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18/01/2021 arquitextos 234.

05 ecletismo: Novas formas no sertão | vitruvius

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234.05 ecletismo ano 20, nov. 2019

Novas formas no sertão


O ecletismo no Sudoeste de Goiás (1928-1940)
Rafael Alves Pinto Junior

234.05 ecletismo
sinopses
como citar

idiomas

original: português

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234
234.00 projeto
Dois edifícios
industriais de Gregório
Zolko
Os projetos da Amortex
(1968) e Belzer (1976)
Ricardo José Rossin de
Oliveira e Fernando
Guillermo Vázquez Ramos

234.01 arte e
arquitetura
Residência José Pereira Resende [Acervo Rafael Alves Pinto Junior] O museu na margem do
1/3 Tâmega
Um diálogo entre Álvaro
Siza Vieira e Nadir
    Afonso
Adriano Tomitão Canas e
Maria Teresa Fonseca

234.02 ecologia e
paisagens urbanas
Contexto social da produção arquitetônica Hortas urbanas e
paisagem
Sudoeste de Goiás, 1928. O grande certão do gentio cayapó – nomeado nos Juan José Mascaró
mapas no lugar do grande vazio no Centro-Oeste – havia se transformado
radicalmente. Ocupado desde a segunda metade do século 19, não era mais 234.03 urbanismo
aquele reduto vazio, improdutivo. Ocupado por extensas fazendas, formava Urbanismo sob pórticos
um aglomerado contínuo: um polígono que alcançava o Rio Paranaíba ao Sul, no Brasil e suas
o rio dos Bois a Leste, as cabeceiras dos rios Claro e Verde ao Norte e repercussões
os rios Jacuba e Verde a Sudoeste. Uma área imensa no centro do país Os casos do Rio de
encravada entre Minas Gerais e Mato Grosso, representando aproximadamente Janeiro e Santos
consideráveis 70.000 km2, ou 20% da área do território estadual. José Marques Carriço e
Ana Elena Salvi
Articulados em torno de núcleos urbanos incipientes, os moradores do 234.04 patrimônio
Sudoeste de Goiás seguiam seus ritmos. Esforçavam-se para manter cultural
minimamente coesa sua comunidade, ainda que imaginária. Mesmo que de Arquitetura e urbanismo
forma precária, pretendiam manter uma política de unidade, e garantir a em alta qualidade
posse de um território comum. Sabiam que a base era plural, mas estava A experiência jesuítica
fixada em um território conquistado à força e defendido à bala. na região da
Chiquitania boliviana
Os municípios não podiam ser construídos apenas pela elite. Exatamente Antonio Claudio Pinto
por ser elite, necessitava conceitualmente ser distinta, de estipular da Fonseca

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diferenças. As cidades cresciam, a população aumentava e não se tratava 234.06 crítica
mais de um punhado de fazendeiros conquistadores de terras. Não eram mais Coworking e cohousing
fazendeiros isolados, mas moradores do Sudoeste de Goiás. Esforçavam-se Desterritorialização e
para unir-se. Ainda que, considerando a horizontalidade daquela arquitetura de lugar
comunidade, o tempo homogêneo das narrativas sociais (1) seguia a nenhum
afirmação condutiva dos poderes estaduais que lutava para não perder Luiz Felipe da Cunha e
aquela parte do território. Silva

A comunidade – formada na origem totalitariamente por imigrantes – 234.07 cultura


esforçou-se, desde sempre, para manter-se coesa. Para isto, construiu La città ideale
paulatinamente suas diferenças. Primeiramente em relação com os índios. Algumas considerações
Os fazendeiros não eram índios. Eram partícipes da civilização, vindos de sobre a cidade ideal no
outras partes do Brasil para formar novas famílias. Também não eram imaginário do Ocidente
aventureiros ou garimpeiros. Não estavam de passagem ou eram bandidos. A Adson Cristiano Bozzi
menos a seus olhos, as terras devolutas daquela parte do Brasil seriam de Ramatis Lima e Gabriela
quem as tomassem. No caso, deles e de suas famílias e herdeiros. Eles não Moia Vivan
eram mais como suas famílias de origem, nem como o restante de Goiás e
muito menos iguais aos moradores dos outros estados.

