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PR IMEI R A E D IÇÃO

PUB L ICAÇÃO I ND EPEND ENTE


ÍNDICE

APRESENTAÇÃO

EQUIPE DA EDIÇÃO

MONTAÇÃO
07 DESCONSTRUÇÃO PERMANENTE
Seres e corpos dissidentes sob um novo olhar

MANIFESTO
10 MANIFESTO THEMONIACO
Manifesto de Themonização da Arte e Cultura Paraense
THE M O N I A

APRESENTAÇÃO
É com uma imensa alegria que começou a ocorrer em Belém do nós se conscientizar de que temos
essa revista se torna real. A Pará, mas que hoje extrapola essa os mesmos genes dessas pessoas,
responsabilidade é enorme, mas a cidade e até mesmo o estado. que somos filhos e netos de povos
necessidade dela existir já estava Esse processo é contínuo em cada originários de histórias fantásticas, de
além de qualquer decisão. THEMONIA corpo e em cada arte de todos os rituais e colheitas em agradecimento à
é uma revista necessária em envolvidos, por isso essa revista Natureza, de um cruzamento de culturas
nosso tempo. Acredito que um dos não pretende ser um começo e tão distantes banhadas em rios de
principais pilares do artista é refletir muito menos um fim. Mas sim água doce com fúria de mar. E cada um
seu tempo e suas transformações, um através. Um atravessamento que desperta em si essa consciência,
não só conceitualmente, mas documental e visual do pouco é ele próprio sua cultura, sua história,
agindo decisivamente sobre ele. É que é germinado em nosso seus antepassados vivos, presentes.
fundamental que cada artista discuta tempo, em nosso quintal-floresta. Ser THEMONIA é carregar consigo
e dialogue sua arte com outras Somos donos de saberes ancestrais, toda essa bagagem agregando seus
artes, políticas e culturas e como de povos muito antigos que se conhecimentos empíricos, técnicos
dizia Ariano Suasuna “o artista que comunicavam entre si através da e artísticos vivenciando sua época. E
mergulha profundamente em sua floresta, que entendiam o canto o agora é o único tempo que temos e
própria história e cultura, é universal.” dos pássaros e o som do vento. nele vivemos, dialogamos, crescemos
O conglomerado de corpos que Muito de toda essa cultura está e criamos pensando em um futuro
aparecerá nessa revista é resultado perdida e não está em nossas mãos mais próspero, de mais entendimento,
de um processo da última década que recuperá-la. Mas cabe a cada um de conversas e respeito ao diferente.

WAN ALEIXO
IDEALIZADOR E EDITOR DA REVISTA

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THE M O N I A

EQUIPE

SARITA TAYMÃ CARNEIRO S1MONE

Amazonida, periférico, Jornalista da Amazônia. Dedico Drag-Themônia natural de


umbandista, ator de teatro, e a vida para ouvir e contar Capitão Poço (PA), residente
TV, performer drag, artisvista, histórias de gente do lugar onde de Belém do Pará desde 2009.
coarticulador do movimento vivo. Norte do Brasil. Acredito Fundou a NoiteSuja, junto a
artístico e cultural das no poder da comunicação Tristan Soledade, em 2013,
Themonias e pesquisador em para conectar, unir e relacionar dispositivo de fomento à
artes, gênero e sexualidade, pessoas, e um dos pontos- produção artística LGBTQI+
professor de educação infantil chave pra uma sociedade mais na cidade das mangueiras.
bilíngue em artes, prof. de livre e justa. Gosto de escrever Atua como produtor cultural,
fundamental II em inteligência sobre Direitos Humanos, Meio ilustrador, dj entre outras coisas
emocional e professor de inglês Ambiente e Política.
em curso livre para crianças

