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DOI: 10.1590/1413-81232018236.

04722018 1929

Envelhecer no Brasil: a construção de um modelo de cuidado

ARTIGO ARTICLE
Aging in Brazil: the building of a healthcare model

Renato Peixoto Veras 1


Martha Oliveira 1

Abstract The article discusses the development Resumo O artigo aborda o desenvolvimento de
of a health care model for the elderly, seeking to um modelo de atenção à saúde do idoso, buscan-
add to the discussion about the aging of the pop- do colaborar com a discussão sobre o envelheci-
ulation in the context of a new epidemiological mento populacional trazida pela nova realidade
and demographic scenario. Considering that the epidemiológica e demográfica. Considerando que
aging process in Brazil is relatively recent, more o processo de envelhecimento no Brasil é relativa-
relevant social movements have been described in mente recente, foram descritos movimentos sociais
the construction of health policies directed towards mais relevantes na construção das políticas de
the elderly. After an initial description of the main saúde voltadas ao idoso. Após a fase descritiva dos
milestones, we present the model of care considered marcos, apresentou-se o modelo considerado mais
most appropriate for the best care of the elderly. adequado ao melhor cuidado. A partir de uma
Based on a critical analysis of health care models análise crítica sobre os modelos de atenção à saúde
for the elderly, the article proposes an approach to para idosos, o artigo apresenta uma proposta de
care for this age group, focusing on health promo- linha do cuidado para esse segmento, tendo como
tion and prevention, in order to avoid overloading foco a promoção e a prevenção da saúde, de modo
the health system. Integrated care models aim to a evitar a sobrecarga do sistema de saúde. Os mo-
solve the problem of fragmented and poorly coor- delos de cuidados integrados visam resolver o pro-
dinated care in current health systems. The more blema dos cuidados fragmentados e mal coorde-
the healthcare professional knows the history of nados nos sistemas de saúde atuais. Quanto mais
his patient, the better the results; this is how con- o profissional conhecer o histórico do seu paciente,
temporary and resolutive models of care should melhores serão os resultados; assim devem fun-
work, and it is these that are recommended by the cionar os modelos contemporâneos e resolutivos
most important national and international health de cuidado recomendados pelos mais importantes
agencies. This article is particularly concerned organismos nacionais e internacionais de saúde.
1
Universidade Aberta da with a care model that is of higher quality, and is Um modelo de cuidado de maior qualidade, mais
Terceira Idade, Instituto more resolutive and cost-effective. resolutivo e com melhor relação custo-efetividade
de Medicina Social, Key words Health policies for the elderly, Human é a preocupação deste texto.
Universidade do Estado
do Rio de Janeiro. R. São aging, Elderly, Prevention of diseases, Care line Palavras-chave Políticas de saúde para o idoso,
Francisco Xavier 524/10º, Envelhecimento humano, Idoso, Prevenção de do-
Maracanã. 22261-001 enças, Linha de cuidado
Rio de Janeiro RJ Brasil.
unativeras@gmail.com
1930
Veras RP, Oliveira M