Com isto, não quero dizer que algo os condicionava. O jogo social sempre
foi muito mais rico que qualquer associação de causa e efeito. Maior que
qualquer reducionismo. Aparece como um jogo complexo de condicionantes
econômicas, sociais e culturais que não são impostos puramente, mas
negociados. Filtrados, aceitos ou refugados. Variáveis que criam uma
equação dinâmica que põe em ação os sujeitos, em nada passivos.

Como o colocado por pensadores como Homi Bhabha (2), esta ambivalência é
a marca destas estratégias narrativas: produzir um deslizamento contínuo
de categorias, tais como povo, território, diferenças culturais e
identidades. Exatamente o que aconteceu na ocupação do Sudoeste de Goiás.

Evidentemente que não se trata de um processo exclusivo do Sudoeste de


Goiás. De modo algum. Este processo é, praticamente, universal. Os
exemplos são inúmeros e a produção acadêmica é muito abundante. Ao longo
dos tempos, a diferença cultural sempre marcou estabelecimentos de novas
formas de significados. Novas maneiras de significação sempre foram
criadas. Por isso não parece correto afirmar serem formas individuais de
identidade tidas como únicas. Afinal, sempre e inescapavelmente, cada
indivíduo está imerso em outros sistemas simbólicos além dele (3). É por
isso que nenhuma autoridade narrativa pode ser estabelecida sem revelar
as suas próprias diferenças.

Neste recorte, creio que três vetores de forças formaram, neste período,
a base para a construção da alteridade territorial local. Ainda que esta
alteridade territorial seja entendida como uma licença poética. No caso,
as ligações com Minas Gerais, as tensões com Mato Grosso e a afirmação
política do poder estadual no final da década de 1920, formaram estes
vetores. Evidentemente que esta separação é puramente acadêmica. Muitas
destas forças – senão todas – são sobrepostas e relacionadas. E muitas
vezes seguem rumo a um somatório e a um agravamento; outras vezes,
atenuam-se. Mudam de rumo, alternam-se, entrecruzam-se. Como forças
sociais, raramente seguem rumos determinados. Nisto identificamos a fonte
de seu fascínio.

E é neste contexto que olhamos a produção arquitetônica desta região


neste período.

Arquitetura entre isolamentos, ligações e afirmações políticas

A região Sudoeste de Goiás sempre nutriu anseios de ligar-se ao restante


do país. Sempre reclamou das precariedades das ligações com as demais
regiões produtoras próximas e com a capital, Vila Boa. Desde 1908 a tão
esperada ligação com o Sudeste através da estrada de ferro fazia-se
anunciada. Em 1909 os trilhos já haviam sido iniciados em Goiás. Em 1911,
o primeiro trecho ligando Araguari à estação Engenheiro Bethout, na
margem goiana do Paranaíba, estava concluído. Em 1913, foram inauguradas
outras estações nos trechos seguintes da ferrovia, interligando Cumari,
Goiandira e Ipameri.

Apesar da propaganda, os trilhos não alcançaram – nem nunca alcançariam –


a região Sudoeste. Com a consolidação da estrada de ferro no Sudeste e
Sul de Goiás os outros projetos já autorizados para a região Sudoeste não
seguiram adiante. A sensação era de frustração. A elite local reclamava
do isolamento. O jornal O Jatahy, por exemplo, em 1912 lembrava ao
Marechal Hermes da Fonseca que o povo daquelas longínquas paragens havia
sido o primeiro a lutar em favor de sua candidatura à Presidência. Era
justo que, em “recompensa do esforço”, a região recebesse o beneficio da
estrada de ferro. Em troca, o governo poderia contar com os corações
amigos dos habitantes locais e o apoio para se sustentar no “alto posto
que merecidamente ocupava” (4).