FLORES ASTRAIS LUNA SKKYSSIME ARTHUR MORBACH ALLYSTER FAGUNDES

É performer, atriz, apresentadora, Professor Substituto na Ilustradir de seus sonhos, Mestrando em Artes,
ilustradora, produtora audivisual, ETDUFPa. Mestre em Artes pela performe em descontração. formado em comunicação
diretora de arte e fotografia, UFPa e aluno do Curso Técnico Professir por profissão, social - jornalismo, performer,
produtora cultura, social media, em Figurino Cênico da ETDUFPa. formadir em Artes Visuais. Drag
Especialista em Gestão Cultural fotógrafo e criador audiovisual.
youtuber e transativista. Nascida Themônia Bacuríndia Rabazônia
- Cultura, Desenvolvimento e Desenvolve experimentações
em Belém, criada no município e uma criatura encantad da
Mercado pelo SENAC, graduado
de Barcarena, iniciou no teatro vida. O corpo é visível em seu em vídeo e investiga a arte drag
em Comunicação Social hab.
aos 9 anos e aos 17 ingressou no trabalho, como forma de estudo, belenense
Relações Públicas pelo IESAM,
curso de Licenciatura em Teatro técnico em Cenografia pela reflexão e experimentação. Não
na UFPA. Atuou por 5 anos no ETDUFPa. Experiência em tem muitas definições, até
grupo "Os Varisteiros", em 2013 Eventos voltados para o público porque nem eli sabe o que é
começou a experimentar a arte LGBT, sendo Organizador, exatamente.
da montação drag. Abandonou Produtor e DJ da Produtora
o teatro para mergulhar nas Bafônica (2012-2015). Como
questões de gênero e em sua Drag Themônia tem a identidade
transição. Flores dedica-se a de “Luna Skyyssime” desde
2016.
investigação do movimento
artístico das themonias, a luta
pela visibilidade T e estudos
acerca da travestilidade.

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S1mone
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DESCONSTRUÇÃO
PERMANENTE
Movimento que combina a experiência sensível das artes,
ao fortalecimento de comportamentos sociais autênticos,
não sistematizado para a descolonização dos corpos.
Texto: Sarita Revisão: Taymã Carneiro

Detectar os elementos de territorialização que demarcam nossos


corpos tem sido parte estratégica da nossa descolonização, entendendo
a criação de fronteiras também como condicionantes que separam,
sentidos que podem se potencializar na mistura das diferenças, mas
acabam por se esgotar criando a mais delicada das fronteiras, a do
limite, o fim.

SOMOS AS INIMIGAS DO FIM


As que observam e experimentam as influências dos objetos na
manipulação dos corpos, para além de significados, percebemos
nessa guerra contra a padronização a montação, como distúrbio
desterritorializante de querer montar tudo no corpo, dependendo do lugar
e ocasião, trabalhamos com todo o tipo de objeto, pendurar, amarrar,
colar e fixar coisas, um cabide de várias coisas misturadas objetos
que colocam o nosso corpo em condições adversas desde incômodo e
apertos para novas sensações de alegria, prazer e liberdade, misturando
diferentes objetos na desconstrução dos sentidos, diluindo as fronteiras
para fortalecer, no cruzamento das diferenças, possibilidades caóticas,
desordenadas, não sistematizadas, vivendo como Themonias a montação
em desconstrução permanente de todos os possiveis sentidos.

O CORPO É O NOSSO LAR/EXÍLIO/CATIVEIRO


O distúrbio da montação nos proporciona outra consciência corporal,
das relações e contexto, desenvolvendo soluções criativas desde
as nossas individualidades e coletividades, do corpo enquanto uma
combinação de fatores essenciais e autênticos, evidenciando, ironizando
e desconstruindo os tipo sociais e corpos para além de manipulados e
super explorados.

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Corpos que podendo ser as reações diversas em contato significados antes exaltados,
descartados pelo sistema por não com as pessoas que interagem sendo descartados, deixando
representar ou contribuir com a com o nosso corpo montado. de ter a mesma importância,
manutenção do comportamento e tornando a desqualificação um
pensamento hegemônico, sendo A montação virou MEGAZORD e as hábito, um comportamento que
colocados em uma condição de themonias vem em POROROCA. educa ao desprezo, achando
lixo, o lixo humano que a sociedade Vivendo a montação como que os problemas se resolvem
invisibiliza, negligência e tenta determinante na descoisificação quando jogamos fora, na
exterminar, pessoas precárias, dos corpos, e com isso o corpo verdade o problema está apenas
periféricas, afroamerindios e como lugar de visibilidade invisibilizado. Mas ele ainda existe,
sexodissidentes. de outros símbolos, temas e ser inferiorizada não nos impede de
empoderamentos, a montação existir. Nós, sexodissidentes, somos
Se o nosso corpo é um território Themomia nos liberta a custo de jogadas para a margem, para o
em disputa, que seja ocupado muito desconforto, nos exigindo esquecimento, como fazem através
por todas, que o corpo seja o diferentes movimentos e posturas, dos mecanismos de controle social
lugar de outros corpos e com isso colocando o nosso corpo em função como o machismo, homofobia
de outras opiniões, misturando do montação, dando suporte e e racismo, que associando a cor
símbolos e significados, evidência, provocando outra relação preta à sujeira, nos assassina na
principalmente os descartados das pessoas com a nossa arte, periferia, garantindo a “limpeza
pelo heterociscapitalismo e com o corpo e consequentemente social” ou a longo prazo, como parte
cultura ocidental, vivendo assim ressignifica a relação dos corpos do processo de coisificação dos
experiências performativas, montados com o lugar e as pessoas, corpos, a invisibilização é mais um
gerando linhas de intensidade que potencializando assim um espaço dos mecanismos de controle social,
apontam para todas as direções em favorável a comportamentos não por isso também as Themonias
atravessamento individual, coletivo domesticados. somos extravagantes e absurdas,
e diversificado do acontecimento, mais do que viver, sobrevivemos e
tudo acontece no corpo, na Sendo a inferiorização uma prática reexistimos, revelamos o invisível,
tentativa de reproduzir não um relativa para cada grupo, o que não pedimos pra nascer, é aturar ou
comportamento sistematizado, serve para alguns, pode não servir surtar!
mas a repetição da diferença com para outros, nossos símbolos e

