Você está na página 1de 8

pesquisa / research

SOUZA JL; CASALI VWD; SANTOS RHS; CECON PR. 2008. Balanço e análise da sustentabilidade energética na produção orgânica de hortaliças.
Horticultura Brasileira 26: 433-440.

Balanço e análise da sustentabilidade energética na produção orgânica


de hortaliças
Jacimar Luiz de Souza1; Vicente Wagner D Casali2; Ricardo HS Santos2; Paulo R Cecon2
1
INCAPER–Centro Regional Centro-Serrano, 29375-000 Venda Nova do Imigrante-ES; 2UFV, 36570-000 Viçosa-MG;
jacimarsouza@yahoo.com.br

RESUMO ABSTRACT
Os insumos e serviços utilizados na produção vegetal represen- Energetic balance and sustainability analysis in the organic
tam custo energético. Dependendo desses fatores e das produtivida- production of vegetable crops
des obtidas, a conversão da produção em energia determinará a efi- The inputs used in crop production represent an energetic cost.
ciência energética do sistema. A agricultura orgânica somente atin- Depending on the inputs and on the achieved yields, the conversion of
girá a missão de preservação ambiental se tiver comprovada the harvest into energy will determine the energetic efficiency of the
sustentabilidade energética. Neste trabalho, objetivou-se caracteri- system. Organic agriculture will fully meet the goal of environmental
zar os balanços energéticos dos cultivos orgânicos e analisar sua conservation only if its energetic sustainability is accomplished. The
sustentabilidade, em comparação aos sistemas convencionais. objectives of this study were to characterize the energetic balance of
Monitoraram-se campos de produção de dez culturas, de 1991 a 2000 organic vegetable production and to analyze its energetic sustainability,
em Domingos Martins-ES. Os dados do sistema convencional fo- compared to conventional vegetable crop production systems. Field
ram obtidos pelas médias dos coeficientes técnicos da região. data were collected from ten vegetable crop fields, from 1991 to 2000
Quantificaram-se os coeficientes técnicos, convertendo suas gran- in Domingos Martins, Espírito Santo State, Brazil. Data from the
dezas físicas em equivalentes energéticos, expressos em kcal. O sis- conventional system were obtained in the region. The technical
tema orgânico gastou 4.571.159 kcal ha-1 e apresentou 12.696.712 coefficients of the systems were quantified and converted to an energy
kcal ha-1 de energia inserida na colheita, mostrando balanço médio equivalent (kcal). The general average of the organic system was an
de 2,78. Esse valor foi similar ao obtido no sistema convencional input of 4,571,159 kcal ha-1 and an output of 12,696,712 kcal ha-1 at
(1,93). As participações dos componentes nos gastos do sistema or- harvest, presenting an energetic balance of 2.78. This balance was
gânico foram embalagem (35,8%), composto orgânico (17,2%), ir- similar to the conventional system (1,93). The components of the
rigação (12,6%), sementes/mudas (12,4%) e mão-de-obra (11,0%), energetic inputs in the organic system were packaging (35,8%), organic
serviços mecânicos (5,0%) e frete (4,5%). Se os custos com embala- compost (17,2%), irrigation (12,6%), seeds/seedlings (12,4%) and
gens fossem eliminados, os gastos do sistema orgânico seriam redu- labor (11,0%), machinery (5,0%) and transport (4,5%). If package
zidos para 2.930.113 kcal ha-1, aumentando sua eficiência. A maio- costs were removed, the energetic inputs on the organic system would
ria dos cultivos orgânicos pode ser considerada sustentável em trans- be reduced to 2,930,113 kcal ha-1, greatly improving its energetic
formação de energia, com balanços superiores a 1,00 e produção efficiency. Most of the crops could be considered sustainable regarding
média diária de 80.421 kcal ha-1 por dia, superior à necessidade mí- energy conversion, presenting balances higher than 1.00. The daily
nima de 58.064 kcal ha-1. average energy yield in the organic system was 80,421 kcal ha-1 day-1
and was considered sustainable, higher than the minimum estimated
calories need (58.064 kcal ha-1).

Palavras-chave: Agricultura orgânica; produtividade; sistemas de Keywords: Organic agriculture; yield; crop systems; energetic ba-
cultivo; balanço energético. lance.

