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Apontamentos

A difícil tarefa de pensar sobre a infância e a criança é raramente tomada por nós,
adultos, como prioridade no nosso fazer e estar com os bebês e crianças pequenas.
Quanto menor a criança, menos a sociedade se põe a pensar sobre ela. Trocamos
fraldas, dizemos sentenças carregadas de “Não!”, compramos brinquedos, pedimos
silêncio, ordenamos que parem de gritar, de brincar, de correr, de pular, de mexer nas
coisas.

Abramowicz e Rodrigues (2014) pontuam a forma como a infância sempre foi vista em
sua negatividade ao longo da história. A criança como a antítese da humanidade, como
algo a ser moldado para que, por fim, se torne um ser humano completo e dotado de
racionalidade. Somente no século XIX na filosofia surge o olhar positivo pela infância a
partir de Nietzsche que considera a criança como o último estágio de espírito humano,
algo capaz de criar algo novo, de produzir novos saberes.

Reconhecer a criança como um ser social capaz de construir culturas e moldas


diferentes espaços de existência e vida é ir, de acordo com Prado (1999) na contramão
do controle dos adultos, das pedagogias de adestramento e do aprisionamento do
movimento dos corpos de bebês e crianças. Entendemos que pesquisar as propostas
artísticas do corpo para as crianças durante a pandemia é um exercício de
reconhecimento da potência das crianças e da infância.

Machado (2010) aponta que a vida da criança é repleta de dramaticidade, de


teatralidade. Ela cria, vive, performa, através do seu corpo, gestos e movimentos. Não
como uma experiência ensaiada, mas uma vivência intensa e potente de performar a si
mesma através da liberdade de criação. Sendo assim, entendemos a necessidade de
oferecer tempos e espaços para que as crianças criem através dos seus corpos. Essa
possibilidade pode ser pensada em propostas artísticas durante a pandemia, onde
talvez pensássemos que seria algo impossível, algo impraticável.

Na pesquisa exploratória algumas companhias artísticas nos chamaram a atenção


justamente por compreenderem as crianças como sujeitos participantes do fazer
artístico, capazes de produzir arte através do corpo, de construir, reconstruir, viver,
explorar, entendendo sua potência, criatividade e dando liberdade para que, enfim,
possam performar, dançar, atuar.

É preciso coragem para abrir mão do papel central dentro de uma obra performática. É
preciso força para ter um olhar outro para as crianças e para a infância, vendo-as além
de consumidoras, pensando que são desde bebês sujeitos capazes de fazer arte. Não é
fácil dividir o espaço com a fúria, valentia, solidariedade e curiosidade das crianças.
Não é fácil, mas é belo. A partir disso quantas formas de vida e existência podem
surgir? Quanta arte pode emergir a partir dessa relação de parceria, de beleza, de
construção entre adultos e crianças nas artes do corpo?

Para Malaguzzi (1999) o trabalho com crianças consiste em ter poucas certezas e
muitas incertezas. Essas incertezas surgem junto com vivências significativas e
coletivas conforme dividimos com os pequenos e pequenas os espaços e ambientes,
cedendo lugar para seus sons brincantes, risos, corpos que dançam, se jogam no chão,
rodopiam, pulam, mãos arteiras. Para que isso aconteça é preciso estar junto com as
crianças nas infâncias brincalhonas, não colonizá-las.

A companhia artística Lagartixa na Janela é um grupo que atua a partir da perspectiva


da cultura da infância, tomando as crianças como participantes da obra de arte e
performers. O primeiro caminho é investigar a proposta artística “Sobrinfâncias”
(2021) que aconteceu de forma remota durante a pandemia.

A segunda proposta é pesquisar a companhia de teatro Cia Zin e sua peça para bebês
“O que eu sonhei?” (2021) que apesar de ter acontecido de forma presencial
anteriormente, durante a pandemia foi adaptada para a modalidade remota. O grupo
se propõe a pensar a linguagem artística para bebês e proporcionar uma experiência
estética que envolva os pequenos no campo das Artes.

Por fim, há também a peça “O Farol” (2021) da Cia Studio Sereia que também foi
adaptada para a apresentação online. A peça é voltada para bebês e crianças bem
pequenas e traz uma narrativa familiar inspirada na cultura japonesa através de uma
poesia da imagem e do som. Essa última proposta de pesquisa nos atrai por pensar o
bebê e suas potencialidades poéticas, existenciais e performáticas.
Antônio e Tavares (2019) lindamente nos dizem que “Cada criança é feita da matéria-
prima do mundo, da circulação da vida, das circunstâncias históricas e sociais, mas ao
mesmo tempo, feita de sonhos, movida por desejos e sentidos que descobre ou atribui
à vida”. O corpo e a arte produzida nele é uma forma das crianças se moverem na vida
através do cantar, declamar, rodopiar, brincar, colocar a existência em diálogos
singelos, complexos e profundamente poéticos.

