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e civilizadora
Ruínas de San Ignacio Mini, a 60km de Posadas, Argentina, para onde fugiram, em 1631,
jesuítas e índios Guarani de nossa região perseguidos pelos bandeirantes.
Maringá representa um caso raro, talvez único, na história. Pelo menos, do Brasil. Não se conhece outra
cidade elevada a bispado aos oito anos e nove meses da fundação. Que aos nove anos e dez meses tenha rece-
bido seu próprio bispo. Para estabelecer alguma semelhança, alguns recordam Brasília. Contudo, a diferença é
astronômica. A começar pelo fato de que na Capital Federal – como em outras cidades erguidas para atender
a projetos estratégicos ou políticos – o poder público injetou montanhas de recursos oficiais, enquanto aqui
tudo foi levantado pela iniciativa particular. Na sua edificação, Maringá deixou patente a grandeza de um
exército de humildes, mas corajosos trabalhadores, que de outra riqueza não dispunham além do amor pela
família e da vontade inquebrantável de alcançar melhor padrão de vida e futuro para os filhos. Com a força
única dos braços afrontaram o desafio de domar a mata e, valendo-se da produção do solo, ergueram uma
comunidade cujo valor maior se retrata no caráter das pessoas aqui radicadas. Maringá brotou do vigor de
homens e mulheres desprovidos de luxo, mas dispostos a vencer. Para cá se mudou, naquele início de derru-
bada da floresta, gente da lida, disposta a não se deixar esmagar pelas aflições e carências que hoje assombram
quem ouve contar. A cidade nasceu e se solidificou esquecida dos políticos e abastados, que por ela só vieram
a demonstrar interesse quando apareceram as primeiras promessas efetivas de retorno eleitoral ou financeiro.
Não obstante, também foi exigido algum tipo de presença do poder público. Ações desencadeadoras do
progresso dificilmente se produzem à margem do comando político ou econômico, quase sempre unificados
nas mesmas mãos. Em país patrimonialista e cartorial como o nosso, raros são os passos dados sem a autoriza-
ção, o beneplácito ou as benesses do governo. Não seria o Norte do Paraná que inauguraria regime de absoluta
autonomia dos empreendedores frente aos governantes. A colonização se fez a partir da entrega, por parte do
Estado, de imensas áreas a grupos dispostos a investir, na certeza de lucros vindouros. À União e Unidades Fe-
derativas sempre pertenceu o direito de posse ou de uso do território, cabendo-lhes historicamente disciplinar a
forma de apropriação da terra. A começar do projeto posto em prática, desde o descobrimento, pela metrópole
na exploração das riquezas naturais da nova colônia. Quatro séculos mais tarde, as mudanças na situação agrária
ainda refletiriam o prolongamento natural das políticas oficiais sobre o tema.
Até o início do século XVII, “todo o espaço paranaense se constituía em propriedade pública sob o
domínio da Coroa portuguesa”. A sesmaria, que disciplina o uso da terra no Brasil, determina a passagem
da forma pública para a particular, constituindo-se em regime jurídico de acesso à terra e repartição dela.
No Paraná, a primeira carta de sesmaria data de 1614 (SERRA, 1991, p. 44). Por séculos, será o modelo de
exploração das reservas naturais de um território por demais amplo e desconhecido.
Em 1808, por determinação do príncipe regente dom João, é concedido também a estrangeiros o di-
reito a sesmarias, com “a intenção de aumentar as lavouras e a população, que era muito pequena em todo o
Estado brasileiro” (CAMARGO, 2004, p. 199).1 Bem próxima da emancipação política do Paraná (1853) e,
por isso, influenciando significativamente a vida da nova Província, a Lei de Terras (Lei 601), de 1850, altera
o regime de exploração do solo, aceitando o conceito de colonização pelo qual se reconhece o direito de
“importar” colonos livres estrangeiros para serem empregados em colônias. Às autoridades da época figurava
impossível a tarefa de ocupar e aproveitar as imensas vastidões de um país continente com os poucos cidadãos
brancos aqui estabelecidos ou outros possíveis de, a partir da metrópole portuguesa, para cá se transferirem.
A prática de escravizar os indígenas aqui encontrados de há muito havia se revelado contraproducente e, por
isso, fora abandonada. O uso do escravo negro, importado da África, apesar de se prolongar por tempo exces-
sivamente superior ao verificado em outros países, já não oferecia as facilidades nem o rendimento econômico
dos primeiros tempos. Por outro lado, o clima tropical, tido por insuportável, e a terra, embora cheia de
promessas, também coalhada de agruras aparentemente invencíveis, não animavam o homem da metrópole a
um esforço do qual se sentia incapaz. Melhor arrebanhar gente mais afeita a esse rude mister. Daí a abertura
a colonizadores.
Mas o Paraná tardou a ver exploradas as suas áreas interioranas situadas mais para oeste, distantes do
litoral. Mesmo com a emancipação política, na segunda metade do século XIX, o aproveitamento e a povoa-
ção da Província continuaram a concentrar-se na região costeira, a partir de Paranaguá, subindo a Curitiba e
estendendo-se aos Campos Gerais. Desde a primeira metade do século XVII, o Paraná já era conhecido como
parte do Sul do Brasil, não só pela proximidade geográfica com o eixo São Vicente-Rio de Janeiro-Bahia, mas
também pela descoberta de ouro no litoral e nos sertões de Paranaguá. Como, no entanto, o rico metal não
aparecia em quantidade significativa, logo se extinguiu. Desde então, a economia estruturou-se, a partir de
1 A nova Província do Paraná revelou-se bastante aberta à colonização de agricultores estrangeiros e franqueou terra a imigrantes de
diferentes procedências, que aqui estabeleceram agrupamentos, preservando os traços da cultura de origem. O Paraná dos nossos
dias continua uma das unidades da Federação com maior número de grupos nacionais originários de países sobretudo da Europa
(alemães, russos, poloneses, ucranianos, italianos, suíços, holandeses), mas também japoneses, coreanos e outros. A propósito confira
Camargo (2004, p. 201-213).
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seguida de invernagem de gado muar que, a partir de 1731, com a abertura da Estrada
do Viamão, do Rio Grande do Sul, destinava-se à feira de Sorocaba, objetivando os
trabalhos e transportes das minas gerais e das fazendas de café. [...] Organizaram-se
pousos, invernadas, freguesias, como as de Sant’Ana do Iapó, de Santo Antonio da
Lapa, e outras, originando vilas e cidades do Paraná tradicional. Com base no criatório
e na invernagem, foram ocupados os campos de Curitiba, os Campos Gerais, bem
como, no século XIX, aqueles de Guarapuava e Palmas (CARDOSO; WESTPHALEN,
1981, p. 19).
