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Anais do XX Congresso Nacional do CONPEDI

Tema: "A Ordem Jurídica Justa: um diálogo Euroamericano."


16, 17, 18 e 19 novembro de 2011 – Vitória – ES

Membros da Diretoria:

Vladmir Oliveira da Silveira


Presidente
Eneá de Stutz de Almeida
Vice-Presidente
Aires José Rover
Secretário Executivo
Cesar Augusto de Castro Fiuza
Secretário-Adjunto
Conselho Fiscal
Maria Luiza Pereira de Alencar Mayer Feitosa
João Marcelo Assafim
Roberto Grassi Neto
Jose Alfredo de Oliveira Baracho Jr. (suplente)
Felipe Chiarello de Souza Pinto (suplente)
Representante Discente
Rogério Monteiro Barbosa (titular)
Felipe Magalhães Bambirra (suplente)

Colaboradores:
Elisangela Pruencio
Graduanda em Administração - Faculdade Decisão
Maria Eduarda Basilio de Araujo Oliveira
Graduanda em Administração - UFSC
Carlos Fernando Montibeller da Silva
Graduando em Ciências da Computação – UFSC
Marcus Souza Rodrigues
Diagramador dos Anais

C749a Congresso Nacional do CONPEDI (20. : 2011 : Vitória, ES)


Anais do [Recurso eletrônico] / XX Congresso Nacional do CONPEDI. –
Florianópolis : Fundação Boiteux, 2011.

Inclui bibliografia
ISBN: 978-85-7840-070-5
Modo de acesso: http://www.conpedi.org.br em anais dos eventos

1. Direito – Estudo e ensino (Pós-graduação) – Brasil – Congressos.


2. Direito – Filosofia. I. Título.

CDU: 34

Catalogação na publicação por: Onélia Silva Guimarães CRB-14/071


Alexandre Schumacher Triches; José Ricardo Caetano Costa – OS EMPRÉSTIMOS
CONSIGNADOS E A PAUPERIZAÇÃO DOS SEGURADOS DA PREVIDÊNCIA
SOCIAL: UMA DISCUSSÃO À LUZ DO BEM-ESTAR E DA JUSTIÇA SOCIAL........9470

FILOSOFIA DO DIREITO I.............................................................................................9492

Loiane Prado Verbicaro – A CONSTRUÇÃO DA MODERNIDADE JURÍDICO-


CIENTIFICISTA À LUZ DA ESCOLA HISTÓRICA DO DIREITO................................9493
Iara Menezes Lima; Bruna Villas Boas Campos – A FRONTEIRA TÊNUE ENTRE
DISCRICIONARIEDADE E JUSTIÇA: O DIÁLOGO ENTRE DWORKIN E HART.....9534
Lino Rampazzo – A INJUSTIÇA E O JUIZ INJUSTO NO PENSAMENTO
TOMASIANO.......................................................................................................................9555
Sândalo Vianna Dos Santos Junior – A LEGITIMIDADE DAS DECISÕES PROFERIDAS
NO EXERCÍCIO DA JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL................................................9575
Marilia Ribeiro Da Costa Paes – A TEORIA DA COERÊNCIA NARRATIVA DE
DWORKIN E A JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA........................................................9595
Leonardo Ostwald Vilardi – AED, UTILITARISMO E DIREITO COMO
INTEGRIDADE....................................................................................................................9618
Enoque Feitosa Sobreira Filho; Lorena De Melo Freitas – DIREITOS HUMANOS:
PROMESSAS FORMAIS OU SISTEMA DE NECESSIDADES EM BUSCA DE
CONCRETIZAÇÃO (UMA INTERPRETAÇÃO MARXISTA)........................................9635
Andityas Soares De Moura Costa Matos – ENTRE TRÊS REPÚBLICAS: ESTADO, LEI E
JUSTIÇA NA FILOSOFIA ESTOICA GRECO-ROMANA..............................................9650
Felipe Duarte Almeida Da Fonseca – FENOMENOLOGIA HERMENÊUTICA DO
DIREITO: UM TRABALHO A PARTIR DE SER E TEMPO DE HEIDEGGER.............9683
Cecilia Caballero Lois; Juliana Neuenschwander Magalhães – LIBERALISMO POLÍTICO E
DEMOCRACIA: UM DEBATE EURO-AMERICANO SOBRE JUSTIÇA
PROCEDIMENTAL EM SOCIEDADES PLURALISTAS................................................9705
Taísa Maria Viana Anchieta – LIMITES DA INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL
...............................................................................................................................................9726
Fabiano Hartmann Peixoto; Claudia Rosane Roesler – MONOPÓLIO DA ÚLTIMA
PALAVRA NA INTERPRETAÇÃO DO DIREITO: REFLEXÕES A PARTIR DA
PERSPECTIVA DE ELEMENTOS DA FILOSOFIA DO DIREITO................................9750
Clarissa Piterman Gross – O DEBATE METODOLÓGICO EM TORNO DA TEORIA DO
DIREITO: AS POSIÇÕES DE JOHN FINNIS E JULIE DICKSON..................................9766
Fernando José Armando Ribeiro; Maria Cristina Brugnara Veloso – O DEVER DE
OBEDECER AO DIREITO NO PENSAMENTO DE HANS KELSEN.............................9787
Júlio César De Almeida; João Paulo Mansur – O PAPEL DA LÓGICA NA TEORIA GERAL
DO DIREITO: UMA ANÁLISE DA RELAÇÃO JURÍDICA EM LOURIVAL VILANOVA
E HANS KELSEN A PARTIR DOS PREDICADOS POLIÁDICOS.................................9805
A LEGITIMIDADE DAS DECISÕES PROFERIDAS NO EXERCÍCIO DA JURISDIÇÃO
CONSTITUCIONAL

