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As Comunidades Criativas,

o Turismo e a Cultura
Os paradigmas do turismo dos anos 80 estão ultrapassados
perante a emergência daquilo que se designou por «Turismo
Criativo». As novas estratégias de regeneração urbana apontam
para uma ligação e cooperação entre as ‘indústrias criativas’e
o turismo. O novo turista procura experiências autênticas, que
proporcionem desenvolvimento pessoal e aprendizagem. A
existência de recursos culturais e de património histórico não
são condições obrigatórias ao desenvolvimento deste tipo de
turismo, e estabelecem a fronteira com o turismo cultural.
A cooperação entre o turismo e as indústrias criativas nem
sempre é fácil, dado que apresentam abordagens distintas e
por vezes conflituantes dos mesmos recursos. As principais
estratégias de desenvolvimento das comunidades criativas são
aqui apresentadas, assim como, as fórmulas mais utilizadas
para o desenvolvimento do «Turismo Criativo».

Alexandra Rodrigues Gonçalves – ESGHT

Introdução as políticas culturais de regenera- taxa de crescimento superior à média


ção urbana e de turismo de várias do turismo mundial. Associado a este
No presente artigo estabeleceu-se comunidades e países, onde já se crescimento encontra-se uma maior
como principal objectivo sistematizar adoptaram as estratégias que de se- frequência das áreas urbanas e dos
os desenvolvimentos mais recentes guida passaremos a expor. Alguns dos monumentos.
e descrever os resultados disponíveis estudos de caso referidos resultam de A cultura é desde tempos imemo-
sobre a investigação em turismo cultu- pesquisa on-line, em páginas electróni- riais uma motivação principal para via-
rali, e em particular, sobre o «Turismo cas que incluem a promoção e a venda jar, sendo no entanto, a viagem cultural
Criativo». Os elementos apresentados de produtos que vão ao encontro do associada à «Grand Tour» do século
resultam fundamentalmente de uma nosso objecto de estudo (alguns dos XVI, que marca o desenvolvimento do
leitura crítica de artigos científicos quais surgem referenciados nos artigos que hoje se designa por turismo cultu-
publicados desde o ano 2000, sobre as científicos recolhidos). ral e patrimonial (Patin, 1997). Por sua
indústrias culturais e criativas, as novas Num breve enquadramento concep- vez, as atracções culturais assumem
abordagens de gestão para os espaços tual, gostaríamos de começar por re- um papel de crescente importância no
históricos e culturais (mais centradas conhecer a importância que o turismo turismo e tornaram-se locais obrigató-
na experiência e no visitante), mas cultural assumiu a nível internacional, rios de visita (MacCannell, 1976).
também sobre as motivações de visita constituindo-se na actualidade como Uma análise atenta das estatísti-
do turista cultural e as novas atracções um dos segmentos que apresenta um cas do turismo demonstra uma clara
turísticas e culturais emergentes. maior e mais rápido crescimento no tendência para permanências mais
Como fontes principais foram turismo global (OMT, 2001). De acordo curtas do turista e para uma maior
utilizados vários documentos oficiais com a Organização Mundial de Turismo fragmentação das férias. Têm vindo a
internacionais onde se apresentam este segmento apresenta mesmo uma ser desenvolvidos vários instrumen-

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As Comunidades Criativas, o Turismo e a Cultura