(Recebido para publicação em 5 de novembro de 2007; aceito em 17 de outubro de 2008)


(Received in November 5, 2007; accepted in October 17, 2008)

V isando garantir alimentação, pro-


teção, transporte, saúde, diversão e
outras funções e bens de consumo do ser
Nas últimas décadas, a agricultura
tem priorizado a alocação de quantida-
des cada vez maiores de energia nos sis-
Gliessman, 2000). Segundo MAFF
(2000), citado por Ozkan (2004), siste-
mas orgânicos de produção, que
humano, muita energia é gasta, indepen- temas produtivos, visando aumentar os priorizam o uso de insumos de menores
dente da forma e da fonte energética. Nos rendimentos físicos. No modelo de pro- custos energéticos que aqueles industria-
agroecossistemas, a energia está na for- dução mais usual atualmente, a quanti- lizados, tendem ao gasto energético
ma de radiação solar que alimenta a dade de energia investida na produção menor e eficiência maior que sistemas
fotossíntese, gerando biomassa; na forma de alimentos, muitas vezes tem sido convencionais.
de trabalho humano, animal ou mecâni- maior do que o retorno conseguido em O Brasil gasta 2,6 kcal ao produzir
co; ou ainda contida em combustíveis, valor energético dos produtos, propor- 1,0 kcal de alimentos (balanço
adubos, ferramentas, sementes e demais cionando baixa eficiência e balanço ne- energético = 0,38). Os países desenvol-
insumos da agricultura (Mello, 1989). gativo (Pimentel et al., 1990; vidos já estão gastando mais de 5,0 kcal;
Hortic. bras., v. 26, n. 4, out.-dez. 2008 433
JL Souza et al.

os EUA gastam 9,0 kcal e o Japão 12,0 objetivos caracterizar os balanços monitoramento do sistema orgânico de
kcal. É interessante notar que nos diver- energéticos e analisar a sustentabilidade produção de 10 culturas olerícolas, na
sos países, à medida que a demanda energética dessa produção, ao longo de área experimental de agricultura orgâ-
energética aumenta na agricultura, tam- dez anos, comparadas ao sistema con- nica do INCAPER. As produções orgâ-
bém aumentam as necessidades de vencional, na região serrana do estado nicas, extrapoladas para 1 ha de cada
fosfato e do emprego de agrotóxicos, e do Espírito Santo. hortaliça, foram obtidas de 1991 a 2000.
vice-versa (Almeida, 2005). Foram comparadas as quantidades
Os sistemas de monocultura do mo- MATERIAL E MÉTODOS de energia embutidas apenas nos pro-
delo convencional de produção, basea- dutos comerciais (produtividade comer-
do na agroquímica, causam redução na A área experimental de agricultura cial, após a seleção e classificação), re-
eficiência energética, devido à pequena orgânica do Centro Regional de Desen- lacionando-se com o total de energia
cobertura do solo (que induz perdas por volvimento Rural do INCAPER, abran- investida na produção (embutida nos
evaporação e por erosão), associado à ge 3 ha e localiza-se na região serrana insumos, serviços, equipamentos e fre-
grande dependência de insumos exter- do Espírito Santo, na altitude de 950 m, te), obtendo-se assim o balanço
nos (adubos minerais e agrotóxicos, no município de Domingos Martins. energético de cada plantio de cada cul-
ambos de alto custo energético). Nesse Nesta região, a temperatura média das tura. Os números de plantios, que origi-
sentido, o emprego de práticas que re- máximas nos meses mais quentes está naram as médias apresentadas neste tra-
duzam os problemas delineados pode ser entre 26,7 e 27,8°C e a média das míni- balho foram: abóbora (12), alho (14),
a alternativa para o aumento da eficiên- mas nos meses mais frios entre 8,5 e batata (8), batata-baroa (9), batata-doce
cia dos sistemas produtivos, especial- 9,4°C. Os 16 talhões dessa área foram (13), cenoura (17), couve-flor (12), re-
mente pelo emprego de rotações de cul- caracterizados individualmente desde o polho (15), taro (6) e tomate (9). Os va-
tura e manejo de espécies próprias para início do projeto e os plantios das cul- lores obtidos para o balanço energético