Introdução Temos de encontrar os meios para: incorpo-


rar os idosos em nossa sociedade, mudar con-
Um dos maiores feitos da humanidade foi a am- ceitos já enraizados e utilizar novas tecnologias,
pliação do tempo de vida, que se fez acompanhar com inovação e sabedoria, a fim de alcançar de
da melhora substancial dos parâmetros de saúde forma justa e democrática a equidade na distri-
das populações, ainda que essas conquistas es- buição dos serviços e facilidades para o grupo
tejam longe de se distribuir de forma equitativa populacional que mais cresce em nosso país3.
nos diferentes países e contextos socioeconômi- Essas questões estavam na pauta mundial há
cos. Chegar à velhice, que antes era privilégio de muitos anos. As Nações Unidas, através de sua
poucos, hoje passa a ser a norma mesmo nos pa- Assembleia Geral, convocou a primeira Assem-
íses mais pobres. Esta conquista maior do século bleia Mundial sobre o Envelhecimento em 1982,
XX se transformou, no entanto, no grande desa- que produziu o Plano de Ação Internacional de
fio para o século atual. Viena sobre o Envelhecimento. Este documento
O envelhecimento da população não basta representa a base das políticas públicas do seg-
por si só. Viver mais é importante desde que se mento em nível internacional e apresenta as di-
consiga agregar qualidade aos anos adicionais de retrizes e os princípios gerais que se tornaram
vida. Este fenômeno, do alongamento do tempo referência para a criação de leis e políticas em
de vida, ocorreu inicialmente em países desenvol- diversos países, evidenciando o envelhecimento
vidos, porém, mais recentemente, é nos países em populacional como tema dominante no século
desenvolvimento que o envelhecimento da popu- XXI. O Plano apresenta recomendações refe-
lação tem ocorrido de forma mais acentuada. No rentes a sete áreas: saúde e nutrição; proteção ao
Brasil, o número de idosos (≥ 60 anos de idade) consumidor idoso; moradia e meio ambiente;
passou de 3 milhões em 1960, para 7 milhões em bem-estar social; previdência social; trabalho e
1975, e 14 milhões em 2002 (um aumento de educação e família4.
500% em quarenta anos) e deverá alcançar 32 Já em 1991 foram aprovados, na Assembleia
milhões em 2020. Em países como a Bélgica, por Geral da ONU, os Princípios das Nações Unidas
exemplo, foram necessários cem anos para que a em prol das Pessoas Idosas, através da Resolução
população idosa dobrasse de tamanho. Um dos no 46/91, que se revestiu de fundamental impor-
resultados dessa dinâmica é a demanda crescente tância para a consolidação do norteamento das
por serviços de saúde1. políticas para idosos. Os princípios direcionam
Aliás, este é um dos desafios atuais: escassez e/ para respostas frente aos desafios do processo de
ou restrição de recursos para uma demanda cres- envelhecimento com novos conceitos versando
cente. O idoso consome mais serviços de saúde, sobre independência, participação, cuidados, au-
as internações hospitalares são mais frequentes e torrealização e dignidade.
o tempo de ocupação do leito é maior quando No ano seguinte, a Conferência Internacio-
comparado a outras faixas etárias. Esse fato é de- nal sobre o Envelhecimento reuniu-se para dar
corrência do padrão das doenças dos idosos, que seguimento ao Plano de Ação, adotando a Pro-
são crônicas e múltiplas, e exigem acompanha- clamação do Envelhecimento. Seguindo a reco-
mento constante, cuidados permanentes, medi- mendação da Conferência, a Assembleia Geral da
cação contínua e exames periódicos2. ONU declarou 1999 o Ano Internacional do Ido-
so. Constatou-se um reflexo imediato, nos anos
Marco internacional das políticas 90, dessas assembleias e reuniões internacionais,
para o idoso através da transformação da representação do
idoso, que deixou de ser visto como vulnerável e
Os fatores demográfico e epidemiológico não dependente, passando a dispor de uma imagem
foram os únicos desafios para a Saúde Pública. ativa e saudável.
Há outros, como reconhecidos pela Organização A ação a favor do envelhecimento continuou
Mundial da Saúde: em 2002, quando a Segunda Assembleia Mun-
a) Como manter a independência e a vida ati- dial das Nações Unidas sobre o Envelhecimento
va com o envelhecimento? foi realizada em Madri. Objetivando desenvolver
b) Como fortalecer políticas de prevenção e uma política internacional para o envelhecimen-
promoção da saúde, especialmente aquelas volta- to no século XXI, a Assembleia adotou uma De-
das para os idosos? claração Política e o Plano de Ação Internacio-
c) Como manter e/ou melhorar a qualidade nal sobre o Envelhecimento de Madri. O Plano
de vida com o envelhecimento? de Ação pedia mudanças de atitudes, políticas
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e práticas em todos os níveis para satisfazer as Europa, por exemplo, idosos são aqueles com 65
