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A RACIONALIDADE ARGUMENTATIVA DA FILOSOFIA E

A DIMENSÃO DISCURSIVA DO TRABALHO FILOSÓFICO


TESE, VERDADE, ARGUMENTO, VALIDADE E SOLIDEZ

1. TESE
Uma tese é uma resposta a um problema que está em aberto.
Por seu turno, um problema está em aberto quando, devido à sua
dificuldade, não dispõe de soluções consensuais, impedindo que o debate
se encerre.

Uma tese filosófica é então, uma resposta a algum problema filosófico.


Devido ao seu carácter geral e fundamental, os problemas da filosofia não
têm respostas consensuais, permanecendo SEMPRE em aberto.
Vejamos: Não é consensual que nunca devemos mentir;
Não é consensual que não há justiça social sem igualdade.
Geralmente, as teses articulam-se com outras teses que as suportam
ou complementam, formando TEORIAS.
É habitual as TEORIAS serem identificadas pela sua tese principal, que é
normalmente expressa por uma frase declarativa.

Os filósofos costumam chamar proposições ao que é expresso pelas frases


declarativas.

Apenas estas servem para os filósofos, uma vez que, as frases


interrogativas, imperativas, exclamativas ou compromissivas, não servem
para descrever ou transmitir informação sobre o que pensamos ser o
mundo.
Perguntar (interrogativas), ordenar (imperativas), exprimir emoções
(exclamativas) e fazer promessas (compromissivas) não servem para
informar sobre como são ou não as coisas.
Frases declarativas como:

Lisboa é a capital de Portugal;


Mentir é sempre errado;
Todas as nossas ações são livres;
Os gatos são felinos…

descrevem e transmitem ideias (por vezes erradamente) das


coisas, pelo que, independentemente da sua VERDADE ou
FALSIDADE, uma proposição é uma ideia expressa por uma
frase declarativa.
A declaração é, pois, um item linguístico (formado por sons
articulados), sendo a proposição (o que é expresso pela declaração), o
seu significado ou conteúdo.

Vejamos a seguinte frase declarativa:


O gato Tobias está a comer – Esta frase informa que um certo gato está
a comer.

Se esse gato estiver de facto a comer, a frase será verdadeira.


Se, pelo contrário, o gato não estiver a comer, será falsa.

Deste ponto de vista, dizer que uma frase é verdadeira ou falsa


equivale a dizer que a proposição por ela expressa é verdadeira ou
falsa.
Mas, FRASE e PROPOSIÇÃO não são as mesma coisa.
Para tornar mais clara a diferença entre frases e proposições, basta pensar que
frases diferentes podem exprimir a mesma proposição.

Vejamos as seguintes frases:


Paris é a capital da França;
A capital da França é Paris;
Paris is the capital town of France.

Estas frases são todas diferentes mas dizem a mesma coisa, têm o mesmo
significado, isto é, exprimem a mesma proposição exprimindo, neste caso,
uma proposição verdadeira.

Ora, as discussões filosóficas nunca são acerca das frases, mas das ideias
verdadeiras ou falsas que elas veiculam.
2. VERDADE
O que se espera de uma tese é que seja verdadeira.

A verdade de uma tese (ou de qualquer proposição) é a característica de


ela representar as coisas tal como elas realmente são.

Caso isso não aconteça, essa tese ou proposição é falsa.

Vejamos:
A proposição de que há extraterrestres só é verdadeira se realmente eles
existirem, independentemente de nós o sabermos ou não.

Do mesmo modo, a tese filosófica que defende a arte como representação


de algo só é verdadeira se houver obras de arte que representem algo,
caso contrário, é falsa.
À VERDADE ou FALSIDADE das PROPOSIÇÕES dá-se o
nome de VALOR DE VERDADE.
As proposições são ou verdadeiras ou falsas, mas NUNCA as
duas coisas.
Como as teses filosóficas são respostas a problemas em
aberto e estão sujeitas a discussão, isso significa que não há
maneira de provar inequivocamente que uma dada tese é
verdadeira (ou falsa).
Vejamos:
Ou se defende ou se refuta a existência de Deus
Espera-se, por isso, que o filósofo proponente de
uma determinada tese, seja capaz de defender a sua
verdade, apresentando boas razões que sustentem e
justifiquem a CRENÇA de que a sua tese é verdadeira.

