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A Margarida chegou ao consultório do psicólogo vestindo uma bata de

andar por casa antiquada. Vinha acompanhada por um homem de fato


executivo, o seu filho Pedro, que disse ao psicólogo: “O médico da minha
AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA I mãe disse-me para a trazer a uma consulta e que o Doutor saberia o que
fazer”. Ele tinha razão. O Dr. Gouveia tinha telefonado no início da semana
e disse ao psicólogo que estava preocupado com a memória de Margarida
e que queria que ela fosse testada para avaliar a hipótese de demência.
AULA 2 No dia da consulta, o psicólogo começou a avaliação com entrevistas.
Depois aplicou a Margarida uma bateria curta de testes cognitivos e de
15/10/2020 memória e um inventário de depressão de auto-relato. Quando terminou,
marcou uma consulta de seguimento com Margarida e Pedro para discutir
os resultados, e mais tarde preparou um relatório escrito para enviar ao
Dr. Gouveia.
INTRODUÇÃO GERAL AOS CONCEITOS BÁSICOS DA
AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA A psicologia é uma profissão relativamente nova, mas desde os primeiros dias, a
avaliação de pessoas com o objetivo de tomar algum tipo de decisão sobre elas foi
umas das suas funções.
(Goldfinger & Pomerantz, 2010 )
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O fio condutor que une todos os domínios da Psicologia é


O que é a MEDIÇÃO?
a MEDIÇÃO. “Medição é a atribuição de nºs às propriedades ou atributos das
Através da medição tentamos compreender tudo acerca do indivíduo, pessoas, objetos ou eventos, através da utilização de um conjunto
quaisquer que sejam as circunstâncias ou contexto (clínico, forense, de regras” (Stevens, 1968) -- PSICOMETRIA
educacional, aconselhamento, saúde, ocupacional, investigação, etc.)

Desta definição podemos derivar várias características da medição:


A Psicologia preocupa-se em descobrir não apenas que
características é que uma pessoa possui, mas também de que forma • Foca-se nos atributos das pessoas e não nas próprias pessoas;
é que essas características estão organizadas para tornar esse • Utiliza um conjunto de regras para quantificar os atributos. Essas
indivíduo diferente dos outros. regras devem ser estandardizadas, claras, compreensíveis e fáceis
de aplicar;
Procura-se utilizar critérios consensuais para definir construtos • Consiste no escalonamento e na classificação. O escalonamento lida
psicológicos, e, sempre que possível, medir esses construtos através com a atribuição de nºs de forma a quantificar, i.e., para determinar
do uso de escalas e de técnicas estatísticas. São métodos de quanto de um determinado atributo está presente. A classificação
avaliação mais objetivos e menos influenciáveis pelas características diz respeito a definir se as pessoas ou os eventos caem na mesma
da pessoa que faz a avaliação.
ou diferentes categorias.
(Coaley, 2010) (Coaley, 2010)
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Relativamente ao processo de medição… Vantagens da MEDIÇÃO…
1. O seu objetivo deve ser pré-determinado, por exemplo, predição, 1. A principal vantagem é a objetividade, que minimiza o julgamento
classificação, tomada de decisão, etc. subjetivo e permite que se testem teorias

2. O atributo deve ser identificado e definido. Tem que se acordar 2. A medição resulta em quantificação. Esta permite que se alcance
numa definição antes de se iniciar a medição ou corre-se o risco de um maior detalhe do que em julgamentos pessoais
aplicar regras diferentes, resultando em medições variáveis. O
objetivo da medição deve guiar a sua definição. 3. Conseguem observar-se efeitos mais subtis e utilizar-se análises
estatísticas para fazer afirmações precisas sobre o padrão dos
3. Um conjunto de regras, baseadas nessa definição, deve ser atributos e suas relações
determinado para quantificar o atributo.
4. É possível uma melhor comunicação porque medidas
4. As regras são aplicadas para transformar o atributo em termos estandardizadas levam a uma linguagem comum e à compreensão
numéricos.