Só lá pelo final do século XIX tem início o desbravamento das terras do noroeste, partindo do Norte
Pioneiro, já parcialmente ocupado, próximo à divisa com o Estado de São Paulo, no prolongamento da Es-
trada de Ferro Sorocabana. A fama das “terras roxas do Paraná” já houvera anteriormente alcançado Itajubá
(MG), motivando o major Thomaz Pereira da Silva, em 1865, a formar sociedade com amigos e parentes
para adquirir a posse de Domiciano Machado, uma gleba junto ao rio das Cinzas. Ele se deslocou de Minas
Gerais, no final do ano, pelo caminho conhecido de então, que seguia por Pouso Alegre, Ouro Fino, Itapira,
Mogi-Mirim, Amparo, Campinas, Itu, Sorocaba, Itapetininga, Itaporanga para, finalmente, cruzar o rio Ita-
raré, penetrando no Paraná. A fertilidade do solo atraiu mais gente de Minas e também da Província de São
Paulo, além de fluminenses e capixabas, que formaram imensos cafezais. Assim tiveram origem cidades como
Tomazina, São José da Boa Vista, Siqueira Campos, Venceslau Brás, Ibaiti, Pinhalão e Jaboti.
Embrenhando-se, agora, mais para oeste, a ocupação chegou até o rio Tibagi, onde se deteve. Atribui-
se a João da Silva Machado, conhecido como barão de Antonina, a fundação, em 2 de janeiro de 1851, da
Colônia Militar de Jataí, junto do rio Tibagi, onde tropas brasileiras se aquartelaram para enfrentar as tropas
de Francisco Solano López, na Guerra do Paraguai. O barão passaria a ser conhecido pelos serviços prestados
ao Império e pela extensão de terras das quais se apropriou (SERRA, 1991, f. 47-49; CAMARGO, 2004,
p. 120-125).
A região comumente chamada Norte do Paraná pode ser definida como a soma ter-
ritorial dos vales muito férteis formados pelos afluentes da margem esquerda do rio
Paraná e Paranapanema, no arco que esses dois cursos d’água traçam entre as cidades
de Cambará e Guaíra. É suave o relevo e muito regular a distribuição dos rios. Colinas
mansas, vales não muito profundos, espigões abaulados e de fácil acesso. A orientação
predominante dos afluentes do Paranapanema é Sudeste-Noroeste, e todos eles inte-
gram a rede hidrográfica característica do planalto definido pela Serra do Mar, cujos
rios se afastam do litoral no rumo da extensa depressão existente no centro do conti-
nente sul-americano: a Bacia Paraná-Uruguai. Essa região – definida pelos rios Itararé,
Paranapanema, Paraná, Ivaí e Piquiri – abrange uma superfície de aproximadamente
100 mil quilômetros quadrados, dividida em três áreas, segundo a época e a origem da
respectiva colonização: o Norte Velho, que se estende do rio Itararé até a margem direita
do rio Tibagi; o Norte Novo, que vai até as barrancas do rio Ivaí e tem como limite, a
Oeste, a linha traçada entre as cidades de Terra Rica e Terra Boa; e o Norte Novíssimo,
que se desdobra dessa linha até o curso do rio Paraná, ultrapassa o rio Ivaí e abarca
toda a margem direita do Piquiri (COMPANHIA MELHORAMENTOS NORTE
DO PARANÁ, 1977, p. 35).
O “vazio demográfico”
Embora responsáveis pela construção do país e do povo brasileiro em proporção por vezes maior que o
branco de origem européia, o negro e o índio jamais conseguiram registrar a sua visão da história. Ensinada
nas escolas e cultivada pelo homem comum, a historiografia oficial, produzida por brancos e vista sob a ótica
dos conquistadores, é responsável pela crença de que, antes da década de 30 (1921-1930), toda a superfície
do Norte Novo e do Norte Novíssimo do Paraná achava-se desprovida de habitantes, povoada tão somente
por animais e plantas (MOTA, 1994, p. 17-59, 63-89).3
A ser exata essa interpretação, apenas nos alvores do século XX, no prolongamento da colonização do
Norte Pioneiro, nossa região teria começado a sofrer ocupação, atraindo gente de todos os cantos do Brasil e
2 No final de outubro de 2006, Fedalto comunicou ao autor deste relato que sua obra sairá publicada em livro, que, evidentemente,
não conservará a mesma paginação aqui referida. As presentes indicações bibliográficas remetem às anotações pessoais, gentilmente
cedidas por ele.
3 O professor da Universidade Estadual de Maringá relaciona as repetidas afirmações de sociólogos e historiadores sobre o “vazio
demográfico” do Norte do Paraná por aproximadamente dois séculos antes de 1925. A seu ver, a construção do vazio demográfico
respondeu ao interesse de criar “uma forma de ocultar os conflitos indígenas no Paraná”. Em seguida, a partir de documentos, des-
trói a confiabilidade da teoria, comprovando a presença de habitantes no Paraná desde a pré-história. A existência, entre Paiçandu e
Doutor Camargo, do “cemitério dos caboclos” comprova a presença de habitantes muito antes da colonização iniciada com a inglesa
CTNP. O cemitério é seguro indício histórico, embora careça, no entender de Mota, de estudo mais aprofundado.
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Certa vez paramos na estrada para encher de água o radiador do nosso fordeco e de
repente ouvimos de todos os lados, vindo da mata, o som de paus batendo nas árvores.
Eram os índios que então existiam nos arredores do que viria a ser a nossa progressista
Londrina de hoje. Isso foi em 1930. Lembro-me bem de que todos queriam correr,
mas eu os acalmei e disse que fizessem tudo com naturalidade. Ouvíamos os índios mas
não podíamos vê-los. Pouco a pouco nos aproximamos do automóvel, sempre ao som
das batidas nas árvores, enchemos de água o radiador e zarpamos a toda velocidade.
Quando a Companhia estava construindo em Jataí um desvio para virar locomotivas,
os funcionários deram com urnas mortuárias dos índios da região, algumas das quais
foram enviadas para o Museu Histórico do Rio de Janeiro (COMPANHIA MELHO-
RAMENTOS NORTE DO PARANÁ, 1977, p. 86).
Também o território onde se desenvolveu, a partir 24 de março de 1957, a diocese de Maringá foi
palco da ocupação prolongada de silvícolas, que aqui desenvolveram vida inteiramente regular, tanto que se
multiplicaram chegando a constituir organizados agrupamentos de milhares de indivíduos.
Segundo o Atlas Histórico do Paraná, criteriosamente elaborado por professores da Universidade Fe-
deral do Paraná, descobertas arqueológicas revelaram indícios da presença de grupos indígenas entre 7500
a.C. e 1500 d.C., pelo menos na região da foz do rio Pirapó, que deságua no Paranapanema, entre os hoje
municípios de Jardim Olinda e de Itaguajé; e, no rio Ivaí, em área dos atuais municípios de São Carlos do
Ivaí, São Jorge do Ivaí e Doutor Camargo. Pesquisas recentes de respeitados professores da Universidade
Estadual de Maringá atestam a presença de habitantes primitivos em território do perímetro urbano de
Maringá e região.
Se compararmos a duração dos períodos de ocupação das diversas populações que vi-
veram neste território, veremos que os 50 anos de Maringá são ínfimos em relação aos
mais de 2.000 anos de presença Guarani, Xokleng ou Kaingang. Menos significativos,
ainda, se comparados aos 7.000 anos da presença da população, que os arqueólogos
denominaram como ‘Tradição Humaitá’. [...] Diante dessas evidências, é importante
ressaltar que o fundador de Maringá não foram os primeiros humanos a ocupar a re-
gião; nem foram os caboclos que aqui chegaram antes. O mesmo pode-se dizer dos
militares e das expedições de reconhecimento da antiga província do Paraná no século
XIX ou dos espanhóis que fundaram Vila Rica por volta de 1578, no atual município de
Fênix, e dos jesuítas que fundaram diversas reduções nos vales dos rios Paranapanema,
Tibagi, Ivaí e Pirapó (NOELLI; MOTA, 2000, p. 7-8).