Assim, apresentar razões que sustentem uma tese é


argumentar a seu favor, de modo a persuadir os
outros.
3. ARGUMENTO

Um argumento é um conjunto variável de proposições (ou afirmações) articuladas


entre si, com o intuito de uma delas ser apoiada pelas outras.

A proposição que se procura defender é a conclusão do argumento e as proposições


que visam apoiar a conclusão são as premissas do argumento.

Ex: P1 - Todo A é B;
P2 - Todo B é C;
P3 - Todo C é D;
Conclusão - Todo A é D

O número de premissas de um argumento é variável, mas a conclusão é só uma.


É comum, num texto, haver vários argumentos e é importante avaliar e
identificar cada um deles, pois tanto podem ser bons como maus.

Como identificar um argumento?


A partir da sua conclusão, isto é, o que se está a defender.

Expressões indicadoras de conclusão:


Logo, então, portanto, consequentemente, por isso, daí que, por
conseguinte, infere‐se que, como tal, assim.

Expressões indicadoras de razões ou premissas:


Porque, se, pois, dado que, visto que, devido a, já que, a razão é que.
Exemplo A:

Exemplo B
Importante:
Uma vez identificados os argumentos a favor de uma
dada tese ou contra teses rivais, é ainda preciso
averiguar se tais argumentos são aceitáveis ou não.

Como?
Averiguando dois aspetos:
1. A relação entre as premissas e a conclusão;
2. A credibilidade das premissas.
4. VALIDADE
Um argumento é válido quando ele não passa de premissas verdadeiras para
uma conclusão falsa.

Dito de outro modo, quando as premissas apoiam de maneira forte uma


conclusão isso significa que não há maneira da conclusão ser falsa.

As premissas implicam, portanto, a conclusão ou, para falar ainda de outra


maneira, significa que a conclusão segue-se logicamente das premissas.

Vejamos:

P1 – Todo o homem é mortal

P2 – Sócrates é homem

C – Sócrates é mortal
Como vimos, num argumento válido, a verdade
das premissas garante a verdade da conclusão.

Dito de outra maneira:


Num argumento válido:

a) É impossível todas as premissas serem verdadeiras e a


conclusão falsa;
b) A conclusão não pode ser falsa, se todas as premissas forem
verdadeiras;
c) A conclusão tem de ser verdadeira, se todas as premissas
forem verdadeiras.
Contudo,
Um argumento tanto pode ter premissas verdadeiras como conclusão falsa, como até
premissas e conclusão falsa.

Vejamos:
P1 - Todo o homem é imortal (Falsa)
P2 - Sócrates é homem (Verdadeira)
C - Logo, Sócrates é imortal (Falsa - Inválida)

Neste caso, raciocinamos corretamente mas a nossa conclusão é falsa, logo, INVÁLIDA.

Ora e porquê?
Precisamente porque alguma das premissas de que partimos é falsa.

A VALIDADE do argumento depende, portanto, da ligação que se estabelece entre as


premissas e a conclusão.
5. SOLIDEZ
Vimos que um argumento válido (do ponto de vista do raciocínio)
pode ter premissas falsas.

Precisamos, por isso, que, além de válidos, os nossos argumentos


tenham efetivamente premissas verdadeiras.

Um argumento será, portanto, SÓLIDO sempre que seja válido e com


premissas que sejam mesmo verdadeiras.

Isto é fácil de compreender - Se queremos que os nossos argumentos


sejam aceites pelos outros, não basta que as premissas de que partimos
possam ser verdadeiras; é preciso que elas sejam realmente
verdadeiras.
Ninguém estará disposto a deixar-se convencer por raciocínios
corretos que partam de premissas duvidosas.

P1 – Todo o ator é norte-americano

P2 – Joaquim de Almeida é ator

C – Joaquim de Almeida é norte-americano

Precisamos, portanto, que as premissas sejam mesmo verdadeiras,


para que os nossos argumentos sejam sólidos.
A SOLIDEZ das Teorias Filosóficas
As teorias filosóficas, para além de válidas, sólidas e cogentes (forçosamente – as premissas têm que
ser mais credíveis do que a própria conclusão) são formadas por encadeamentos de argumentos, em que
algumas teses secundárias convergem para apoiar a tese principal.