adubação verde, para cobertura do solo turas em rotação nestes talhões foram podem ser menores que 1,0 (indicando
e fixação de carbono e nitrogênio (Uri utilizados como repetições temporais balanço negativo, pois a energia gerada
et al., 1998; Santos et al., 2000; Li et para medir o desempenho produtivo das na forma de produtos foi menor do que
al., 2002). diversas espécies olerícolas no sistema aquela consumida no processo produti-
Ferraro Júnior (1999) argumenta que orgânico. vo; iguais a 1,0 (indicando balanço nulo,
a transição para a sustentabilidade, pres- Os métodos de produção, além de pois a energia gerada na forma de pro-
supõe a identificação de sistemas efi- seguirem os princípios da Agroecologia dutos foi igual àquela consumida no pro-
cientes em longo prazo, e que avalia- (Souza & Resende, 2003), foram apli- cesso produtivo; ou maiores que 1,0 (in-
ções meramente financeiras de sistemas cados conforme as determinações da dicando balanço positivo, pois a ener-
têm horizonte demasiadamente curto legislação brasileira (Lei nº 10.831, do gia gerada na forma de produtos foi
pois estão sujeitas a distorções impos- Ministério da Agricultura, de 23/12/03). maior do que aquela consumida no pro-
tas pelas flutuações do mercado, o que Entre os métodos empregados, desta- cesso produtivo.
não é o caso das avaliações em torno cam-se: compostagem orgânica; aduba- Como referenciais comparativos fo-
dos fluxos de energia. Por isto, as análi- ção verde; manejo de ervas espontâneas; ram utilizados os coeficientes técnicos
ses energéticas têm proporcionado cobertura viva e morta; rotação e suces- médios dos sistemas convencionais de
maior segurança nos estudos de longo são de culturas, controle alternativo de produção das mesmas espécies de hor-
prazo, assim como na comparação en- pragas e doenças. taliças e a produtividade média usual-
tre culturas, sistemas e atividades A mensuração energética deste tra- mente alcançada na região (Souza,
agropecuárias, desenvolvidas em diver- balho consistiu na transformação de to- 2005). Estes componentes foram trans-
sos locais, que possuem características dos os coeficientes técnicos (materiais, formados em valores calóricos, de for-
próprias de cada região e país. insumos e serviços) em unidades de ma análoga à metodologia aplicada no
A definição de sustentabilidade é energia ou unidades calóricas equivalen- sistema orgânico de produção. Estes
muito variável, englobando conceitos tes. Por não encontrar padronização de- dados energéticos do sistema conven-
que abordam simples ajustes no atual finida na bibliografia nacional e inter- cional constituíram a referência
padrão produtivo, até aqueles que abor- nacional consultada, a unidade de me- populacional, com a qual foram anali-
dam conceitos de longo prazo. Porém, dida de energia foi a Quilocaloria (1 kcal sados comparativamente os desempe-
análises de sustentabilidade devem to- = 1.000 cal), por ser unidade básica de nhos dos cultivos orgânicos.
mar por base a eficiência energética dos fácil compreensão. O limite de contabi- Os valores calóricos adotados para
sistemas. Portanto, sistemas orgânicos lidade energética de cada cultura com- insumos, materiais, produtos e serviços
de produção, que sejam tecnicamente preendeu as fases desde o preparo do estão detalhados em Souza (2006) e
eficazes, ecologicamente corretos, eco- solo até a entrega do produto no merca- apresentados resumidamente a seguir:
nomicamente viáveis e socialmente jus- do, englobando os gastos com embala- Insumos orgânicos - adotou-se o valor
tos, tornam-se insustentáveis se não fo- gem e frete. Os coeficientes técnicos (in- de 15 kcal kg-1 para resíduos vegetais e
rem energeticamente eficientes. Por este dicadores físicos) foram propostos por esterco de gado e o valor de 30 kcal kg-1
motivo, o presente trabalho teve por Souza (2005), no acompanhamento e para outras fontes de esterco. Para o

