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Desenvolvimento sustentável
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Coordenador do Programa Áreas Protegidas da Amazônia, Secretaria de Biodiversidade e Florestas
(SBF), Ministério do Meio Ambiente (MMA), Engenheiro Agrônomo pela Escola Superior de Agricultura
Luiz de Queiroz, da Universidade de São Paulo, mestre em Conservação e Desenvolvimento Tropical e
Ph.D. em Antropologia pela University of Florida. As opiniões contidas neste documento retratam apenas
as reflexões do autor, e não do MMA.
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Desenvolvimento, a Rio 92, e seus documentos preparatórios, como o “Nosso Futuro
Comum” (WCED 1987), ao termo “desenvolvimento”, acostumamos juntar a palavra
“sustentável”. “Sustentável” é um adjetivo que tem se prestado a uma grande diversidade
de interpretações, desde de abordagens mais conservacionistas até as mais
desenvolvimentistas, às vezes com mais, às vezes com menos ênfase em atributos não-
ecológicos ou econômicos, tais como equidade social.
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A imagem da floresta em pé, preservada, ou utilizada de forma sustentável, não é a única
que se encaixa na noção de desenvolvimento sustentável. Podemos ter agricultura
sustentável, comércio sustentável, e até mesmo indústria sustentável sem manter a maior
parte da floresta em pé. Por exemplo, alguns dos sistemas agrícolas mais antigos do
mundo, como os campos de arroz do sudeste asiático, foram manejados de forma tão
sustentável que já perduram por mais de mil anos mantendo as economias locais. Mas a
floresta foi perdida.
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Conservação como base econômica do desenvolvimento
Para isso, precisamos pensar em quais são os produtos e serviços gerados pela atividade
conservacionista? Podemos citar, entre outros, os seguintes serviços gerados pela
atividade conservacionista:
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promover o desenvolvimento, e não para restringi-lo. Ao mesmo tempo, as políticas de
desenvolvimento devem servir para promover a conservação da natureza, não para
destruí-la. Raramente se pensa que os instrumentos normalmente utilizados para
promover o desenvolvimento (infra-estrutura, crédito, etc.) também devem ser utilizados
para promover o desenvolvimento com base conservacionista. Por exemplo, para o
desenvolvimento do ecoturismo, é preciso que as estradas cheguem aos pontos turísticos,
que existam aeroportos seguros e equipados, que haja crédito para os empreendedores,
etc. Ao mesmo tempo, é preciso que as normas de manejo do território garantam a
manutenção da paisagem e dos atrativos naturais, e que unidades de conservação sejam
criadas para proteger a fauna e a paisagem, e sejam divulgadas para atrair os turistas.
Para mobilizar esses recursos, é preciso demonstrar que o desenvolvimento com base
conservacionista é viável, e podem ser necessários exemplos bem sucedidos. Essa
credibilidade pode ter que ser construída também localmente, com o envolvimento da
população e o fortalecimento do capital social do território para a gestão do
desenvolvimento com base conservacionista.
Assim como a servidão florestal, a remuneração adequada dos bens e serviços gerados
pela conservação pode exigir a sua regulamentação legal, e até mesmo a elaboração e
implementação de legislação com esse fim. Eis outros exemplos: produção de água,
absorção e estocagem de carbono, regulação climática, uso de imagem, etc.
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Os desafios já são grandes para as unidades de uso sustentável e serão maiores para as de
proteção integral. Nos anos 80, os seringueiros do Acre e de Rondônia passaram a se
organizar para defender a floresta e regularizar a posse de suas terras com o argumento de
que poderiam ter um desenvolvimento com base conservacionista. Eles criaram uma nova
categoria de unidade de conservação (isto é, criaram nova legislação), envolveram a
população local e fortaleceram seu capital social e político, convenceram muitos políticos
e tomadores de decisão de que o modelo era viável, atraíram recursos gerados em
economias com outras bases, etc.