Se o nosso corpo é um
território em disputa,
que seja ocupado por
todas, que o corpo
seja o lugar de outros
corpos e com isso
de outras opiniões,
misturando símbolos
e significados” Perséfone

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A cada encontro, o que era esporádico se organizou em movimento e vem ganhando um corpo maior e mais
autônomo de pessoas, nos fazendo entender enquanto grupo cultural, com diversos outros corpos que se
montam, descobrimos, no procedimento simples de fixar objetos no corpo, a desconstrução de nossas imagens
e sentidos humanos, nos percebendo também enquanto Monxtras, termo usado por artistas drags da Bahia.

Conhecemos outros corpos


que também se montam, uma
rede internacional e histórica
de criaturas de imagem e
comportamentos não humanos
que tentando se disfarçar,
não passam de monstros
humanizados, cada vez mais
bagunçadxs em corpos
coisificados, convocamos todas
as aliadas, a partir da nossa cultura
e ancestralidade, condicionadas a
lixo e por isso, descartadas.

Ironizamos o termo Demônio,


resignificando a definição
reducionista para a Themonia que
se expande, multiplica e ao exaltar
também as nossas condições
invisibilizadas, geramos profundo Luna Skkyssimi

estranhamento nas pessoas,


incômodo, e assim, temos nos e comportamentos demonizados relações de trabalho e
infiltrado cada vez mais em pelo sistema heterociscapitalista apoio cultural a autonomia e
diversos espaços normativos, e normativo. democratização da arte e cultura
exaltando nossas imagens enquanto saberes essenciais
invisibilizadas e discriminadas, Themonia escrita com “th” é um inerentes à expressão e
exercitando o olhar para um outro estranhamento a palavra demônio organização social, em disputa
novo entendimento de si, a partir que tenta resumir tudo aquilo que do imaginário e materialidades
do estranhamento e da confusão é ruim e que deve ser proibido pela dominantes em empoderamento.
dos sentidos e significados, moral judaico-cristã, e com isso,
exercício que se fortalece desde o sentido da themonização que
quando começamos a nos montar, para nós é sinônimo de qualidade,
pessoas estranhas aprendendo a como resposta a demonização
se maquiar e transformar a própria da nossa existência, cultura e
imagem, elogiamos a nossa feiura, ancestralidade, fazemos questão
as cores e texturas tortas, temos de existir, de incomodar cada vez
aperfeiçoado cada vez mais o mais, sendo a nossa existência uma
nosso processo de montação, ameaça, nossas ações passam
e com isso, aperfeiçoando a a ser um atentado em nome do
themonização para além da amor e da liberdade de expressão,
comicidade ironizada, mas como muito prazer, somos Themonias,
um posicionamento, entendendo a movimento das diferenças que
necessidade de defender e exaltar reinventa comportamentos e
nossa ancestralidade, cultura e relações, por tudo e por todas, das

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O MANIFESTO
Manifesto de Themonização da Arte e Cultura Paraense
Concepção e organização: Sarita & Flores Astrais Revisão: Taymã Carneiro

Este manifesto tem origem nas sínteses de discussões levantadas na


noite do dia 13 de fevereiro de 2020, encerrando as vivências das mesas
da “II Convenção das Themonias” que aconteceu na Casa Mangueirosa
em Belém do Pará. Organizar esse movimento como registros históricos,
contando nossas próprias narrativas, deixando tudo registrado nas
diversidades das nossas expressões que compõe esse manifesto.
Fortalecer e construir essas e outras novas formas de comungar ideias,
comungar aquilo que acreditamos. Antes de mais nada, o que nos une
até aqui é a arte, nos levando para outras pautas, vivencias, demandas de
relações sensíveis e criativas. Comprometimento com o movimento da
arte que a gente faz e junto com ela a dimensão e proporção política que
alcançamos, visto que algumas das entidades representativas LGBTs
desse estado tentam centralizar atuações, se burocratizando e com isso
não dão conta de nos representar. Descemos pra a realidade o quê que a
gente tá dando pra sociedade de demanda sobre o que a gente quer falar,
no nosso corpo negro, indígena, da não cisgeneridade masculina, no
nosso corpo de pessoas periféricas e do nosso corpo de ancestralidade.
O hetero cis capitalismo está em crise crônica e profunda, de epidemias
surgindo e não sendo curadas, o caos social e ambiental, da exploração
máxima dos recursos ambientais, a queda dos valores que constroem a
ideia de moral e bons costumes.