tos para gerir os fluxos turísticos nos vidas, incluindo a apresentação e conceito organizativo para promover
locais patrimoniais com o objectivo interpretação da cultura nas suas formas de actuação conjuntas (Dredge,
de controlar, influenciar e mitigar os diferentes formas de expressão. 2005). Porter (1990) foi o principal pre-
impactes dos visitantes. Em casos Generalização de um comporta- conizador da ideia que as redes ou os
extremos, como é o caso das grutas de mento internacional oposto à soli- “clusters”2 de interesses que formam
Altamira em Espanha foi colocada uma dariedade, que se baseia num maior coligações de acção colectiva, que se
reprodução no local para permitir uma individualismo, com os indivíduos a constituem como pré-condições para
visita turística massificada. desejar exercer maior controlo sobre a inovação e para a capacidade de
À medida que a cultura é utilizada as decisões que lhes dizem respeito. construção da comunidade.
pelas cidades como forma de de- Combinação do aumento de expe- A cultura, o património e o turismo
senvolvimento económico e social, a riência de viagem com o aumento da assumiram-se neste repensar das
proliferação de produtos de turismo idade, o que implica que o público que estruturas sociais e económicas
cultural ameaça a transformação hoje viaja tem uma maior consciência como instrumentos preponderan-
deste tipo de turismo num merca- dos padrões de qualidade e desejam tes da regeneração e revitalização
do massificado. Numa tentativa de em simultâneo ter opções de escolha de centros urbanos mas também
sensibilizar os agentes locais, a OMT e/ou combinações entre “novo” e do meio rural, e emergem de forma
aponta a necessidade de uma melhor “velho”, tradicional e moderno, activo e crescente como factores de desen-
segmentação da oferta turística e passivo, produtos e serviços autênti- volvimento económico e social.
a de gerar uma maior variedade de cos, mas também derivados.
produtos de turismo cultural, assim Maior número de “escapes” (mais Desenvolvimento
como, o controlo da pressão naqueles frequentes e mais diversos) à rotina cultural e comunidades
locais patrimoniais mais visitados. diária. Redução do período de estadia, criativas
A promoção de uma conservação o que implica que a intensidade de
integrada dos monumentos, museus e viagem tende a aumentar, os locais A diferenciação hoje não se
outros locais visitados pelos turistas, culturais e patrimoniais têm que ser consegue apenas pela cultura e pelo
nomeadamente pela proposta de visitados mais rapidamente e de forma património cultural que se detém. Se
reforço de parcerias entre o público e o mais eficiente. verificarmos com alguma atenção,
privado são algumas dessas propostas. Com frequência também aconte- quase todas as cidades europeias pos-
Alguns consumidores cansados de ce que o mesmo visitante combina suem monumentos e museus; todas
encontrar a reprodução em série de experiências mais intensas de viagem reconhecem que o seu património
museus e monumentos em diferentes com experiências mais “repousadas”, histórico e cultural deve ser conser-
destinos começaram a procurar alter- regra geral associadas com actividades vado e preservado e todas apostaram
nativas. O aumento do consumo es- relacionadas com a saúde (wellness). em estratégias de regeneração urbana
pecializado e a ênfase colocada sobre As forças combinadas do cresci- (total ou parcial, no último caso dos
o desenvolvimento de capital cultural mento do individualismo, fortalecidas bairros históricos e culturais) que, mui-
individualizado e da espiritualidade, na pelas experiências de férias e viagens tas vezes, associam esse património
sociedade pós moderna, apontaram nacionais e internacionais, e pela ao turismo, como motores principais
para um desenvolvimento de turismo saturação cultural, conduziram a que de desenvolvimento local.
criativo como sucessor do turismo grande parte dos viajantes desejam ter A cultura e as «indústrias criativas»
cultural (Richards e Wilson, 2006). férias, ou experiências de viagem, que têm sido determinantes para a (re)
Weiermair e Peter (2002) apontam sejam em simultâneo personalizadas e produção e (re)criação dos espaços
os seguintes elementos principais percebidas como “autênticas”. urbanos; podemos mesmo afirmar que
como grandes determinantes do com- Em muitos destinos as relações for- alguns locais foram reconstruídos ou
portamento do «novo» consumidor: mais e informais entre os governantes até concebidos propositadamente para
Multiculturização: aceitação e locais e a indústria possuem um efeito o turismo e para o lazer.
consumo de outras culturas con- considerável sobre a capacidade de É hoje relativamente comum
duzindo a alterações na “cultura atracção e de inovação do destino. A assentar as estratégias de regenera-
quotidiana”, incluindo a absorção alteração dos processos governativos, ção na construção de novos espaços
de outras dimensões culturais onde a responsabilidade de desen- temáticos ou no (re)desenvolvimento
sobre a forma de aculturação. volvimento das políticas é cada vez de antigos locais (ex. da EXPO 98). A
Introdução das novas tecnolo- mais partilhada entre o sector público arte pública também tem assumido
gias de comunicação e informa- e o sector privado, promovem um um papel interessante na regeneração