Vejamos:
Assistimos hoje em dia a inúmeras discussões sobre a moralidade das touradas.
Ocorre ocasionalmente os seguintes argumentos, pró e contra:

P1- Os animais não humanos não têm quaisquer direitos morais, pois também não têm deveres.
P2- E só tem direitos quem tem deveres.
Conclusão - Como os animais não têm deveres, logo, não têm direitos

Podemos recorrer a um argumento válido, sólido e cogente para refutar este argumento:

P1 - Se só possuísse direitos morais quem tem deveres morais, então os bebés não teriam direitos, pois não têm
quaisquer deveres.
P2 - Ora, os bebés possuem direitos, mas não têm deveres morais.
Conclusão - Logo, é falso que só possui direitos quem tem deveres.
O processo argumentativo aqui esboçado nem sempre é
transparente, pois as teorias filosóficas incluem
frequentemente muitos outros aspetos - de carácter
histórico, de contextualização filosófica, de explicitação
de conceitos, de referência a perspetivas rivais e outros.

Mais do que argumentar a favor de uma tese, alguns


filósofos optam antes por desenvolver modelos teóricos
explicativos, procurando basear esses modelos em
suposições filosóficas fundamentais.
O QUADRADO DA OPOSIÇÃO
Uma característica notória da História da Filosofia é que os filósofos discordam entre
si, chegando mesmo a defender teses opostas.

Muitas vezes os filósofos defendem teses universais várias, como:


- Todo o conhecimento tem origem nos nossos sentidos;
- Nenhuma ação motivada apenas pelo interesse pessoal é moralmente correta;
- Outros ainda negam que as coisas sejam mesmo assim, considerando falsas essas
teses.

Mas não chega dizer que não se concorda. É preciso saber discordar, isto é, saber
como se nega uma dada proposição e o que se segue dessa posição.
Por vezes, temos dificuldade em saber o que se segue da negação de uma dada
tese ou proposição e não é raro pensarmos que discordamos sem, afinal,
discordarmos realmente.

Vejamos o seguinte exemplo:

1. O Sérgio defende que alguns doces não fazem bem à saúde e a Sofia discorda.

2. Para mostrar que a afirmação do Sérgio é falsa, a Sofia alega que alguns doces
fazem bem à saúde e até consegue dar vários exemplos.

Será que a Sofia discorda mesmo do Sérgio?

A resposta é que aquilo que a Sofia diz, não nega o que o Sérgio afirma, pois
pode perfeitamente ser verdadeiro o que ambos defendem.
Ora precisemos:

1. Se duas afirmações forem simultaneamente verdadeiras, NUNCA serão


a negação uma da outra.

2. Se duas afirmações forem a negação uma da outra, então não podem ter
ambas o mesmo valor de verdade: a verdade de uma implica a
falsidade da outra e vice-versa.

Assim, a negação de que “alguns doces não fazem bem à saúde” não é
“alguns doces fazem bem à saúde”.

Vejamos, então, como se negam teses ou proposições.


Há várias maneiras de classificar proposições.

Uma das mais comuns tem em conta o uso de QUANTIFICADORES.

Como o próprio termo indica, os quantificadores quantificam.

Vejamos:
Quando falamos de portugueses, tanto podemos estar a referir a totalidade dos
portugueses ou apenas uma parte deles. Tudo depende dos quantificadores
usados.

Assim, se juntarmos os termos “todos” ou “qualquer” aos portugueses, estamos


mesmo a referir a totalidade dos portugueses – Quantificadores UNIVERSAIS.

Mas se, em vez disso, usarmos “alguns”, “há”, “certos”, “muitos”, estamos a referir
apenas uma parte do universo dos portugueses – Quantificadores PARTICULARES.
Mas as proposições costumam também ser distinguidas pela sua QUALIDADE, ou
seja, por afirmarem ou negarem uma dada qualidade ou predicado a um certo
sujeito.

Exemplo:
1. Dizer que os filósofos são inteligentes é atribuir aos filósofos o predicado de ser
inteligente;
2. Por seu turno, dizer que os minhotos não são espanhóis é negar o predicado de
ser espanhol aos minhotos.

