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08/09/2020 Os ventos da Orixá, poema de Audre Lorde

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Os ventos da Orixá, poema de Audre Lorde


15.05.20 | Blog (https://bazardotempo.com.br/categoria/blog/), Pensar o tempo
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Os ventos da Orixá

Audre Lorde
(Tradução de Tatiana Nascimento)
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08/09/2020 Os ventos da Orixá, poema de Audre Lorde

         I

Essa terra não será sempre estrangeira.



Quantas de suas mulheres sofrem para suportar suas histórias
robustas e gritando como a terra em erupção de grãos
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ou açoitadas em correntes de veludo mudas feito garrafas
mãos debatendo traços de resistência
nas costas de outrora amantes
metade da verdade
batendo no cérebro como um tubo de vapor irritado
quantas
ansiando por trabalhar ou abrir-se em fenda
para que os corpos se ventilando ao silêncio
possam planejar o próximo gesto?

Tiresias levou 500 anos, dizem, para se desenvolver mulher


ficando menor e mais escura e mais poderosa
até parecer com uma noz, ela foi dormir em uma garrafa
Tiresias levou 500 anos para se tornar mulher
Portanto, não se desespere com seus filhos.

II

Lendas impacientes falam por minha carne


mudando essas formações terrenas
espalhando-se
eu vou me tornar eu mesma
um encantamento
personagens multiformes ruidosas e escuras
saltando de volta e adiante em páginas brandas
e Mãe Iemanjá levanta os seios para começar meu parto
perto da água
a linda Oxum e eu deitamos juntas
no calor da verdade de seu corpo minha voz fica mais forte
Xangô será meu irmão rugindo para fora do mar
a terra sacode nossa escuridão avolumando um dentre o outro
ventos de alerta vão nos anunciar vivendo
feito Oyá, Oyá minha irmã minha filha
destrói a crosta das praias prontas
e o riso negro de Exu aparece na areia adormecida.

III

O coração da tradição deste país são seus homens de trigo


morrendo por dinheiro
morrendo por água por mercados por poder
sobre as proles de toda a gente
eles se sentam em suas correntes na terra seca deles
antes que caia a noite
contando causos enquanto esperam seu tempo
de terminar
esperando que os jovens possam ouvi-los
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08/09/2020 Os ventos da Orixá, poema de Audre Lorde

medos que sacudem a terra cobrem seus inexpressivos


[rostos cansados
muitos deles perderam a vida e as esposas

parindo
muitos deles nunca viram praias
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mas no que Oiá minha irmã sai pela boca
de seus filhos e filhas contra eles
vou me avolumar das páginas de seus arautos diários
saltando para fora dos almanaques
em vez de responder a busca deles pela chuva
eles vão me ler
a nuvem negra
significando algo inteiro
e diferente.

Quando os ventos da Orixá sopram


até as raízes da grama
se apressam.

Poema “The Winds of Orisha”, traduzido por Tatiana Nascimento, do livro “From a land where
other people live” (De uma terra onde outro povo vive), 1973. A obra integra a coletânea “Entre
nós mesmas – Poesia reunida”, que a Bazar do Tempo lança em agosto de 2020.

______________

Audre Lorde foi uma importante escritora, poeta, ativista dos direitos civis, lésbica e pioneira
do feminismo negro. Nasceu em 1934, em Nova York, filha de imigrantes caribenhos vindos de
Barbados e Carriacou, estabelecidos no Harlem. Estudou na Hunter College, graduando-se em
Biblioteconomia. Neste período, para se sustentar, trabalhou como ghost-writer, operária,
assistente social e técnica de raios-x, entre outras ocupações. No ano de 1954 estudou na
Universidade Nacional do México (UNAM), período crucial para sua afirmação como poeta e
lésbica. De volta à Nova York, participou ativamente na cultura LGBT de Greenwhich Village e,
em 1961, tornou-se mestre em Biblioteconomia pela Universidade de Columbia. Em seu
trabalho, abordou questões relacionadas aos direitos civis, feminismo, racismo, opressão,
fazendo uma necessária ao feminismo branco, que negligenciava as questões raciais, e ao
mulherismo por este ter sido incapaz de abordar a homossexualidade feminina. Entre suas
publicações ensaístas destacam-se os livros  “Sister oustider: essays and speeches”, “The cancer
journals” e a autobiografia “Zami”. No campo da poesia publicou cerca de dez livros. Um de
seus textos fundamentais, “Não existe hierarquia de opressão” foi publicado pela Bazar do
Tempo no livro “Pensamento feminista: conceitos fundamentais”. Morreu em 1992, em
decorrência de um câncer de mama.

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