ção em muitas esferas das nossas interesse crescente nas redes como urbana, sobretudo em antigos espaços
industriais desactivados (vide Figura hands-on cultural experience outside of da autenticidade. Aparentemente, as
I). Existem em Inglaterra, 6.500 milhas the normal sightseing opportunities» cidades de sucesso conseguiram a sua
de ciclo via a fazer a ligação entre os (http://creativecity.ca, 2003). Assim afirmação pela identificação e fortale-
centros urbanos e o meio rural, onde sendo, o elemento-chave deste tipo de cimento dos seus factores de diferen-
se incluem centenas de exemplos de turismo diz respeito à participação ciação em relação a outros locais, pelo
arte pública ao longo da via (Mosedale, activa do indivíduo naquilo que se que não é imitável. Cada comunidade
2006). A arte pública funciona, funda- designa por experiência turística, e o deve encontrar o seu caminho para o
mentalmente, como catalizador de um abandono da “bolha turística” que sucesso (Bulick et al., 2003b).
processo de regeneração urbana mais mantinha o turista numa realidade O capital criativo – a inovação e as
abrangente, estimulando a criatividade artificial à parte, distante da comunida- novas ideias, os novos designs, os no-
e melhorando a imagem da cidade e de receptora e numa atitude contem- vos processos produtivos e de lazer - é
pode incluir desde mobiliário urbano, a plativa (Urry, 1990). para Bulick et al. (2003b) o combustível
projectos comunitários, a instalações A viagem emerge como uma opor- para o motor económico do século XXI.
temporárias ou até exposições. tunidade para desenvolver experiên- As estratégias tradicionais de desen-
cias pessoais, de auto-aprendizagem volvimento económico regional, de que
a partir de uma descoberta do mundo. são exemplo, a disponibilização de ter-
Assim, o turismo criativo tem por renos, a construção de infra-estruturas,
base a criação de experiências que a oferta de incentivos fiscais para atrair
pressupõem uma participação activa e empresas e criar emprego, devem ser
o envolvimento do consumidor na sua suplantadas ou potenciadas por novas
produção. estratégias para atrair e reter indivíduos
O que tem esta forma de turismo talentosos e as suas empresas.
em comum com o modelo tradicional Efectivamente, os modelos que
de turismo baseado no “sol e praia” estiveram subjacentes à construção
que ficou conhecido como fordismo ou de muitas cidades foram estritamente
fig 1: Graffiti como arte pública, Glasgow
Fonte: http://www.geografiasdohiphop.blogspot.com/ modelo dos 3 S’s (Sun, Sea and Sand)? centrados nos aspectos económicos
Quase nada! e arquitectónicos, esquecendo-se de
A necessidade das cidades e das O advento do turismo criativo resul- considerar os aspectos da dimensão
regiões de serem criativas, pelo ta de uma sociedade contemporânea cultural. Isto conduziu-nos a cidades
desenvolvimento de novos produtos mais instruída, mais exigente, mais ex- com densidades de construção muito
esteve na origem de novas estratégias periente, mais independente. Algumas elevadas e por isso também muito
de regeneração e de dinamização do atracções culturais já reorientaram a populosas, o que por sua vez, tem
seu tecido económico e social. No sua oferta para estes “novos” públicos resultado em problemas de conflitos e
decurso desta abordagem desenvol- (ou para estas novas motivações e exclusão social (e também de desorde-
veu-se o conceito de Turismo comportamentos), oferecendo oportu- namento, poluição visual e falta de sus-
Criativo (Creative Tourism), constituin- nidades de lazer associadas à escrita tentabilidade). A cultura pode assumir-
do-se como aquele tipo de turismo que criativa, à produção de artesanato se como um elemento de equilíbrio.
oferece aos visitantes a oportunidade local, aos workshops de música, aos Quer o turismo, quer a cultura
de desenvolver o seu potencial criativo ateliers pedagógicos, etc. desempenham um papel fundamental
através da participação activa em expe- Tem-se verificado nos Estados no processo de criação da imagem,
riências de aprendizagem que são Unidos da América um movimento nomeadamente no que concerne à es-
características do destino de férias generalizado por parte dos líderes da tetitização das paisagens, assim como,
onde são levadas a cabo (tradução nos- sociedade civil para encontrar novas na adequação do ambiente para dar
sa a partir de Richards, 2001:65). Na estratégias de desenvolvimento econó- resposta às necessidades dos consu-
verdade o turismo cultural por si só mico com vista a construir “capital midores (Richards e Wilson, 2005).
nem sempre consegue criar estas criativo”, e muitos centram a sua aten- A imagem das cidades e das regiões
oportunidades, oferecendo uma ção na forma como o desenvolvimento baseia-se em elementos físicos, mas
experiência muito passiva e de cultural contribui para comunidades também se desenvolve a partir das
contemplação, pelo que se afasta de autênticas, vivas, criativas e com su- experiências construídas em torno
um novo turismo que procura «a cesso económico (Bulick et al., 2003b). desses elementos, que geralmente se
variation on traditional models of Um dos elementos que se consi- estendem à “cultura viva” e à atmos-
tourism, which appeals to tourists dera mais relevante na discussão das fera dos locais (Wilson 2002, cit in.
seeking the opportunity to have a “comunidades criativas” é a questão Richards e Wilson, 2005).