Daqui resultam mais dois tipos de proposições: as AFIRMATIVAS e as NEGATIVAS.


As proposições podem combinar QUALIDADE e QUANTIDADE, o que
dá origem a quatro tipos de proposições:

(A) Universais afirmativas;


(E) Universais negativas;
(I) Particulares afirmativas;
(O) Particulares negativas.

É o que se encontra no chamado “QUADRADO DA OPOSIÇÃO”


tradicionalmente aplicado apenas a coisas que realmente existem
deixando, por conseguinte, de fora, termos vazios como
“marcianos”, “sereias”, “lobisomens”, “vampiros”, etc.
Este quadrado permite-nos compreender melhor a relação entre
esses quatro tipos de proposições e é especialmente útil para
aprendermos a negar proposições quantificadas.
Uma vez que já sabemos o que temos em cada uma das pontas do quadrado,
interpretemos as setas que se observam, começando pela descrição associada a cada
uma.

1. As setas que se cruzam indicam uma relação de contraditoriedade entre proposições com diferentes quantidades e
qualidades.
2. Por sua vez, a seta que se observa no topo do quadrado indica uma relação de contrariedade, que se verifica apenas
entre proposições universais.
3. Por último, a seta que se observa na base do quadrado indica uma relação de subcontrariedade, que se verifica
apenas entre as proposições particulares.
Mas o que são
exatamente proposições
contraditórias, contrárias
e subcontrárias?
Vejamos a seguinte tabela:

Tipo de relação Descrição da relação Observações


Duas proposições contraditórias não São a negação uma da outra.
Contraditória podem ser nem verdadeiras nem Algum rico é feliz
falsas ao mesmo tempo. Nenhum rico é feliz

Duas proposições contrárias não Podem ser ambas falsas e, por isso, não são
Contrária podem ser ambas verdadeiras ao a negação uma da outra.
mesmo tempo. Todo rico é feliz
Nenhum rico é feliz
Duas proposições subcontrárias não Podem ser ambas verdadeiras, logo, não
Subcontrária podem ser ambas falsas ao mesmo são a negação uma da outra nem há entre
tempo. elas uma relação de oposição.
Algum rico é feliz
Algum rico não é feliz
Relações entre as proposições
Através das proposições e das setas do quadrado, podemos ver as varias relações que se podem
estabelecer entre A,E,I,O.

Vejamos:

Proposições contraditórias (A ↔ O e E ↔ I):


São proposições que diferem quanto à quantidade e qualidade.
Exemplo:
Todos os homens são brancos (A) e Alguns homens não são brancos (O);
Nenhum homem é branco (E) e Alguns homens são brancos (I).

Proposições contrárias (A ↔ E):


São proposições universais que diferem só pela qualidade (negação ou afirmação).
Exemplo:
Todos os homens são brancos (A) e Nenhum homem é branco (E).

Proposições subcontrárias (I ↔ O):


São proposições particulares que diferem só pela qualidade.
Exemplo:
Alguns homens são brancos (I) e Alguns homens não são brancos (O).
Posto isto, torna-se agora bastante mais
fácil determinar qual a negação de uma
dada proposição.

Assim, a negação de “Todos os ricos são


felizes” é “Alguns ricos não são felizes” e
vice-versa.

Em síntese:
A negação de uma proposição
quantificada é um proposição com os
mesmos termos mas com diferente
quantidade e qualidade.

Isto significa, por exemplo, que se uma


proposição é particular afirmativa, a sua
negação é universal negativa.
Exercícios:

Recorrendo à tabela do Quadrado da Oposição apresenta:

1. O contrário de Nenhum número é par


2. O contraditório de alguns números são pares
3. O contraditório de todo o número é par
4. O subcontrário de algum número não é par
5. O contraditório de os matemáticos não são atrapalhados
6. O subcontrário de alguns corpos graves não tendem para
cima
Resolução:

1. O contrário de Nenhum número é par


TODO…
2. O contraditório de alguns números são pares
NENHUM…
3. O contraditório de todo o número é par
ALGUM NÃO É…
4. O subcontrário de algum número não é par
ALGUM É…
5. O contraditório de os matemáticos não são atrapalhados
ALGUM É…
6. O subcontrário de alguns corpos graves não tendem para cima
ALGUNS TENDEM…
FORMAS DE INFERÊNCIA VÁLIDA

Inferir é concluir a partir de algo.

