivesse vendo pela primeira vez em minha vida, eu tinha estado vendo a energia como ela flui no
universo a minha vida toda, mas não tinha tido consciência disso. A novidade não foi ver a energia
como ela flui no universo. A novidade foi a dúvida que surgiu com uma tal fúria que me fez voltar
novamente à tona do mundo da vida cotidiana. Eu me perguntava o que tinha estado me impedindo
de compreender que eu tinha estado vendo a energia como ela flui no universo a minha vida toda.
- Aqui há duas questões em jogo - explicou-me Dom Juan quando lhe perguntei sobre essa
contradição enlouquecedora. - Uma é a percepção geral. A outra é a consciência especial e
deliberada. Em termos gerais, todos os seres humanos têm consciência de verem a energia como ela
flui no universo. Entretanto só os feiticeiros estão especial e deliberadamente conscientes disso.
Tornar-se consciente de alguma coisa da qual você tem uma percepção geral requer energia e a
rígida disciplina necessária para obtê-la. O seu silêncio interior, o produto da disciplina e da
energia, fez a ponte entre a percepção geral e a consciência especial.
Dom Juan enfatizava, de todas as maneiras que conseguia, o valor de uma atitude pragmática para
sustentar o advento do silêncio interior. Ele definia uma atitude pragmática como a capacidade de
absorver qualquer contingência que possa aparecer ao longo do caminho. Para mim, ele próprio era
o exemplo vivo de uma tal atitude. Não havia nenhuma incerteza ou risco que a sua simples
presença não pudesse dispersar.

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Passes Mágicos, pág. 137

Os passes mágicos que auxiliam a obtenção do Silêncio interior:


36. Desenhando Dois Semicírculos com Cada Pé
37. Desenhando uma Meia-Lua com Cada Pé
38. O Espantalho ao Vento com os braços para Baixo
39. O Espantalho ao Vento com os Braços para Cima
40. Empurrando a Energia para Trás com Todo o Braço
41. Girando O Antebraço
42. Movendo a Energia em uma Ondulação
43. A Energia T das Mãos
44. Pressionando a Energia com os Polegares
45. Desenhando um Ângulo Agudo com os Braços Entre as Pernas
46. Desenhando um Ângulo Agudo com os Braços em Frente ao Rosto
48. Três Dedos no Chão
49. As Juntas nos Dedos dos Pés
50. Extraindo Energia do Chão com a Respiração
Passes Mágicos, págs.140 a 147

Dom Juan recomendava que a realização de cada movimento dos passes mágicos para a direita
fosse repetido muitas vezes, enquanto os praticantes contam, e dizia que é muito importante
estabelecer com antecedência o número de vezes que qualquer movimento determinado vai ser
repetido, porque previsão é o ponto forte do corpo direito.
Se os praticantes estabelecem qualquer número com antecedência e o realizam, o prazer do corpo
direito é indescritível.
Na prática da Tensegridade, entretanto, tanto os passes mágicos para o corpo esquerdo quanto os
passes mágicos para o corpo direito são realizados em completo silêncio. Se o silêncio do corpo
esquerdo puder ser sobreposto ao corpo direito, o ato de saturação pode se tornar um caminho direto
para entrar no que Dom Juan chamava de o estado mais cobiçado pelos xamãs de todas as gerações:
o silêncio interior.
Passes Mágicos, pág. 182

Os praticantes da Tensegridade encontraram um equivalente muito melhor para os artefatos dos


xamãs do antigo México: um par de bolas redondas e um pequeno peso de couro plano e circular.
As bolas são do mesmo tamanho das utilizadas por aqueles xamãs, mas absolutamente não são
frágeis; são feitas de uma mistura de Teflon reforçada por um composto cerâmico. Essa mistura dá
às bolas um peso, uma rigidez e uma uniformidade que são totalmente congruentes com o propósito
dos passes mágicos.
O outro artefato, o peso de couro, tem sido considerado como sendo um artefato ideal para criar
uma pressão firme nos centros da energia do tendão. Diferentemente das pedras, ele é bastante
flexível para se adaptar aos contornos do corpo. Sua cobertura de couro torna possível ser aplicado
diretamente sobre o corpo sem precisar ser aquecido ou esfriado. No entanto, a sua característica
mais extraordinária é o seu peso. Ele é leve o suficiente para não causar nenhum desconforto e,
ainda assim, é pesado o suficiente para auxiliar alguns passes mágicos específicos que promovem o
silêncio interior pressionando centros no abdômen. Dom Juan Matus dizia que um peso colocado
em qualquer uma das três áreas mencionadas acima envolve a totalidade dos campos energéticos de
uma pessoa, o que significa um calar momentâneo do diálogo interno: o primeiro passo em direção
ao silêncio interior.
Passes Mágicos, pág. 229

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•Uma vez atingido o silêncio interior, tudo é possível. A maneira de parar de falar para nós
mesmos é exatamente o mesmo método usado para nos ensinar a falar para nós mesmos. Somos
ensinados compulsiva e inflexivelmente, e esta é a maneira de parar: compulsiva e inflexivelmente.
A Roda do Tempo, pág. 253

DOM JUAN DEFINIU SILÊNCIO INTERIOR como um estado especial de ser, em que
pensamentos são cancelados e pode-se funcionar a partir de um outro nível que não o da
consciência cotidiana. Enfatizou que o silêncio interior significa a suspensão do diálogo interno -
o eterno companheiro dos pensamentos e, portanto, era um estado de profunda quietude.
- Os antigos feiticeiros - Dom Juan disse - o chamavam de silêncio interior, porque é o estado em
que a percepção não depende dos sentidos. O que está funcionando durante o silêncio interior é
outra faculdade que o homem tem, a faculdade que o torna um ser mágico, a mesma faculdade que
foi restringida não pelo homem propriamente dito, mas por alguma influência estrangeira.
- O que é essa influência estrangeira que restringe a faculdade mágica do homem? - perguntei.
- Esse é um tópico para uma explicação futura - respondeu Dom Juan -, não o assunto da nossa
discussão atual, apesar de ser realmente o aspecto mais sério da feitiçaria dos xamãs do México
antigo.
“Silêncio interior é a postura, na qual tudo deriva, na feitiçaria. Em outras palavras, tudo o que
fazemos conduz a essa postura, que como todo o resto no mundo dos feiticeiros não se revela até
que algo gigantesco nos sacuda:”
Dom Juan disse que os feiticeiros do México antigo conceberam maneiras intermináveis para
sacudi-los ou aos outros praticantes de feitiçaria até suas bases, a fim de alcançar esse cobiçado
estado de silêncio interior. Consideravam os atos mais disparatados, que podem não parecer
relacionados com a busca do silêncio interior, tais como, por exemplo, pular em cachoeiras ou
passar noites dependurado de cabeça para baixo de um galho do alto de uma árvore, como sendo os
pontos-chave para o seu aparecimento.
Seguindo a lógica dos feiticeiros do México antigo, Dom Juan afirmou categoricamente que o
silêncio interior se acumula, aumenta. No meu caso, ele lutou para guiar-me a fim de construir um
núcleo de silêncio interior em mim mesmo, e depois adicionar a ele, segundo por segundo, em
cada ocasião que o praticava. Explicou-me que os feiticeiros do México antigo descobriram que
cada indivíduo tem um limiar diferente de silêncio interior em termos de tempo, o que significa
que o silêncio interior deve ser mantido individualmente, durante o tempo de nosso limiar
específico, antes de poder funcionar.
- O que esses feiticeiros consideravam como sinais de que o silêncio interior estava funcionando,
Dom Juan? - perguntei.
- O silêncio interior funciona a partir do momento que você começa a acumulá-lo - respondeu ele. -
O que os feiticeiros antigos pretendiam era o dramático resultado final de atingir aquele limiar
individual de silêncio. Alguns praticantes muito talentosos precisam somente de alguns minutos de
silêncio para atingir a cobiçada meta. Outros, menos talentosos, precisam de longos períodos de
silêncio, talvez mais do que uma hora de completa quietude, antes de atingirem o objetivo desejado.
O resultado desejado é o que os velhos feiticeiros chamam de parar o mundo, o momento em que
tudo à nossa volta cessa de ser o que sempre foi.
«Este é o momento em que os feiticeiros voltam para a verdadeira natureza do homem - Dom Juan
continuou. - Os feiticeiros antigos também chamavam-no de liberdade total. É o momento em que o
homem escravo torna-se um ser livre, capaz de feitos de percepção que desafiam a nossa
imaginação linear."
Dom Juan assegurou-me que o silêncio interior é o caminho que leva a uma verdadeira suspensão
do julgamento - a um momento em que a informação sensorial que emana do universo em liberdade
deixa de ser interpretada pelos sentidos; o momento em que a cognição cessa de ser a força que,
através do uso e da repetição, decide a natureza do mundo.