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1º EIXO – ARTÍSTICO

O que são Themônias? O que é


themonização? Themônia não é
somente drag, então é o que? Nunca se vendeu tanta peruca, tantos cosméticos, assim como nunca a
arte drag contribuiu tanto pra economia internacional e nacional. Pabllo
Somos ação, movimento, algo Vittar, Gloria Groover e outras drags abrem frestas no sistema em que
que acontece, arrasta o que conseguimos nos fortalecer aqui em Belém do Pará por exemplo,
tiver pela frente, outros corpos enquanto debate de Themônia, ressignificação drag levando a repensar
e vai tomando várias frentes, também o Carnaval, Círio, São João e outros eventos culturais nessa
contágio artístico de olhares e cidade que é também um espaço de disputa histórico pra todes nós.
relações criativas e sensíveis em
retroalimentação, ser Themonia
é botar pra fora, se autentica,
ser você mesma, se ver e se
reinventar em si, é o primeiro As possibilidades de se montar Entendemos que somos
encontro antes de ir ao encontro, que esses corpos tinham aqui na colonizados, que a gente é
se encontrar em si para encontrar Amazônia em 2012/2013 já nos cristão no sentido do contexto
o outro. levavam pra ressignificação da histórico e cultural que vivemos.
montação, mas foram mulheres Então, trazer a cultura yourubá,
Chegamos ao panorama cis e trans que mudaram a estética trazer a umbanda e o tambor
histórico, acadêmico sobretudo, da montação completamente, de mina e a pajelança enquanto
de formulação e de entendimento iniciando o movimento de processos de desmistificações
do que acontece até aqui, fruto Themônias. A origem do nosso do que é a nossa ancestralidade,
das vivências e diferentes movimento é matriarcal. daquilo que é a nossa origem,
realidades de maioria não que nos fortalece é o que nos
acadêmica, pois vivemos Enquanto drag, voltamos a trazer traz até aqui também.
a vida real. Desenvolvendo o debate sobre a dominação
diferentes saberes, introduções e dos corpos, em recorte mais Demônio, ele é uma forma
fundamentos, percebendo o fazer profundo, a dominação do ficcional de tentar resumir tudo
drag para além da apreciação e corpo feminino cis-gênero, a aquilo que não presta numa
beleza, ao entendimento histórico invisibilização, flagelo e morte, perspectiva judaico-cristã,
do que era a drag e temos dos corpos trans. eurocentrada e racionalizada.
descoberto juntes, o que é isso A razão devasta o nosso
historicamente e na atualidade. Negamos o que vem de fora e imaginário... Começam com
aquilo que nos domina, negamos o apagamento histórico que
Reivindicamos a pontuação de aquilo que nos aprisiona. É uma vivemos sobre a ancestralidade,
Willian Dorsey Swann “the Queen”, disputa de discursos e narrativas, não conhecendo nossa real
bicha preta que foi escravizada, sim. Porque o quê que era origem em prol de um enredo
como referência de primeira predominante nas civilizações ficcional de que existe um deus
Drag Queen no mundo, trazendo ancestrais originárias e até hoje, maior em uma ideia maniqueísta
além do termo o modus operandi é o imaginário. A imaginação do do certo e errado, do pecado e
desse fazer como a noção de mundo é permeada com a ideia salvação.
haus, baile, família e mobilização de que as pessoas morrem e vão
por lutas de direitos. pro céu ou pro inferno.

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Tristan Soledad

Lyssandra Candy Condessa Devonriver


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Houve a necessidade do sistema, pra controlar, construir essa ideia do que é o demônio em relação a
um oposto a esse deus. Esse personagem vem pra culpabilizar alguém ou alguma coisa por algo que é
responsabilidade nossa. Então, o demônio surge pra ser culpado por tudo aquilo que o sistema não quer se
responsabilizar.