As INFERÊNCIAS são raciocínios ou argumentos que


tanto podem ser válidas como inválidas.

Merecem atenção por serem muito comuns na


nossa argumentação.
Conectivas proposicionais

As proposições podem ser simples ou complexas;

Uma proposição será simples sempre que não contenha


qualquer uma das cinco conectivas que iremos estudar, como
a conjunção (“e”).

Assim, “Marcelo Rebelo de Sousa gosta de fado” é simples,


ao passo que “Marcelo Rebelo de Sousa gosta de fado e de
rock” é complexa.
À exceção das proposições complexas que resultam exclusivamente da
negação, todas as outras são no fundo compostas por mais de uma
proposição.

Neste caso, temos duas:

A expressa pela frase:

Marcelo Rebelo de Sousa gosta de fado

E a expressa pela frase

Marcelo Rebelo de Sousa gosta de rock”, estando ambas ligadas pela


conectiva “e”, ficando:

Marcelo Rebelo de Sousa gosta de fado e de rock


As conectivas são muito importantes, pois o mesmo par de
proposições simples ligadas por uma dada conectiva pode ter um
valor de verdade diferente do que teria se estivessem ligadas por
qualquer outra conectiva.

Vejamos:
A ponte da Arrábida fica em Lisboa ou no Porto - é verdadeira.
Mas, A ponte da Arrábida fica em Lisboa e no Porto - é falsa.
A chamada lógica proposicional é a teoria lógica que trata dos
argumentos que resultam do uso das conectivas.

A maioria dos argumentos que usamos habitualmente são deste


género.

As conectivas são cinco: Negação (“não”), Conjunção (“e”),


Disjunção (“ou”), Condicional (“se”) e Bicondicional (“se e só se”).
A única que não liga duas proposições é a negação,
havendo por isso quem considere não se tratar de
uma verdadeira conectiva como as outras.

Cada conectiva tem um símbolo próprio, como


adiante indicaremos.
Para determinar a validade dos argumentos, o que interessa é a sua
forma lógica, e não tanto o seu conteúdo, pelo que se recorre a uma
linguagem lógica, de modo a representar com clareza a estrutura dos
argumentos — e das proposições que os constituem.

Daí que se usem também as letras P, Q, R, etc., para representar


proposições simples — sendo, por isso, chamadas letras ou variáveis
proposicionais.

As proposições simples serão então as proposições que não


contenham qualquer ocorrência de qualquer uma das cinco
conectivas.
Vejamos:
Designação Exemplo Dicionário Formaliza
ção
Proposição P: Sócrates é filósofo.
simples Sócrates é filósofo. P

Negação Sócrates não nasceu no Porto. P: Sócrates nasceu no Porto. ¬P

Conjunção P: Sócrates é grego. P∧Q


Sócrates é grego e filósofo. Q: Sócrates é filósofo.

Disjunção P: O Rui compreendeu a matéria.


O Rui compreendeu ou Q: O Rui decorou a matéria. P∨Q
decorou a matéria.

Condicional Se a arte é bela, então tem valor. P: A arte é bela.


Q: A arte tem valor. P→Q

Bicondicional A arte tem valor se e só se for bela. P: A arte tem valor. P ↔Q


Q: A arte é bela.
Como se pode ver, a formalização é a representação da forma
lógica de uma proposição ou de um argumento.

A formalização é, uma espécie de radiografia da estrutura lógica


da proposição ou do argumento, revelando apenas o que interessa.

Ao processo inverso — de partir de uma fórmula para


reconstruímos a proposição expressa na linguagem natural
— chama-se interpretação de fórmulas.
Se prestarmos atenção ao quadro anterior também
ficamos a compreender que as letras P, Q, etc., são variáveis
proposicionais;

Elas podem representar qualquer proposição,


cabendo a nós estabelecer a correspondência.

Por sua vez, os símbolos ¬, ∧,∨,→ e ↔ são constantes,


representando cada um deles sempre a mesma conectiva.
É importante realçar que as conectivas não representam
apenas aquelas palavras que ilustramos no quadro anterior,
mas qualquer palavra ou expressão que operem do
mesmo modo.