434 Hortic. bras., v. 26, n. 4, out.-dez. 2008


Balanço e análise da sustentabilidade energética na produção orgânica de hortaliças

composto orgânico e o biofertilizante kcal ha-1) e destorroamento com rotativa energia, balanço energético e participa-
enriquecido, realizaram-se cálculos do de micro-trator (10.035 kcal ha -1 ção dos componentes nos gastos totais.
processo de produção local. O compos- (Ferraro Júnior, 1999)); Serviços ma-
to totalizou 25.700 kcal kg-1 a 50% de nuais - os gastos calóricos das diversas RESULTADOS E DISCUSSÃO
umidade final (forma utilizada nas adu- atividades executadas foram obtidos por
bações das culturas). O biofertilizante estimativa, proporcionalmente ao esfor- Produtividades e Saídas de ener-
líquido somou 13 kcal L-1; Sementes e ço necessário na realização de cada ati- gia - As produtividades e os respectivos
mudas - Para sementes botânicas e vidade, balizados no valor médio de conteúdos de energia de cada hortaliça
propágulos vegetativos multiplicadas no 2.400 kcal dia -1 (300 kcal hora -1 nos sistemas orgânico e convencional
próprio sistema orgânico, foram feitos (Gliessman, 2000; Ferraro Júnior, foram semelhantes. Não houve diferen-
cálculos dos gastos envolvidos nos pro- 1999)); Irrigação - os valores calóricos ça estatística na maioria das espécies,
cessos, inserindo gastos com mão-de- foram estimados para cada cultura, ba- exceto para o repolho que produziu mais
obra na seleção, armazenamento e pre- seando-se nos dados médios do consu- biomassa e energia no cultivo orgânico
paro das sementes e propágulos. Ba- mo de água na irrigação e nos valores e para o tomate, que produziu mais bio-
seou-se nos valores de 2400 kcal dia-1 médios de 0,131 kwh por m3 de água e massa e energia no cultivo convencio-
para a mão-de-obra, 0 kcal kg-1 para res- 860 kcal por kwh (Lima et al., 2005); nal. Verificou-se média de 12.696.712
tos culturais, sugerido por Ferraro Júnior Embalagens plásticas - baseou-se no kcal ha-1 exportada (saída) do sistema
(1999) e nos conteúdos calóricos dos peso das embalagens e no valor orgânico, estatisticamente igual à expor-
produtos sugeridos por Franco (1999). energético dos plásticos (inclusive tação do sistema convencional, que foi
Quanto às sementes adquiridas no mer- isopor/poliestireno), 9.000 kcal kg-1, se- de 13.025.950 kcal ha-1 (Tabela 1).
cado (abóbora, cenoura, couve-flor e gundo Sakurai (2004) e IPT (2005);
Entradas de energia - Os gastos de
repolho), optou-se pelo método que ava- Caixas e engradados de madeira -
energia (entradas) foram significativa-
lia os custos energéticos pelos custos valor calculado em 75 kcal por unida-
mente menores no cultivo orgânico de
financeiros da matriz energética brasi- de, para cada utilização (considerou-se
abóbora, alho, batata, couve-flor, repo-
leira, segundo Mello (1989). A obten- a re-utilização em 30 vezes). Baseou-se
lho e tomate, enquanto os cultivos or-
ção do valor energético da moeda se deu nos gastos para cada unidade, na base
gânicos de batata-baroa, batata-doce,
pela razão entre o consumo de energia de 3 kg de madeira processada (597 kcal
cenoura e taro apresentaram gastos si-
primária (kcal) e o PIB (Produto Inter- kg-1), 0,25 hora de serviço (500 kcal
hora-1) e 30 gramas de pregos (11.090 milares ao convencional (Tabela 1). Na
no Bruto, em Reais), no ano de 2004,
kcal kg-1); Frete - 880 kcal por t km-1, comparação média entre os sistemas, o
ou seja, 1.008,4 kcal Real-1; Adubos
obtido pela razão entre o custo gasto de energia foi considerado esta-
minerais e corretivos - nitrogênio
energético total do setor, relatados no tisticamente igual (orgânico = 4.571.159
(14.930 kcal kg-1 (Felipe Júnior et al.,
BEN 2005 (MME, 2005) e o volume de kcal ha-1 e convencional = 6.766.464
1984, citados por Ferraro Júnior, 1999));
carga transportada (ANTT, 2005); Va- kcal ha-1).
fósforo e potássio (3.000 kcal e 1.600
kcal kg-1 de P2O5 e de K2O, respectiva- lor calórico dos produtos - utilizaram- O menor gasto energético foi verifi-
mente (Lockeretz1980)); micronutrien- se os valores médios descritos por Fran- cado para o cultivo orgânico da abóbo-
tes (1.291 kcal kg-1, estimado pela ma- co (1999), tendo por base a massa fres- ra (1.598.512 kcal ha-1) e o maior foi
triz energética brasileira de1.008,4 kcal ca das hortaliças. verificado no cultivo convencional de
R$-1); calcário dolomítico (132.822 kcal A análise de sustentabilidade tomate (16.641.459 kcal ha-1) nos plan-
t-1 (Macedônio & Picchioni, 1985)); cal energética foi baseada no atendimento tios a campo. O total dos gastos
virgem (2.408 kcal kg-1 (Mello, 1989)); dos índices mínimos em dois aspectos: energéticos para cultivo convencional de
sulfato de cobre (400 kcal kg-1, valor 1) No sistema de produção deve haver tomate em ambiente protegido, relata-
similar ao sulfato de potássio e saldo de energia, isto é, o conteúdo de do por Ozkan et al. (2004), foi de
magnésio, relatados por Ferraro Júnior, energia nos produtos colhidos (saídas) 30.431.381 kcal ha-1, comprovando que
1999); Calda bordalesa - 18,6 kcal L-1 deve ser igual ou superior aos seus pró- o uso de insumos industriais eleva o dis-
(cálculo baseado nos componentes e prios gastos (entradas), com balanço pêndio energético para a produção de
serviços); Óleo diesel - 8.484 kcal L-1 energético igual ou superior a 1,00. 2) alimentos.
(MME, 2005); Agrotóxicos - herbicidas A produção de energia por unidade de Verificou-se que o maior aporte de
(83.572 kcal L-1); inseticidas (60.393 área deve ser igual ou superior a 58.064 energia, não necessariamente se relaci-
kcal L-1); fungicidas (50.083 kcal kg-1); kcal ha-1 por dia. Este índice baseia-se ona com balanço energético menos fa-
outros pesticidas: acaricidas, na necessidade per capita de 3.000 kcal vorável. Contrariamente, dentro dos li-
espalhantes (64.683 kcal por kg ou L dia-1, na demanda mínima de energia mites avaliados, verificou-se que maio-
(Pimentel, 1980)); Energia elétrica - para atender à subsistência de 6 bilhões res entradas de energia na produção de
860 kcal kwh-1, publicado no Boletim de pessoas (18 x 1012 kcal dia-1) e na área todas as culturas relacionaram-se dire-
Energético Nacional de 2004, pelo Mi- cultivada no mundo (0,31 x 109 ha), con- tamente com maiores balanços
nistério das Minas e Energia (MME, forme Ferraro Júnior (1999). energéticos. Isto se deve ao fato do au-
2005); Serviços mecânicos - aração As variáveis analisadas foram: pro- mento na produtividade das hortaliças
(136.010 kcal ha-1), gradagem (47.976 dutividade, saída de energia, entrada de promover aumento nas entradas de ener-