A gente sabe que quem é culpado da demonização/invalidação/ A travestilidade e transgeneridade


é o capitalismo dentro da sua invisibilidade por themonização/ partem desse princípio da negação
crise, são planejamentos que validação/evidência e essa da normatividade cis e esse corpo
não são feitos tendo em vista influência determina os estados não-normativo, a realidade dos
a sociedade as pessoas e sim de consciência, suas alterações corpos cis-femininos em processo
o lucro. São muitas coisas que na mente e no estado de espírito. de misoginia e themonização da
colocam de fato na sociedade É o lance do exu: você devorou, sua existência, compreendendo
em crise e que as pessoas que você absorveu e você vomitou. que a cis-normatividade é pautada
tão comandando essas grandes em um binarismo machista em
narrativas não querem assumir A disputa do imaginário que o homem cis está acima na
pra si, o sistema acha em nós historicamente tem determinado pirâmide de poderes sobre os
esses demônios. as relações e os estados coletivos, corpos trans e cis-femininos.
à medida que o imaginário é
Então se apropriar de novo também reflexo do seu contexto A feminilidade, corpos não
dessa forma, com essa palavra histórico e que com isso reproduz binários, em transição, dos corpos
“demônia” traz pra nós o uma ideia de moral, de relações e travestis e trans conduzem o
compromisso de reinventar e nos com isso de comportamento. nosso processo como referência
libertar dessa narrativa. A nossa estética e de comportamento
ideia de Themônia, que eles usam Nossa arte é contra-hegemônica mostrando-nos as direções dos
pra resumir tudo que não presta, de um processo normativo da apontamentos da nossa arte.
é pra explodir tudo aquilo que ficção hetero-cis-normativa. O
é maravilhoso, tudo aquilo que que faz a gente se unir enquanto A Themonização abarca a
presta, tudo aquilo que é rico, tudo ser essa identidade Themônia é a realidade dos corpos pretos, até
aquilo que é potente nas nossas ressignificação dos ataques que porque ainda existe um racismo
vidas. sofremos em uma perspectiva agressivo, violento, que nos
criativa, numa perspectiva artística assassina e a ele que temos que
A Themônia com “TH” é a e por isso cultural-histórica que dá uma resposta, então uma
ressignificação da demonização. o corpo travesti e o corpo trans medida urgente é que se tenha a
Themonização não é apenas sobre a cotidianamente vivem. “Ah, porque relação de diálogos não violentos
ironia com demônio cristão, mas as nem toda travesti é drag” ok, mas com esses corpos, de diálogos de
formas com que as coisas que são toda travesti tem uma forma de entendimento, não só de respeito,
vistas como “coisas do demônio” se reconstruir enquanto corpo mas de cuidado.
são na verdade nossas essências sensivelmente, criativamente, que
e trajetórias, pois nossas vivências não seja assim, artisticamente
são demonizadas. Trocamos o filtro como a gente conhece na drag.

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A travestilidade e transgeneridade partem desse princípio da


negação da normatividade cis e esse corpo não-normativo.”

A contemporaneidade vive um mais abaixo, é uma


apagamento da nossa cor, da invisibilização, uma solidão
nossa cultura e o momento que muito grande, por ser vista como
a gente passa a entender essa um objeto, nem é vista como
negritude, passa a se empoderar uma pessoa; essa demonização
dela. Empoderar essas pessoas sobre os nossos corpos é de
que tão dentro da periferia que uma maneira muito cruel. O
não tem noção dessa negritude, corpo no homem negro ainda é
que não tem noção da sua cor, visto da mesma forma, ainda é
levar essa mensagem. hipersexualizado, a imposição
da “virilidade masculina” e a
Tem várias caixinhas onde demonização de agregar pra si o
pessoas pretas são colocadas, jeito gayzinha, o jeito qualirinha
chegam sempre de uma maneira de ser.
agressiva, cheia de achismos
sobre aquele corpo. A mulher Historicamente a gente vai perceber
negra nessa pirâmide tá muito que as coisas não mudaram,

pretos continuam sofrendo torturas, continuam nas prisões, nada


mudou. Várias coisas que rolaram durante a vida inteira. Então, como
esses corpos vão ter autoestima? É por isso que o direcionamento de
tudo isso é entender a importância de empoderar essas pessoas.

Shayra Brotero

É necessário ações mais efetivas Corpos brancos sempre escutam Esses corpos periféricos, pretos,
pra esses corpos e querer mudar debates de pessoas negras não precisam invadir o local, eles
essa realidade, pois não adianta falando sobre a negritude e não têm que ter acesso. É direito,
só não ser racista, mas fazer veem a vivência, o que as pessoas não é invasão. Você não tem que
nada e não pensar em de que brancas vão fazer pra contribuir chegar lá e retomar o espaço, você
maneira tu pode tá contribuindo com a luta contra o racismo? Tem tem que entrar de cabeça erguida
pra que isso diminua, pra que que passar assumir isso. “Eu sou porque você tem direito a aquele
essas pessoas tenham algum branco”, mas e aí, todo branco é local também. Não é porque você
amparo. De levar pra essas racista, só que tem como querer é periférico, tem a pele retina, a
pessoas que tão dentro da perifa melhorar, pra estar perto de pele escura ou a pele mais clara.
que não tem muita noção da sua pessoas negras pra estar lá com Você tem acesso porque você é
negritude e do poder que essa elas. É muito fácil chegar na roda, um ser humano, você tem direitos
negritude tem de empoderar, de escutar tudo, mas e aí o quê que e deveres como qualquer um
dizer que ela é capaz, de mudar corpos brancos vão fazer pra outro, independentemente da cor
esse rolê a nosso redor. mudar isso? da tua pele.