Para a produção arquitetônica em Goiás, a implantação da estrada de ferro


provocou alterações indeléveis. Desde as primeiras edificações – estações
ferroviárias, galpões e residências para funcionários – mostrando a novas

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possibilidades formais e construtivas das conhecidas tradicionalmente.
Como observou Gustavo Neiva Coelho, as regiões da estrada de ferro
passaram a se diferenciar das demais, por uma série de elementos
inovadores e modernizantes, assim como passou a apresentar uma produção
inovando em novos materiais, ao mesmo tempo em que apresentava uma nova
implantação no terreno (5).

Enquanto na Europa se discutia o International Style nos Congressos


Internacionais da Arquitetura Moderna e em São Paulo Gregori Warchavchik
(1896-1972) iniciava a construção daquela que seria considerada a
primeira casa modernista do Brasil, nada parecia alterar a produção
arquitetônica daquelas paragens de Goiás. As construções seguiam
inalteradas com suas estruturas de madeira, fechamento de adobe e
simplicidade formal. Os núcleos urbanos tanto de Rio Verde, Caiapônia ou
Jataí seguia com suas ruas de terra, dominadas pela poeira na seca e pela
lama no período das chuvas. Ainda que a região representasse um
importante ponto de produção pecuária do Estado, a produção arquitetônica
seguia os moldes ancestrais desde a primeira metade do século 19. A
influencia da estrada de ferro parece ter ficado restrita às imediações
da própria estrada, indo de cidade a cidade até alcançar a capital Vila
Boa.

Apesar disto a atividade econômica destacava-se e parecia ser, de fato,


significativa no contexto estadual. O Censo de 1920 – o primeiro com
dados da agropecuária – mostrou Goiás como o 3º produtor de gado
nacional, com um rebanho de 3.020.769 cabeças, precedido por Minas, com
7.333.104 e Rio Grande do Sul com 8.489.496 reses. Depois de Goiás, os
estados com maiores rebanhos eram Mato Grosso com 2.831.667 reses; Bahia,
com 2.698.104 e São Paulo, com 2.441.989 reses. Não havia como ocultar a
pujança da produção do Sudoeste: somando os municípios de Rio Verde,
Jataí, Mineiros e Rio Bonito, o censo apontava um rebanho que
ultrapassava 488.000 cabeças (16,17% do total estadual). Jataí era o
município com maior rebanho bovino (178.720 reses), seguido por Rio Verde
(174.800 reses) e Pouso Alto (141.967 reses). Na colocação nacional,
entre os maiores produtores, Jataí aparecia na 18º posição e Rio Verde na
20º. Entre os anos de 1920 a 1929 a exportação do gado significou quase a
metade de todas as exportações estaduais e 27,69% da arrecadação geral.
Entre 1889 e 1932 o estado exportou 3.690.372 reses. Em 1928, ano de
maior exportação, este número chegou a 154.229 cabeças (6). Não eram
números desprezíveis.

São, desta maneira, frágeis os argumentos alicerçados em classificar a


região Sudoeste como engessada por um isolamento asfixiante. Ou ainda que
fosse desconectada da cadeia econômica produtiva. Se isso fosse realidade
pouco importariam as retrações ou incrementos da economia de outras
regiões. Ao contrário. Não só a região Sudoeste de Goiás participava
ativamente da vida econômica da região mineira, como era extremamente
sensível às suas flutuações. Apesar das consideráveis limitações impostas
pelas distâncias, os produtores da região souberam manter a cadeia
produtiva funcionando.

Neste contexto, o Estado se esforçava para controlar a produção e


arrecadar mais, e os fazendeiros estavam entre os que mais pagavam. Junto
aos pontos de arrecadação as rusgas eram diárias. Críticas choviam nas
intendências. Os fazendeiros não concordavam, mas de acordo com o
governo, os impostos goianos eram “módicos”: em 1925, por exemplo, o
Presidente Miguel da Rocha Lima defendeu a taxação fazendária, explicando
que ela correspondia a apenas 6% do valor das mercadorias exportadas (7).
Os fazendeiros reclamavam que eram os únicos que pagavam impostos. Era
evidente. Considerando o quadro econômico da região, eles eram
praticamente os únicos que produziam.