Hortic. bras., v. 26, n. 4, out.-dez. 2008 435


JL Souza et al.

gia, pelo aumento no gasto de mão-de- Tabela 1. Médias do desempenho produtivo e energético de dez culturas olerícolas em siste-
obra na colheita e maiores gastos com mas de produção orgânico e convencional de 1991 a 2000 (productive and energy acting
embalagens e com frete. Porém, o au- averages comparison of ten vegetable crops cultivated under organic and conventional
mento demandado nas entradas é me- production systems, from 1991 to 2000). Domingos Martins, INCAPER, 20061.
nor que o aumento observado nas saí-
das de energia, favorecendo então o ba-
lanço energético.
Balanço energético - Na Tabela 1
estão os balanços energéticos de cada
espécie, na comparação entre os dois
sistemas de produção. Foi comprovada
maior eficiência energética em favor do
cultivo orgânico para abóbora, alho, re-
polho e tomate. Apenas o cultivo con-
vencional de cenoura apresentou-se
mais eficiente que o cultivo orgânico.
Nas demais culturas, os sistemas se
equivaleram em eficiência.
O balanço energético médio do sis-
tema orgânico foi 2,78, contra 1,93 do
sistema convencional, não diferencian-
do-se estatísticamente pelo teste ‘t’, ao
nível de 5 % de probabilidade. Isto pos-
sivelmente foi devido ao pequeno nú-
mero de amostras e à alta variabilidade
nos dados e está coerente com os resul-
tados relatados por MAFF (2000), cita-
do por Ozkan et al. (2004), que relatou
índice de balanço energético de 5,31
para cultivos orgânicos de hortaliças. 1
Médias marcadas com a mesma letra, nas colunas dentro de cada cultura e dentro da média, não
Este índice se assemelha aos observa- diferem entre si pelo teste ‘t’, ao nível de 5% de probabilidade (means followed by the same
dos neste trabalho para o cultivo orgâ- letter, in the columns for each crop and means, did not differ from each other, ‘t’ test, 5%).
nico de repolho (4,07), de batata-baroa
(4,38) e de batata-doce (6,58).
Ressalta-se que as embalagens plás- ral e colheita mecânica, os gastos de A participação da adubação orgâni-
ticas, por representarem alto dispêndio energia foram maiores, fazendo com que ca com composto variou de 9,2% no
energético (exceto para a cultura da abó- o balanço energético fosse reduzido para tomate até 24,1% na abóbora, encerran-
bora), foram as principais responsáveis 4,55 calorias por unidade. do uma média de 17,2% no sistema or-
pela limitação da eficiência nos culti- Participação dos componentes - As gânico, com o desvio padrão de 5,58.
vos orgânicos, e que a redução ou eli- participações detalhadas dos componen- Gândara (1998), estudando balanços
minação destes custos favoreceriam tes nos custos calóricos de cada cultura energéticos no sistema orgânico de pro-
grandemente o balanço energético (Fi- no sistema orgânico e no sistema con- dução de alface e beterraba, no Distrito
gura 1). vencional estão apresentadas nas Tabe- Federal, verificou que o composto or-
Pimentel & Burgess (1980) também las 2 e 3, respectivamente. As médias de gânico representou 78% e 76% dos cus-
comprovaram que o aporte de insumos participações nos sistemas orgânico e tos energéticos da produção de 1 ha des-
industrializados e mecanização, aumen- convencional estão ilustradas na Figura sas culturas, respectivamente. Estes ín-
taram sobremaneira o aporte de energia 1. A embalagem foi o componente de dices são extremamente altos quando
na cultura do milho, reduzindo o balan- maior custo energético no sistema orgâ- comparados aos obtidos neste estudo, o
ço energético. Estes resultados são si- nico, com média de 35,8%. No sistema que é plenamente justificável, pois no
milares àqueles relatados por Mello convencional, as embalagens represen- trabalho de Gândara (1998) observou-
(1989), quando avaliou a eficiência taram apenas 4,0% e os adubos minerais se diferença metodológica em três as-
energética de quatro sistemas de produ- foram os mais onerosos, somando 45,8% pectos: 1) a contabilização energética foi
ção de milho em Santa Catarina. Foi do total, concordando com Gândara realizada apenas na fase de campo, não
verificado que a produção de milho com (1998) quando verificaram que os adu- se considerando a fase de colheita, em-
adubo orgânico e colheita manual teve bos minerais foram os componentes que balagem e frete, como no presente caso;
balanço energético de 6,61 calorias por mais oneraram energeticamente o culti- 2) a dosagem de composto contabilizada
unidade. No sistema com adubo mine- vo convencional de alface e beterraba. na alface e na beterraba foi 134,0 t ha-1,