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- Os feiticeiros precisam do ponto de ruptura para que o funcionamento do silêncio interior comece
- disse Dom Juan.- O ponto de ruptura é como a argamassa que um pedreiro coloca entre os tijolos.
Só quando a argamassa endurece é que os tijolos soltos se tornam uma estrutura.
Desde o início da nossa associação, Dom Juan incutiu em mim o valor, a necessidade, do silêncio
interior. Fiz o meu melhor para seguir as suas sugestões, acumulando silêncio interior segundo a
segundo. Não possuía meios para medir o efeito dessa acumulação, nem meios para julgar se havia
ou não atingido algum limiar. Simplesmente almejava obstinadamente acumulá-lo, não só para
agradar a Dom Juan mas porque o ato de acumulá-lo tinha se tornado, em si, um desafio.
O Lado Ativo do Infinito, pág. 131

- Não, não - disse ele rindo. - Esgotamentos nervosos são para as pessoas condescendentes com elas
mesmas. Os feiticeiros não são pessoas. O que quero dizer é que em um dado momento a
continuidade de suas vidas tem de se quebrar para que o silêncio interior comece e se torne uma
parte ativa de suas estruturas.
"É muito, muito, importante - Dom Juan continuou - que você mesmo deliberadamente chegue a
esse ponto de ruptura, ou que você o crie artificial e inteligentemente."
- O que você quer dizer com isso, Dom Juan? - perguntei, preso ao seu intrigante raciocínio.
- O seu ponto de ruptura - disse ele - é interromper a sua vida como você a conhece. Você fez tudo
o que eu lhe disse, obediente e precisamente. Se você é talentos o, nunca o demonstra. Esse parece
ser o seu estilo. Você não é lento, mas age como se fosse. Você é bem seguro de si, mas age como
se fosse inseguro. Você não é tímido e, apesar disso, age como se tivesse medo das pessoas. Tudo
em você aponta para um único ponto: sua necessidade de quebrar tudo isso, desapiedadamente.
- Mas de que maneira, Dom Juan? O que você tem em mente? - perguntei, verdadeiramente
frenético.
- Acho que tudo se reduz a um ato - disse ele. - Você deve deixar seus amigos. Deve dizer adeus a
eles, para sempre. Não é possível para você continuar no caminho dos guerreiros levando sua
história pessoal com você, e, a não ser que você interrompa seu modo de viver, não serei capaz de
continuar com as minhas instruções.
- Ora, ora!, Dom Juan - eu disse -, preciso fazer fincapé. Você está me pedindo muito. Para ser
franco, não acho que possa fazer isso. Meus amigos são a minha família, são os meus pontos de
referência.
- Exatamente, exatamente - observou ele. - São os seus pontos de referência. Portanto, deve deixá-
los. Os feiticeiros só têm um ponto de referência: o infinito.
- Mas como você quer que eu proceda, Dom Juan? - perguntei com voz queixosa. Seu pedido estava
me encostando na parede.
- Você deve simplesmente partir - disse de maneira natural. - Parta da maneira que puder.
- Mas partir para onde? - perguntei.
- Minha recomendação é que alugue um quarto num da daqueles hotéis baratos que conhece - disse
ele. - Quanto mais feio o lugar, melhor. Se o quarto tiver carpete verde desbotado, cortinas verdes
desbotadas e paredes verdes desbotadas, melhor ainda, um lugar comparável com aquele hotel que
uma vez lhe mostrei em Los Angeles.
Ri nervosamente ao lembrar da ocasião quando estava passando com Dom Juan por uma parte
industrial de Los Angeles, onde havia vários armazéns e hotéis dilapidados para hóspedes
transitórios. Um hotel em particular chamou a atenção de Dom Juan porque tinha um nome
bombástico: Eduardo Sétimo. Paramos do outro lado da rua por um momento para olhá-lo.
- Aquele hotel ali - disse Dom Juan apontando para ele é para mim a verdadeira representação da
vida na terra para a pessoa comum. Se você tiver sorte, ou for insensível, vai conseguir um quarto
com vista para a rua, onde verá essa procissão interminável da miséria humana. Se você não tiver
tanta sorte nem tanta insensibilidade, terá um quarto interno, com janelas para a parede do prédio
vizinho. Pense em passar a vida toda dividido entre essas duas vistas, invejando a vista da rua se

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estiver no quarto interno e invejando a vista da parede se estiver no quarto que dá para a rua,
cansado de olhar para fora.
A metáfora de Dom Juan me incomodou infinitamente, pois eu a tinha compreendido
completamente.
Mas perante a possibilidade de ter de alugar um quarto em um hotel comparável ao Eduardo
Sétimo, não sabia o que dizer, nem para onde ir.
- O que você quer que eu faça lá, Dom Juan? - perguntei.
- Um feiticeiro usa um lugar como esse para morrer - disse ele, olhando-me fixamente, sem
pestanejar. - Você nunca esteve só em sua vida. Chegou a hora de ficar só. Você ficará naquele
quarto até morrer.
Seu pedido me deu medo, mas ao mesmo tempo me fez rir.
- Não que eu vá fazê-lo, Dom Juan - disse eu -, mas qual será o critério para saber que estou morto?
A não ser que você realmente queira que eu morra fisicamente.
- Não - disse ele. - Não quero que seu corpo morra fisicamente. Quero que a sua pessoa morra. As
duas coisas são muito diferentes. Na essência, a sua pessoa tem muito pouco a ver com o seu corpo.
Sua pessoa é a sua mente, e, acredite-me, a sua mente não é sua.
- Que tolice é essa, Dom Juan, que a minha mente não é minha? - ouvi a mim mesmo perguntando
com um tom de voz nervoso.
- Falarei sobre esse assunto um dia - disse ele -, mas não enquanto você estiver amparado pelos seus
amigos.
"O critério que indica que um feiticeiro está morto é quando não faz diferença para ele se tem
companhia ou se está só. O dia em que você não almejar a companhia dos seus amigos, que você
utiliza como escudo, nesse dia a sua pessoa morre. O que me diz? Você está pronto?"
- Não consigo, Dom Juan - eu disse. - É inútil tentar mentir para você. Não posso deixar os meus
amigos.
- Perfeitamente certo - disse ele, imperturbável. A minha afirmação não pareceu afetá-lo em nada. -
Não serei capaz de falar mais com você, mas vamos dizer que no tempo em que passamos juntos
você aprendeu muita coisa. Aprendeu coisas que vão torná-lo muito forte, independentemente de
você voltar ou de se perder ao longe.
Bateu nas minhas costas e me disse adeus. Virou-se e simplesmente desapareceu entre as pessoas na
praça, como se tivesse se fundido com elas. Por um instante, tive a sensação estranha de que as
pessoas na praça fossem como uma cortina que ele abrira e desaparecera atrás. O fim chegara, como
todo o resto no mundo de Dom Juan: rápido e imprevisível. De repente, isso estava sobre mim, eu
estava no meio dessa angústia e nem mesmo sabia como tinha entrado nela.
O Lado Ativo do Infinito, pág. 133