Entre todos os povos indígenas que ocuparam a nossa região sobressaem, por várias razões, os Guarani,
cuja denominação indica tanto o povo como a língua falada. Originários das bacias dos rios Madeira e Guapo-
ré, na região amazônica, espalharam-se por praticamente todo o interior do sul do Brasil, desde há pelo menos
2.000 anos. Ocupavam novas regiões sem abandonar as antigas. Informam os professores Noelli e Mota:
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Até 1600 d.C., cem anos depois do descobrimento do Brasil, a inteira região abrangida pela arquidio-
cese de Maringá e pela atual diocese de Paranavaí (além da quase totalidade do espaço ocupado pela arqui-
diocese de Londrina e pelas dioceses de Apucarana e de Campo Mourão) se constituía de terras cobertas de
floresta tropical e subtropical (CARDOSO; WESTPHALEN, 1981, p. 14-25).
O descobrimento da América, em 1492, e do Brasil, em 1500, vai determinar total reviravolta na vida
das populações primitivas que, a partir desse momento, verão espezinhada sua original condição de soberanas
da terra para se converterem em empecilho à conquista empreendida por espanhóis e portugueses. Para elas
revelaram-se trágicas as conseqüências do choque de suas milenares culturas com o modo de vida dos invaso-
res europeus, que passaram a identificá-las como seres brutos, indolentes e perigosos.
4 Informam ainda a descoberta, até o ano 2000, de sítios arqueológicos nos ribeirões Keçaba e Pingüim, com possibilidade de sítios
nos ribeirões Maringá, Morangueira, Sarandi, Borba Gato e Aquidaban.
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Os índios são nossos irmãos, pelos quais Cristo deu sua vida. Por que os perseguimos
sem que tenham merecido tal coisa, com desumana crueldade? O passado, e o que dei-
xou de ser feito, não tem remédio; seja atribuído à nossa fraqueza sempre que for feita a
restituição dos bens impiamente arrebatados. [...] Sejam enviados aos índios pregoeiros
íntegros, cujos costumes sejam espelho de Jesus Cristo e cujas almas sejam reflexo das
de Pedro e Paulo. Se for feito assim, estou convencido de que eles abraçarão a doutri-
na evangélica, pois não são néscios nem bárbaros, mas de inata sinceridade, simples,
modestos, mansos e, finalmente, tais que estou certo que não existe outra gente mais
Las Casas foi defensor acérrimo dos índios contra a crueldade dos brancos (PURCHAS, 1625).
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Las Casas não representa, certamente, uma exceção. Originários da Europa, onde os formadores se
empenhavam em dotar a Igreja de homens novos frente aos desafios da Reforma incipiente, os missionários
– franciscanos, dominicanos, agostinianos ou carmelitas – eram provados no cultivo de valores humanos e
virtudes cristãs antes de serem admitidos para o embarque rumo ao Novo Mundo. Ainda assim, a saga da
cristianização dos habitantes das matas, acompanhada das notícias de atrocidades sem nome cometidas contra
eles, chegou até nós predominantemente nos relatos de jesuítas, que mais fartamente documentaram sua
atividade evangelizadora nas terras descobertas.
Até 1549, todos os contatos entre nativos do Novo Mundo e missionários haviam sido
estabelecidos por membros das ordens franciscana e dominicana. Mas os franciscanos es-
creviam pouco sobre suas experiências no Novo Mundo, e a principal fonte de informa-
ção disponível para os jesuítas antes de sua chegada ao Brasil eram, portanto, os relatos
escritos pelos dominicanos envolvidos em atividades missionárias. Os jesuítas seguiram
de perto a abordagem missionária de seus colegas dominicanos: defendiam os nativos
das tentativas dos colonos de escravizá-los e aprendiam as línguas indígenas para melhor
explicar as coisas da fé para os nativos pagãos (EINSENBERG, 2000, p. 69).
Jesuítas e bandeirantes
Ainda hoje o esforço evangelizador desenvolvido pelos discípulos de Inácio de Loyola em favor dos indí-
genas é visto com eventuais ressalvas, fruto, quase sempre, de antipatia pela Igreja Católica, pela Companhia de
Jesus, ou de incompreensão do contexto histórico e cultural da época das reduções. Por maior que seja o empe-
nho pessoal, continuará problemático o entendimento de todas as variáveis de eventos que escapam à experiên-
cia de quem os narra. Assim, não surpreende que um ou outro autor, até respeitável, emita opinião contrastante
com a da parcela mais representativa de seus pares, a exemplo da apreciação passional de nosso José Basílio da
Gama (c.1741-1795), no célebre épico Uraguai, onde se lêem qualificações rancorosas como “império tirânico,
injusto, oculto”, “república infame”, “organismo profundamente perverso” (CAVASO, 1980, p. 10).
Como em qualquer evento, aqui também o ódio, o preconceito ou a desinformação revela-se inimigo
da verdade.
A obra capital da Igreja foi, antes de mais, a conversão dos índios a um cristianismo
sumário, primeiro e decisivo passo no sentido da europeização. O clero secular, des-
conhecedor das línguas indígenas e ávido de gozar as suas gordas prebendas, não se
entregou à grande obra missionária. Mas as ordens religiosas – franciscanos, dominica-
nos, agostinhos – desempenharam, no trabalho da conversão dos indígenas, um papel
capital antes que os jesuítas viessem ocupar o lugar de vanguarda nos séculos XVII e
XVIII. Levaram a cabo um trabalho lingüístico e etnológico de compreensão em pro-
fundidade, a fim de darem alicerce à obra realizada. O grande pioneiro foi Bernardino
Ribeira de Sahagun, o pai da etnografia índia na Nova Espanha do século XVI. Essa
obra foi também de proteção dos índios e a ela ficará para sempre ligado o nome de
Bartolomé de las Casas, que conseguiu comover Carlos Quinto ao relatar-lhe as desgra-
ças de que fora testemunha e que esteve na origem do Código das Novas Leis (1545),
cuja aplicação efetiva nunca conseguiu obter. Os jesuítas, nos séculos XVII e XVIII,
exerceram sobre os índios das suas missões uma proteção vigilante, mas muitas vezes
tirânica; forçados a viver em aldeias (reducciones) e a trabalhar aí a terra, castigados
como crianças com punições corporais, eram mais os súditos de pequenas teocracias do
que propriamente do rei da Espanha. À frente de milícias índias, os jesuítas das célebres
missões do Paraguai repeliam os assaltos dos caçadores de escravos, os bandeirantes
paulistas. O espírito de independência da Companhia valeu-lhes inimizades sólidas que
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Pesquisadores ou escritores que do assunto se ocuparam demonstram, em sua absoluta maioria, respeito
ao trabalho dos abnegados missionários, que outra coisa não tinham em mira além da conversão dos pagãos
à fé cristã. Voltaire (François Marie Arouet, 1694-1778), conhecido pela antipatia devotada à Igreja Católica,
não se constrangeu em afirmar que “a fundação do Paraguai unicamente pelos jesuítas espanhóis, sob certos
aspectos, revela o triunfo da humanidade”. Entre outros de renome internacional aplaudem ainda a obra jesu-
ítica o arqueólogo e historiador italiano Ludovico Antonio Muratori (1672-1750), Chateaubriand (François
René, 1768-1848) e Buffon (Georges Louis Leclerc, 1707-1788), para quem “nada conferiu à religião tanta
honra quanto o fato de ter civilizado aquelas nações e lançado os fundamentos de um império, sem outra
arma além da virtude” (CAVASO, 1980, p. 10).