436 Hortic. bras., v. 26, n. 4, out.-dez. 2008


Balanço e análise da sustentabilidade energética na produção orgânica de hortaliças

Figura 1. Média da participação relativa dos componentes nos custos calóricos da produção de hortaliças, em dois sistemas de cultivo
(relative average participation of the components in the caloric costs of the vegetables production in two cultivation systems): (A) orgânico
com embalagem e frete (organic with packaging and freight); (B) orgânico sem embalagem e frete (organic without packaging and freight);
(C) convencional com embalagem e frete (conventional with packaging and freight); (D) convencional sem embalagem e frete (conventional
without packaging and freight). Domingos Martins, INCAPER, 2006.

Tabela 2. Participação porcentual dos componentes nos custos energéticos totais de dez culturas olerícolas em sistema orgânico (percentual participation
of the components in the total energy costs of ten vegetable crops in organic production system). Domingos Martins, INCAPER, 2006.1

1
Os valores, para cada cultura, são médias de vários cultivos no período de 1991 a 2000 (values, for each vegetable crop are averages of the
fields, from 1991 to 2000).

Hortic. bras., v. 26, n. 4, out.-dez. 2008 437


JL Souza et al.

Tabela 3. Participação porcentual dos componentes nos custos energéticos totais de dez culturas olerícolas em sistema convencional (percentual
participation of the components in the total energy costs of ten vegetable crops in conventional production system). Domingos Martins,
INCAPER, 2006.1

1
Os valores, para cada cultura, são médias do sistema convencional da região, no ano 2000 (values, for each vegetable crops are averages of
the conventional system of the region, in 2000).