Esta análise alicerça a opinião de que, distante do discurso de pobreza,


abandono e isolamento, a região Sudoeste articulava-se economicamente. Se
mais impostos eram cobrados de forma lícita a conclusão é evidente: mais
mercadorias e produtos estavam em circulação. A pecuária provou
incontestemente que a economia podia aprumar-se mediante uma atividade
menos volúvel que a mineração. Além disto, rompia as barreiras impostas
pelas precariedades das circulações.

Com isto, a produção agropecuária seguia conforme as necessidades da


época e delimitadas pelas possibilidades de mercado. Isto não significava
de modo algum isolamento ou atraso, muito menos, ignorância dos
fazendeiros. Ainda que iletrados ou semialfabetizados, eles souberam
manter sua produção funcionando, articulando compra e venda de
mercadorias em circulação. Isto significava apenas, que a sociedade –
assentada na zona rural em torno de núcleos urbanos incipientes – seguia
no ritmo que achava conveniente. Ainda que este ritmo estivesse
descompassado com o que acontecia em Minas e São Paulo.

Desligados da influencia da estrada de ferro em Goiás, os moradores da


região Sudoeste voltaram-se para a única fonte que lhes pareceu
disponível: o Triângulo Mineiro. Para Luis Estevam, pelo menos três
razões justificam a emergência desta região de Minas como centro

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mercantil regional. Em primeiro lugar, a posição estratégica evidente em
relação ao acesso a São Paulo. Em segundo lugar, a oferta de recursos,
tanto próprios quanto oferecidos por Goiás. Por último, a inexistência de
resistências culturais ou repulsas entre os grupos sociais vizinhos, como
ocorriam nas regiões Norte e Nordeste do estado por exemplo. Parecia
haver uma mútua afinidade entre os moradores da região mineira e as
limítrofes de Goiás. Tanto nas relações econômicas, sócias e culturais.
Desfrutavam de uma mesma origem comum, partilhavam os mesmos costumes e o
meio sócio-geográfico era praticamente idêntico (8).

Desde 1918 os automóveis passaram a circular na região e, com eles, todo


um mundo de consumo que se abria em possibilidades aos abastados
fazendeiros. As novidades se sucederam numa velocidade até então
desconhecida. Em 1922 iniciaram os trabalhos de uma rede telegráfica
entre Jataí e Santa Rita. Em 1926 as ruas e praças de Jataí conheceram a
iluminação elétrica, logo em seguida um avião. Periódicos foram criados
na região, fazendo eco ao que acontecia em outros locais. O cinema
reabriu suas atividades e em pouco tempo os moradores puderam assistir
filmes como O Guarani, Inocência, Iracema e Ubirajara. Os proprietários
mais abastados não demoraram a adquirir seus próprios veículos.

Ao fim e ao cabo, rapidamente o Triângulo Mineiro se consolidou como


referência para as famílias do Sudoeste de Goiás. Tornou-se um polo de
atração. Além de centro comercial, referência cultural. Era das cidades
do Triângulo que vieram diversos professores, músicos e artesãos.

Assumindo a Intendência de Jataí em novembro de 1927, Marcondes de Godoy


queria inovar. Mas onde buscar profissionais capazes de traduzir este
ideal de progresso e inovação? Não seria na velha capital colonial.
Tampouco não seria na longínqua Cuiabá. O Triângulo Mineiro seria a
resposta. Era de lá que haviam chegado a modernidade dos automóveis e da
linha telegráfica. Era de lá que viria a modernidade arquitetônica.

O edifício deveria ser um marco. Seria a terceira daquele porte no estado


e quase metade da arrecadação da Intendência estava destinada à sua
construção. Os anos de 1925 a 1927 não haviam sido bons para a região.
Banditismo, pistolagem e a passagem dos revoltosos espalharam medo em
todas as cidades do Sudoeste de Goiás. Esperava-se que a década de 1920
terminasse melhor.