Evidentemente, nascida da têmpera forte de Inácio de Loyola, espanhol e soldado, a espiritualidade
da Companhia de Jesus atribuía grande importância à disciplina de seus membros, convidados a integrar o
“exército do papa” na luta em defesa da fé ameaçada pelos conceitos dos pregadores da Reforma. Da nova
ordem religiosa esperava-se, conforme o espírito inaciano, total fidelidade à doutrina católica e obediência
absoluta aos superiores, em especial ao Sumo Pontífice. O fundador insistiria, segundo consta, na necessidade
de obediência sem discussão, tamquam cadaver (= como um cadáver). Para a época e a compreensão da fé
vista à luz de sua radicalidade, nada havia de chocante em tal proposta.
A “redução” implicava, sem dúvida, no rompimento com o modo de viver dos habitantes do Novo
Mundo. Na ânsia, contudo, de convertê-los ao Evangelho, sentiam-se os missionários inabalavelmente con-
victos de que por esse caminho os ajudariam a se inserirem no seio da comunidade de salvação, a Igreja,
proporcionando-lhes os benefícios espirituais da fé, e os culturais da vida civilizada.
Note-se que chamamos ‘Reduções’ aos ‘povos’ ou povoados de índios que vivendo à
sua antiga usança em selvas, serras e vales, junto a arroios escondidos, em três, quatro,
ou seis casas apenas, separados uns dos outros em questão de léguas duas, três ou mais,
‘reduziu-os’ a diligência dos padres a povoações não pequenas e à vida política (civiliza-
da) e humana, beneficiando algodão com que se vistam, porque em geral viviam na des-
nudez, nem ainda cobrindo o que a natureza ocultou (MONTOYA, 1997, p. 35).6
Não há em ninguém daquele tempo exemplo de sacrifício igual pela causa indígena como a posta em
prática por esses abnegados pregadores. Seria extremamente injusto exigir para o século XVII os hodiernos
critérios de apreciação da cultura indígena assim como os conhecimentos de que se beneficiam, entre outras,
disciplinas modernas como antropologia e missiologia.
Através das reduções, os jesuítas implantaram nova forma de evangelizar, que contrastava com tudo o
que, até ali, fora empregado por outros missionários. Não havia como conseguir aprovação unânime e ime-
diata para um método desconhecido e oposto aos interesses dos colonos.
6 O livro, considerado um clássico das reduções jesuíticas do antigo Paraguai (atual Estado do Paraná, no Brasil), é tido por quase
inacessível, tanto na edição espanhola, feita em Madri, em 1639, quanto na de 1892, editada em Bilbao, da qual foi feita a presente
tradução por padre Arnaldo Buxel, SJ, com revisão e notas de padre Arthur Rabuske, SJ.
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Romário Martins, apoiado em Southey (não católico, mas suficientemente imparcial para reconhecer
os méritos de grandes pregadores da fé que foram os discípulos de Inácio de Loyola), não sente nenhuma
dificuldade em admitir:
7 Mota é contrário à idéia de uma ”república” Guarani, conforme esclareceu ao autor destas notas num dos vários diálogos, nos pri-
meiros dias de fevereiro de 2006, mantidos no CCH - Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, da UEM.
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No princípio do mês de agosto de 1628, saíram da vila de S. Paulo até 900 portugueses
com escopetas, espadas, seteiras, escudos, facões e muita munição de balas e pólvora e
também de outras armas, acompanhados de 2.200 índios injustamente cativados em
outros tempos [...]. Antônio Raposo Tavares foi declarado capitão maior da companhia
[...]. O superior de campo de todas essas companhias foi Manuel Preto, autor de todas
8 Os índios das reduções da Província do Itatim sofreram também ataques dos bandeirantes, vendo-se forçados a fugir continuamente
para o sul, até se localizarem, por fim, em área do atual Paraguai.
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Apesar de nominalmente católicos, não eram, em absoluto, modelos de vida cristã todos os espanhóis
e portugueses que aportaram no Novo Mundo. Bem ao contrário. Procedentes do outro lado do Atlântico,
muitos deles trabalhavam como funcionários no cuidado dos interesses da coroa, sujeitos, como se conhece,
à corrupção e prepotência. Outros, aventureiros em busca de fortuna fácil numa terra de lei frouxa, não
mostravam preocupações éticas, menos ainda convicções religiosas. Abandonando o litoral ou o planalto de
Piratininga para se embrenharem por matas e rios desconhecidos, as bandeiras se montavam com homens
rudes, violentos, capazes das piores atrocidades para alcançar seus propósitos. Os jesuítas defendiam valores
opostos. Não havia como evitar o confronto. Não obstante revestirem sinais externos de temor de Deus e
amor à Igreja – e, solertemente ou com reta intenção, participarem dos ritos religiosos oficiados pelos padres
–, no fundo não eram mais que caçadores de fortuna. Fossem ouro e outros metais, fossem, por sua inexistên-
cia, índios preados para lucrativo comércio com os proprietários rurais de São Paulo e São Vicente. Desde que
os jesuítas os reuniram em aldeamentos, por vezes, os bandeirantes se valiam de artimanhas e disfarces para
alardear motivos de um ataque com aparência de “guerra justa”. Em outras ocasiões, nem se davam ao esforço
da simulação. Irrompiam abruptamente nas reduções, arrebatando com violência quantos conseguissem. Ate-
avam fogo às casas, perseguiam, feriam, matavam sem o menor sinal de remorso. Jogavam com o lucro, mola
mestra do comércio em todos os tempos. Vianna Moog faz, a respeito, interessante observação, concluindo
com pensamento que define o antagonismo das posições, bem assim a contribuição de cada um, bandeirante
e jesuíta, na construção do país em que hoje vivemos:
A luta entre o bandeirante e o jesuíta era inevitável, pois, ao mesmo tempo em que este
encarnava a Contra-Reforma, o desejo de retorno à unidade espiritual da Idade Média,
sob a égide do Papado, o bandeirante, na sua ânsia de riqueza e poder, consciente
ou inconscientemente, já era o grande instrumento do capitalismo moderno, irmão
gêmeo da Reforma, nascido do mesmo galho e da mesma gota de orvalho. Claro, os
jesuítas não se opunham ao bandeirante pelo mero prazer de hostilizá-lo, nem para
deter a procura de ouro e metais preciosos de entradas e bandeiras ou para interromper
deliberadamente os processos de transformação que haviam de converter em símbolo
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Fedalto e outros, que definem como treze o número de aldeamentos ou “reducciones”, onde os padres jesuí-
tas agruparam milhares de índios em nosso Estado, todas situadas às margens dos rios Paranapanema, Pirapó,
Ivaí, Tibagi e Piquiri.
