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A importância do conhecimento das populações tradicionais para o

desenvolvimento sustentável:
perspectivas nacionais e globais

Maria Helena Ferreira de Andrade1

Resumo: ​O presente artigo se propõe a desenvolver uma comparação entre


a forma como o tema ambiental tem sido discutido no âmbito internacional e as
iniciativas nacionais em prol do desenvolvimento sustentável na Amazônia, como o
extrativismo vegetal em sistema agroflorestal e o pagamento por serviços
ambientais prestados pelas comunidades tradicionais. Ademais, o estudo pretende
reforçar o papel fundamental das comunidades ribeirinhas e indígenas na
conservação da Floresta Amazônica, destacando como seus conhecimentos podem
contribuir para o desenvolvimento econômico do Brasil e fazer a floresta valer mais
em pé do que derrubada.
Palavras-chave: ​Amazônia; meio ambiente; desenvolvimento sustentável;
política internacional.

Abstract: The current article aims to develop a comparison between the way
environmental issues have been discussed at international level and the Brazilian
initiatives for sustainable development in the Amazon, such as plant extractivism,
agroforestry and payment for environmental services provided by the traditional
communities. In addition, the study intends to present the fundamental role of the
riparian and indigenous communities in the conservation of the Amazon Forest,
stressing how their knowledge can contribute to the economic development of Brazil
and show how forests are worth more standing than overturned.
Keywords: Amazon; environment; sustainable development; international
politics.

1
Graduanda em Relações Internacionais pelo Instituto de Educação Superior de Brasília (IESB) e em
Ciência Política pela Universidade de Brasília (UnB). Delegada jovem do Brasil no Fórum das Nações
Unidas paras as Florestas (UNFF14).
E-mail: mhfand@gmail.com
INTRODUÇÃO

Através de estudos aprofundados sobre a proteção internacional do meio


ambiente e a evolução do pensamento ambiental global desde 1972, quando foi
feita a primeira conferência mundial sobre o tema, percebe-se que avanços
importantes já foram concretizados. Um exemplo considerável disso foi o abandono
da antiga visão antropocêntrica ao extremo em prol da criação do conceito de
desenvolvimento sustentável, termo que une a crescente preocupação com a
conservação ambiental às necessidades dos países de continuarem a se
desenvolver economicamente.
Contudo, ainda há muito a fazer. As discussões referentes ao meio ambiente
ainda têm certa dificuldade de atrair a atenção dos líderes mundiais, principalmente
em períodos de crise, quando os olhares se voltam para questões “mais urgentes”.
Mesmo no Brasil, um dos maiores atores globais sobre o tema, dada a relevância
mundial da Floresta Amazônica, a questão ambiental ainda deixa a desejar em
alguns aspectos.
Isso acontece principalmente pela falta de atenção dedicada à maior região
do país, dificultando a criação de políticas públicas voltadas à melhoria da realidade
socioeconômica local e inibindo as fortes contribuições que a Amazônia teria a
oferecer para a matriz produtiva sustentável do país.
Porque, ao contrário da ideia ultrapassada que o senso comum parece
cultivar da Amazônia, ela não se estagnou no tempo. Analisando historicamente,
inclusive, a região passou por momentos de muita efervescência. Manaus, capital
do Amazonas e antiga Paris dos Trópicos, que foi uma das primeiras cidades
brasileiras a receber energia elétrica e educação universitária (AMORIM, 2008), hoje
detém um dos maiores polos industriais do Brasil, responsável por parte importante
do PIB nacional.
Mas ainda antes do ​boom do extrativismo da borracha e do crescimento
econômico oriundo da Belle Époque, as populações indígenas e ribeirinhas,
chamadas de “povos da floresta”, contribuíram com grandes legados. Dois grandes
exemplos são a domesticação de plantas como a mandioca brava e os cogumelos
yanomami, importantíssimos para a segurança alimentar da Amazônia e de demais
regiões pelo mundo, e a utilização de óleos e ervas, como a copaíba, a andiroba e o
pracaxi, para fins medicinais e cosméticos, permitindo uma exploração sustentável
dos recursos da floresta.
A fim de trazer luz à essas questões, o presente artigo visa expor como tais
vantagens naturais podem ser potencializadas justamente através da cooperação
com os povos tradicionais, cujos conhecimentos diferenciados nos permitem
vislumbrar alternativas ao nosso modo habitual de pensar (CUNHA, 2016).