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As Comunidades Criativas, o Turismo e a Cultura

Existem vantagens reconhecidas a e promovem workshops interactivos de emprego para que aí se fixem); tec-
este tipo de oferta de experiências, em entre o museu e os seus visitantes. nologias (as cidades devem ter uma
que o turista se assume como actor (a Esta opção, conforme refere, não é alta capacidade de inovação tecnológi-
partir de Richards, 2001): fácil para as atracções culturais e para ca e a presença de universidades que
- a criatividade possui maior poten- os destinos, pois pressupõe a escolha promovam o conhecimento e que pela
cial para criar valor pela sua escassez; de narrativas e interpretações a partir investigação, disponibilizem transferên-
- a criatividade permite aos destinos dos visitantes, e não somente a partir cia de capital para as empresas e origi-
inovar e conceber novos produtos com de dados históricos e científicos. nem iniciativas de empreendedorismo);
maior rapidez, conseguindo estabele- Aquilo que se acusou o turismo de tolerância (o talento é atraído para
cer vantagens competitivas em relação estar a fazer à cultura e ao património locais que sejam cosmopolitas, inclusi-
a outros locais; cultural – pelo processo de transforma- vos, abertos de espírito e culturalmente
- a criatividade é um processo, pelo ção em mercadorias estandardizadas criativos). Neste último elemento, Flori-
que, os recursos criativos são mais (commodification) – deu lugar a expe- da (2002) propõe 3 índices para avaliar
sustentáveis e infinitamente renováveis riências turísticas únicas e individua- a tolerância da comunidade: “boémios”,
(veja-se o crescimento de festivais lizadas. Numa economia de experiên- “gay” e “emigrantes”.
culturais e de arte por toda a Europa); cias 3, o consumo passivo dos serviços Os exemplos mais paradigmáticos
- a criatividade é móvel, podendo culturais tenderá a modificar-se e a destas estratégias criativas apontam
inclusive ser produzidos nalguns casos assumir-se de forma crescente como para as cidades inglesas pós-desindus-
de forma virtual em qualquer local, um tipo de consumo mais participativo, trialização: Sheffield, Birmingham, Glas-
sem que tenha que coexistir um núme- envolvendo interacção, aprendizagem gow, são as referências mais comuns.
ro concentrado de recursos culturais e e execução (vide Figura II onde procu- Podemos referir também Barcelona ou
patrimoniais. rámos sistematizar esta mutação). Bilbao. No entanto, este movimento
O turista quer experimentar os O sucesso e emergência destas está em crescendo e em 2003, no Es-
cheiros, os sabores, os sons, o toque iniciativas estão associadas ao desen- tado de Ontário (Canada) foi concebido