enormes potencialidades do envelhecimento no anos ou mais). Esta Política também sofreu in-
século XXI. Suas recomendações específicas dão fluência das discussões nacionais e internacionais
prioridade às pessoas mais velhas, melhorando sobre a questão do envelhecimento, evidencian-
sua saúde e bem-estar, assegurando habilitação do não só o idoso como um sujeito de direitos,
e ambientes de apoio: “Uma sociedade para to- mas preconizando um atendimento de maneira
das as idades possui metas para dar aos idosos diferenciada em suas necessidades físicas, sociais,
a oportunidade de continuar contribuindo com econômicas e políticas. Essa lei foi resultado de
a sociedade. Para trabalhar neste sentido, é ne- discussões e consultas por todo o país, com am-
cessário remover tudo que representa exclusão e pla participação de idosos, gerontólogos e a so-
discriminação contra eles”5. ciedade civil em geral.
A Política Nacional de Saúde do Idoso
Marco legal das políticas (PNSI), criada através da Portaria nº 1395/1999,
para o idoso no Brasil do Ministério da Saúde (MS), visou à promo-
ção do envelhecimento saudável, à prevenção de
A concepção que predominava no Brasil, no doenças, à recuperação da saúde, à preservação/
início do século XX, era a de segregação das pes- melhoria/reabilitação da capacidade funcional
soas idosas, originando a prática de internações dos idosos com a finalidade de assegurar-lhes
em asilos, que proliferaram nesse período, numa sua permanência no meio e sociedade em que vi-
lógica que oculta aspectos sociais, políticos e eco- vem, desempenhando suas atividades de maneira
nômicos. independente8. Nesta política estão definidas as
Os anos 1960 inauguraram um trabalho pio- diretrizes norteadoras de todas as ações no setor
neiro no Serviço Social do Comércio (SESC), saúde, e indicadas as responsabilidades institucio-
voltado para pessoas idosas, em um cenário no nais para o alcance da proposta. Além disso, ela
qual predominava o assistencialismo. O primeiro orienta o processo contínuo de avaliação que deve
reflexo no Brasil, no que se refere às mudanças acompanhar seu desenvolvimento, considerando
radicais da visão do envelhecimento impactando possíveis ajustes determinados pela prática.
a legislação, foi na Constituição Federal promul- Na PNSI foram definidas várias diretrizes
gada em 1988, na qual os movimentos consti- ainda bem atuais. Há ênfase na promoção do
tuintes imprimiram o conceito de “participação envelhecimento saudável voltado ao desenvolvi-
popular”. mento de ações que orientem a melhoria de suas
A Constituição reverteu a política assisten- habilidades funcionais, mediante a adoção pre-
cialista em curso na década de 1980, adquirindo coce de hábitos saudáveis de vida, a eliminação
“uma conotação de direito de cidadania”, acres- de comportamentos nocivos à saúde, além de
centando que essa década representou um perío- orientação aos idosos e seus familiares quanto
do rico para a organização dos idosos e a comu- aos riscos ambientais favoráveis a quedas. Tam-
nidade científica, com a realização “de inúmeros bém menciona a importância da manutenção
seminários e congressos, sensibilizando dessa da capacidade funcional com vistas à prevenção
forma os governos e a sociedade para a questão de perdas funcionais, reforço de ações dirigidas
da velhice”. A garantia dos direitos dos idosos na para a detecção precoce de enfermidades não
Constituição Federal está expressa em diversos transmissíveis, com a introdução de novas me-
artigos, versando sobre irredutibilidade dos sa- didas, como antecipação de danos sensoriais, uti-
lários de aposentadoria e pensões, garantia do lização de protocolos para situações de risco de
amparo pelos filhos, gratuidade nos transportes quedas, alteração de humor e perdas cognitivas,
coletivos e benefício de um salário-mínimo para prevenção de perdas dentárias e outras afecções
aqueles sem condições de sustento. A influência da cavidade bucal, prevenção de deficiências
das diretrizes e orientações internacionais na nutricionais, avaliação das capacidades e perdas
Constituição Federal são evidentes6,7. funcionais no ambiente domiciliar e prevenção
A Política Nacional do Idoso, Lei nº 8842, do isolamento social.
sancionada em 1994, nasceu com concepção Fato relevante é que esta Política de Saúde
avançada para sua época, mas não conseguiu ser foi realizada em articulação com o Ministério da
aplicada em sua totalidade. Esta lei também prio- Educação e com as instituições de ensino supe-
rizou o convívio em família em detrimento do rior (IES), como forma de viabilizar a instalação
atendimento asilar, e definiu como pessoa idosa dos Centros Colaboradores de Geriatria e Geron-
aquela maior de 60 anos de idade (em países da tologia, e da capacitação de recursos humanos
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Veras RP, Oliveira M