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Boa parte da galera periférica não que começar a revolucionar, a Reconhecimento de ancestralidade
tem esse acesso, a educação, a fazer um rebuliço nessa cidade afro amazônica. Está tudo
cultura, a saúde, a segurança e pra começar a colocar em jogo muito intrínseco em relação à
a saneamento básico que é uma essa questão que a gente não ancestralidade. O que te remete
coisa que todo ser humano tem vive de resto, a gente não vive ao ancestral? Teus pais? Teus
direito. Então eles acham que de migalha, ao contrário, a gente avós? Bisavós? Ou seja, família.
isso é algo utópico. E não, todos vive de fartura que quanto mais Ter referências familiares é o que
têm que ter o seu direito, o seu excessos melhor, quanto mais acaba refletindo na nossa relação,
acesso livre. Sem restrições, gritos melhor, quanto mais ecoar principalmente aqui em drag
porquês, porém, sem mais, livres. a voz melhor. amazônica. Sobre esse afeto, esse
acolhimento, essa necessidade
Atuar nesses espaços de Ressignificação de novas de acolher, de ajudar, de ter como
infiltração, sobre os lugares que abordagens de pessoas, de família que vem dar origem às haus
a gente tem alcançado enquanto novas abordagens de relação, é às mães drags, às filhas, às netas,
corpo periférico que tá ocupando ter justamente essa questão da bisnetas, sobrinhas e essa família,
o centro, que tá ressignificando empatia. Não adianta você tá lá, que é na religião de matriz africana,
o centro e pensar de maneira assistindo debates, assistindo no caso a umbanda, se fala muito
eficaz mesmo esse nosso palestras, vendo filmes, que família é quem te resgata do
fortalecimento. Infiltração, voltar documentários, no protesto outro lado e nem sempre tem o teu
ao tema da manipulação da levantando a mão se quando sangue.
nossa imagem, da manipulação chega no teu bairro, na tua
da nossa cultura, porque a quebrada, tu não consegues falar Themonização do afeto. O afeto é
periferia é educada a ser burra, pra aquela senhora que cresceu tu te deixar afetar, o afeto é tu afetar
é educada a ser alienada e não sendo neta, bisneta de escravos alguém, o afeto é tu te permitir ter
perceber a potência que tem o com essa conscientização. um tipo de conexão com alguma
tecnobrega, a potência que tem coisa, pessoa, um movimento e
de maneira mais contemporânea A periferia enquanto lugar de etc. Isso é afetar ou se deixar afetar.
os seus experimentos, criações fortalecimento dos nossos Quando a gente fala disso, a gente tá
artísticas, importância de corpos e a ancestralidade falando especificamente de afetos
reconhecer os mestres de cultura enquanto lugar de fundamento pré-moldados, a gente vive uma
popular da nossa cidade. daquilo que nos protege, daquilo sociedade de afetos pré-moldados.
que nos fortalece enquanto Temos que enxergar o afeto como
Arte não é só ir pra uma exposição, sobrenatural, daquilo que nos construção social, assim como a
uma galeria, que é muito distante atravessa e que nos ergue gente aprendeu a ver o gênero como
que não dá pra gente, sendo que também porque a gente vai sair construção social, a sexualidade
pode acontecer na periferia e dessa matéria física que é o muitas vezes como construção
pode acontecer de uma forma corpo. social, a gente aprendeu a enxergar
mais intensa e articulada com isso na gente. Porque que a gente
todes. O sistema não apoia isso, O que a gente faz diz respeito à não consegue compreender o afeto
porque a arte te dá vez, dá voz, construção de novas formas, de também como construção social?
autonomia e autoridade e pra um novas vivências, dos nossos corpos Aí começamos a analisar esse
periférico isso não pode existir. descolonizados, descentralizados. afeto a partir de vários ângulos; qual
Decolonial de não colonizade, a o primeiro afeto que a gente precisa
O sistema acha que o periférico tem gente está descolonizando o nosso ter que a gente merece ter na vida?
que ser leigo, tem que ser invisível entendimento. Despertar pra uma O afeto familiar e aí entramos num
e tem que ser submisso. Que você coisa que não está distante de ponto delicado, porque a grande
dá migalhas e ele aceita, de todo nós, que aconteceu lá atrás e ainda maioria de Themônias pertence
bom grado, porque é só aquilo que acontece e que gente ainda carrega ao espectro LGBT e esse é sim o
ele tem direito, e não é isso que por sermos agentes atuais da primeiro afeto que é negado em
tem que acontecer. A gente tem ancestralidade que a gente vive. plenitude na nossa vida.