os
lizad
cia
pe
dumazedier, 1967 s es
u mo - inovação
o ns
sc
do - novas ideias
to
men - Produtos
lazer/recreação turismo cultural
e sci novo e experiências
cr turismo
turismo
criativo
Poon, 1993 - Partipação activa
Procura de descanço; desenvolvimento Pessoal; richards, 2001
relaxar novos conhecimentos; - desenvolvimento
aptidões e competências de aptidões
e conhecimentos

produtos experiência
Fonte: elaboração própria

fig 2: A emergência do «Turismo Criativo»

de uma cultura. Quem é que lhe irá volvimento de estratégias de desenvol- um projecto intitulado “Creative City
fornecer estas experiências? Algumas vimento local que tornem as regiões Network of Canada” (2004-2006) e
atracções culturais começam a orien- atractivas à criação e fixação das indús- que tem por base uma organização de
tar-se para os seus visitantes. Richards trias culturais. R. Florida (2002) aponta pessoas que trabalham nas entidades
(2001:66) refere a título de exemplo, três factores principais: talento (têm municipais de 6 cidades do Canada nos
os museus que se assumem cada vez que existir pessoas relacionadas com domínios da cultura, do património,
mais como «fábricas de significados» as actividades criativas e oportunidades das artes em geral, mas também no
planeamento, no desenvolvimento e Raymond promove através da sua 4. Relações sócio-espaciais do turis-
no apoio, e que têm a responsabilidade empresa alguns workshops criativos mo, do lazer e da criatividade
de desenvolver e promover experiên- para os visitantes da Nova Zelândia que 5. Políticas culturais das cidades
cias associadas a estes domínios, das incluem: «Maori culture and traditions»; 6. Turismo, políticas de lazer e
quais podemos referir como exemplo, «New Zealand Art and Crafts»; «New criatividade
os workshops para fazer artesanato Zealand fibre and woolcraft»; «New 7. Teoria das políticas urbanas e,
local (cestaria) ou para aprender os Zealand flora and fauna»; «New Zealand políticas de turismo e lazer
segredos da cozinha regional (http:// Cuisine». Possui para este efeito uma 8.Turismo criativo e locais de lazer
creativecity.ca, 2003). equipa de pessoal com uma formação - festivais, espectáculos, centros des-
Já em 1999 a entidade responsável abrangente nos domínios das artes, da portivos, galerias de arte, museus
pelo TWA (Tourism Western Austra- cultura, do património, da geografia e 9. Criatividade, turismo e lazer,
lia) promovia testes aos níveis de da gastronomia (Raymond, 2006). Um exclusão e marginalização
interesse dos turistas que visitavam dos lemas deste criador é: «I hear and 10. Espaços urbanos, criatividade
a Austrália, em relação a propostas I forget, I see and I remember»; os es- individual, turismo e lazer
de viver experiências relaciona- tudos de marketing revelam ainda que 11. Lazer e criatividade em geral
das com a cultura Aborígene. a retenção de informação e a criação Alguma discussão também tem
Nos EUA, os exemplos de cidades de memórias é ainda maior quando existido em relação ao que se deve
que adoptaram as artes e a cultura se executa, quando se experimenta considerar como englobado no concei-
para se reinventarem e revitalizarem as a actividade. Verificamos assim que to de «indústrias criativas», bem como,
suas economias multiplicam-se. Pode- hoje, aquilo que os nossos antepas- em relação aos instrumentos a utilizar