Inaugurado em dezembro de 1928, a edificação apresenta uma volumetria


horizontal dividida em três partes tendo a parte central ligeiramente
mais alta. A fachada é marcada por pares de colunas de alvenaria que
aparentam sustentar a platibanda decorada. Sobre os vãos das esquadrias,
volutas em argamassa marcam certa verticalidade ao conjunto. Sobre a
platibanda, a data da conclusão da obra. Urbanisticamente, o edifício foi
implantado com um recuo considerável, cotado em um nível mais alto, o que
também ressalta a volumetria em relação ao acesso frontal. O interior é
mais simples, com menos elementos decorativos. Forro de madeira e pé
direito de 4m alto completava o conjunto.

Tecnologicamente, o edifício inovou. Tijolos cerâmicos substituíram os


tradicionais adobes regionais, telhas francesas substituíram as
tradicionais de calha e bica e sobretudo as esquadrias de ferro e vidro.
Devido às precariedades do transporte, o vidro era um produto
praticamente impossível de ser utilizado nas construções. Unanimidade
eram as janelas de folhas duplas de tabuas em caixilhos de madeira. Pela
primeira vez os interiores recebiam luz natural filtrada por vidro
decorado de amplas janelas basculantes de ferro. Além disto, dotado de
energia elétrica e sanitários azulejados, colocava as construções
escolares da região em um patamar mais elevado.

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Grupo Escolar Presidente Brasil Caiado


Foto Amarildo Gonçalves

Enquanto a construção do colégio seguia seu rumo, os construtores


concluíram uma residência. Concluída antes do colégio, a residência que o
comerciante Jorge Zaiden construiu para si e sua família parece ter sido
a primeira edificação nos moldes ecléticos da região: localizada num lote
de esquina e sem afastamento, o edifício possuía um programa reduzido com
acesso por um alpendre frontal. O interior era sofisticado com forro
trabalhado e pintado. Molduras e colunas em argamassa salientavam a
volumetria na fachada. Provavelmente devido ao grande declive do terreno,
os construtores optaram por não recuar o edifício, o que aumentaria
enormemente o porão. E ainda que a edificação possuísse um alpendre, sua
implantação seguia os moldes tradicionais do alinhamento com as divisas
frontais do lote.

Residência Jorge Zaiden [Acervo Dorival Carvalho Mello]

A conclusão destas edificações – uma privada e outra pública – parece ter


desatado uma demanda reprimida. Em pouco tempo outros proprietários
procuraram os construtores para construção de novas obras. Como, por
exemplo, a residência que o ex-intendente José Pereira Resende construiu
para sua família. Além de cidadão ativo na comunidade, José Pereira
Rezende havia se destacado como intendente de 1916 a 1919 e de 1923 a
1927. Comerciante bem-sucedido, como administrador público demonstrou
preocupação com a modernização da rede de infraestrutura urbana. Datam de
sua gestão as iniciativas para serviço de energia elétrica, melhorias na
educação pública, captação e distribuição de água potável. Juntamente com
a obra da escola, a residência representou um elemento de distinção para
o espaço urbano de sua época. No interior do lote, para que os
dormitórios recebessem iluminação e fossem mais bem ventilados,
estabeleceu-se o recuo de um ou de ambos os lados da construção; para
garantir maior privacidade aos moradores, a casa afastou-se da rua, por
meio do estabelecimento do recuo frontal – ideal para a implantação do
jardim em frente à residência como elemento de valorização da
arquitetura. A passagem do jardim dos fundos para o jardim lateral ou
frontal levou também a alterações na concepção desse espaço livre, que
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deixou de estar misturado às hortas e pomares, tornando-se
fundamentalmente ornamental (9). A fachada decorada com colunas
salientes, cornijas e volutas de argamassa apresentavam-se imponente com
a sala no alinhamento frontal. O acesso lateral pelo jardim se fazia
mediante uma escada que conduzia a um pequeno alpendre no acesso. Grandes
esquadrias de madeira compunham o conjunto. Na platibanda, as iniciais
orgulhosas do proprietário “JPR” e a data da conclusão da obra.