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nós merecemos o melhor de mim contexto todo é quando a gente


e receber o melhor das pessoas. se encontra no contexto de
sobriedade e lucidez, estamos
O Afeto é revolucionário! Porque então em contexto de elucidar as
a partir disso temos mudado nossas demandas.
perspectivas de vida, mudado
pessoas, objetivos e com essa Chega da gente ser manipulada, de
transgressão de afeto a gente ser massa de manobra, chega da
muda o mundo. Drag era a gente dar conta da demanda dos
gente modificando a relação outros, porque é isso que a gente
com o próprio corpo, começou tem vivido, a gente tá cansado, por
a modificar a relação um com isso que a gente tem sobrevivido
o outro, começou a modificar a dando conta das demandas
relação das pessoas e do lugar que nos dão. Agora a gente vai
que a gente está. A drag e a gente dá demanda, agora a gente vai
Themônias que somos não-drags, trazer a nossa realidade para
chegou... Modificou. os outros, a gente vai colocar e
assim ser respeitado, estabelecer
Visamos uma organização essa relação profissional de
institucional, sobre como de respeito, de discernimento e de
maneira mais organizada entendimento dessas fronteiras
juridicamente a gente consegue que a gente precisa criar pra
se amparar a gente consegue se proteger, relativizando...
se salvaguardar e se proteger é apagando mesmo,
de fato. Pensando no espaço desterritorializando nossos
físico pra gente. É uma casa de corpos e desterritorializando esse
apoio, é um centro cultural é algo contexto ao todo.
Monique Lafon que vai pra além daquilo que é a
sobrevivência.
Somos forçades a ter um outro
tipo de afetividade, pois já Voltar a ter condições de sonhar
crescemos sendo a pessoa com o nosso futuro, a ter
estranha na família, a pessoa condições de esperança umas nas
estranha na escola, a pessoa outras pra que a coisa aconteça
estranha na faculdade, até a de forma real, não-romântica, não
gente encontrar os nossos, e o impressionada, não desesperada,
que vamos fazer quando a gente mas real mesmo, sóbria, lúcida. A
encontra os nossos? Vamos ser gente quase não se encontra em
estranho também porque não momentos de não-lucidez assim,
vamos saber se afetar por eles e em contexto de embriaguez
a gente não vai saber dá o nosso em contexto de chapação, em
melhor afeto pra eles e receber contexto de sofrimento, em
essas pessoas da melhor forma contexto de desespero e quando
possível? Talvez isso seja social, a gente se encontra fora desse

Drag era a gente modificando a relação com o próprio corpo,


começou a modificar a relação um com o outro, começou a
modificar a relação das pessoas e do lugar que a gente está.”
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2º EIXO – POLÍTICO-ECONÔMICO

A festa e produção de evento


são espaços dos quais temos Políticas públicas: eu acho que é
propriedade em dizer e fazer. E mais um dos nossos maiores desafios,
recentemente nos últimos anos pra todos os debates que a gente
uma demanda cultural. Por tanto tá tendo na perspectiva capitalista
abrimos para um diálogo direto com sistêmica reivindica as políticas
outras produtoras de Belém do Pará. públicas enquanto um direito nosso,
de ter representantes públicos
É necessário que as produções e mais do que representantes
preparem o seu evento para receber porque não nos representamos a
pessoas trans, pretas e periféricas, maioria de nós por partidos muito
que preparem a equipe de segurança, menos por parlamentares, o dever
que preparem a equipe de portaria, que essas figuras públicas têm de
que preparem a equipe do bar, garantir não só nossos direitos,
pra saber atender e responder as mas políticas pra nossa proteção e
necessidades desses corpos e que pro fomento das nossas iniciativas.
essa preparação seja feita sempre
previamente aos eventos.
La Falleg Condessa