Cada um de nós faz a mesma coisa. Uma vez, eu próprio fugi do mundo dos feiticeiros e precisei
quase morrer para perceber a minha estupidez. O importante é chegar ao ponto de ruptura, seja de
que maneira for, e é exatamente isso o que você fez. O silêncio interior está se tornando real para
você, e é por essa razão que estou aqui na sua frente, conversando com você. Entende o que estou
dizendo?
Achei que compreendia o que ele queria me dizer. Pensei que ele havia intuído ou lido, como lia
coisas no ar, que eu estava nas últimas e que ele tinha vindo me salvar.
- Você não tem tempo para perder - disse ele. - Deve dissolver o seu negócio dentro de uma hora,
porque uma hora é o tempo que posso esperar; não porque não queira esperar, mas porque o infinito
está me pressionando impiedosamente. Digamos que o infinito dá a você uma hora para que você se
cancele a si mesmo. Para o infinito, o único empreendimento que vale a pena para o guerreiro é a
liberdade. Qualquer outro empreendimento é fraudulento. Você consegue dissolver tudo em uma
hora?
Não precisava lhe assegurar que eu podia. Sabia que precisava fazê-lo. Dom Juan disse então que,
uma vez que tivesse conseguido dissolver tudo, iria me esperar no mercado de uma cidade no

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México. No meu esforço para pensar na dissolução de meu negócio, passei por cima do que estava
me dizendo. Ele repetiu, e claro pensei que estava brincando.
- Como posso chegar a esse povoado, Dom Juan? Quer que eu vá de carro, ou tome um avião? -
perguntei.
- Dissolva o seu negócio primeiro - ordenou ele. - Então a solução virá. Mas lembre-se, esperarei
você só por uma hora.
Saiu do apartamento, e eu febrilmente me esforcei para dissolver tudo o que tinha. É claro que levei
mais de uma hora, mas não me detive para considerar isso, porque uma vez que havia começado a
dissolução do negócio, o movimento seguiu com o impulso. Foi só quando terminei que enfrentei o
verdadeiro dilema. Percebi que fracassara totalmente. Estava sem um negócio e sem a possibilidade
de chegar a Dom Juan.
Fui para minha cama e busquei o único consolo em que podia pensar: a quietude, o silêncio. Para
facilitar o advento do silêncio interior, Dom Juan me havia ensinado uma maneira de sentar-me na
cama, com os joelhos dobrados e as solas dos pés tocando-se, as mãos sobre os tornozelos
empurrando-os para manter os pés juntos. Ele tinha me dado uma cavilha grossa, que sempre levava
comigo não importava aonde fosse. Media uns trinta e cinco centímetros de comprimento, e servia
para apoiar o peso de minha cabeça, se eu me debruçasse e colocasse a cavilha no chão entre os
meus pés, e depois colocasse a outra extremidade, que era acolchoada, no ponto do meio da minha
testa. Cada vez que eu adotava essa posição, dormia em questão de segundos.
Devo ter adormecido com a minha facilidade usual, pois sonhei que estava na cidade, no México,
onde Dom Juan dissera para ir encontrá-lo. Sempre fiquei intrigado com essa cidade. O mercado
funcionava uma vez por semana, e os fazendeiros que viviam na região traziam os seus produtos
para serem vendidos. O que mais me fascinava nela era a rua pavimentada que chegava até o
mercado, que, nas muitas entradas da cidade, subia uma colina íngreme. Sentei-me muitas vezes no
banco perto da barraquinha que vendia queijo e ficava olhando para aquela colina. Via as pessoas
que chegavam à cidade com seus burros e cargas, primeiro apareciam as suas cabeças; à medida que
se aproximavam via mais os seus corpos, até o momento em que chegavam ao topo da colina e
então surgiam de corpo inteiro. Sempre me parecia que eles estavam emergindo da terra, devagar ou
muito rapidamente, dependendo da velocidade que andavam. No meu sonho, Dom Juan estava
esperando por mim na barraca de queijo. Aproximei-me dele.
- Você conseguiu isso a partir do seu silêncio interior - disse ele batendo nas minhas costas. - Você
atingiu o seu ponto de ruptura. Por um momento, eu tinha começado a perder a esperança. Mas
fiquei firme, sabendo que você iria conseguir.
Naquele sonho nós fomos dar um passeio. Estava tão contente, como jamais estivera. O sonho era
tão vivo, tão terrivelmente real, que me deixou sem nenhuma dúvida de que eu havia resolvido o
problema, mesmo que minha resolução tivesse sido um sonho-fantasia.
Dom Juan riu, movendo a cabeça. Definitivamente havia lido o meu pensamento.
- Você não está num simples sonho - disse ele -, mas quem sou eu para dizê-lo? Você saberá por si
mesmo, um dia, que não há sonhos no silêncio interior, porque você escolherá saber isso.
O Lado Ativo do Infinito, pág. 142

Uma noite, estava sentado em minha escrivaninha preparando-me para a minha atividade diária de
escrever. Senti-me grogue por um momento. Pensei que estava me sentindo tonto porque tinha me
levantado muito rápido da minha esteira, onde fazia meus exercícios. Minha visão ficou embaçada.
Vi pontos amarelos na frente dos meus olhos. Pensei que fosse desmaiar. A sensação de desmaio
piorou. Havia uma enorme mancha vermelha na minha frente. Comecei a respirar fundo, tentando
acalmar a agitação que estava causando essa distorção visual. Fiquei extraordinariamente
silencioso, ao ponto de perceber que estava rodeado por uma escuridão impenetrável. O pensamento
de que eu desmaiara cruzou a minha mente. Entretanto, podia sentir a cadeira, minha escrivaninha;
eu conseguia sentir tudo à minha volta, de dentro da escuridão que me cercava.