ao passo que nas espécies aqui avalia- tes ficaria assim: composto orgânico gerado pelo balanço energético, obser-
das, empregou-se 15 a 30 t ha-1; 3) o (28,8%), irrigação (21,1%), sementes e varam-se dados bastante variáveis, tan-
valor calórico por t do composto foi mudas (20,7%) e serviços manuais to entre as culturas como entre os siste-
52.940 kcal, contra um valor de 25.700 (18,5%). mas (Tabela 4). No sistema orgânico,
kcal adotado neste trabalho. Destaca-se que, na avaliação em que verificaram-se valores de 0,97 da cul-
Os componentes destinados à fertili- se inseriu o custo energético de emba- tura do tomate até 6,58 da cultura da
zação participaram de forma bastante di- lagem e frete, a mão-de-obra situou-se batata-doce. No sistema convencional,
ferenciada nos custos energéticos dos dois na 5ª posição em termos de dispêndio verificaram-se valores de 0,83 da cul-
sistemas. No sistema orgânico somaram de energia, e na avaliação sem inserir tura do tomate até 6,45 da cultura da
17,2%, com emprego apenas de compos- embalagem e frete, situou-se na 4ª po- batata-doce. A maioria dos cultivos foi
to orgânico (Figura 1A), ao passo que no sição, portanto não sendo considerado sustentável em transformação de ener-
sistema convencional somaram 49,3%, componente limitante energeticamente gia, à exceção dos cultivos de abóbora
com uso de esterco de galinha (3,5%) e em cultivo orgânico de hortaliças. no sistema convencional e de tomate em
adubos minerais (45,8%) (Figura 1C). Os elevados custos energéticos das ambos os sistemas.
As participações dos componentes, embalagens nos cultivos orgânicos in- No sistema orgânico, constatou-se
considerando apenas a fase de campo duzem a três reflexões importantes: 1) que as produtividades necessárias para
(sem contabilizar embalagem e frete), a cadeia de alimentos orgânicos de- que os balanços energéticos sejam
estão apresentadas nas Figuras 1B (sis- monstra que a produção tem caráter
iguais a 1,00 foram relativamente bai-
tema orgânico) e 1D (sistema conven- agroecológico e orgânico, mas o mer-
xas, tais como 12.722 kg ha-1 para a
cional). Verifica-se que o total de cus- cado mantém toda estrutura convencio-
cenoura e 13.592 kg ha-1 para o repo-
tos no sistema orgânico é reduzido de nal, não priorizando redução de custos
lho. No sistema convencional necessi-
4.571.159 kcal ha-1 a 2.724.411 kcal ha-1, energéticos; 2) reforça a importância de
tam-se rendimentos maiores para se
ou seja, diminuição de 40,4%. No siste- priorizar vias de comercialização de
ma convencional, pelo fato de já pos- maior aproximação do produtor com o alcançar esta sustentabilidade, devido
suir gasto calórico pequeno com emba- consumidor, sem emprego de embala- aos níveis elevados de aportes de ener-
lagens, esta redução seria menos inten- gens plásticas, através de feiras livres e gia, pelo emprego de insumos indus-
sa, em torno de 7,2% (de 6.766.464 kcal entregas por cestas; 3) confirma a ne- trializados.
ha-1 para 6.279.278 kcal ha-1). cessidade de desenvolvimento de alter- Quanto ao aspecto referente à quan-
No sistema orgânico, a grande redu- nativas de embalagens ecológicas, para tidade de energia produzida por unida-
ção dos gastos, principalmente ocasio- redução da poluição ambiental e de de área (Tabela 5), a média do siste-
nado pela ausência das embalagens, minimização de custos energéticos na ma orgânico foi 80.421 kcal ha-1 por dia,
elevaria a eficiência energética, aumentan- produção orgânica. considerada sustentável em nível de sub-
do o balanço de 2,78 até 4,66 kcal kcal-1. A Análise de sustentabilidade - No sistência. As produções calóricas indi-
participação dos principais componen- aspecto referente ao saldo de energia viduais de todas as culturas também

438 Hortic. bras., v. 26, n. 4, out.-dez. 2008


Balanço e análise da sustentabilidade energética na produção orgânica de hortaliças

Tabela 4. Produtividades, balanços energéticos e produtividades mínimas para balanços AGRADECIMENTOS


iguais a 1,00 (yield, energy balance and minimum yield for balance similar to 1,00). Domin-
gos Martins, INCAPER, 2006.
Ao INCAPER e à UFV, instituições
promotoras deste trabalho. Ao CNPq,
pelo apoio financeiro.