Sugerimos que se coloque em Adequação dos locais que não Quanto mais confuso pra gente,
contrato cláusulas que garantam têm acesso pra cadeirantes, melhor pra eles, né. Porque eles
o aparo e ressarcimento caso dificilmente a gente tá em lugares abrem uma cortina de fumaça
haja alguma questão de racismo, que têm acesso pra cadeirantes, sobre gênero, sexualidade, mas na
de transforbia, de LGBTQIfobia, dificilmente a gente tá num local verdade é aposentadoria, mas na
as produtoras precisam planejar- que têm acesso pra uma pessoa verdade é direitos trabalhistas, na
se anteriormente com seus surda, pra uma pessoa cega. De verdade são direitos sociais que
terceirizados, se adequando ao quais formas a gente pode pensar estão sendo retirados e se usa de
público que recebem, colocam em esse rolê pra ser acessível de um discurso de desvio uma cortina
contrato de forma burocrática para verdade, sensibilidade de olhar pras de fumaça pra gente dá foco pra
termos medidas mais eficazes mães e pras mães solo, as pães, as uma outra coisa que nem é tão
contra as questões já citadas. themonias que se montam e fazem importante.
atividades em eventos a gente
Inclusão de pessoas com começar a estabelecer um piso Reinventando essa forma de auto
necessidades especiais, pessoas salarial pra gente, né? Começar a gestão, a partir dessa relação dos
surdas, pessoas cegas, cadeirantes. entender quanto a gente cobra pra afetos pra uma outra significação
fazer um evento, quanto a gente que é a organização coletiva, das
Formação e estudos em libras cobra pra tocar, quanto a gente toca experiências políticas que a gente
e inclusão de pessoas que são por hora por evento, quanto é que já teve com outras organizações
themonizados, eles são tão a gente cobra pra fazer um baby partidárias, religiosas e
themonizados quanto a gente. chá, quanto é que a gente cobra institucionais pro que a gente tá
Quando é que a gente vai permitir pra fazer isso. A gente anexar nisso vivendo aqui hoje e como a gente
que eles alcancem o que a gente tá uma planilha de preço dos nossos avança.
debatendo aqui? serviços.

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THE M O N I A

3º EIXO – CULTURAL
Grupos culturais que coligamos
Convocatória às demais produções culturais independentes e periféricas

Dar conta do processo cultural artístico na cidade por estarmos em todo Reação aos dados de inserção
o lugar porque a gente precisa e a cidade precisa da gente. Não é porque muito grande das igrejas dentro
tá na moda. É porque o que a gente tá fazendo tá chamando atenção e das periferias. Sobretudo as
reinventando um monte de coisa artística e culturalmente na cidade, em igrejas evangélicas pentecostais
disputa de narrativas e do imaginário, como a defesa e valorização das que doutrinam esses corpos
diversas expressões e produções artísticas culturais. periféricos.

Os mestres de capoeira, em sua


maioria, não tem nada. Existe
um grupo onde as pessoas dão
uns trocados depois do treino,
cada um dá uma graninha pro
mestre poder se alimentar, porque
sozinho ele não tem como,
entende? Ele vive pra capoeira.
Então, é ter a noção desses corpos
que também estão aqui, conhecer
essas pessoas e somar com elas,
certo? Trazer elas para junto,
mostrar que esses corpos, essas
Aurora
pessoas, tem uma oportunidade
Em se tratando de Carnaval, a Batalha de RAP da Cabanagem, sim de ascender, mostrar a eles
antiga desvalorização histórica Tapanã e em outros bairros, que a gente tem respeito, que a
que não regula o carnaval que carimbó de Icoaraci e outros gente conhece eles. São daqui,
acontece em Belém, deixando por mestres do carimbó espalhados são dos nossos e a gente vai
conta dos interiores, como parte na cidade e interior, movimento saber valorizar, enaltecer.
da cultura higienista da burguesia hard core, feira gráfica e de
nessa cidade. artesanatos, deslocando a ideia
de centro e disparando para
Cultura tradicional, das expressões outros lugares. Fomento de
populares acontecendo e que o espaços públicos. O direito à O manifesto não termina aqui,
carnaval por necessidade trás cidade. pelo contrário, pretende ser um
cada vez mais trazer à tona. Peritas começo de uma nova era de mais
e autoridades, de montação por Medidas de encontro na cidade, olhares, respeito e consciências de
não se montar só no carnaval, nos voltar a se encontrar na cidade. nós para nós seja política, cultural
montamos a todo o momento, No centro, com o objetivo de ou artísticamente. As themonias
todo dia. ser agitação, pra propaganda, devoram, absorvem, regurgitam
fazer enxame, ser megazord de o que não presta e crescem cada
Fomentar e ajudar a somar roles apoio aos movimentos culturais vez mais fortes, esses seres da
descentralizados da cidade Belém. e periféricos. cidade-floresta.

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THE M O N I A

A MONTAÇÃO VIROU MEGAZORD E AS


THEMONIAS VEM EM POROROCA.”

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REVISTA
THEMONIA
SET 2020 | Nº 01

Design Gráfico e
Diagramação
Wan Aleixo

Textos
Sarita
Flores Astrais

Revisão de Textos
Taymã Carneiro

Ilustrações
Perséfone

Fotos
Wan Aleixo

PUBLICAÇÃO INDEPENDENTE

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