O MEIO AMBIENTE NO CONTEXTO INTERNACIONAL

Apesar de compromissos em relação às mudanças climáticas e proteção das


florestas tradicionalmente figurarem como temas de baixa prioridade na agenda de
políticos e planejadores urbanos, aos poucos esse quadro começa a mudar.
Como registrado por Azeredo e Drummond (2016, p. 109), a Agenda 2030
para o Desenvolvimento Sustentável deixa claro, em seu objetivo de erradicar a
pobreza e promover a sustentabilidade, que os desafios socioeconômicos e a
questão ambiental andam lado a lado.
Ademais, com a crescente conscientização ambiental dos consumidores no
Brasil (MENDES, 2006) e no mundo, como podemos perceber pelo surgimento de
movimentos veganos e de consumo consciente, somados a um maior engajamento
da juventude em movimentações de massa como o ​Fridays For Future,​ iniciado pela
ativista do clima Greta Thunberg, o chamado "mercado verde” passa a se tornar
uma interessante oportunidade de investimento.
Já em termos de visibilidade internacional, a preocupação ambiental acaba
se configurando como fator importante na hora das negociações entre países. Como
apontado por Ilan Culperstein (2016, p. 185), a imagem do Rio de Janeiro como
cidade sustentável é, por exemplo, parte da estratégia de captação de recursos e
investimentos externos, considerando principalmente a relação entre o Brasil e a
União Europeia, muito pautada no desenvolvimento sustentável.
Atualmente, há ainda um impacto direto das políticas ambientais locais nas
relações diplomáticas brasileiras. Como exemplo, podemos citar a ameaça feita pela
Noruega, uma das principais contribuintes para o Fundo Amazônia - uma reserva do
Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES) destinada a investimentos em ações
de combate ao desmatamento e promoção do uso sustentável da Amazônia Legal -
de suspender completamente a ajuda ambiental ao Brasil caso o país não tomasse
medidas para reduzir o desmatamento (CHADE, 2019).
Dentro desse cenário, o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas
(IPCC), a maior autoridade epistemológica na questão, passou a dar mais
relevância à sociedade civil e aos grupos indígenas nas negociações e buscas por
soluções. Isso foi possível graças a esforços anteriores, como as convenções 107 e
169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), redigidas em 1957 e 1989
respectivamente, pioneiras no estabelecimento de proteções fundamentais às
populações tradicionais (CUNHA, 2016).
Em 2019, ano internacional das línguas indígenas, essa preocupação se
tornou ainda mais latente. Um exemplo recente se deu no âmbito do Fórum das
Nações Unidas para as Florestas (UNFF14), que aconteceu em Nova York entre os
dias 6 e 10 de maio, quando a Santa Sé pronunciou sua preocupação com o futuro
da Amazônia e das comunidades que nela vivem.
Em seguida, diversos países, como o Equador, o Canadá e a Austrália
expuseram seus projetos de cooperação com as comunidades indígenas locais,
principalmente no que se refere a modos de produção agrícola. Tais iniciativas,
segundo as exposições, seriam benéficas não só para o empoderamento das
comunidades rurais de modo geral, mas principalmente de grupos marginalizados
como as mulheres e a juventude, de modo a caminhar para a realização de vários
Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) além do ODS15, referente à
proteção da vida na terra.
Já o Brasil, tradicionalmente líder em fóruns como esse, infelizmente
apresentou uma fala breve e genérica, esfriando a participação dos demais países
da Pan-Amazônia. Esperava-se mais de um país com proporções continentais, que
abriga cerca de 300 nações indígenas, a maior floresta tropical, o maior rio e o
maior aquífero do mundo, e seu comportamento chegou a ser criticado
informalmente por membros da sociedade civil de diversos países que estavam
presentes no evento.
Contudo, apesar do pouco engajamento internacional no tema florestal,
reflexo da política de governo atualmente em voga no Brasil, há vários projetos
sendo aplicados na região amazônica, principalmente através de ONGs e da
iniciativa privada, em prol valorização da economia verde e da floresta em pé.