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Situam-se estas duas reduções légua e meia uma de outra, e a de Nossa Senhora de
Loreto tem 700 índios casados e a outra 850, na primeira há 450 meninos de escola e
na outra 500; não tinham igrejas e já as construíram muito amplas só com os trabalhos
do padre Antônio a de Nossa Senhora de Loreto, e a do padre José (Cataldino) a da
outra redução (Santo Inácio Mini) com que se atrairão mais índios e os já reduzidos
estão mais contentes (OÑATE, 1929, f. 1, tradução nossa).
Ciudad Real, ao que tudo indica, situava-se no território onde hoje se encrava o município de Terra
Roxa do Oeste. Vila Rica do Espírito Santo, transferida duas vezes após sua fundação, acabou por fixar-se em
área ocupada atualmente pelo município de Fênix. Santo Inácio estava localizada na área do atual município
desse nome, junto ao rio Paranapanema, hoje diocese de Apucarana. Nossa Senhora do Loreto erguia-se na
foz do rio Pirapó, onde este se lança no Paranapanema, no atual município de Itaguajé.
Conclui-se, pois, que esses espaços de forte presença humana, em que predominavam os Guarani, situ-
avam-se em áreas que se poderiam descrever como vizinhanças da atual arquidiocese de Maringá.
Sobre Loreto e Santo Inácio, refere, a partir de Córdova de Tucuman, o padre Nicolau Duran, superior
da província jesuítica do Paraguai, na carta ânua sobre os anos de 1626 e 1627:
Embarcamos no (rio) Paraná para a primeira nossa redução, de Nossa Senhora de Lo-
reto, que está a 60 léguas da cidade (del Guayrá). Uma légua antes de chegarmos
saíram do povoado para nos receber o padre José Cataldino, originário de Ancona,
numa balsa enfeitada de arcos e ramos. Logo se aproximaram outras balsas também
enfeitadas. Numas vinham os principais caciques do povoado, em outras, os cantores
com cornetas e charamelas. Todo aquele rio se coalhou de muitas canoas [...]. Visitado
este povoado, embarquei para a redução de S. Inácio, que dista umas 4 léguas, onde me
receberam com a mesma festa e aparato, e procuram esmerar-se por ser o povoado um
pouco maior [...]. Estes dois povoados (distantes não mais que 4 léguas um do outro)
têm mais de duas mil famílias. Todas, gente muito firme na fé e florescente de costumes
cristãos, sobre quem poderia falar muito (DURAN, 1628 apud CORTESÃO, 1951, p.
213-214, 221, tradução nossa).
Para os padrões de sua época e cultura, com conhecimento e domínio dos recursos locais, movendo-se
pelo interior da floresta, os índios não sofriam graves incômodos para vencer o espaço entre esses pontos e
as terras nas quais, mais tarde, viria a se implantar Maringá, geograficamente distante não mais que 250 km
de Terra Roxa do Oeste (Ciudad del Guairá), e 70 km de Fênix (Vila Rica do Espírito Santo). A foz do rio
Pirapó, entre os municípios de Itaguajé e Jardim Olinda (Loreto) situa-se a aproximadamente 100 km, igual
distância até Santo Inácio. Não representa nenhum exagero, então, concluir que índios, jesuítas e bandeiran-
tes cruzaram os espaços que ocupamos com nossas cidades e campos, que atravessamos a pé, de automóvel
ou de avião.
O caminho de Peabiru
Merece prudente credibilidade, ao que tudo indica, a afirmação de alguns para quem os Guarani, ocu-
pantes da Província do Paraguai, chegaram a manter relações comerciais e culturais com os Inca, no Peru, cujo
fabuloso império teve sua capital em Cuzco (ASSIS, 1980, p. 3). Com o conhecimento ainda do intercâmbio
que entre si mantinham índios e missionários, colonos e viajantes, em freqüentes e longos deslocamentos por
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Quase trinta anos antes do nascimento de Lozano, havia já Montoya publicado em Madri sua “Con-
quista Espiritual”, onde se lêem palavras idênticas. Difícil não supor tenha-a Lozano conhecido nem se ins-
pirado nela. Ou, por outros recursos, buscado a confirmação do que, em 1639, escrevera o conhecido mis-
sionário do Guairá:
Estranhando nós um acolhimento tão fora do comum, disseram-nos que, por tra-
dição antiqüíssima e recebida de seus antepassados, sustentavam que, quando São
Tomé – a quem comumente chamam ‘Pay Zumé’ na Província do Paraguai e ‘Pay
Tumé’ nas do Peru – fez a sua passagem por aquelas terras, disse-lhes estas palavras:
‘A doutrina que agora vos prego perdê-la-eis com o tempo. Mas, quando depois de mui-
tos tempos, vierem uns sacerdotes sucessores meus, que trouxerem cruzes como eu trago,
ouvirão os vossos descendentes esta (mesma) doutrina’. [...] Em todo o Brasil é fama
constante entre os moradores portugueses e entre os nativos que vivem na Terra
Firme (continente, por oposição a ilha) que o Santo Apóstolo começou a sua marcha
desde a ilha de Santos, situada no Sul, em que hoje se vêem rastos indicadores deste
princípio de caminho ou vereda, ou seja nas pegadas que o Santo Apóstolo deixou
impressas numa grande penha, localizada no final da praia, onde desembarcou em
frente da barra de São Vicente. Segundo quer o povo, elas se enxergam ainda hoje
menos de um quarto de légua da povoação. Eu não vi. Mas, 200 léguas desta costa
terra adentro, meus companheiros e eu vimos um caminho, que tem oito palmos de
largura, sendo que neste espaço nasce uma erva muito miúda. Cresce, porém, aos
dois lados dessa vereda uma erva que chega até à altura de quase meia vara. Esta
erva, embora de palha murchada e seca, queimando-se aqueles campos, sempre nasce
(renasce e cresce) do modo que está dito. Corre esse caminho por toda aquela terra
e, como me asseguraram alguns portugueses (habitantes do Brasil), avança sem inter-
rupção desde o Brasil. Comumente o chamam de ‘caminho de São Tomé’. Tivemos
nós o mesmo informe dos índios de nossa conquista espiritual (MONTOYA, 1997,
p. 99-100, grifo nosso).