THE LEGITIMACY OF THE CONSTITUTIONAL COURT DECISIONS

SÂNDALO VIANNA DOS SANTOS JUNIOR

RESUMO
O trabalho em questão tem o objetivo de examinar os argumentos substancialistas e
procedimentalistas, bem como as criticas que recebem, acerca da querela sobre a legitimidade das
decisões do Tribunal Constitucional. O problema situa-se num exercício ampliado da jurisdição
constitucional durante a prática do controle de constitucionalidade. O principal questionamento é
se as decisões de um Tribunal composto por membros não eleitos pode afastar norma
estabelecida pelo Poder Legislativo, a partir da deliberação democrática. Enquanto os
sustancialistas apoiam a legitimidade de decisões baseadas em valores supra positivos, os
procedimentalistas defendem decisões mais objetivas, restritas às regras do procedimento
democrático. Constatou-se que os argumentos procedimentalistas devem ser considerados, em
especial quanto ao cuidado para se evitar arbitrariedades nas decisões. Todavia, argumentou-se
que o defeito de legitimidade não se encontra na instituição, e sim na má decisão. Logo, se aceita
as propostas da vertente substancialista, consideradas mais adaptadas à realidade brasileira.
PALAVRAS-CHAVE: Jurisdição Constitucional. Legitimidade. Substancialismo.
Procedimentalismo.

ABSTRACT
The present report aims to examine the substantive and procedural arguments, as well as the
criticism they receive, about the dispute over the legitimacy of the Constitutional Court decisions.
The problem lies in an extended exercise of constitutional jurisdiction over the practice of
judicial review. The main question is whether a Court composed of not elected members can
remove a rule established by the Legislature from democratic deliberation. While substancialistas
support the legitimacy of decisions based on values that protect fundamental rights, the
proceduralist defend decisions more objective, restricted to the rules of democratic procedure. It
was verified that the procedural argument should be considered, especially as to the care to
prevent arbitrary decisions. However, it was argued that the defect of legitimacy is not in
the institution, but thebad decision. So we accept the proposed shed substantial considered
more adapted to Brazilian reality.
KEY-WORDS: Legitimacy. Constitucional Jurisdiction. Substantialism. Procedural.

SUMÁRIO: 1 Introdução - 2 Contexto histórico - 3 Corrente substancialista - 3.1 Críticas ao


substancialismo - 4 Corrente procedimentalista - 4.1 Críticas ao procedimentalismo - 5 Conclusão
– Referências.