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Dom Juan dissera que os feiticeiros de sua linhagem consideravam que um dos resultados mais
almejados do silêncio interior era a interação específica de energia, que sempre se anuncia através
de uma forte emoção. Sentia que as minhas recordações eram o meio de me agitar ao extremo, onde
eu experimentaria essa interação. Tal interação se manifestava em termos de tonalidades que eram
projetadas em qualquer horizonte no mundo da vida cotidiana, seja uma montanha, o céu, uma
parede ou simplesmente as palmas das mãos. Explicara que essa interação de tonalidades começa
com a aparição de uma tênue pincelada lavanda no horizonte. Com o tempo, essa pincelada lavanda
começa a se expandir até cobrir o horizonte visível, como as nuvens de uma tempestade que se
aproxima.
Assegurou-me que, saindo das nuvens de cor lavanda, surge um ponto de um vermelho cor de romã,
peculiar, rico. Disse que à medida que os feiticeiros se tornam mais disciplinados e experientes, o
ponto cor de romã se expande e finalmente explode em pensamentos ou visões, ou no caso do
homem letrado, em palavras escritas; os feiticeiros têm visões engendradas por energia, ouvem
pensamentos sendo enunciados por palavras, ou lêem palavras escritas.
Naquela noite, em minha escrivaninha, não vi nenhuma pincelada lavanda, nem vi nenhuma nuvem
se aproximando. Sabia que eu não tinha a disciplina de que os feiticeiros precisam para tal interação
com a energia, mas eu tinha um enorme ponto vermelho-romã na minha frente. Esse ponto enorme,
sem qualquer preliminar, explodiu em palavras desassociadas que eu lia como se estivessem numa
folha de papel saindo de uma máquina de escrever. As palavras se moviam com tal velocidade na
minha frente que era impossível ler alguma coisa. Ouvi então uma voz descrevendo-me algo.
Novamente, a velocidade da voz era imprópria para os meus ouvidos. As palavras eram truncadas,
tornando impossível ouvir alguma coisa que fizesse sentido.
Como se não bastasse, comecei a ver cenas levemente doentias, como as que se vê em sonhos,
depois de uma refeição pesada. Eram barrocas, escuras, sinistras. Comecei a me contorcer e
continuei assim até que fiquei enjoado. A cena inteira terminou aí. Senti o efeito do que me ocorrera
em cada músculo do meu corpo. Estava exausto. Essa intervenção violenta me fez ficar irritado e
frustrado.
Corri para a casa de Dom Juan para contar-lhe esse acontecimento. Senti que mais do que nunca
precisava de sua ajuda.
- Não há nada suave sobre os feiticeiros e a feitiçaria - Dom Juan comentou depois de ouvir minha
história. - Essa foi a primeira vez que o infinito desceu sobre você de tal forma. Foi como uma
ofensiva surpresa, uma tomada total das suas faculdades. Em relação à velocidade de suas visões,
você mesmo vai precisar aprender a se ajustar a elas. Para alguns feiticeiros, isso é um trabalho para
a vida toda. Mas de agora em diante, a energia vai aparecer para você como se estivesse sendo
projetada numa tela de cinema.
"Se você entender ou não a projeção, é outro assunto. Para se fazer uma interpretação exata, você
precisa de experiência. Minha recomendação é que você não seja tímido, e deve começar agora.
Leia energia na parede! Sua mente verdadeira está emergindo, e não tem nada a ver com a mente
que é a instalação forânea. Deixe a sua mente verdadeira ajustar a velocidade. Fique em silêncio,
não se atormente, aconteça o que acontecer:
- Mas, Dom Juan, tudo isso é possível? Pode-se mesmo ler a energia como se fosse um texto? -
perguntei, completamente oprimido por essa idéia.
- Claro que é possível! - retrucou ele. - No seu caso, não só é possível, como está acontecendo.
- Mas por que ler como se fosse um texto? - insisti, mas era apenas uma insistência retórica.
- Isso é uma afetação de sua parte - disse ele. - Se você ler o texto, poderá repeti-lo literalmente.
Entretanto, se tentar ser um observador do infinito em vez de um leitor do infinito, perceberá que
não poderia descrever o que está observando, e acabaria balbuciando futilidades, incapaz de
verbalizar o que testemunha. A mesma coisa se tentar ouvir. Isso, claro, é específico para você. De
qualquer forma, o infinito escolhe. O guerreiro-viajante simplesmente aquiesce com a escolha.

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"Mas acima de tudo - acrescentou ele, depois de uma pausa calculada - não fique dominado pelo
evento porque não consegue descrevê-lo. Esse é um evento que está além da sintaxe de nossa
linguagem."
O Lado Ativo do Infinito, pag. 215

Tive a sensação de que Dom Juan estava me preparando para algo, porque sabia que essas histórias
eram um prato cheio para mim, por assim dizer. Naquela época, eu tinha um senso exagerado de
justiça e igualdade social.
- As circunstâncias a sua volta fizeram com que fosse possível para você ter mais energia -
continuou ele. - Você começou a recapitulação de sua vida; olhou para seus amigos pela primeira
vez como se estivessem numa vitrine; chegou ao seu ponto de ruptura, completamente sozinho,
levado pelas suas próprias necessidades; se desfez do seu negócio; e acima de tudo acumulou
suficiente silêncio interior. Tudo isso fez com que fosse possível para você fazer essa viagem
através do mar escuro da consciência.
"Essa viagem foi encontrar-me naquela cidade de nossa escolha. Sei que uma pergunta crucial
quase veio à tona e por um instante você se questionou se eu realmente vim à sua casa. Minha vinda
para vê-lo não foi um sonho para você. Eu era real, não era?"
- Você era tão real como qualquer outra coisa pode ser eu disse.
Tinha quase me esquecido daqueles eventos, mas lembrei que me pareceu estranho que ele tivesse
encontrado o meu apartamento. Tinha descartado minha surpresa pelo simples processo de presumir
que ele tinha perguntado meu novo endereço para alguém, mesmo que, se eu tivesse sido
pressionado, não poderia ser capaz de me lembrar da identidade de alguém que saberia dizer onde
eu morava.
- Vamos esclarecer esse ponto - continuou ele. - Nos meus termos, que são os termos dos feiticeiros
do México antigo, eu era tão real quanto possível e como tal realmente fui até o seu lugar, vindo do
meu silêncio interior, para lhe contar sobre o requisito do infinito, para preveni-lo de que o seu
tempo estava acabando. E você, por sua vez, do seu silêncio interior, verdadei ramente foi para
aquela cidade de nossa escolha, para me contar que você tinha conseguido preencher os requisitos
do infinito.
"Nos seus termos, que são os termos do homem comum, eu era um sonho-fantasia nos dois casos.
Você teve um sonho-fantasia em que fui até o seu lugar sem saber o endereço, e você teve um
sonho-fantasia em que foi me ver. Ao que me concerne, como feiticeiro, o que você considera o seu
sonho-fantasia de me encontrar naquela cidade foi tão real como estarmos aqui conversando hoje."
Confessei a Dom Juan que não havia possibilidade de enquadrar aqueles eventos num padrão de
pensamento adequado para o homem ocidental. Disse que pensar neles em termos de sonho-fantasia
era criar uma falsa categoria que não poderia sustentar-se face a um escrutínio e que a única quase
explicação, que era vagamente possível, era outro aspecto do seu conhecimento: o sonhar.
- Não, não é sonhar - disse ele enfaticamente. - Isto é algo mais direto e mais misterioso. Aliás,
tenho uma nova definição de sonhar para você hoje, mais de acordo com seu estado de ser. Sonhar é
o ato de mudar o ponto de ligação com o mar escuro da consciência. Se você olhar para isso dessa
forma, é um conceito e uma manobra muito simples. Requer tudo de você para percebê-lo, mas não
é uma impossibilidade nem algo cercado de nuvens místicas.
"Sonhar é um termo que sempre me incomodou muito, porque enfraquece um ato muito poderoso.
Faz com que pareça arbitrário; dá uma sensação de ser uma fantasia, e isso é a única coisa que não
é. Tentei mudar o termo eu mesmo, mas ele está muito arraigado. Talvez algum dia você mesmo
possa mudá-lo, apesar de que, como em tudo na feitiçaria, temo que quando você realmente puder
fazê-lo não se importará mais com isso porque não fará mais nenhuma diferença como chamá-lo."
O Lado Ativo do Infinito, pag. 218

- O que você gostaria que eu fizesse, Dom Juan? - perguntei.

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- Você deve deliberadamente viajar através do mar escuro da consciência - respondeu ele -, mas
você nunca saberá como isso é feito. Digamos que o silêncio interior faz isso, seguindo maneiras
inexplicáveis, maneiras que não podem ser compreendidas, somente praticadas.
Dom Juan me fez sentar na minha cama e adotar a posição que favorecia o silêncio interior.
Geralmente eu adormecia instantaneamente sempre que adotava essa posição. Entretanto, quando
estava com Dom Juan, sua presença sempre impedia que eu caísse no sono; em vez disso, eu
entrava num verdadeiro estado de completa quietude. Dessa vez, depois de um instante de silêncio,
me vi andando. Dom Juan estava me guiando, segurando o meu braço, enquanto caminhávamos.
Não estávamos mais na sua casa; estávamos caminhando numa cidade yaqui que eu nunca vira
antes.
O Lado Ativo do Infinito, pag. 218

- Você está perdendo o seu tempo - Dom Juan disse rindo. - Garanto que nunca saberá como nós
fomos de casa até a cidade yaqui, e da cidade yaqui para a estação ferroviária e de lá para casa.
Houve uma quebra na continuidade do tempo. Isso é o que o silêncio interior faz.
Pacientemente ele me explicou que a interrupção do fluxo de continuidade que torna o mundo
compreensível para nós é feitiçaria. Comentou que naquele dia eu viajara através do mar escuro da
consciência, e que tinha visto as pessoas como elas são, envolvidas em seus afazeres. E depois eu
vira o fio de energia que une as linhas específicas dos seres humanos.
Dom Juan reiterou repetidas vezes que eu testemunhara algo específico e inexplicável. Eu tinha
compreendido o que as pessoas falavam, sem saber o seu idioma, tinha visto o fio de energia que
conecta os seres humanos a outros seres e tinha selecionado aqueles aspectos através de um ato de
intento. Enfatizou o fato de que esse intento que eu fizera não era algo consciente nem volitivo; o
intento tinha sido feito a um nível profundo e tinha sido regido pela necessidade. Eu precisava me
tornar consciente de algumas das possibilidades de viajar através do mar escuro da consciência, e
meu silêncio interior tinha guiado o intento - a força perene no universo - para preencher essa
necessidade.
O Lado Ativo do Infinito, pag. 230

- Hoje vamos procurar alguns seres inorgânicos - anunciou ele.