Esta produção arquitetônica afirmava-se como representação de uma


diferença a apoiar-se numa tradição. Mas não na tradição local. A
tradição construtiva local não servia para representar os ideais de
modernidade e progresso que a elite goiana tanto desejava. Fazia-se
necessário importar uma tradição reconhecida nos locais mais urbanizados.
Com isto, ficava exposta a lógica binária através das quais identidades
de diferenças são frequentemente construídas. E ao que parece, não houve
estranhamento nem contestações. Apesar da imprensa sempre ter estado a
serviço do executivo – qualquer que fosse ele – o novo estilo rapidamente
caiu no gosto dos mais abastados. Fosse de oposição ou fosse governista,
a nova forma de morar bem, encantou.

A modernidade não poderia ser construída com as formas do passado. A


partir de meados de 1933 a prefeitura de Jataí proibiu construções com a
tradicional estrutura de madeira. Os esteios de aroeira, os barrotes a
sustentar os pisos de assoalho e os cachorros dos beirais estavam
condenados. As novas edificações deveriam ser construídas dentro dos
novos padrões de estética, conforto e higiene. Medidas como esta
colocavam um ponto final nas construções tradicionais. Ao mesmo tempo
faziam com que construções antes tidas como referência de conforto
parecessem arcaicas e obsoletas. Diante de casas como a de José Pereira
Rezende, antigas referencias de bom gosto e poder aquisitivo, como a
residência do abastado Assad Boatie Jajah pareciam taperas abandonadas.
Além disto, a municipalidade passou a controlar com rigor as construções,
demolições e reformas na área urbana. Exigia correções e reformas de
fachadas, mandava regularizar invasões de alinhamentos. Os proprietários
de imóveis localizados em vias dotadas de sarjetas deveriam fazer os
muros e as calçadas. Aquela parte do Brasil ia ser civilizada quer os
moradores quisessem, quer não.

Residência Assad Boatie Jajah [Acervo Rafael Alves Pinto Junior]

Medidas impopulares como estas foram suavizadas com medidas mais amenas,
como concurso de jardins por exemplo. A residência com jardins mais
cuidados ganhava isenção fiscal. Com isto a prefeitura procurava
embelezar a cidade ao mesmo tempo em que trazia a comunidade para perto
das iniciativas do executivo. Batia-se com uma mão, mas acariciava com
outra. Ao mesmo tempo, a prefeitura mostrava-se sintonizada com a opinião
difundida amplamente nos periódicos que o jardim era um local tão
importante quanto o espaço doméstico. Era o lugar onde a dona de casa
encontrava uma pausa nas atividades da casa e uma fonte infinita de
satisfação pessoal. Em relação à arquitetura, era a moldura da casa, o
complemento equilibrado para o espaço construído, considerando que da
natureza brotam as plantas, do homem, a ideia.

As outras cidades viveram o mesmo fenômeno. Em pouco tempo a nova


arquitetura foi ganhando adeptos. Mineiros, Rio Bonito, e Santa Rita do
Araguaia e Rio Verde não demoraram a desaparecer com os telhados ocultos
por platibandas e a ter casas mais recuadas da rua. Novos padrões de
intimidade nos quartos e novas disposições das cozinhas. Todo um conjunto
de novos padrões de gosto em relação ao espaço de morar.

Espaços públicos no sertão

Com a revolução de 1930, a queda dos Caiados do governo goiano e a


ascensão de Pedro Ludovico Teixeira o Sudoeste de Goiás chegava
finalmente ao poder estadual.

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Na política da capital, o interventor Pedro Ludovico agia como médico:
depois de diagnosticar o mal, de localizar a doença no espaço, o médico
vai tornar o ambiente salubre, através da medicalização, da higienização
da sociedade e do espaço. Convicto de que salubridade é um estado das
coisas, do meio, transformado e racionalmente preparado de modo que a
saúde dos indivíduos possa ser assegurada Através da higiene pública ele
implementaria o controle político-científico do meio, modificando-o para
torná-lo salubre.