(Coaley, 2010) (Coaley, 2010)


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No entanto…
Dados de diversas meta-análises sobre a validade dos testes A AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA NÃO CONSISTE APENAS NA MEDIÇÃO
mostram que:
Avaliação Psicológica
1. A validade dos testes psicológicos é forte e convincente
2. A validade dos testes psicológicos é comparável à Medição Sem medição
validade dos testes médicos
3. Métodos distintos de avaliação proporcionam fontes
Itens de Sem utilização Entrevistas, Outros
únicas de informação de itens de observações, questionários,
resposta
correcta/ resposta etc. checklists,
4. Os clínicos que se baseiam exclusivamente nas correcta/ etc.
incorrecta
entrevistas têm uma elevada probabilidade de não incorrecta
chegar a uma compreensão completa

(Meyer et al., 2001, p. 128) Testes Questionários/


inventários
(Coaley, 2010)
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AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA
É: NÃO É:
Um processo dinâmico Um trabalho mecânico
Um processo de conhecimento Somente avaliar determinadas Machado, A. P. & Picchetto Machado, V. C. M. (2007). Manual de avaliação psicológica.
do outro características
Um processo científico Sinónimo de aplicação de testes
Um trabalho especializado Um processo simples, rápido e
A obtenção de amostras do fácil
comportamento Um conhecimento definitivo
sobre o comportamento
observado
PSYCHOLOGICAL TESTING
VS.
PSYCHOLOGICAL ASSESSMENT
Machado, A. P. & Picchetto Machado, V. C. M. (2007). Manual de avaliação psicológica.

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Testing
(Des)construindo conceitos
• É o acto de administrar, cotar, e interpretar os resultados de um teste
que mede uma de várias funções psicológicas, tais como capacidade
cognitiva, memória, ou traços de personalidade • Teste
• É um processo relativamente simples e objetivo • Escala
• A interpretação dos resultados limita-se à descrição do significado de • Bateria
uma pontuação, e os únicos outros dados que são relevantes estão
relacionados com a validade e a fidelidade, com base nos dados • Inventário
normativos e no comportamento do sujeito
• Inquérito
No entanto, o resultado de um determinado teste individual, apesar de • Questionário
cuidadosamente selecionado, administrado, cotado, e interpretado,
raramente proporciona informação suficiente na qual basear decisões • Provas psicológicas
significativas ou a compreensão de problemas complexos.

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Bons e maus usos das provas
(Des)construindo conceitos
psicológicas
• “When tests are used appropriately and
skillfully they can be key components in the
practice and science of psychology” (Urbina,
2014, p.5).

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Usos das provas psicológicas Assessment


• Ao contrário do testing, o assessment “está relacionado com o facto
do clínico pegar num conjunto de pontuações nos testes,
normalmente obtidos a partir de múltiplos métodos de teste, e
considerar esses dados no contexto da história, informação que chega
com o pedido, e comportamento observado, para compreender a
pessoa que está a ser avaliada, para responder às questões colocados
no pedido, e para depois comunicar os resultados ao paciente, aos
seus familiares, e às fontes do pedido”. (Meyer, 2001, p. 143)

• É um processo complexo e requer treino e perícia.

Urbina (2014) -------------


Meyer, Finn, Eyde, Kay, Moreland, Dies, et. Al (2001). Psychological testing and psychological
assessment: A review of evidence and issues. American Psychologist, 56(2), 128-165.

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Ex: Caso da Margarida Avaliação psicológica vs. Testagem psicológica
Aplicar apenas um teste de memória (ou uma bateria deles) e interpretá-lo sem as
entrevistas, serviria de pouco. Poderá ter depressão, baixo nível de funcionamento
cognitivo, uma perturbação de ansiedade, etc., que afetam a memória e
consequentemente os resultados nos testes.
Entrevistas cuidadosas à Margarida e ao seu filho Pedro acrescentam profundidade e
validade ecológica aos resultados que forem encontrados, e permitem ao psicólogo
efetuar recomendações úteis e com significado, tanto ao Dr. Gouveia como à família
da paciente.