Vários esforços foram e têm sido realizados, e o início dos anos 90, quando as primeiras
reservas extrativistas foram criadas, foram também anos de debate entre os que
acreditavam na viabilidade do modelo criado pelos extrativistas liderados por Chico
Mendes (Allegretti 1989, 1994; Menezes 1994; Schwartzman 1992), e aqueles que
duvidavam (Browder 1992; Homma 1992; Homma 1989). Mas o modelo ainda não se
provou capaz de fazer mudanças significativas. Ninguém poderia esperar um retorno
imediato (mesmo a pecuária levou quase trinta anos com suporte de pesquisa da Embrapa
e grande capitalização dos pecuaristas para adquirir o grau de viabilidade que tem hoje na
Amazônia), mas quinze anos depois, e muitos investimentos realizados, vai chegando a
hora de ver essa árvore dar frutos.
Sistemas agroflorestais (SAFs) e agricultura orgânica (AO), por exemplo, são uma base
conservacionista para o desenvolvimento? Este é um debate interessante, e que
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geralmente surpreende. A primeira resposta é não, mas... depende. SAFs e AO substituem
a biodiversidade nativa por sistemas biológicos muito simplificados. Podem ser
sustentáveis, mas não são conservacionistas... mas depende! Depende de que associação é
estabelecida entre os SAFs e AO e a conservação. Por exemplo, seria uma base
conservacionista se houvesse a certificação de produtos de SAFs e AO produzidos no
entorno de uma UC com certificação de “amigos de UCs”, como uma estratégia para
reduzir impacto de atividades agropecuárias e aumentar o preço recebido pelos produtos
no mercado. Isto é, a diferença de preço dos produtos “amigos de UCs” tem base na
existência da UC, e portanto, tem base na conservação. Assim, a base é a conservação
quando o valor econômico tiver como base a atividade conservacionista, como expresso
acima.
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agregado e fica realmente no território. Se os donos do hotel ficam com a maior parte dos
recursos dos turistas, a distribuição dos benefícios não é eficiente, ou eqüitativa. Então, é
preciso fortalecer as cadeias econômicas que agregam valor, no território, aos produtos e
serviços gerados pela atividade conservacionista, distribuem os benefícios de forma
eqüitativa entre a população do território, e favorecem a permanência dos recursos no
território.
Um território também é criado quando existem mais de uma UC próximas umas das
outras, e é formado um mosaico. De acordo com a Lei 9985, do Sistema Nacional de
Unidades de conservação (SNUC), no Art. 26,
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levantamento que desenvolvi com colegas para a Secretaria de Desenvolvimento
Territorial do Ministério do Desenvolvimento Agrário (Weigand Jr. 2003), verificamos
que, nas experiências de desenvolvimento territorial que foram levantadas, mais
importantes que a identidade cultural eram as identidades de problemas e de
oportunidades. Por isso, a criação de uma unidade de conservação, de uso sustentável ou
proteção integral, pode gerar um território.
Os três elementos estruturais expressos acima são semelhantes aos de Cassarotto Filho e
Pires (1998), citados por Abramovay (s/d), para quem um “pacto territorial” deve
responder a cinco requisitos:
§ Mobilizar os atores em torno de uma "idéia guia".
§ Contar com o apoio destes atores não apenas na execução, mas na própria
elaboração do projeto.
§ Definir um projeto que seja orientado ao desenvolvimento das atividades de
um território.
§ Realizar o projeto em um tempo definido.
§ Criar uma entidade gerenciadora que expresse a unidade (sempre conflituosa,
é claro) entre os protagonistas do pacto territorial.
Para que as UCs sejam motores do desenvolvimento com base conservacionista, a forma
de conceber o plano de manejo precisa mudar, especialmente no caso das UCs de
proteção integral. Normalmente, os planos de manejo de UCs de proteção integral são
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elaborados sob a ótica da defesa da unidade contra uma ameaça externa, isto é, a
população e os agentes econômicos do entorno. Nas UCs de uso sustentável, o plano de
manejo não é concebido tão voltado para a proteção, mas é voltado para o interior da UC,
sem inseri-la no desenvolvimento de um território. No DTBC, o plano de manejo precisa
ser um plano de desenvolvimento territorial.
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atividade conservacionista e nos produtos que ela gera. A restrição ao desenvolvimento é
o caminho mais caro e cheio de conflitos.
Referências
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