mos referir o exemplo de Philadelphia sados faziam para subsistirem, como para a quantificação e a medição do
que, na década de 90, apresentava por exemplo, imigrarem para ir um peso que as indústrias culturais e
índices de estagnação e de enve- Verão apanhar lúpulo para a Inglaterra criativas possuem sobre a economia
lhecimento na população, e de fuga e serem remunerados para o efeito, (idem, ibidem). Segundo Richards
para outros locais da população mais pode constituir-se como uma experiên- (2006) as indústrias criativas incluem a
jovem, associados a taxas de emprego cia turística pela qual este turista está moda, o design, o cinema, o multi-
inferiores à da região. Determinaram a disposto a pagar um bom preço. média em geral e o entretenimento,
cultura como elemento principal para a Em Outubro de 2006 realizou-se em propondo para o conceito de «Turismo
revitalização das áreas abandonadas e Santa Fé, no México “The Creative Ci- Criativo» a inclusão do turismo cultural
criaram para o efeito a Cultural Allian- ties Planning Summit”, com o objectivo e patrimonial em geral, das artes, e dos
ce, que congrega um conjunto de 270 de definir estratégias conjuntas para estilos de vida (costumes e tradições,
organizações sem fins lucrativos com o revitalizar a economia turística e de- gastronomia, folclore, etc.).
objectivo de aumentar a notoriedade, senvolver o conceito de «turismo criati- Paul Jeffcutt (cit. in Mosedale,
a participação e o suporte às artes e à vo» (http://www.freenewmexican.com/ 2006) reconhece que as dinâmicas das
cultura na região, e assume a respon- news/ 51274.html, 2006). A presidente «indústrias criativas» são complexas
sabilidade do planeamento da cultura e da autarquia local em declarações à e representam um desafio considerá-
das artes na região da Philadelphia. imprensa referiu que este tipo de turis- vel para os investigadores e para os
Em 2003 na Nova Zelândia, pelas mo pressupõe o envolvimento com a responsáveis políticos sobretudo na
mãos de um dos “pais” do conceito de comunidade local, uma aprendizagem conceptualização e operacionalização
«Turismo Criativo» nasceu a organi- da cultura de forma experimental. do seu desenvolvimento. As inter-
zação «Creative Tourism» (Raymond, relações que este tipo de estratégia
2006). C. Raymond e G. Richards pers- Debates Correntes envolve numa região são inúmeras e
pectivam o turismo criativo como um englobam agentes de diferentes sen-
desenvolvimento do turismo cultural, Os debates actuais associados ao sibilidades que nem sempre são fáceis
reconhecendo que o turista da actuali- turismo, à criatividade e às cidades de consensualizar. Como aspecto mais
dade procura um envolvimento activo têm-se centrado nos seguintes pontos positivo desta relação apontamos o
com as populações locais e os seus principais (Mosedale, 2006): reconhecimento unânime, pelos inves-
costumes e tradições, procuram tam- 1. Teorias da criatividade tigadores e estudiosos do fenómeno
bém «learning by doing». O novo turista 2. Indicadores de desempenho e turístico, da cultura e do património
é alguém que procura a sua realização espaços como matérias principais na gestão e
pessoal pelo desenvolvimento de 3. Aspectos culturais, sociais e planeamento do turismo (Costa, 2005;
novas aptidões e que deseja interagir económicos do turismo criativo e dos Gonçalves, 2003; Gunn, 1994; Inskeep,
com as populações locais. espaços de lazer 1991; entre outros).