em saúde do idoso, de acordo com as diretrizes O movimento dos aposentados, no Brasil, se


fixadas. destaca na luta pelo reajuste do valor das aposen-
A PNSI passou pelo crivo da Organização tadorias, que começa a perder poder de compra
Pan-Americana de Saúde, em abril de 1999, onde aceleradamente, coincidindo com a implantação
se realizou um seminário de três dias para uma do modelo neoliberal. A primeira grande mobi-
ampla discussão de inúmeros técnicos da área do lização que deu visibilidade à causa dos idosos,
envelhecimento. Após as correções advindas des- aposentados e pensionistas ocorreu por ocasião
se encontro, o texto foi submetido e aprovado no da Constituinte de 1988. Idosos de todas as par-
Ministério da Saúde na Reunião Ordinária da Co- tes do Brasil demonstraram sua força política nas
missão dos intergestores tripartites, em setembro galerias do Congresso e Praça dos Três Poderes.
de 1999, que contou com a presença de secretá- O movimento dos 147% (diferença no reajuste
rios estaduais e municipais de Saúde, além do Mi- de quem ganhava acima de um salário-mínimo),
nistério da Saúde. Em 11 de novembro de 1999, foi emblemático na organização dos aposenta-
foi submetida à instância máxima do Ministério dos, sendo considerado seu ápice. Foi pautado
da Saúde, na 92a Reunião Ordinária, quando o pela mídia de maneira constante e positiva, o que
documento foi aprovado por unanimidade, fato contribuiu para multiplicar as adesões ao movi-
raro para o Conselho Nacional de Saúde do Mi- mento e dar visibilidade às mazelas do envelheci-
nistério da Saúde. A PNSI foi promulgada pelo mento. O movimento foi vitorioso, culminando
Ministro da Saúde, Dr. Jose Serra, através da Por- com a vitória judicial, o que possibilitou uma
taria nº 1395, em 9 de dezembro de 1999, sendo ampliação do processo de empoderamento dos
publicada no Diário Oficial da União em 13 de aposentados. Mas esta estratégia continha em si
dezembro de 1999. seu contrário, pois propiciou também um esva-
A crítica a essa proposta, por alguns segmen- ziamento do movimento após a efetivação das
tos, era sobre o academicismo do documento, conquistas financeiras.
da forma hermética em que estava redigido e da A saúde sempre foi uma pauta importante.
distância das proposições do documento para a Em 2006 foi instituída, pela Portaria nº 2528/
realidade dos municípios brasileiros, ainda em es- GM, de 19 de outubro de 2006, a Política Na-
tágio incipiente na discussão do envelhecimento cional de Saúde da Pessoa Idosa (PNSPI)11. Esta
humano. De todo modo, o documento teve gran- nova política de saúde voltada para o idoso foi
de repercussão, foi muito citado, e um livro foi uma resposta, talvez necessária, à política ante-
publicado sobre a Política de Saúde para o Idoso9. rior do Ministério de 1999, pois ela manteve to-
Paralelamente a este fato, os movimentos de dos os itens inovadores de sua antecessora, mas
aposentados e pensionistas e o Fórum Nacional se preocupando com a implementação das ações
do Idoso mobilizaram-se durante um longo perí- e indicando as responsabilidades institucionais
odo, desde 1997, visando à aprovação do Estatuto para o alcance da proposta. Além disso, ela orien-
do Idoso, mas reivindicando barrar artigos inde- tou o processo continuo de avaliação que deveria
sejáveis e propondo emendas. Apesar da mobili- acompanhar seu desenvolvimento, considerando
zação, a correlação de forças do movimento não possíveis ajustes determinados pela prática.
permitia que o Estatuto saísse do papel. Somente A PNSPI, à semelhança da PNSI, teve por ob-
no dia 1º de outubro de 2003 o Estatuto é sancio- jetivo permitir um envelhecimento saudável, o
nado, o que pode ser considerado como um dos que significa preservar sua capacidade funcional,
efeitos da II Assembleia de Madri. sua autonomia e manter o nível de qualidade de
O Estatuto representa um passo importante vida, em consonância com os princípios e diretri-
da legislação brasileira na sua adequação às orien- zes do Sistema Único de Saúde (SUS), que dire-
tações do Plano de Madri, cumprindo o princípio cionam medidas individuais e coletivas em todos
referente à construção de um entorno propício os níveis de atenção à saúde.
e favorável para as pessoas de todas as idades. O
Estatuto do Idoso possui 118 artigos que consoli- O momento atual
dam os direitos conferidos pelas diversas leis fe-
derais, estaduais e municipais, referentes à saúde, O idoso tem particularidades bem conheci-
à educação, à cultura, ao esporte e ao lazer, à pro- das – mais doenças crônicas e fragilidades, mais
fissionalização e ao trabalho, à previdência social, custos, menos recursos sociais e financeiros. En-
à assistência social, à habitação, ao transporte, à velhecer, ainda que sem doenças crônicas, envol-
fiscalização de entidades de atendimento e à tipi- ve alguma perda funcional. Com tantas situações
ficação de crimes contra a pessoa idosa10. adversas, o cuidado do idoso deve ser estrutura-