REFERÊNCIAS

ANTT - Agência Nacional de Transportes


Terrestres. 2005, 8 de dezembro. Transportes
terrestres, números do setor. Disponível em:
< h t t p : / / w w w. a n t t . g o v. b r / d e s t a q u e s /
ANTTemNumeros2005>.
ALMEIDA AF. Educação ambiental e qualidade
de vida. 2005. Disponível em: <http://
www.cbssi.com.br/revista01.htm>. Acesso em
15 de setembro de 2005.
FERRARO JÚNIOR LA. 1999. Proposição de
método de avaliação de sistemas de produção
e de sustentabilidade. São Paulo: USP-
ESALQ. 131 p. (Tese mestrado).
FRANCO G. 1999. Tabela de composição química
dos alimentos. 9 ed. São Paulo: Editora
Atheneu. 307p.
GÂNDARA FC. 1998. Produção de biomassa e
balanço energético em agroecossistemas de
produção de hortaliças, no Distrito Federal.
Brasília: UNB. 70 p. (Tese mestrado).
GLIESSMAN S. 2000. Agroecologia – Processos
ecológicos em agricultura sustentável. Porto
Alegre: Ed. Universidade/UFRGS. 653p.
IPT - Instituto de Pesquisas Tecnológicas. 2005,
10 de novembro. Linhas e Projetos de
Pesquisa: Plástico Biodegradável. Disponível
em: <http://www.ipt.br/atividades/inovacao/
exemplos/plastico/definicao>.
Tabela 5. Produção total e diária de energia no cultivo orgânico de dez culturas olerícolas LI F; GAO C; ZHAO H; LI X. 2002. Soil
conservation effectiveness and energy
(total and daily energy production in organic production system of ten vegetable crops).
efficiency of alternative rotations and
Domingos Martins, INCAPER, 20061. continuous wheat cropping in the Loess
Plateau of northwest China. Agriculture,
Ecosystems and Environment 91: 101-111.
LIMA JEFW; FERREIRA RSA; CHRISTOFIDIS
D. 2005. O uso da irrigação no Brasil. 13 p.
Disponível em: <http://www.cf.org.br/cf2004/
irrigacao.doc>. Acesso em 16 de novembro de
2005.
LOCKERETZ W. 1980. Energy inputs for
nitrogen, phosphorus, and potash fertilizers. In:
PIMENTEL D. (Ed.). Handbook of energy
utilization in agriculture. Florida: CRC Press,
1980. p. 23-26.
MACEDÔNIO AC; PICCHIONI SA. 1985.
Metodologia para o cálculo do consumo de
energia fóssil no processo de produção
agropecuária. Curitiba: Secretaria da
Agricultura, Departamento de Economia
Rural. 99p.
1
Ciclo médio de cada cultura no sistema orgânico, no período de 1991 a 2000 (Medium MELLO R. 1989. Um modelo para análise
cycle of each crop in the organic system, from 1991 to 2000) (SOUZA, 2005). energética de agroecossistemas. Revista de
Administração de Empresas 29: 45-61.
MME - Ministério das Minas E Energia. 2005.
Boletim Energético Nacional – BEN. Brasília.
podem ser consideradas sustentáveis, a da batata, com produção de 157.414 p. 129.
pois foram similares ou superiores a kcal ha-1 por dia. Os cultivos orgânicos OZKAN B; KURKLU A; AKCAOZ H. 2004. An
de batata-doce, repolho e cenoura tam- input-output energy analysis in greenhouse
58.064 kcal por ha dia-1, exceto a cultu- vegetable production: a case study for Antalya
ra da abóbora, que produziu apenas bém se destacaram com bom nível de region of Turkey. Biomass & Bioenergy 26:
26.639 kcal. A cultura mais eficiente foi produção de energia por área. 89-95.

Hortic. bras., v. 26, n. 4, out.-dez. 2008 439


JL Souza et al.

PIMENTEL D. (Ed.). 1980. Handbook of energy SAKURAI K. 2004. HDT 17: Metodo sencillo del SOUZA JL. 2005. Agricultura Orgânica:
utilization in agriculture. Florida: CRC Press. analisis de residuos solidos. Organización tecnologias para a produção de alimentos
475 p. Panamericana de la Salud. Disponível em: saudáveis, 2 v. Vitória: INCAPER. 257p.
PIMENTEL D; BURGESS M. 1980. Energy <http://www.bvsde.ops-oms.org/sde/ops-sde/ SOUZA, JL. 2006. Balanço energético em cultivos
inputs in corn production. In: PIMENTEL D. bv-residuos.shtml>. Acesso em 20 de julho de orgânicos de hortaliças. Viçosa: UFV. 207p.
(Ed.). Handbook of energy utilization in 2004. (Tese doutorado).
agriculture. Florida: CRC Press, p. 67-84. SANTOS HP; FONTANELI RS; IGNACZAK SOUZA JL; RESENDE P. 2006. Manual de
PIMENTEL D; DAZHONG W; GIAMPIETRO JC; ZOLDAN SM. 2000. Conversão e balanço Horticultura Orgânica, 2 ed. Viçosa: Aprenda
M. 1990. Technological changes in energy use energético de sistemas de produção de grãos Fácil. 560p. il.
in U.S. agricultural production. In: com pastagens sob plantio direto. Brasília: URI ND; ATWOOD JD; SANABRIA J. 1998. The
GLIESSMAN SR. (Ed). Agroecology: Pesquisa Agropecuária Brasileira 35: 743- environmental benefics and costs of
Researching the ecological basis for 752. conservation tillage. The Science of the Total
sustainable agriculture. New York: Springer- Environment 216: 13-32.
Verlag, p. 305-321. (Ecological Studies, 78).

440 Hortic. bras., v. 26, n. 4, out.-dez. 2008

Você também pode gostar