A informação, de muitos conhecida e relatada, é que se tratava de uma rota que atravessava a América
do Sul, do Atlântico ao Pacífico, perfazendo extensão superior a 3.000 km. Ia de São Vicente, no litoral pau-
lista, até Cuzco, no Peru, daí descendo ao Oceano Pacífico. “Na direção oeste do outro lado do rio Paraná,
o caminho passava por Assunção do Paraguai e chegava às encostas dos Andes, fazendo conexão com a rede
viária dos incas” (ASSIS, 1980, p. 3). Não parece rigorosamente correto, em verdade, admitir um traçado
único; abria-se em ramificações, formando uma rede de trilhas, como galhos de uma árvore, o que autoriza
falar de “caminhos”. Uma das trilhas era o ramal de Campo Mourão, que cruzava a nossa região. Começava
em Itu (SP), seguia, paralelamente ao rio Tietê, até o rio do Peixe, descendo ao Paranapanema justamente
onde ele recebe o rio Pirapó, no extremo norte da arquidiocese de Maringá. Acompanhava a margem oeste
do Pirapó até o rio Ivaí, seguindo por este até Campo Mourão. Atravessava a atual arquidiocese de Maringá,
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Manuel Prieto (sic), grande fomentador, autor e cabeça de todas estas entradas e in-
cursões predatórias, que já por toda a sua vida tem vivido nelas, levando muitos outros
portugueses e tupis em sua companhia para trazer índios à força de armas. E agora,
ultimamente, tem falado que nelas quer morrer, logo que este ano (1629) voltou a S.
Paulo com Pedro Vaz de Barros, em cuja companhia tinha ido; logo sem descansar, se
foi outra vez com muitíssimos portugueses, mamelucos e tupis, a pretexto de povoar
o porto de S. Catarina, mas a intenção que leva é capturar e explorar índios. Para abo-
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A invasão das reduções guairenhas obedeceu a uma determinação calculada e progressiva. Partindo de
São Paulo no início de agosto de 1628, à frente de 900 portugueses e 2200 índios escravizados em outros
tempos, já no dia 8 de setembro Raposo Tavares se avizinhava das reduções. Estava seguro de não encontrar
resistência dos espanhóis de Ciudad Real e de Vila Rica, interessados também eles em prear índios. Logo apri-
sionaram alguns, o que fez com que surgisse imediata reação da parte de padre Montoya. O valente missionário
arregimentou, “das reduções mais próximas, cerca de 1200 índios, e com os padres Cristóbal de Mendoza e
José Doménech, encaminharam-se a pedir com eficacia nuestros hijos que tenian captivos” (AGUILAR, 2002, p.
263). Os paulistas reagiram de forma violenta, mas os padres não se deixaram intimidar e ofereceram enérgica
resistência, conseguindo que fossem devolvidos os índios catecúmenos, isto é, os que, embora pagãos, estavam
em fase de preparação para receber o batismo. Os invasores entendiam, como muitos brancos na Europa, que
índios pagãos não se distinguiam de animais, merecendo, pois, a mesma sorte e podendo ser escravizados.
Após quatro meses de permanência na área, por ordem de Raposo Tavares, os bandeirantes invadiram, a 30 de
janeiro de 1629, a redução de Santo Antônio. Seguiu-se a invasão das reduções de Jesus Maria, no dia 20 de
março, e a de São Miguel, três dias depois. Apavoradas com a notícia da crueldade dos portugueses, as reduções
de Encarnação, São Paulo, Sete Arcanjos e São Tomé esvaziaram-se, com os índios fugindo em busca de segu-
rança nas matas. Não somente as reduções foram destruídas como também as vilas de Ciudad Real e Vila Rica
do Espírito Santo, se não arrasadas, foram repentinamente despovoadas, por conta do terror que a ferocidade
dos portugueses espalhou entre os espanhóis dessas localidades. Assim, além de devastar as reduções jesuíticas,
outra conseqüência do ataque foi a expulsão dos castelhanos para além do rio Paraná. Descontado o número de
índios vendidos em São Paulo, só nos mercados de escravos do Rio de Janeiro, Bahia e Pernambuco, de 1629
a 1632, foram postos à venda cerca de 60.000 cativos trazidos da região do Guairá.
As reduções de Loreto e Santo Inácio, localizadas a maior distância, não foram imediatamente atacadas.
Porém, destruídas as reduções e esvaziados os “pueblos” espanhóis, com razão, os padres temeram pela sua
ruína e pela morte ou aprisionamento dos índios. Decidiram empreender fuga para a região do baixo Paraná,
em áreas do Paraguai e Argentina de hoje, onde havia também aldeamentos, alguns bastante antigos, como o
de San Ignacio, o primeiro, fundando em 1609. Reuniram os sobreviventes salvos de outras reduções que, so-
mados aos locais, compunham uma multidão de 12.000 índios conversos. Não se apresentava isenta de riscos
a aventura de conduzir, correnteza abaixo, pelo Paranapanema e Paraná, tanta gente em fuga. À semelhança
do êxodo bíblico, a travessia, vista por Montoya como um espetáculo “horrendo e calamitoso” (AGUILAR,
2002, p. 279), oferecia a única solução possível na tentativa de preservar a vida e a liberdade daqueles a quem
sempre chamou filhos. Era forçoso rumar “até a mesopotâmia Paraná-Uruguai, onde os denodados apóstolos
iam reconstruir a formidável empresa da fé fracassada em Guaíra” (MARTINS, 1995a, p. 89). Os índios fabri-
caram, às pressas, setecentas jangadas, que se somaram às embarcações existentes, a fim de oferecer transporte
para todos. Em pouco tempo, as embarcações, “desde a foz do Pirapó à de Santo Inácio, foram lançadas ao
grande rio ponteado de cachoeiras, e 12.000 índios, guiados por sete padres, se confiaram àquelas águas em
rápido declive para o Rio Mar” (MARTINS, 1995a, p. 90). Quando, logo depois, aos aldeamentos de Loreto
e Santo Inácio chegaram os portugueses, encontrando-os vazios de moradores, arrasaram inteiramente o que
havia sido construído com tanta dedicação e abundante suor.
Enquanto isso, a caravana dos retirantes seguia em fuga, Paranapanema abaixo. Depois de vencerem os
problemas nele encontrados, o rio Paraná atirou-os nos braços de inesperado inimigo. Agora, eram os espa-
nhóis de Ciudad Real que, aproveitando a difícil travessia dos saltos das Sete Quedas, com troncos montaram
barricadas nas corredeiras, intentando aprisionar os retirantes:
9 Mais adiante (p. 334), informa que este sacerdote é ‘un fraile del Carmen’, um frade carmelita, portanto.
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Depois de penosa negociação em que os padres usaram os mais eloqüentes argumentos – além de, pos-
sivelmente, recearem bater-se com milhares de fugitivos desesperados, que nada mais tinham a perder –, os
colonos desistiram de fazer escravos aqueles infelizes (AGUILAR, 2002, p. 263ss). Obrigados a continuar a pé
a árdua retirada, por mais de trinta léguas de “caminhos aspérrimos”, caminharam por oito dias, voltando de
novo a construir canoas e balsas de taquara para o restante da viagem fluvial que, pela fragilidade das embar-
cações, conduziu muita gente à morte. “A fadiga, os obstáculos cada vez maiores e os mantimentos reduzidos
a quase nada, as doenças, os acidentes que se multiplicavam iam penetrando de desalento a expedição (MAR-
TINS, 1995a, p. 93).
Os outrora garbosos Guarani das florescentes reduções da região de Guairá, ora reduzidos a um bando
de miseráveis esfomeados, feridos e doentes, acompanhados de sete missionários, aportaram finalmente na
nova terra, dando início ao assentamento de Loreto e Santo Inácio Mini, assim denominado para distingui-lo
da redução mais antiga de Santo Inácio, fundada a 200km ao sul de Assunção, em 29 de setembro de 1609,
posteriormente chamada San Ignacio Guazú.