Vista da praça 24 de Outubro, Coreto e Mercado Municipal (ao fundo)


Acervo Augustinho de Carvalho

Fiel seguidor de Pedro Ludovico, o prefeito de Jataí logo demonstrou


sintonia com as convicções do interventor. O relacionamento entre os dois
podia ser descrito como mais que cordial. Manoel Balbino não era um homem
culto como Pedro Ludovico, mas era um homem viajado. Também não era
médico, mas compartilhava de seus ideais higienistas. Conhecia as
principais cidades do Brasil e algumas da América Latina. Estava a par do
que se fazia no Rio de Janeiro com o intuito de urbanizar a cidade. Como
intermediário do comércio de diamantes conhecia os luxos que a
civilização podia oferecer. Nem de longe ele era um capiau do mato, um
caipira. Mantinha os hábitos condizentes com sua região, mas mantinha-se
informado da modernidade que ia se construindo no país.

A prefeitura desencadeou medidas de saneamento e um programa de


construção. Proibiu a manutenção de vacas, cavalos e suínos dentro do
perímetro urbano. Disciplinou o funcionamento do comércio, implantando
uma semana inglesa. Instituiu um pedágio para os veículos que
transitassem sobre a ponte no Rio claro. Proibiu o porte de arma e
instituiu horário de fechamento de bares e similares. Promoveu a
numeração dos imóveis e a identificação das vias públicas. Deu prazo aos
proprietários para manter os lotes limpos de mato e proibiu as cisternas
nos quintais. Mandou prender os cães perambulando pelas ruas e proibiu
correrias a cavalo dentro do perímetro urbano. Nenhuma edificação
residencial poderia ser habitada sem que fosse preliminarmente vistoriada
pela prefeitura que deveria atestar a salubridade da edificação.

Localizado numa das extremidades da praça, o edifício do Mercado era


relativamente simples. Possuía poucos fechamentos laterais e cobertura em
quatro águas com telhas francesas. O Açougue Municipal era mais
elaborado. O pequeno edifício ocupava uma esquina, possuía platibanda de
alvenaria, frontão decorado, fachada adornada com colunas em relevo e
portas de ferro forjado. O interior mostrava as preocupações com a
higiene: paredes revestidas de azulejos, piso de ladrilhos hidráulicos e
bancadas de mármore. A praça 24 de outubro recebeu ajardinamento,
calçamento, pavimentação e iluminação. Em seu ponto central foi
construído um coreto que logo se transformou num ponto de encontro para a
comunidade.

Coreto da praça 24 de Outubro [Acervo Dorival Carvalho Mello]

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As obras foram relativamente rápidas. Em meados de 1932 o Mercado já
estava funcionando. A prefeitura precisava de dinheiro e a renda de 5%
sobre as vendas diárias do Mercado não podia ser desperdiçada. O Açougue
seria inaugurado em maio de 1934. As obras da praça estavam adiantadas e
em março de 1933 as lideranças políticas locais criaram uma oportunidade
de afirmação de poder. O interventor Pedro Ludovico veio à região para
inaugurar as obras da prefeitura. Discursos, bailes, churrascos e
jantares se sucederam por três dias. Pedro Ludovico encontrou estradas
cascalhadas, pontes refeitas e cidade urbanizada. O cenário para Manoel
Balbino dificilmente poderia ser mais positivo. Ele próprio dizia ter
encontrado a prefeitura com uma renda de cerca de 150 contos e que em
dois anos de governo esta renda havia excedido 200 contos. Que o
município possuía um rebanho superior a um milhão de cabeças e que sua
administração tinha por preocupação: 

“Dotá-lo de todos os meios modernos de conforto e aformoseamento.


Assim não me descuro do asseio e ajardinamento das praças,
construção de açougues, mercado, estradas e, ultimamente, de um
jockey para corrida de cavalos” (10).

Além das preocupações higienistas e sanitárias, a ação da prefeitura não


escondia a missão de formar o gosto da população. Como diversos outros,
Manoel Balbino estava convicto e que a arquitetura civilizaria a
população. Fazia eco às palavras de Olavo Bilac (1865-1918) que havia
dito que a melhor educação era a que entrava pelos olhos. Bastaria que,
daquele solo onde só existiam taperas, surgissem alguns edifícios
decentes para que nas almas mais incultas brotasse de súbito a fina flor
do bom gosto. Com isto, as cidades da região viveram uma experiência que
era, até aquela data, inédita. Entraram em contato com a premissa de que
o espaço urbano moderno, além de moradia e espaço de vivência, era
comércio, espetáculo, comunicação e mercado.