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do de forma diferente da que é realizada para o modelo de cuidado focado no idoso e em suas
adulto mais jovem. necessidades e características15.
A atual prestação de serviços de saúde frag- O modelo é estruturado em cinco níveis,
menta a atenção ao idoso, com multiplicação de conforme apresentado na Figura 1. Devemos
consultas de especialistas, informação não com- considerar, no entanto, que os níveis 1 a 3 são
partilhada, inúmeros fármacos, exames clínicos e as instâncias leves, ou seja, de custos menores e
imagens, entre outros procedimentos. Sobrecar- compostas basicamente pelo cuidado dos pro-
rega o sistema, provoca forte impacto financeiro fissionais de saúde, todos bem treinados, e da
em todos os níveis e não gera benefícios signi- utilização de instrumentos epidemiológicos de
ficativos para a saúde, nem para a qualidade de rastreio e tecnologias de monitoramento de saú-
vida12. de. O esforço deve ser realizado para manter os
Um dos problemas da maioria dos modelos pacientes nesses níveis leves, visando preservar
assistenciais vigentes decorre do foco exclusivo sua qualidade de vida e sua participação social.
na doença. Mesmo quando se oferece um progra- Já as instâncias 4 e 5, as instâncias pesadas,
ma com uma lógica de antecipação dos agravos, são de alto custo. Nelas se situam o hospital e
as propostas são voltadas prioritariamente para as unidades de longa permanência. O empenho
a redução de determinada moléstia, esquecendo deve ser para tentar reabilitar o paciente e trazê
que numa doença crônica já estabelecida o ob- -lo para as instâncias leves, apesar de isso nem
jetivo não deve ser a cura, mas a busca da esta- sempre ser possível. Busca-se, portanto, perma-
bilização do quadro clínico e o monitoramento necer com o idoso nos três primeiros níveis de
constante, de forma a impedir ou amenizar o de- cuidado, com vistas a preservar sua qualidade de
clínio funcional13. vida e reduzir os custos.
Estudos evidenciam que a atenção deve ser A meta é concentrar nessas instâncias mais
organizada de maneira integrada, e os cuidados de 90% dos idosos18. Sabemos que nem sempre
precisam ser coordenados ao longo do percurso é possível manter todos nas instâncias leves, mas
assistencial, numa lógica de rede desde a entra- é importante reforçar que, ao se falar que deseja-
da no sistema até os cuidados ao fim da vida14. mos que os idosos fiquem nas instâncias iniciais
Os adequados modelos de atenção à saúde para do modelo, não se trata de impedir sua progres-
idosos, portanto, são aqueles que apresentam são nas instâncias mais pesadas. A utilização do
uma proposta de linha de cuidados, com foco em hospital, por exemplo, deve ser uma exceção, se
ações de educação, promoção da saúde, preven- possível pelo menor tempo, e para tal organiza-
ção de doenças evitáveis, postergação de molés- mos a estratégia do cuidado integral e do moni-
tias, cuidado precoce e reabilitação15. toramento intenso.
O modelo deve ser baseado na identificação Os modelos de atenção para este segmento
precoce dos riscos de fragilização dos usuários. etário precisam ser centrados na pessoa, consi-
Uma vez identificado o risco, a prioridade é a derando suas necessidades especiais. O cuidado
reabilitação precoce, a fim de reduzir o impacto deve ser gerenciado desde a entrada no sistema
das condições crônicas na funcionalidade – bus- até o fim da vida, com acompanhamento cons-
ca-se intervir antes de o agravo ocorrer. A ideia tante, pois os idosos possuem especificidades
é monitorar a saúde, não a doença; a intenção é decorrentes de doenças crônicas, de fragilidades
postergar a doença, a fim de que o idoso possa orgânicas e sociais19.
usufruir seu tempo a mais de vida com qualida- A reprodução gráfica do modelo auxilia na
de. Assim, a melhor estratégia para um adequado compreensão de aspectos importantes do mode-
cuidado do idoso é utilizar a lógica de permanen- lo proposto. A entrada através do Nível 1 (acolhi-
te acompanhamento da sua saúde, tê-lo sempre mento) garante um acesso consciente da atenção
sob observação, variando apenas os níveis, a in- ofertada. A porta de entrada é, portanto, mo-
tensidade e o cenário da intervenção16. mento crucial para estabelecimento da empatia
e da confiança, elementos fundamentais para a
O modelo proposto fidelização do usuário ao projeto.
O Nível 2 é o local de integração das várias
Para que tudo pelo qual lutamos e preconi- ações de educação, promoção e prevenção de
zamos seja colocado em prática na saúde, é ur- saúde com profissionais através das equipes de
gente um redesenho do modelo de cuidado ao saúde da família para idosos com baixo risco,
idoso no Brasil17. Com base em estudos nacionais centro de convivência e conveniência, serviços
e internacionais, construímos a proposta de um de reabilitação, serviços de apoio ao cuidado e
1934
Veras RP, Oliveira M