PROJETOS EM CURSO

Um dos pontos repetidamente levantados durante os pronunciamentos no


Fórum para as Florestas foi a necessidade de desenvolver mais iniciativas
educacionais com o objetivo de engajar a juventude na valorização das riquezas
naturais.
É nesse sentido que surgiu, em 1995, no âmbito do Instituto Nacional de
Pesquisas da Amazônia (INPA), o Bosque da Ciência, uma área de 13 hectares
inaugurada para promover a difusão científica e preservar os aspectos da
biodiversidade. Também com o mesmo enfoque criou-se, em 2009, o Museu da
Amazônia (MUSA), cujo grande atrativo é uma torre de observação de 42 metros
que permite vislumbrar a beleza da floresta de uma perspectiva diferente da
habitual: por cima, e não por baixo.
Esse contato direto com a natureza é fundamental, já que só cuidamos do
que amamos, e só amamos o que conhecemos. Pensando nessa necessidade de
conhecer empiricamente as maravilhas da natureza que projetos mais recentes
começaram a se desenhar.
É o caso da Expedição Amazônia 21, idealizada pela Academia Amazônia
Ensina, e da ​Amazon Summer School​, um projeto da Fundação Amazônia
Sustentável (FAS). Ambos são programas educacionais de imersão na Amazônia
direcionados a jovens universitários, proporcionando a eles a chance de conhecer e
se envolver com as comunidades locais, valorizando os produtos regionais e
entendendo o papel da floresta na vida dos habitantes da Amazônia, que dependem
dela para seu sustento.
Dentro dessa perspectiva, a Galeria Amazônica atua, há dez anos, na
valorização da produção de biojóias e artesanatos indígenas, que por serem únicos,
acabam muito valorizados no mercado.
Uma outra forma de valorizar o conhecimento dos povos tradicionais é
através da indústria alimentícia. O Chocolate Amazônico Na'kau, por exemplo, é
feito com amêndoas e cacau selvagem da Amazônia, se valendo também de
produtos regionais como castanha, cupuaçu e pimenta baniwa.
Um outro exemplo conhecido é o Café Apuí Agroflorestal, o primeiro a ser
produzido de forma sustentável na Amazônia. Com o apoio do Instituto de
Conservação e Desenvolvimento Sustentável (IDESAM) e o financiamento do
Fundo Amazônia, as comunidades locais ainda se beneficiam do Programa Carbono
Neutro, que compensa emissões de Gases de Efeito Estufa (GEE) e gera renda
para as famílias envolvidas.
Assim, é possível perceber que apesar do desmatamento crescente que
ameaça a Floresta Amazônica nos últimos meses (VEJA, 2018), cada vez mais
pessoas têm a consciência de que a Amazônia é o laboratório das biocivilizações do
futuro (SACHS, 2008), e que em sua biodiversidade e nos conhecimentos
tradicionais dos indígenas e caboclos moram as as soluções para suprir às
necessidades das gerações por vir (XIMENES, 2019).

CONCLUSÃO

É preciso que o Brasil se reconheça como país florestal e perceba que a alta
biodiversidade amazônica, única no mundo, caracteriza-se como enorme vantagem
estratégica para o setor da biotecnologia e do extrativismo não-madeireiro, capaz de
transformar o país também em exportador de tecnologia, para além de sua vocação
agrícola.
Mas para isso é preciso investir em pesquisa, e não cortar os já escassos
recursos. Nesse contexto, é de fundamental importância revitalizar o Centro de
Biotecnologia da Amazônia (CBA), atualmente sucateado e subutilizado (XIMENES,
2019).
E de forma mais enfática, por ser o cerne de tudo, é preciso reconhecer que
a Amazônia não é um vazio demográfico, e sim o lar de 25 milhões de amazônidas
que muito poderiam melhorar de vida se a oportunidade existisse.
É preciso entender que proteger as florestas é criar empregos e empoderar
mulheres indígenas e ribeirinhas, artesãs e extrativistas, contribuindo para a
realização de diversos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável implementados
pela Agenda 2030 das Nações Unidas. É também lutar pela segurança alimentar,
pela saúde, pelo fim da pobreza e contra as mudanças climáticas. Mas acima de
tudo, proteger as florestas é proteger a humanidade. Lutar pela preservação da
natureza é lutar pela preservação de nossa espécie.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Brasil​. Disponível em: <http://www.sbpcnet.org.br/manaus/Newsletter14_17.php>.
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CUPERSTEIN, Ilan. "Cidades sustentáveis” no plano do discurso e da ação: o Rio


de Janeiro como estudo de caso. In: LUCIANO, Bruno Theodoro. ​União Europeia,
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Janeiro: Konrad Adenauer Stiftung, 2016. p. 147-159.

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Brasil​. Disponível em:
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