Açougue Municipal, Jataí, 1934 [Acervo Dorival Carvalho Mello]

Esta produção mostra o quão distante estavam as influencias da estrada de


ferro e da capital do Estado. Nada vinha da velha Vila Boa. Tudo vinha de
Uberlândia, Uberaba e Araguari. As relações com a capital limitavam-se
aos assuntos formais e governamentais, pela arquitetura e pelos costumes
a região Sudoeste de Goiás estreitava laços com a região de Minas e com
São Paulo.

A nova arquitetura que se construía na região desencadeou um momento de


articulação de diferenças culturais. Era um “entre-lugar” a fornecer o
terreno para a elaboração de estratégias de subjetivação – singular ou
coletiva – a iniciar novos signos de identidades, contestações e
colaborações no ato de definir a própria ideia de sociedade (11).

Novos valores passaram a ser colocados para uma comunidade acostumada a


outros, mais antigos e já bastante consolidados. Novos parâmetros
colocaram em questão as relações entre tradição e modernidade,
redefiniram as fronteiras habituais entre o público e o privado bem como
recolocaram as perspectivas de desenvolvimento e progresso. Questões que
já haviam sido enfrentadas em outros locais do país, mas que alcançaram o
território do Sudoeste de Goiás.

notas

1
BHABHA, Homi K. Nacion e Narracion. Buenos Aires, Siglo Veintiuno Editora,
2010, p. 398.

https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/20.234/7568 8/9
18/01/2021 arquitextos 234.05 ecletismo: Novas formas no sertão | vitruvius
2
Idem, ibidem, p. 386.

3
Idem, ibidem, p. 412.

4
O Jatahy, n. 66, Jataí, 10 mai. 1912. apud FRANÇA, Basileu Toledo. Cavalo de
roda: a entrada do automóvel em Goiás. Vol. 279. Oriente, 1979, p. 209-210.

5
COELHO, Gustavo Neiva. Arquitetura em Goiás IV. O Ecletismo na arquitetura
Goiana. Casa Abalcoada, 24 jan. 2015
<http://casaabalcoada.blogspot.com/2015/01/arquitetura-em-goias-iii_24.html>.

6
PALACIN, Luis; MORAES, Maria Augusta de Santanna. História de Goiás. Goiânia,
Editora UFG, 1975, p. 94.

7
Mensagem apresentada ao Congresso Legislativo a 13 de maio de 1925 pelo coronel
Miguel da Rocha Lima, Presidente do Estado de Goyaz. Goiás, 13 mai. 1925, p.
24. Disponível in: <http://memoria.bn.br/DocReader/docreader.aspx?
bib=720399&pasta=ano%20191>.

8
CHAUL, Nasr Faial (Org.). Coronelismo em Goiás. Goiânia, Kelps, 1998, p. 83.

9
ARAGÃO, Solange de. A casa, o jardim e a rua no Brasil do século 19. Em Tempo
de Histórias – Publicação do Programa de Pós-Graduação em História PPG-HIS/UnB,
n. 12, Brasília, 2008, p. 152 <
https://periodicos.unb.br/index.php/emtempos/article/view/20061/18460>

10
Diário de Notícias, Rio de Janeiro, 16 jul. 1933. Apud MELLO, Dorival Carvalho.
Jatahy. Páginas esquecidas. Jatai, Sudográfica, 2001, p. 152-153.

11
BHABHA, Homi K. O local da cultura. Belo Horizonte, Editora UFMG, 2014, p. 20.

sobre o autor

Rafael Alves Pinto Junior possui graduação em Arquitetura e Urbanismo (1991),


mestrado em Cultura Visual (2008) e doutorado em História (2011) pela
Universidade Federal de Goiás. Atualmente é professor do Instituto Federal de
Ciência e Tecnologia de Goiás.

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