Legenda:
Nível 1 - Acolhimento
Nível 2 - Núcleo Integrado de Cuidado: Ambulatório Clínico, Centro Dia, entre outras instâncias de Cuidado.
Nível 3 - Ambulatório de Geriatria: Atenção Domiciliar complexidade 1 e 2
Nível 4 - Curta duração: Atenção Domiciliar nº 3, Emergência, Hospital, Hospital Dia e Cuidados Paliativos.
Nível - Longa Duração: Unidade de Reabilitação, Residência Assistida e a Instituição de Longa Permanência de Idosos (ILPI)

Devemos considerar que os níveis 1 a 3, em cinza, como as instâncias leves, ou seja, de custo menores e composta basicamente
pelo cuidado dos profissionais de saúde, bem treinados. O esforço deve ser realizado por manter os pacientes nestes níveis
leves, visando preservar sua qualidade de vida e particpação social.
Já as instâncias em preto, as pesadas, são de alto custo e é onde se situam o hospital e as demais unidades de curta e longa
permanência. O esforço deve ser realizado para tentar reabilitá-lo e trazê-lo para as instâncias leves, apesar de nem sempre ser
possível.
Desde modo, todo o esforço deve ser realizado para permanecer com o idoso nos 3 primeiros níveis de cuidado, com vista a
manter sua qualidade de vida e de reduzir os custos.