Um templo foi erigido, grande e belo, e a vida dos antigos cristãos de Loreto e Santo
Inácio, estimulada pelas povoações, exsurgiu de novo para prosseguir a obra que todas
as perseguições e todas as vicissitudes não puderam completamente destruir. Southey,
historiador protestante, diz: Tantas calamidades teriam desanimado homens estimulados
por motivos menos altos que o zelo religioso. Continuaram os jesuítas com os seus esforços,
com o mesmo ardor, mas infelizmente para um lado que os expunha a novos ataques
de seus vigilantes inimigos. E Guaíra renasceu no Tape do Rio Grande do Sul, mais
bela e mais formosa e florescente. De novo veio a ser perseguida e devastada, Contudo
nenhuma obra de paz e de amor foi mais bela do que essa que os jesuítas edificaram,
com alma e com coração, nos sertões do Novo Mundo (MARTINS, 1995a, p. 95,
grifo do autor).
Ruínas hoje incluídas em roteiros turísticos oferecem pálida lembrança do que foi a obra levada a cabo
nas áreas banhadas pelos rios Paraná e Uruguai. Podem ser observadas na Argentina, acompanhando a mar-
gem esquerda do rio Paraná, a 60 km de Posadas, na Província de Misiones. Na antiga Província de Tapes
(Rio Grande do Sul), à margem direita do rio Ibicuí, também se fixaram, em 1632, remanescentes dos perse-
guidos de Guairá, sob a condução dos padres Cristóbal de Mendoza e Pablo Benavides. Sempre pelo mesmo
motivo – ataques de bandeirantes vindos de São Paulo, no Brasil português – por duas vezes a redução inicial
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viu-se forçada a mudar de lugar. Finalmente, em 1687, fixou-se junto ao rio Ijuí. A seguir, foram-se instalando
outras que, com o tempo, passaram a constituir o conjunto conhecido como Sete Povos das Missões Orientais
do Uruguai.
Para pôr fim à infindável disputa por fronteiras, Portugal e Espanha assinaram, em 1750, o Tratado de
Madri. Por ele impunha-se a desocupação da área, reconhecida como pertencente a Portugal. Em contrapar-
tida, Portugal entregava à Espanha a Colônia Sacramento que fundara em 1680 no estuário do rio da Prata,
de frente para Buenos Aires (atual Colonia, no Uruguai). Ainda que descontentes com o acordo e tentando,
por todas as formas, evitar sua implementação, os jesuítas não viram outra saída que não admitir a retirada
dos indígenas aldeados, mais uma vez expulsos de seus domínios. Não obstante seus insistentes pedidos e as
medidas administrativas tomadas pelo governador de Buenos Aires, os índios negaram-se a abandonar seus
redutos. Não havia como superar o trauma provocado, na primeira metade do século XVII, pelas atrocidades
dos bandeirantes. Por isso, recusaram-se, de todas as formas, a concordar que suas terras passassem ao domí-
nio português. Ante a feroz resistência, Portugal decidiu, recebendo a anuência de Espanha, pelo emprego
das armas. Uniram-se contra a insurreição dos indígenas naquela que se chamou de “guerra guaranítica”,
concluída em 1756 com a total derrota dos silvícolas. Acabaram “arrasadas impiedosamente as reduções de
Santo Ângelo, São Borja, São João, São Lourenço, São Luís Gonzaga, São Miguel e São Nicolau (CAMAR-
GO, 2004, p. 120).
O crescimento dos povoados foi suspenso pelo conflito bélico denominado ‘guerra
guaranítica’ na qual os indígenas dos povoados enfrentaram as forças conjuntas de Es-
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No atual município de São Miguel das Missões (RS), ainda se podem contemplar as ruínas da imponente
catedral, em cuja construção, de 1735 a 1745, trabalharam sem descanso cerca de cem índios Guarani. Restou
como pequena amostra a atestar o nível alcançado na educação implantada pelos jesuítas. Se o pensamento
antropológico do século XXI aí descobre dominação cultural, é oportuno recordar que a história se faz com
pessoas dependentes de critérios adotados em sua época.
Do admirável empreendimento erguido pelos jesuítas nada restou. Foi completa a destruição levada a
termo pelos bandeirantes, cantados em prosa e verso como heróis da conquista para Portugal de vasta área
do antigo território espanhol. A coincidência de nomes (Loreto e San Ignacio Míni) e a identidade de ações
traduzem a intenção dos missionários de marcar a continuidade no sul (Argentina, Paraguai, Rio Grande
do Sul, rio Uruguai) do original impulso evangelizador inaugurado em terras do Guairá, projeto nascido de
acendrado ardor apostólico, desgraçadamente vítima de tão lamentoso desfecho.
Subsiste entre historiadores algum que interprete a má vontade de portugueses e espanhóis contra os
jesuítas como expressão de velada senão franca oposição à concorrência que deles temiam vir a receber. Os
portugueses entendiam a obra missionária dos jesuítas não como atividade religiosa ou caritativa, mas como
ação de cunho político. Em vez de ação apostólica na busca de novos discípulos para a fé cristã, preferiam ver
as reduções como iniciativas particulares dos padres com vista à expansão do território espanhol de aquém-
mar. Ao lado de cupidez por riqueza, os bandeirantes teriam receado também a ameaça de um Estado jesuí-
ta, avesso às pretensões de Portugal sobre os territórios ocupados. Representaria grave obstáculo à expansão
portuguesa sobre as terras do interior. Assim se explicaria a crueldade brutal com que se empenharam na
invasão da província de Guairá, saqueando as reduções e destruindo tudo a fogo e espada. Aos espanhóis,
por outra parte, não era nem um pouco conveniente aceitar, no interior do reino de Castela, o surgimento
de um Estado jesuítico com autonomia para tornar-se um enclave. Por esse motivo não houve da parte das
autoridades locais grande empenho em defendê-los da perseguição dos bandeirantes, a tal ponto que os mis-
sionários não hesitaram em acusar como um dos maiores cúmplices do massacre o governador do Paraguai,
Luís de Céspedes Xeria.
Vila Rica do Espírito Santo foi invadida, pela primeira vez, em 1631 e, no ano seguinte, definitivamen-
te destruída. Em 1638 foi arrasada por completo a Ciudad Real de Guayrá.
As bandeiras conseguiram retirar dos Guarani aldeados pelos jesuítas as terras localizadas entre os rios
Paranapanema e Iguaçu. Mas a conseqüência mais séria foi forçá-los ao abandono de seu habitat original
para se refugiarem no Paraguai. As aldeias que deixaram desertas foram ocupadas, a partir do sul, por índios
que, no entender de Francisco S. Noelli e Lúcio T. Mota, originariamente devem ter precedido os Guarani
na região e agora, séculos depois, vieram a ocupá-las de volta, estendendo-se pelo vale do Tibagi e pelo
terceiro planalto do Paraná. Mas nem estes conseguiram manter o domínio das terras frente à cobiça dos
conquistadores brancos. Recolhidos em reservas, vítimas de penúria e abandono, teimam em sobreviver
alguns descendentes de Kaingang, de Xokleng e de um grupo Xetá, descoberto na região de Umuarama,
na década de 1950, com não mais de 18 pessoas (segundo estudiosos, talvez hoje componham número
mais expressivo).