Essa reinvenção do fazer artístico com crianças imposta pela pandemia em nada
alterou o sentimento em relação a propor experiências performáticas significativas
para as crianças de forma remota, fazendo com que grupos artísticos e artistas se
reinventem a cada dia. Conectados através de aparelhos eletrônicos e da arte, corpos
separados, porém unidos em movimentos livres e expressivos.

A ideia inicial é investigar a experiência dos artistas e suas percepções, bem como uma
pesquisa participante através da vivência nas obras propostas e observação das
crianças e suas relações com a arte. A investigação com os artistas pode acontecer
através de entrevistas e conversas, com perguntas acerca da transposição do
presencial para o online, quais foram as possibilidades, como se deu a relação remota
com as crianças, quais as concepções de infância e arte em suas práticas artísticas, etc.

Se possível, há o interesse em participar de forma presencial na/nas peça/peças,


registrando através da fotografia a relação dos bebês e crianças pequenas com as
obras, seus olhares, gestos, participações, como é construída essa vivência e como a
experiência do teatro é vivida na pequena infância. Caso não seja possível que
aconteça de forma presencial, acompanharemos as obras de forma remota através de
lives ou gravações.

Pereira Junior e Machado (2021) atentam para a importância do movimento das


crianças durante o isolamento social imposto pela pandemia. É preciso que as crianças
dancem, brinquem com seus corpos, performem através do faz de conta, da
imaginação, das interações e brincadeiras. Como é articulada essa performance das
crianças em propostas remotas? Como os adultos podem partilhar com as crianças
esses espaços que nem por nós eram habitados?
Como esses espaços foram forjados pelas companhias artísticas mencionadas? Creio
que seja uma abnegação e um reconhecimento sublime das crianças como performers,
sujeitos culturais e atores sociais, como a sociologia da infância vem apontando há
algumas décadas. As cortinas se fecharam, as webcams foram abertas, as vozes se
transformaram em microfones silenciosos e as crianças e bebês que antes habitam as
creches e pré-escolas foram confinadas em apartamentos, casas e convívio familiar.
Mas a arte não parou por aí, reinventando-se junto com os pequenos a cada dia.

Como professora de crianças bem pequenas posso afirmar que muitas vezes não
escutamos as crianças. Queremos falar o tempo todo, termos a voz maior e mais forte
no ambiente, porém, não precisamos exercer esse papel. Há muita beleza e infinitas
possibilidades quando passamos a escutar as crianças. Elas nos direcionam para
caminhos nunca antes vistos, guiam nosso imaginário, seguram nossas mãozonas com
suas mãozinhas e nos tiram para brincar.

Octavio Paz em O Arco e a Lira nos diz de forma emocionante: “Em lábios de crianças,
loucos, sábios, apaixonados ou solitários, brotam imagens, jogos de palavras,
expressões surgidas do nada… Feitas de matéria inflamável, as palavras se incendeiam
assim que as roçam a imaginação ou a fantasia”. É preciso que nos deixemos conduzir
pelas crianças, por suas palavras, gestos e movimentos que ateiam fogo no que
conhecemos, precisamos dançar seus ritmos, cantar suas músicas, olhar para onde
seus olhos se direcionam, deixar que nos ensinem suas performances e novas formas
de performar num mundo conectado e desolado. Se há alguém que pode nos ensinar
como sobre(viver) com força e coragem, são as crianças.

Escutar bebês e crianças e suas possibilidades de fazer arte com seus corpos,
construindo relações e tempos espetacularmente inéditos é, ao mesmo tempo, um
desafio dilacerante, sublime, alucinante, poético.

Apresentação objetivos justificativa e problematicas metodologia capitulo 1 capitulo 2

Produção de dados
Justificativa e problemática: o que trazer na pesquisa? Relevância social, política e
acadêmico e perguntas que tenho

Paideia

Metodologia (caminhos e passos)

Não tem coleta, mas produção de dados

ONLINE: gravação e entrevista

PRESENCIAL: analisar o espetáculo e a relação das crianças com a plateia

07,12

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