Figura 1. Modelo brasileiro de cuidado integrado ao idoso.

ao autocuidado, apoio à família; é onde o idoso é terapêutico, construído coletivamente e discuti-


apresentado ao seu gerente de acompanhamento. do com a equipe de saúde e o gerente de acompa-
No Nível 3 (Ambulatório Geriátrico), desta- nhamento. Neste nível também é o local onde se
camos a importância da equipe multidisciplinar localiza a organização do atendimento domiciliar
composta por médico, enfermeiro e assistente e a reabilitação.
social, que realizam a avaliação geriátrica multi- Outro diferencial importante do modelo é a
dimensional que permitirá intervenções específi- proposição de registrar os “percursos assisten-
cas quando necessário. Esta avaliação considera ciais” do paciente por meio de um sistema de in-
aspectos médicos, de cuidados, de suporte social, formação amplo e de qualidade, que registre não
de meio ambiente, cognitivos, afetivos, de crenças somente a evolução clínica da pessoa idosa, mas
religiosas e econômicas que constituem o plano também sua participação em ações de prevenção,
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individuais ou coletivas, assim como o apoio do se evidencia ao observar o modelo inglês, o Na-
gerente de acompanhamento (navegador) e as tional Health Service (NHS), que tem como figu-
chamadas telefônicas realizadas via GerontoLine ra central de organização os general practitioners
- denominação que damos ao call-center qualifi- (GP), médicos generalistas com alta capacidade
cado e resolutivo, com pessoal treinado e qualifi- resolutiva, que permitem estabelecer a fidelização
cado. Adotamos esse nome para o serviço porque do paciente com o referido profissional. O mo-
desejamos que o contato telefônico entre pa- delo americano, por sua vez, opta pelo encami-
cientes e profissionais se realize, e que haja total nhamento para inúmeros médicos especialistas.
compartilhamento da informação com a equipe Estamos falando de dois países ricos, de grande
e uma avaliação mais integral do indivíduo. tradição na medicina, que utilizam modelos di-
Um importante esclarecimento refere-se ao ferentes e proporcionam resultados também bas-
médico do paciente. A centralidade deste modelo tante distintos21.
se dá por meio do médico gestor ou médico assis-
tente, profissional condutor do processo. Caso ele
precise de um parecer ou considere que necessita Conclusão
da intervenção de um médico que domine uma
área específica, encaminhará seu paciente para Em síntese, um modelo de atenção à saúde do
um especialista. A condução do caso, no entanto, idoso que se pretenda eficiente deve aplicar to-
é responsabilidade do generalista. Após a con- dos os níveis de cuidado, isto é, possuir um fluxo
sulta com o especialista, tudo será registrado no bem desenhado de ações de educação, promoção
prontuário único do paciente e este voltará para da saúde, prevenção de doenças evitáveis, poster-
seu médico20. gação de moléstia, cuidado o mais precocemente
Nos projetos internacionais, o médico gene- possível e reabilitação de agravos. Essa linha de
ralista ou de família absorve integralmente para cuidado se inicia na captação, no acolhimento e
si de 85% a 90% dos seus pacientes, sem neces- no monitoramento do idoso e somente se encer-
sidade da ação de um médico especialista. Além ra nos momentos finais da vida, na unidade de
disso, o médico assistente pode utilizar os profis- cuidados paliativos.
sionais de saúde com formações específicas (em Assim, para colocar em prática todas as ações
Nutrição, Fisioterapia, Psicologia ou Fonoaudio- necessárias para um envelhecimento saudável e
logia). Portanto, o idoso terá uma gama muito com qualidade de vida, é preciso repensar e re-
maior de profissionais ao seu dispor, mas é o mé- desenhar o cuidado ao idoso, com foco nesse
dico assistente quem indica e encaminha. indivíduo e em suas particularidades. Isso trará
Importante também frisar que no Brasil há benefícios não somente aos idosos, mas também
um excesso de consultas realizadas por especia- qualidade e sustentabilidade ao sistema de saúde
listas. Isso ocorre porque o modelo atual de assis- brasileiro.
tência prioriza a fragmentação do cuidado, como

Colaboradores

RP Veras participou da concepção do artigo, do


desenho da pesquisa, da orientação do estudo,
da análise dos dados, da redação e da revisão do
artigo. M Oliveira participou da coleta, análise e
discussão dos dados, da revisão bibliográfica e
participou da redação do artigo.
1936
Veras RP, Oliveira M

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