Assim, uma conjunção tanto pode ser expressa na


linguagem natural pela palavra “e” como pela palavra “mas”
ou por expressões como “tanto... como...” e outras.
Proposição Dicionário Formalização

A arte não tem utilidade. P: A arte tem utilidade. ¬P


Não é verdade que a arte tem utilidade.

Platão e Aristóteles são filósofos.

Tanto Platão como Aristóteles são filósofos. P: Platão é filósofo. P∧Q


Q: Aristóteles é filósofo.
Quer Platão quer Aristóteles são filósofos.

Platão é filosofo, mas Aristóteles também.

Platão é filósofo, embora Aristóteles também o seja.


Camões ou Bocage eram de Setúbal. P: Camões era de Setúbal. P∨Q
Q: Bocage era de Setúbal.
Camões e Bocage, um deles era de Setúbal.

Se Sócrates era filósofo, então era grego. P: Sócrates era filósofo. P→Q
Q: Sócrates era grego.
Se Sócrates era filósofo, era grego.

Sócrates era grego, se era filósofo.

Deus perdoa se e só se for bom. P: Deus perdoa. P↔Q


Deus perdoa se e apenas se for bom. Q: Deus é bom.

Deus perdoa se for bom, e vice-versa.


Esta linguagem proposicional tem a vantagem de
permitir representar proposições bastante mais
complexas.

Apenas é preciso recorrer aos parêntesis para


representar adequadamente proposições com
duas ou mais conectivas.

Vejamos o que se segue…


Conectivas Exemplo Dicionário Formalização

Negação e Não é verdade que, se a Ana estuda, tem P: A Ana estuda.


condicional. boa nota no teste. Q: A Ana tem boa nota no teste. ¬ (P → Q)

Condicional e negação Se a Ana estuda, não terá problemas. P: A Ana estuda.


Q: A Ana terá problemas. P→¬Q

Conjunção, P: Sócrates é grego.


conjunção Sócrates é grego, filósofo e muito Q: Sócrates é filósofo. P∧Q∧R
inteligente.
R: Sócrates é muito inteligente.

Conjunção, condicional P: A Ana estuda.


e negação A Ana estuda e, se estiver com atenção, não Q: A Ana está com atenção. P ∧ (Q → ¬ R)
terá problemas com o teste. R: A Ana tem problemas com o teste.

Bicondicional, P: A arte tem valor.


conjunção e negação A arte tem valor se e só se emocionar e Q: A arte emociona. P ↔ (Q ∧¬ R)
não for feia.
R: A arte é feia.

Disjunção, conjunção P: Trabalhas muito.


e condicional Trabalhas muito ou tens talento e, se (P ∨ Q) ∧ (R → S)
Q: Tens talento.
tiveres sorte, terás sucesso. R: Tens sorte.
S: Tens sucesso.
Os parêntesis indicam qual o âmbito (ou alcance) da conectiva que
imediatamente os antecede.

Na primeira coluna indica-se a negrito a conectiva que tem maior âmbito.

Há casos em que não é tarefa fácil decidir, na língua portuguesa, qual a


conectiva com maior âmbito, mas, na maior parte dos casos, isso é
razoavelmente claro.

Note-se também que o dicionário apenas inclui frases declarativas


gramaticalmente completas e que estas surgem geralmente no presente do
indicativo, dado que a lógica proposicional clássica é insensível aos tempos
verbais.
Exercícios

1 “Florbela não gosta de Raimundo nem é estudiosa”.


2 “Não é verdade que Raimundo seja trabalhador e divertido”.
3 “Raimundo não é trabalhador mas é divertido”.
4 “Raimundo não é honesto ou ele gosta tanto de Flor como de Beatriz”.
5 “Raimundo gosta de Florbela ou de Beatriz, mas não de ambas em
simultaneo”.
6 “Raimundo vai convidar Florbela, a não ser que tenha de trabalhar”.
7 “Se Florbela admira Platão ou Aristóteles, então não admira Descartes”.
8 “Raimundo admira Platão se, e apenas se, não admira Aristóteles nem Hume”.
9 “Platão e Aristóteles são ambos filósofos, mas Aristófanes não é”.
10 “A inflação vai subir, a menos que o desemprego se mantenha acima do
10%”

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