Dom Juan ordenou que eu me sentasse na minha cama e adotasse mais uma vez a posição que
induzia o silêncio interior. Segui seus comandos com facilidade incomum. Normalmente, eu teria
ficado relutante, talvez não abertamente, mas de qualquer modo eu sentiria uma pontada de
relutância. Tive uma vaga idéia que no momento em que me sentei já estava em um estado de
silêncio interior. Meus pensamentos não estavam mais claros. Senti uma escuridão impenetrável
me cercando, fazendo-me sentir como se estivesse adormecendo. Meu corpo estava completamente
imóvel, ou porque eu não tinha a intenção de dar qualquer comando para que ele se movesse ou
porque eu simplesmente não podia formulá-lo.
Um momento mais tarde, encontrei-me com Dom Juan, caminhando no deserto de Sonora.
Reconheci o lugar; estivera lá com ele tantas vezes que memorizei cada característica do lugar.
Era o final do dia, e a luz do pôr-do-sol causava em mim um sentimento de desespero. Eu
caminhava automaticamente, consciente de que estava sentindo no meu corpo sensações que não
vinham acompanhadas de pensamentos. Não estava descrevendo para mim mesmo o meu estado de
ser. Queria contar isso para Dom Juan, mas o desejo de comunicar minhas sensações corporais se
dissipou em um segundo.
Dom Juan disse, muito lentamente, num tom baixo, grave, que o leito seco do rio no qual
andávamos era o lugar mais apropriado para nosso objetivo no momento, e que eu deveria sentar-
me sobre uma pequena rocha sozinho, enquanto ele foi sentar-se numa outra rocha, uns quinze
metros de distância. Não perguntei a Dom Juan, como normalmente fazia, o que eu deveria fazer.
Eu sabia o que tinha de fazer. Ouvi então o roçar de passos de

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pessoas que andavam pelos arbustos escassos espalhados ao redor. Ali não havia umidade
suficiente para que fossem frondosos. Alguns arbustos fortes cresciam lá, a talvez uns três a cinco
metros de distância uns dos outros.
Vi então dois homens se aproximando. Pareciam ser do local, talvez índios yaquis de um dos
povoados yaquis da redondeza. Vieram e mantiveram-se perto de mim. Um deles,
desinteressadamente, perguntou como eu estava. Queria sorrir para ele, rir, mas não podia. Meu
rosto estava extremamente rígido. Mas eu estava esfuziante. Queria dar pulos, mas não podia.
Disse-lhe que estava bem. Então perguntei-lhes quem eram. Disse que não os conhecia, mas ao
mesmo tempo sentia uma extraordinária familiaridade com eles. Um dos homens disse, com
naturalidade, que eles eram os meus aliados.
Olhei fixamente para eles, tentando memorizar suas feições, mas suas feições mudaram. Pareciam
se amoldar ao meu modo de olhar. Não havia pensamentos envolvidos. Tudo era guiado por
sensações viscerais. Encarei-os, longamente, o suficiente para eliminar completamente as suas
feições, e, finalmente, estava olhando para duas bolhas brilhantes de luminosidade que vibravam.
As bolhas de luminosidade não tinham limites. Pareciam se sustentar coesivamente a partir do
interior. Às vezes elas se achatavam ou se alargavam. Depois voltavam de novo para sua
verticalidade, da mesma altura de um homem.
De repente, senti o braço de Dom Juan agarrando o meu braço direito e me puxando da rocha. Disse
que era hora de irmos. No instante seguinte, eu estava de novo em sua casa, no México central, mais
desnorteado do que nunca.
- Hoje, você encontrou a consciência inorgânica, e depois viu como ela realmente é - disse ele. -
Energia é o resíduo irredutível de tudo. Até onde nos concerne, ver a energia diretamente é o ponto
máximo para um ser humano. Talvez haja outras coisas além disso, mas não estão disponíveis para
nós.
O Lado Ativo do Infinito, pag. 244

- Você já fez tudo isso antes! - Dom Juan disse rindo, quando eu lhe contei a minha experiência
inusitada. - Só duas coisas são novas. Uma é que você agora percebeu energia por si só. O que você
fez foi parar o mundo, e então você percebeu que sempre viu a energia fluindo no universo, como
todo ser humano percebe mas sem se dar conta disso deliberadamente. A outra coisa nova é que
viajou sozinho, a partir do seu silêncio interior.
"Você sabe, sem eu precisar lhe dizer, que qualquer coisa é possível se uma pessoa parte do silêncio
interior. Dessa vez o seu medo e sua vulnerabilidade tornaram possível para você terminar na sua
cama, que não é realmente muito longe do campus da UCLA. Se você não tivesse se entregado à
sua surpresa, teria percebido que o que você fez não é nada. nada extraordinário para um guerreiro-
viajante.
"Mas a questão que é da maior importância não é saber que você sempre percebeu a energia
diretamente, ou sua viagem a partir do silêncio interior, mas, mais precisamente, uma questão
dupla. Primeiro, você experimentou algo que os feiticeiros do México antigo chamavam de visão
clara, ou perdendo a forma humana: a ocasião em que a mesquinhez humana desaparece, como se
tivesse sido um pedaço de névoa surgindo sobre nós, uma névoa que lentamente aclara e se dissipa.
Mas sob nenhuma circunstância você deve acreditar que esse é um fato consumado. O mundo dos
feiticeiros não é um mundo imutável, como o mundo da vida cotidiana, onde eles lhe dizem que
uma vez que você atinja uma meta, permanecerá vencedor para sempre. No mundo dos feiticeiros,
chegar a certas metas significa que você simplesmente adquiriu as ferramentas mais eficientes para
continuar a sua luta, que, a propósito, nunca cessará.
"A segunda parte desse assunto duplo é que você experimentou a questão mais enlouquecedor, para
o coração dos seres humanos. Você mesmo expressou-a quando se perguntou: Como, no mundo,
isso pôde ser possível sem que eu soubesse que durante toda a minha vida eu havia percebido a
energia diretamente? O que me impedia de ter acesso a essa faceta de meu ser?
O Lado Ativo do Infinito, pag. 261