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[...] tiveram contato com a Tradição Humaitá, que possivelmente foi sendo empurrada
para fora de seus territórios. A seguir chegaram os Guarani, que também empurraram
os Xokleng e os Kaingang para o centro-sul e o litoral, fixando-se nas bacias dos princi-
pais rios. Há uma aparente fase de “acomodação”, havendo certa estabilidade no tama-
nho das áreas ocupadas por um período que deve ultrapassar os mil anos, até a chegada
dos europeus. A partir de meados do século XVI, em razão de guerras, doenças e
migrações para fora das terras em conflito com os europeus, houve drástica diminuição
da população Guarani. Assim, a partir do século XVII, os Kaingang voltaram a se ex-
pandir no centro-sul do Estado para ocupar as terras que antes eram dominadas pelos
Guarani nas bacias do Tibagi, Piquiri e Ivaí. Os Xokleng reocuparam pequenas partes
do litoral, em locais de ocupação sazonal, indo e vindo das terras ao longo da encosta
da serra Geral. Finalmente, nos últimos 300 anos, com a agressiva ocupação branca do
atual território do Paraná, houve uma guerra de conquista, que foi primeiro empurran-
do os indígenas e depois foi retalhando e reduzindo suas terras para instalar as cidades
e “trazer progresso”. Atualmente, pouco mais de 9.015 Kaingang vivem no Paraná,
em 17 terras indígenas (85.235ha) controladas pela FUNAI, lutando para manter sua
autodeterminação, sua cultura e seus direitos humanos (NOELI; MOTA, 2000, p. 17).
A região oeste do Paraná, (como também a parte noroeste, a partir do rio Tibagi) seria deixada, pelo
Inauguração, em 8 de outubro de 2006, do abrigo indígena no Centro Cultural Indígena, criação da ASSINDI, em Maringá.
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10 Entidades e pessoas, um pouco por todo o Brasil, tentam despertar uma consciência cidadã com respeito à causa indígena. Na
ausência, porém, de uma política oficial corajosa, os resultados têm sido modestos, fato que só enobrece o trabalho de beneméritos
voluntários. Em Maringá ressalte-se o papel da ASSINDI – Associação Indigenista de Maringá, liderada por Darcy Dias de Souza
que, com apoios diversos (arquidiocese de Maringá, Universidade Estadual de Maringá, MECUM – Movimento Ecumênico de
Maringá, grupos voluntários de outros países...) vem desenvolvendo ações em benefício da etnia Kaingang e Guarani. No dia 8 de
outubro de 2006, na BR 376, km 170, foi inaugurado o abrigo indígena “Vênkan-nhã-fá-oy-nhandewa”.
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Propaganda
Segundo ano do bispado. Saindo de casa, dom Jaime avista o prefeito
na esquina da Avenida Curitiba com a Rua Lopes Trovão. Apesar da dife-
rença de cultura e de estilo de vida, nutrem grande amizade e conversam
com freqüência. O asfalto está começando: o prefeito observa as máquinas
em ação. O bispo freia o carro para um rápido bate-papo. Depois observa:
“Américo, não seria mais certo fazer primeiro as galerias pluviais subterrâ-
neas para só depois asfaltar? Daqui a um tempo, será preciso quebrar tudo
para a canalização. Antes do asfalto deveriam vir as galerias pluviais”. E o
prefeito, político da velha guarda, matreiro: “Ah, dom Jaime, mandioca
grande debaixo da terra ninguém vê, não”.
Etiqueta
No começo, era difícil conseguir doméstica em condição de atender
à casa do bispo. Uma das primeiras, de origem polonesa, costumava aten-
der ao telefone gritando: “Casa do sô Jaime”. Em certa ocasião, dom Jaime
recebia o bispo de Londrina, dom Geraldo Fernandes. À hora do almoço,
recebeu o despachado aviso: “Sô Jaime, o almoço tá na mesa”. Outra, de
linguajar rebuscado, falava malço e galfo, em vez de “março” e “garfo”.
Em março de 1959, vieram as irmãs de Santo Antônio Maria Claret. A
residência episcopal virou um “brinco”. Madre Lícia de Luca, simpática
italiana, com o hábito imaculadamente branco, destoava da poeirenta Ma-
ringá de então. Esmerava-se para que tudo brilhasse na residência episco-
pal. A pobrezinha sentia verdadeiro pavor quando via chegar o vigário de
Mandaguaçu, frei Ambrósio de Bagnoli, que saltava do jipe carregando pó
até no céu da boca. Antes de cumprimentar o bispo, atacava a pia branca
da sala de estar (não havia lavabo), banhava as mãos e dava uma molhadela
na barba imensa. Depois, ante uma desconsolada madre Lícia, esfregava
no rosto a alvíssima toalha. Dá para imaginar o resultado. A pobre irmã
queria morrer.
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Bom gosto
Wilsinho é o filho mais velho de Vanda, a caçula das irmãs de dom
Jaime, casada com Wilson, na época, gerente de banco em São Joaquim
da Barra. Com Carlinhos e as irmãs Ana Helena e Ana Cláudia costumava
passar em Maringá as férias de fim de ano. Era também oportunidade de
“curtir” a vó, que sempre vinha nessa época e dava show como cozinheira
e quituteira. Tinha uma receita de doce-de-leite que ninguém imitava.
Não havia quem acertasse o ponto que ela dava. Um dia, após saborear
generosa porção da iguaria, num rasgo da sinceridade que só as crianças
mostram, Wilsinho não se conteve: “Ô, vó, vê se a senhora, antes de mor-
rer, ensina minha mãe a fazer esse doce”.
Olho vivo
Desde o início de 1960, como todo seminarista maior (cursos de Fi-
losofia e Teologia), o autor destas notas passou a usar batina. Em Curitiba
não tanto, mas em Maringá a batina preta funcionava como sauna portátil.
Nas férias, percorrendo a pé os seis quilômetros, do sítio onde morava até
Alto Paraná, atraía à beira da estrada todos os moradores, especialmente
moleques e cachorros, surpresos com o raro espetáculo de um “padrezi-
nho” de 19 anos ardendo sob um sol de estalar mamona. A convite de
dom Jaime, passava sempre com ele umas duas semanas nas férias de final
de ano. Era a ocasião de prestar alguma ajuda ao bispo, que não dispunha
sequer de office-boy. Numa manhã, madre Lícia bate à porta do seu quar-
to: “Dom Jaime está esperando no carro para a missa (que, naquele dia, ia
ser na capela Santa Cruz).” Salta, assustado, da cama. Perdera a hora. Atira
rápida mancheia d’água no rosto, alisa o cabelo e joga a batina sobre o pi-
jama. Ainda bem que ela cobre tudo; não há tempo para vestir-se de forma
conveniente. Chega à perua, já funcionando, as irmãs no banco traseiro
e a porta do carona aberta, à sua espera. Quando se acomoda no assento,
dom Jaime, ao volante, diz-lhe em voz baixa: “Arregace a calça do pijama,
que está aparecendo por baixo da batina”.
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