“Um teste psicológico é uma ferramenta muda e passiva, e


o valor dessa ferramenta não pode ser separado da
sofisticação do clínico que realiza inferências a partir dela e
depois comunica com os pacientes e outros profissionais”

(Meyer et al., 2001, p. 153)


Urbina (2014)
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Obtenção de provas psicológicas


❑ Publicadas
❑ Não Publicadas
❑ Outros (Casos particulares / mistos)***

Machado, A. P. & Picchetto Machado, V. C. M. (2007). Manual de avaliação psicológica.

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Avaliação psicológica: Definição Avaliação psicológica: Objetivos
❑ Processo de aquisição e integração de informação relevante em que se ❑ Despistagem
recorre a vários métodos, técnicas e instrumentos, ou a vários agentes ou
fontes de recolha de informação relativa a diferentes dimensões da pessoa ❑ Descrição
avaliada. ❑ Compreensão
❑ Conjunto de práticas que são usadas em diferentes contextos: ❑ Verificação de hipóteses
▪ Educação
▪ Clínica/Saúde ❑ Explicação
▪ Aconselhamento Psicológico
▪ Justiça/Forense ❑ Diagnóstico
▪ Trabalho/Organização ❑ Prognóstico
▪ Militar
▪ Investigação ❑ Planificação de intervenção
▪ Outros
❑ Medida
❑ É um acto de prestação de serviços especializados por um profissional de
psicologia; ❑ Investigação
❑ Levanta problemas éticos e deontológicos que remetem para padrões e
normas
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Um Modelo de Avaliação Psicológica Aplicação ao caso da Margarida

Pedido 1. Pedido
A Margarida foi enviada pelo seu médico de família, Dr. Gouveia. Ele vê
bastantes pacientes idosos e já fez vários outros pedidos ao mesmo
psicólogo. Ele quer saber o seguinte:
Analisar
- Os resultados dos testes de memória e de funcionamento cognitivo são
o contexto Avaliar quais as Recolher, cotar,
Tirar consistentes com demência?
necessidades e interpretar os
de informação dados
conclusões - Mostram um declínio relativamente ao funcionamento pré-mórbido?
Estabelecer as - Se sim, qual o impacto desse declínio na vida quotidiana da Margarida?
questões do - Existe alguma possibilidade de que o aparente declínio se deva a
pedido
outros factores, particularmente a depressão?
Comunicar os
resultados No entanto, tudo o que o Dr. Gouveia disse foi: “Gostaria que testasse a
Margarida para avaliar a hipótese de demência”.
(Adaptado de Goldfinger & Pomerantz, 2010 )
(Goldfinger & Pomerantz, 2010 )
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2. O contexto do pedido 3. Informação necessária para responder às questões do
a) O Dr. Gouveia fez o pedido porque Pedro, o filho de Margarida, pedido
expressou a sua preocupação relativamente aos problemas de memória Para responder às questões implícitas e explícitas, o psicólogo precisa de:
da mãe. a) Uma estimativa do funcionamento cognitivo e memória pré-mórbidos
b) Pedro vai pagar particularmente pela avaliação, mas o relatório irá para b) A sua história de problemas emocionais e sinais e sintomas de
o Dr. Gouveia. depressão ou ansiedade
c) Pedro está preocupado com o funcionamento da mãe no dia-a-dia e
c) Resultados em testes de memória e funcionamento cognitivo
com a sua capacidade para viver de forma independente.
d) Conhecimento sobre os comportamentos da Margarida no dia-a-dia, as
d) O Dr. Gouveia quer confirmar um diagnóstico de demência antes de
exigências do seu estilo de vida presente e a sua capacidade para
tentar algum tipo de medicação.
responder a essas exigências

O psicólogo também precisa de ter conhecimentos sobre os efeitos do


envelhecimento normal na cognição, memória, funcionamento
emocional e vida diária.