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- O que estou dizendo é que o que nós temos contra nós não é um simples predador. Ele é muito
esperto e organizado. Segue um sistema metódico para nos tornar inúteis. O homem, o ser mágico
que ele está destinado a ser, não é mais mágico. É um mero pedaço de carne. Não há mais sonhos
para o homem, mas os sonhos de um animal que está sendo criado para se tornar um pedaço de
carne: banal, convencional, imbecil.
As palavras de Dom Juan estavam evocando em meu corpo uma reação estranha, semelhante à
sensação de náusea. Era como se eu fosse passar mal do estômago de novo. Mas a náusea estava
vindo do fundo do meu ser, da medula de meus ossos. Tive uma convulsão involuntária. Dom Juan
me sacudiu pelos ombros com força. Senti meu pescoço oscilando para trás e para frente sob o
impacto de suas mãos. A manobra me acalmou imediatamente. Senti-me mais controlado.
- Esse predador - Dom Juan disse -, que, claro, é um ser inorgânico, não nos é totalmente invisível,
como são os outros seres inorgânicos. Acho que quando crianças o vemos e decidimos que isso é
tão horroroso que não queremos pensar sobre isso. As crianças, claro, poderiam insistir em focalizar
essa perspectiva, mas todos à sua volta as convencem de não fazê-lo.
"A única alternativa para a humanidade é a disciplina. Disciplina é o único meio de detê-lo. Mas por
disciplina não quero dizer rotinas severas. Não quero dizer acordar cedo, às cinco e meia da manhã
e ficar jogando água fria no rosto até se tornar azul. Os feiticeiros entendem por disciplina a
capacidade de enfrentar com serenidade obstáculos que não estão incluídos nas nossas
expectativas. Para eles, disciplina é uma arte: a arte de enfrentar o infinito sem titubear, não porque
são fortes e resistentes, mas porque estão cheios de respeito e assombro."
- De que maneira a disciplina dos feiticeiros seria um meio de detê-los? - perguntei.
- Os feiticeiros dizem que a disciplina torna a capa brilhante da consciência não palatável ao voador
- disse Dom Juan, estudando meu rosto como se quisesse descobrir algum sinal de descrença. - O
resultado é que os predadores ficam desnorteados. Suponho que a capa brilhante de consciência,
que não é comestível, não faça parte de sua cognição. Depois de ficarem desnorteados, eles não têm
alternativa a não ser deixar a sua tarefa abominável.
"Se os predadores não comerem nossa capa brilhante de consciência durante um período, ela
continua crescendo. Simplificando essa questão ao extremo, posso dizer que os feiticeiros, por meio
de sua disciplina, afastam os predadores por tempo suficiente para permitir que sua capa brilhante
de consciência cresça além do nível dos seus dedos dos pés. Uma vez ultrapassado esse nível, ela
cresce de novo até seu tamanho natural. Os feiticeiros do México antigo costumavam dizer que a
capa brilhante de consciência é como uma árvore. Se não for podada, cresce até o seu tamanho e
volume naturais. À medida que a consciência atinge níveis mais altos do que os dedos dos pés, as
manobras tremendas de percepção se tornam um fato natural.
"O grande truque daqueles feiticeiros dos tempos antigos era carregar a mente dos voadores com
disciplina. Descobriram que se sobrecarregassem a mente dos voadores com silêncio interior, a
instalação forânea fugiria, dando a cada um dos praticantes envolvidos nessa manobra a certeza
total da origem estrangeira da mente. A instalação forânea volta, eu lhe asseguro, mas não tão forte,
e começa um processo no qual a fuga da mente dos voadores se torna rotina, até que um dia fogem
para sempre. Com certeza um dia triste! Esse é o dia em que você deve confiar nos seus próprios
recursos, que são quase zero. Não há ninguém para lhe dizer o que fazer. Não há nenhuma mente de
origem estrangeira para ditar as imbecilidades a que você está acostumado.
"Meu mestre, o nagual Julian, costumava prevenir os seus discípulos de que esse era o dia mais
duro na vida de um feiticeiro, pois a mente real que nos pertence, a soma total de nossas
experiências, depois de toda uma vida de dominação, tornou-se tímida, insegura e evasiva.
Pessoalmente, diria que a batalha verdadeira dos feiticeiros começa nesse momento. O resto é mera
preparação."
O Lado Ativo do Infinito, pag. 273
- Quero que você cruze as pernas e entre no silêncio interior - disse ele. - Digamos que você queira
descobrir quais artigos poderia procurar para refutar ou provar o que lhe pedi para fazer no seu meio

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acadêmico. Entre no silêncio interior, mas não adormeça. Essa não é uma jornada através do mar
escuro da consciência. Mas sim ver a partir do silêncio interior.
Foi bastante difícil para mim entrar no silêncio interior sem cair no sono. Lutei contra um desejo
invencível de adormecer. Consegui e me encontrei olhando para o fundo do vale a partir de uma
escuridão impenetrável à minha volta. E, depois, vi algo que congelou a medula dos meus ossos. Vi
uma sombra gigantesca, talvez de uns cinco metros de lado a lado, saltando no ar e aterrissando
com uma pancada surda e silenciosa. Senti a pancada nos meus ossos, mas não a ouvi.
- Elas são realmente pesadas - disse Dom Juan no meu ouvido. Estava me segurando pelo braço
esquerdo, tão forte quanto podia.
Vi algo que parecia com uma sombra de barro serpenteando no chão, e depois deu um outro salto
gigantesco, talvez de uns quinze metros, novamente aterrissando com o mesmo baque silencioso e
sinistro. Lutei para não perder minha concentração. Estava assustado além de qualquer coisa que
podia racionalmente usar como descrição. Mantive meus olhos fixos na sombra que pulava no
fundo do vale. Então ouvi um zumbido muito estranho, uma mistura do som do bater de asas e o
chiado do rádio que está fora da freqüência de uma estação, e o baque surdo que se seguiu foi algo
inesquecível. Isso sacudiu a mim e Dom Juan até os ossos - uma sombra de barro preta, gigantesca,
aterrissara a nossos pés.
- Não tenha medo - disse Dom Juan com um tom imperioso. - Mantenha seu silêncio interior e ela
irá embora.
Eu tremia da cabeça aos pés. Tinha a nítida certeza de que se não mantivesse o meu silêncio
interior vivo, a sombra de barro iria me cobrir como um cobertor e me sufocar. Sem perder a
escuridão à minha volta, gritei com toda a minha força. Nunca estivera tão bravo, tão imensamente
frustrado. A sombra de barro deu outro salto, claramente para o fundo do vale. Continuei gritando,
sacudindo as pernas. Queria afastar aquilo que queria vir me comer. Meu estado de nervosismo era
tão intenso que perdi a noção do tempo. Talvez tenha desmaiado.
Quando recuperei os sentidos, estava deitado na minha cama na casa de Dom Juan. Havia uma
toalha, ensopada de água gelada, envolta na minha testa. Estava ardendo em febre. Uma das
mulheres do grupo de Dom Juan friccionava as minhas costas, peito e testa com álcool, mas isso
não me aliviava. O calor que sentia vinha de dentro de mim. Fora gerado pela ira e pela impotência.
Dom Juan ria como se o que estava me acontecendo fosse a coisa mais engraçada do mundo. Suas
gargalhadas saíam como enxurradas, sem parar.
O Lado Ativo do Infinito, pag. 283

- Não se preocupe com verbalizações - disse Dom Juan. - Você verbalizará tudo o que quiser no
devido tempo. Hoje, deve agir a partir do seu silêncio interior, a partir do que sabe sem saber. Você
sabe perfeitamente o que deve fazer, mas seu conhecimento não está ainda formulado em seus
pensamentos.
No nível de pensamentos ou sensações concretas, tudo o que eu tinha eram sentimentos vagos de
saber algo que não era parte de minha mente. Tinha, então, a sensação mais clara de ter dado um
enorme passo para baixo; algo parece que caiu dentro de mim. Quase como um solavanco. Sabia
que entrara num outro nível de consciência naquele momento.
Dom Juan disse-me então que era obrigatório que o guerreiro-viajante dissesse adeus para todas as
pessoas que deixava para trás. Deve dizer adeus numa voz alta e clara para que seu grito e seus
sentimentos permaneçam para sempre registrados naquelas montanhas.
Hesitei por um longo tempo, não por timidez mas porque eu não sabia quem incluir nos meus
agradecimentos. Tinha internalizado completamente o conceito dos feiticeiros de que o guerreiro-
viajante não pode dever nada a ninguém.
Dom Juan tinha incutido um axioma de feiticeiros em mim: "Os guerreiros-viajantes pagam
elegantemente, generosamente e com inigualável facilidade cada favor, cada serviço prestado a eles.
Dessa maneira, livram-se do peso de estar endividados."