14 15 dos algarves
As Comunidades Criativas, o Turismo e a Cultura

Estratégias associadas às • Clusters criativos uma atracção principal, oferecendo-se


«indústrias criativas» • Classe criativa - «Novos boémios» após uma visita guiada ao mercado “La
e ao turismo • Mercados de Arte e comercializa- Boqueria”, a oportunidade de cozinhar
ção de artefactos culturais com um professor famoso e, com a
As cidades para criar uma imagem • Vantagens comparativas ajuda do grupo, dois pratos e uma
diferenciada e atrair turistas têm-se • Cidade do design sobremesa típicas da cozinha regional
centrado em quatro grandes opções De salientar que Evans (2007:10) Catalã (Richards e Wilson, 2005).
estratégicas de regeneração associa- aponta também para a necessidade de Também na Irlanda do Norte, já se dis-
das às indústrias criativas e ao turismo estratégias de marketing individualiza- ponibilizam experiências criativas aos
(a partir de Richards e Wilson (2005): das e para novas formas de coopera- turistas associadas a visitas a castelos,
Criação de Estruturas/Equipa- ção baseadas em projectos. a aventuras fotográficas e a trilhos de
mentos Ícone: criação de ícones Por sua vez, Richard e Wilson (2005) descoberta do património (http://www.
arquitectónicos para atrair visitantes identificam três formas de reconversão creativetourism.net, 2006).
(ex. Museu Guggenheim em Bilbao). do turismo cultural tendo em vista a R. Florida (2002) identificou a emer-
Mega Eventos: promoção de gran- criatividade: gência de uma classe criativa e aponta
des eventos como os Jogos Olímpicos 1. A promoção de «espectáculos como um dos grandes responsáveis
ou as Capitais Europeias da Cultura. criativos»- actividades criativas que pelo consumo criativo a necessida-
Tematização: criar um tema como servem de base a experiências turísti- de de auto desenvolvimento e daí a
base para uma narrativa (Idade Média; cas mais passivas. procura de experiências que proporcio-
Ordens Religiosas; Ano de Mozart). 2. O desenvolvimento de «espa- nem aprendizagem.
“Exploração” do Património ços criativos»- espaços demarca- Estes “produtos” dão resposta ao
Cultural : utilização dos vestígios do dos povoados por indivíduos que se desejo de inovar, criando propostas
passado para desenvolver o turismo dedicam a actividades criativas, que distintas que vão ao encontro de ne-
(Pompeia; Bruges; Évora). num primeiro momento informalmen- cessidades específicas dos consumido-
Pode-se igualmente constatar que te conseguem atrair visitantes. Estes res (ou melhor, dos turistas). Segundo,
o modelo de desenvolvimento urbano espaços tornam-se atractivos quer Richards e Wilson (2005) estas ofertas
de algumas cidades (pelo seu sucesso) emocionalmente quer visualmente parecem servir como antídoto para
esteve na origem de um movimento sedutores e, regra geral, atraem quer uma reprodução em série que tem sido
internacional de imitação: Baltimore turistas culturais, quer turistas de fim- desenvolvida pelos destinos turísticos
(desenvolvimento da Frente Ribeiri- de-semana. e emerge como uma nova forma de
nha); Bilbao (desenvolvimento a partir 3. A participação dos turistas em envolvimento por parte do turista.
do museu-ícone); York (exploração «actividades criativas interacti- Por sua vez, o «Turismo Criativo»
do passado); Barcelona (estratégia de vas» - quando os turistas eles próprios depende largamente de um envol-
regeneração conduzida pelos eventos); participam nas actividades criativas, vimento activo dos turistas já que
são algumas das referências citadas envolvendo-se em experiências pressupõe uma interacção reflexiva da
por Richards e Wilson (2005). turísticas criativas. Pode resultar da sua parte. Richards e Wilson (2005:3)
Estas estratégias têm, no entanto, convergência entre os espectáculos e referem como fundamental para o
gerado algum criticismo pelos custos os espaços criativos. desenvolvimento do «Turismo Cria-
que envolvem e por serem imitação de Os espaços criativos são normal- tivo», conseguir-se proporcionar um
outras, pelo que será necessário criar mente vazios de ideias/temas fixos, contexto em que a experiência não só
modelos alternativos. pois são espaços multi-funcionais e se torna um espaço de aprendizagem,
Evans (2007) numa abordagem podem ser flexíveis às narrativas par- mas também se traduz numa transfor-
crítica à emergência deste novo pa- ticulares. Em cidades como Roterdão, mação do “eu”.
radigma procurou sistematizar aquilo Manchester e Barcelona estes espaços No conceito de «Turismo Criativo»
que identifica como caracterizador das reúnem um conjunto de residentes o mais importante para os responsá-
comunidades criativas, estabelecen- permanentes associados ao desen- veis pela gestão é que a criatividade