(Goldfinger & Pomerantz, 2010 ) (Goldfinger & Pomerantz, 2010 )


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5. Utilizar os dados para responder às questões do pedido


4. Recolher os dados O psicólogo:
a) O psicólogo conduz uma entrevista semi-estruturada para obter a a) Avalia a informação que obteve sobre o background e a história da
história pré-mórbida, avaliar sinais e sintomas de depressão e paciente, e o que observou sobre o comportamento da Margarida durante
ansiedade, e recolher informação sobre a vida diária da Margarida. as entrevistas e durante a realização dos testes
b) Revê os registos médicos da Margarida e entrevista Margarida e Pedro b) Decide se os testes são válidos e o que lhe dizem sobre as funções
separadamente e em conjunto. cognitivas e de memória da Margarida
c) Administra o BDI, subtestes da Escala de Memória de Wechsler, e a c) Determina se os resultados de todos os domínios que foram avaliados são
consistentes e se sabe tudo o que necessita para poder responder às
WAIS à Margarida
questões do pedido
d) Certifica-se de que esses testes têm normas que são adequadas à idade
d) Depois decide se os resultados são consistentes com demência e, se o
da Margarida
forem, como é que isso afecta a vida diária da Margarida.
e) Usa materiais de referência para garantir que está a interpretar os e) Se não forem, existem outras questões que devam ser abordadas?
resultados correctamente e não a confundir demência com
f) Em qualquer dos casos, deve elaborar recomendações que sejam úteis à
envelhecimento normal
Margarida e à sua família.
f) Tem também em conta alguma questão de ordem cultural que possa
ser relevante, tal como raça ou etnicidade
6. Comunicar os resultados
O psicólogo comunica os resultados à Margarida e ao seu filho numa
(Goldfinger & Pomerantz, 2010 ) consulta de seguimento, e prepara um relatório para o Dr. Gouveia.
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ALGUMAS CONSIDERAÇÕES… O que deve um psicólogo saber?
Em alguns contextos (ex.: seleção e recrutamento) muitas vezes o processo de - Teoria da medida e dos testes; psicometria;
avaliação é mais limitado e pode passar apenas pela aplicação de testes (ex.:
- Especificidades sobre administração, cotação e interpretação de vários
testes de aptidões).
instrumentos de avaliação;
Apesar dos testes psicológicos terem uma precisão limitada, ainda assim - Teorias da personalidade, desenvolvimento e psicopatologia;
foram considerados pela National Academy of Sciences como o melhor, mais - Detalhes sobre o contexto em que é realizada a avaliação (e.g., forense,
justo e mais económico método de obter a informação necessária para tomar educação);
decisões sensatas sobre os indivíduos. - Como conduzir uma entrevista e realizar um exame do estado mental;
- O que procurar quando avalia um cliente;
- As obrigações legais e éticas que regulam a sua profissão;
CARACTERÍSTICAS COMUNS A TODOS OS TESTES PSICOLÓGICOS:
- (…)
1. Um teste psicológico é uma amostra de comportamento
2. Esta amostra é obtida em condições estandardizadas
3. Existem regras estabelecidas para cotar ou para obter informação
quantitativa (numérica) dessa amostra de comportamento
(Goldfinger & Pomerantz, 2010 )
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Bibliografia
• Coaley, K. (2010). An introduction to psychological assessment and
psychometrics. London: Sage Publications. (Capítulo 1)
• Goldfinger, K. & Pomerantz, A.M. (2010). Psychological assessment and report
writing. London: Sage Publications. (Capítulo 1)
• Machado, A. P. & Picchetto Machado, V. C. M. (2007). Manual de avaliação
psicológica. [Colectânea ConexãoPsi-Série Técnica]. Curitiba: Conselho
Regional de Psicologia – 8ª Região. Disponível on-line, p.ex. em
http://pt.slideshare.net/Elizeu9812/manual-de-avaliao-psicologica
• Meyer, G. J., Finn, S. E., Eyde, L. D., Kay, G. G., Moreland, K. L., Dies, R. R., ... &
Reed, G. M. (2001). Psychological testing and psychological assessment: A
review of evidence and issues. American Psychologist, 56(2), 128-165.
• Murphy, K.R. & Davidshofer, C.O. (2001). Psychological testing: Principles and
applications (5th ed.). New Jersey: Prentice Hall. (Capítulo 1)
• Simões, M. R. (2005). Potencialidades e limites do uso de instrumentos no
processo de avaliação psicológica. Psicologia, Educação e Cultura, 9(2), 237-
264.

• Outros textos e documentos disponibilizados no Moodle.


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