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Tinha pago, ou estava em processo de pagar, a todos que me honraram com seus cuidados ou
preocupações. Tinha recapitulado minha vida a tal ponto que não deixara nem uma pedra sem tocar.
Naquela época, acreditava verdadeiramente que não devia nada a ninguém. Expressei minhas
crenças e hesitações para Dom Juan.
Dom Juan disse que com certeza eu tinha recapitulado minha vida minuciosamente, mas
acrescentou que eu estava longe de estar livre de dívidas.
- E os seus fantasmas? - continuou ele. - Aqueles que não pode mais tocar?
Ele sabia o que estava falando. Durante minha recapitulação, contei-lhe cada incidente de minha
vida. Das centenas de incidentes que lhe relatei, ele isolara três como exemplos de dívidas que
contraí no início de minha vida, e somado a isso minha dívida para com a pessoa que tinha sido
fundamental para que eu o encontrasse. Agradeci ao meu amigo profusamente, e tive a sensação de
que algo lá fora reconheceu os meus agradecimentos. Os outros três permaneceram histórias de
minha vida, histórias de pessoas que me deram um presente inconcebível, a quem eu nunca
agradecera.
O Lado Ativo do Infinito, pag. 294

"Um guerreiro sabe que o que dá sentido à vida é o desafio da morte. E a morte é uma questão
pessoal. É um desafio para cada um de nós que somente os guerreiros de coração aceitam. Desse
ponto de vista, as inquietudes das pessoas são apenas egomania".
Carlos insistiu para que não perdêssemos de vista que o compromisso de um guerreiro é com o que
chamou "o puro entendimento" - um estado de ser que surge do silêncio interior-, não com os
apegos transitórios da modalidade da época em que foi destinado a viver. Sustentou que o interesse
social é uma descrição que nos implantaram. Não parte de um desenvolvimento natural da
consciência. Mas é produto da mente coletiva, do desajuste emocional, do medo e dos sentimentos
de culpa, do desejo de dirigir os outros ou sermos dirigidos.
Encontros Com o Nagual, pág. 22

"Podemos começar com as coisas mais evidentes, como por exemplo: por que me levo tão a sério?
Quão apegado estou? A que dedico meu tempo? Estas são coisas que nós podemos começar a
mudar, acumulando energia suficiente para liberar um pouquinho de atenção. E isso, por sua vez,
permitirá que entremos mais no exercício.
"Por exemplo, em vez de passar horas a fio vendo televisão, indo fazer compras ou conversando
com nossos amigos sobre coisas transcendentais, nós poderíamos dedicar uma pequena parte desse
tempo para fazermos exercícios físicos, recapitular nossa história ou então ir sozinhos a um parque,
tirar os sapatos e caminhar descalços na grama. Parece algo simples, mas com essas práticas nosso
panorama sensorial se redimensiona. Recuperamos algo que sempre esteve aí e que tínhamos dado
por perdido.
"A partir dessas pequenas mudanças, podemos analisar elementos mais difíceis de detectar, nos
quais nossa vaidade se projeta até a demência. Por exemplo: quais são minhas convicções? Eu me
considero imortal? Sou especial? Mereço que me considerem? Este tipo de análise entra no campo"
das crenças, a mera fortaleza dos sentimentos. Assim devem empreender essa análise através do
silêncio interno, estabelecendo um fervoroso compromisso com a honestidade. Caso contrário, a
mente fará uso de todo tipo de justificativas".
Carlos acrescentou que estes exercícios devem ser feitos com um sentido de alarme, porque,
verdadeiramente, trata-se de sobreviver a um poderoso ataque.
"Percebam que a importância pessoal é um veneno implacável. Nós não temos tempo e o antídoto é
a urgência. É agora ou nunca!
Encontros com o Nagual, pág. 39

"Uma vez que testemunhamos a totalidade da existência como níveis de energia, vemos que há algo
mais aí, um propósito ulterior, certa regra de ação que organiza tudo. Os bruxos identificam esse

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propósito com uma vontade suprema e impessoal com a qual conseguem sintonizar através do
silêncio interior. Naturalmente, um homem de conhecimento com tal ferramenta à sua disposição
combina as coisas do modo mais apropriado para sua energia. Uma energia transbordante e serena é
a marca do bruxo que vê".
Encontros Com o Nagual, pág. 66

"A voz do espírito nos fala a todos por igual, mas não percebemos. Estamos tão ocupados com
nossos pensamentos que em vez de fazer silêncio e escutar, preferimos recorrer a todo o tipo de
subterfúgios. Por isso existem os convocadores".
Perguntaram lhe o que era um convocador.
"É um recurso da atenção, uma maneira de aceder a outro nível de consciência. Podemos usar quase
qualquer coisa para sintonizar o espírito, pois ele está por trás de tudo o que existe. Mas algumas
coisas nos atraem com mais força que outras.
Em geral, as pessoas têm suas orações, suas rezas e amuletos ou elaboram rituais privados e
coletivos. Os bruxos da velha guarda eram propensos ao misticismo; eles usavam a astrologia,
oráculos e conjuros, varas mágicas, qualquer coisa que enganasse a vigilância da razão.
"Mas, para os novos videntes, esses recursos são um desperdício e ocultam um perigo: podem
desviar a atenção da pessoa que, em vez de se focalizar em seu vínculo imediato com o espírito,
termina por se acostumar ao símbolo. Os guerreiros atuais preferem métodos menos ostentosos.
Don Juan recomendava intentar diretamente o silêncio interior".
Enfatizando as palavras, especificou que a bruxaria é a arte do silêncio.
"O silêncio é uma passagem entre os mundos. Ao calar nossa mente, emergem aspectos incríveis de
nosso ser. A partir desse momento, a pessoa se torna um veículo do intento e todos os seus atos
começam a exsudar poder.
Encontros Com o Nagual, pág. 89

"Todos vivemos em uma cadeia de intensidade a qual nós chamamos 'tempo'. Como não divisamos
sua fonte, tampouco paramos para pensar no seu fim. Enquanto somos jovens nos sentimos eternos
e, quando envelhecemos, só resta nos queixarmos pelo 'tempo perdido.' Mas isso é uma ilusão, o
tempo não se perde, somos nós que perdemos a nós mesmos!
"A sensação de que nós temos tempo é um engano que nos leva a desperdiçar energia com todo tipo
de compromissos. Quando um homem se conecta com o silêncio interno, reavalia o tempo dele.
Assim, uma outra forma de definir isto, é dizer que o
silêncio é uma aguda consciência do presente.
"Um método infalível para conseguir o silêncio é através do "não fazer", uma atividade que nós
programamos com nossa mente, mas que tem a virtude de silenciar os pensamentos uma vez que é
começado. Don Juan chamava esse tipo de técnica de 'tirar um espinho com outro'".
Apresentou como exemplos de não fazer: escutar na escuridão, trocando a prioridade de nossos
sentidos e o comando que nos força a dormir assim que nós fechamos os olhos. Também, conversar
com as plantas, parar de ponta cabeça, caminhar para trás, observar as sombras, a distância ou os
espaços entre as folhas das árvores.
"Todas essas atividades são das mais efetivas para silenciar nosso diálogo interno, mas elas têm
um defeito: não as podemos sustentar durante muito tempo. Depois de um momento, somos
forçados a recuperar nossas rotinas. Um não fazer que é exagerado, automaticamente perde o poder
e cai dentro de fazer.
"Se o que nós queremos é acumular silêncio profundo, de efeitos duradouros, o melhor não fazer é a
solidão. Junto com a economia da energia e o abandono desses que nos dão por feitos. Aprender a
estar só é o terceiro princípio prático do caminho.
"O mundo do guerreiro é a coisa mais solitária que há. Até mesmo quando vários aprendizes se
unem para viajar pelas rotas do poder, cada um sabe que está sozinho,