do desta forma as fronteiras com as volvimento de determinados clusters. deve ser um atributo do processo de
comunidades/cidades culturais. Assim, Em várias zonas rurais houve também produção, assim como do processo
segundo este autor, a comunidade tentativas de desenvolvimento de de consumo. Por outro lado, também
criativa reunirá uma ou mais das se- clusters criativos a partir de designers é desejável que a criatividade local
guintes características (idem, ibidem): e produtores de artesanato que têm esteja associada aos mercados glo-
• Cultura cosmopolita estado na origem de fluxos de turismo bais, por exemplo, através de ícones
• Consumo e produção criativa cultural. Em Barcelona, a cozinha é e temas globais (Richards, 2006) (e.g.
Descobrimentos, em Portugal; Gaudí, de na nossa comunidade e, por outro forma cooperativa e activa. Devem ser
em Barcelona). lado, acreditamos que existem claras desenvolvidos programas de sensibi-
Uma das medidas a concretizar vantagens competitivas na região para lização da comunidade para educar o
para que estas “cidades criativas” a afirmação de uma estratégia baseada público acerca dos benefícios do turis-
promovam o desenvolvimento de clus- nestes elementos. Não será este o mo- mo e como podem eles efectivamente
ters associados ao turismo e à cultura mento de renovar a estratégia de de- participar nos programas turísticos,
e para que sejam uma realidade em senvolvimento regional a partir destes assim como, a sua responsabilidade
Portugal tem que ver com «o desenvol- vectores: Turismo, Criatividade e Cultu- como receptores de turismo.
vimento de sistemas organizacionais ra (no seu sentido mais abrangente)?
que tragam as organizações culturais A nível internacional este movimen-
para o centro do processo de tomada to, que se começa a generalizar - de
de decisões (…)» (Costa, 2005:294), no desenvolvimento de estratégias cria- 1 Sobre a definição de turismo cultural e
que ao turismo diz respeito. tivas de regeneração dos tecidos eco- a discussão em torno do conceito (e porque
nómicos e sociais, a partir da cultura não se estabeleceu como um objectivo do
Conclusão e do turismo -, poderá ter raízes, num presente artigo), remetemos para a nossa
Estado menos interventor, em políticas obra publicada Gonçalves, M.ª Alexandra
A relação entre a criatividade e o mais liberais, no incentivo ao empre- (2003) O património cultural nas cidades
turismo ainda está a dar os primeiros endedorismo e ao auto emprego, para como oferta complementar ao produto ‘sol
passos, mas possui na nossa perspecti- além de outros fenómenos sociais, que e praia’ no Algarve, colecção «Temas de Tu-
va, um grande potencial de desenvolvi- deverão ser identificados por investi- rismo», Instituto de Financiamento e Apoio
mento em face da emergência de novas gação científica a promover. Também ao Turismo/GEPE/Ministério da Economia.
necessidades de lazer, da crescente terão contribuído as iniciativas como 2 Termo utilizado para se referir a con-
necessidade de reinvenção das econo- as Capitais Europeias da Cultura e glomerados ou concentrações geográficas
mias, dos novos consumos, das novas a necessidade de recuperação das de empresas interligadas que actuam num
tendências de regeneração urbana. cidades pós industriais, associados a mesmo sector de fornecedores especializa-
Subsiste-nos uma questão prin- um aumento dos níveis de educação dos, provedores de serviços e instituições
cipal: Porque continuamos a recusar da população e da percentagem de associadas, tendo em comum, além da
estratégias para o desenvolvimento do empregos associados às artes e à localização, a contribuição para o desen-
turismo assentes nas dinâmicas cultu- cultura. volvimento de produtos dessa região. São
rais e patrimoniais? O que esperam os Para que este tipo de turismo possa norteadas por princípios como a coope-
agentes culturais para cooperar com ser uma realidade é fundamental que a ração, a complementaridade, o senso de
os do turismo no sentido de tornar o sociedade civil e os agentes responsá- comunidade e a competição.
Algarve uma região criativa? veis pelas políticas de desenvolvimento 3 B. Pine e J. Gilmore (1999), The Expe-
Por um lado, parece-nos que já do destino turístico estabeleçam uma rience Economy. Harvard University Press,
reunimos algumas das condições política de turismo cultural e envol- Boston.
apontadas para construir a criativida- vam todas as partes interessadas, de

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http://www.geografiasdohiphop.blogspot.com/,[on-line] 20/12/2006.

Outra Bibliografia Consultada:

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the International Conference on Heritage, New Technologies and Local Develop-
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