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que não pode esperar nada do outro nem depender de ninguém. O máximo que ele pode fazer é
compartilhar o caminho com aqueles que o acompanham.
"Estar só requer um grande esforço, porque nós ainda não aprendemos a superar o comando
genético da socialização. No princípio, o aprendiz deve ser forçado a isto pelo seu mestre, através
de armadilhas se for necessário. Mas com o tempo aprende a desfrutá-lo. É normal que os bruxos
busquem o silêncio na solidão da montanha ou do deserto e que vivam sozinhos durante longos
períodos".
Encontros com o Nagual, pág. 93

"Uma das ironias da vida moderna é que, quanto mais aumentam as comunicações, mais solitário
nos sentimos. A existência do homem comum é de uma desolação horripilante. Procura companhia,
mas não se encontra a si mesmo. O amor dele foi desvalorizado, seu sonho é pura fantasia. Sua
curiosidade natural se tornou um interesse muito pessoal e só lhe restaram os apegos.
"Por outro lado, a solidão do guerreiro é como o retiro dos enamorados, desses que procuram um
nicho remoto para escrever poemas a seu amor. E seu amor está em todos os lugares, porque é esta
terra que por tão pouco tempo veio pisar. Assim, onde quer que vá, o guerreiro se entrega a seu
romance. É natural que, às vezes, evite lidar com o mundo; o silêncio interior é solitário"-
Carlos continuou dizendo que os bruxos antigos usavam plantas de poder para parar o diálogo
interno. Mas os guerreiros atuais preferem condições menos arriscadas e mais controladas.
"Podemos obter os mesmos resultados produzidos pelas plantas quando nos colocamos contra a
parede. Ao enfrentar situações limite, como o perigo, o medo, a saturação sensorial e a agressão,
algo em nós reage e toma o controle. A mente se põe em alerta e suspende a tagarelice
automaticamente. Colocar-se a si mesmo deliberadamente nessas situações se chama espreita.
"Porém, o método favorito dos guerreiros é a recapitulação. A recapitulação para a mente de
um modo natural.
"O principal combustível de nossos pensamentos são os assuntos pendentes, as expectativas
e a defesa do ego. É muito difícil de achar uma pessoa cujo diálogo interno seja sincero; o comum
é que nós dissimulemos nossas frustrações indo até o extremo oposto. Deste modo, o conteúdo de
nossa mente se torna uma ode ao eu.
"Recapitular acaba com tudo isso. Depois de um tempo de esforço contínuo, algo cristaliza
aí dentro. O diálogo habitual fica incoerente, incômodo; não existe outro remédio senão pará-lo.
Encontros Com o Nagual, pág. 95

Perguntaram-lhe se mover o ponto de aglutinação também atrai o silêncio.


Respondeu:
"É ao contrário. O silêncio interno induz deslocamentos do ponto de aglutinação, que são
cumulativos. Uma vez alcançado certo umbral, o silêncio pode por si mesmo mover o ponto a
grande distância, mas não antes".
Explicou que a força do consenso coletivo tem certa inércia, que varia de pessoa para pessoa de
acordo com suas características energéticas. A resistência da descrição do mundo pode ir de uns
segundos a uma hora ou mais; contudo, não é eterno. Vencê-la por meio de um intento contínuo é o
que os bruxos chamam de "chegar ao limiar do silêncio".
"Essa ruptura se sente fisicamente, como um ruído na base do crânio ou como o som de um sino. A
partir daí, é uma questão de quanta força foi acumulada.
"Há aqueles que param o diálogo por alguns segundos e imediatamente se assustam, começam a se
perguntar coisas ou a descrever a si mesmos o que sentem. Outros aprendem a permanecer nesse
estado durante horas ou dias, e inclusive o empregam para atividades úteis. Como exemplo, vocês
têm os meus livros; por exigências de Don Juan, eu os escrevi a partir de um estado básico de
silêncio. Mas os bruxos com experiência vão ainda mais longe, eles podem entrar de forma
definitiva no outro mundo.

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"Conheci um guerreiro que vivia quase permanentemente ali. Quando eu lhe perguntava algo, ele
respondia o que estava vendo, sem se preocupar que essa resposta fosse coerente com minha
pergunta. Vivia mais além de minha sintaxe. Do meu ponto de vista de aprendiz, ele evidentemente
estava louco!
"Apesar de ser indefinível, podemos medir o silêncio pelos seus resultados. Seu efeito final, o que
os bruxos procuram com avidez, é que ele nos sintoniza com uma dimensão magnífica de nosso ser,
onde temos acesso a um conhecimento instantâneo e total que não é composto de razões, mas de
certezas. As velhas tradições descrevem esse estado como 'o reino do céu', mas os bruxos o
preferem chamar por um nome menos pessoal: o conhecimento silencioso.
Encontros com o Nagual, pág. 96

Quando eu o vi novamente, admiti que embora já levasse um bom tempo tentando seguir seu
conselho, ainda não notava nenhum avanço significativo quanto à realização de um estado de
silêncio interior. Pelo contrário, tinha notado que meus pensamentos estavam mais agitados e
confusos do que nunca.
Explicou que essa sensação era uma conseqüência normal da prática.
"Como todo novato, você está tentando classificar o silêncio como um elemento a mais de seu
inventário de crenças.
"O objetivo de seu inventário foi de fazer com que se desse conta do peso que têm os nossos
preconceitos. Usamos quase toda a energia disponível para sustentar um esquema do mundo, e
conseguimos isso por meio de sugestões conscientes ou inconscientes.
"Quando um aprendiz é liberado dessa prisão, a sensação que tem é que caiu em um oceano de paz
e silêncio. Não importa que fale, cante, chore ou medite, essa sensação permanece.
"Nas primeiras fases do caminho é muito difícil de encarar o silêncio como prática, pois assim que
nós descobrimos a ausência de pensamentos, surge uma voz travessa que nos felicita pelo logro.
Isso automaticamente rompe o estado.
"O problema ocorre porque você confunde o objetivo dos bruxos com um ideal. O conceito de
'silêncio' é demasiado tênue para uma mente como a sua, acostumada às classificações. É óbvio que
você pensou no exercício em termos auditivos, como falta de som. Mas não é assim.
"O que os bruxos querem é algo mais simples. Eles tentam resistir às sugestões, só isso. Se você
pode ser o dono de sua mente e pensar corretamente, sem preconceitos nem falsas convicções, você
poderá cancelar a parte doméstica de sua natureza. Uma realização suprema.
Caso contrário, você nem mesmo vai entender o que é o exercício.
"Uma vez que aprendemos a eliminá-los, sem nos batermos com eles, nem prestar-lhes qualquer
tipo de atenção, os comandos da mente ficarão em nosso interior durante algum
tempo e depois partirão. Assim, não se trata de 'tirá-los' dali, mas de matá-los de aborrecimento.
"Para alcançar esse estado você tem que sacudir seu inventário de idéias. Eu pedi que você
começasse por suas crenças, mas teria funcionado igual se, por exemplo, você listasse todas as suas
relações e afetos, ou os elementos mais atrativos de sua história pessoal, ou suas esperanças,
objetivos e preocupações, ou seu gostos, preferências e aversões. O importante é que você se dê
conta de seus esquemas de pensamento.
"A magia de todo o inventário está baseado na ordem de seus componentes. Quando nós sacudimos
essa ordem, quando falta alguma das peças que nós sempre damos por certo, todo o esquema
começa a desmoronar. Assim se dá com as rotinas da mente; você muda um parâmetro e de repente
há uma porta aberta onde deveria ter uma parede, e isso muda tudo. A mente se estremece!
"Isso é o que você tem experimentado como uma ativação extraordinária de seu diálogo interior.
Antes você nem mesmo o notava, mas agora você sabe que está aí'. Algum dia essa presença será
tão pesada que você fará algo a esse respeito. Nesse dia você deixará de ser um homem comum e
normal e se tornará um bruxo".
Encontros Com o Nagual, pág. 111

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