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1 INTRODUÇÃO

De forma quase cotidiana é possível encontrar nos veículos de comunicação, nacionais ou


estrangeiros, notícias relacionadas às questões jurídicas. A manifestação dos Tribunais
Constitucionais, em especial, acarreta inúmeras mudanças nas relações sociais, políticas e
jurídicas, quer de forma localizada, quer internacionalmente.
Em face do local privilegiado galgado pela jurisdição, primordialmente pela jurisdição
constitucional, esta deve ser observada de perto. A isto se propõe o presente estudo.
O problema a ser perscrutado alveja a suposta ilegitimidade das decisões proferidas pelos
Tribunais Constitucionais em sede de controle de constitucionalidade, durante o exercício da
jurisdição constitucional.
Questiona-se se a decisão proferida pelo Tribunal Constitucional possui legitimidade para
afastar questões previamente estabelecidas por meio do processo democrático.
Sobre o tema, dividem-se as correntes substancialista e procedimentalista.
A primeira, em atenção ao conceito material de Constituição, defende a legitimidade das
decisões fundadas em valores supra positivos.
A segunda linha acredita que o limite da atuação jurisdicional se encontra nos
procedimentos democráticos, de maneira que a vontade da maioria, expressa pelos atos do Poder
Legislativo, não pode ser afastada pelas decisões de um Tribunal que carece de legitimidade
democrática. Para estes, a justiça é alcançada pelo respeito aos procedimentos democráticos.
Buscar-se-á aqui analisar a referida tensão entre o constitucionalismo e a democracia
constatada no exercício da jurisdição constitucional, examinando-se a visão de ambas as teorias,
com base na pesquisa bibliográfica, sem olvidar a anotação das críticas remetidas a cada eixo.
Objetiva-se assim analisar a pertinência dos argumentos apresentados a fim de se conferir
a legitimidade do exercício da jurisdição constitucional.
Cabe lembrar que uma sólida investigação precisa ser contextualizada. De tal feita, se
trará à tona o ambiente em que os juízos substancialistas e procedimentalistas evoluíram
proporcionando uma melhor compreensão da matéria.

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Para tanto, no primeiro capítulo far-se-á uma excursão histórica com o fito de demonstrar
a alternância de paradigmas jurídicos, além de se trazer à vista a nascente do conflito científico
em exame.
Somente então, nas partes subsequentes do trabalho, serão examinadas as propostas e
críticas concernentes aos substancialistas e aos procedimentalistas, respectivamente. Tal ordem
sucessória na exposição levou em conta a sequência em que cada linha de pensamento é
mencionada no capítulo inicial.
Imprescindível também é a delimitação metodológica do conteúdo a ser estudado a fim de
que não se perca o foco.
Ocorre que, pelo fato de haver diferenças entre os Tribunais Constitucionais e
ordenamentos jurídicos ao redor do globo, neste trabalho, muitas vezes, será usado o termo
“Judiciário e Tribunal Constitucional” para ilustrar os órgãos competentes pelo controle de
constitucionalidade.
Sabe-se que uma análise conjuntural e estrutural em apartado da realidade circundante de
cada um dos teóricos aqui abordados, ou ao menos daqueles de maior relevo, ajudaria na
intelecção das discordâncias científicas. Todavia, não caberia neste trabalho tamanha
investigação.
Como exemplo da divergência mencionada, contrasta-se o Supremo Tribunal Federal
brasileiro, que é ao mesmo tempo órgão de cúpula do Poder Judiciário, Tribunal com
competência originária e Corte Constitucional, com o Tribunal Constitucional Federal alemão,
órgão apartado dos poderes instituídos, único competente para realizar o controle de
constitucionalidade1.
Não obstante, em menção à natureza e amplitude do termo jurisdição constitucional,
adota-se a noção de jurisdição constitucional stricto sensu, ao revés de jurisdição constitucional
lato sensu, aclarando-se que a primeira se volta ao controle de constitucionalidade das normas, ao
passo que a outra reúne todas as ações constitucionais, consoante expõe Hermes Zaneti Júnior.
(ZANETI JÚNIOR, 2007, p. 174-175).
Enfim, não se adentrará na esfera de discussão dos conceitos de política, de democracia,
de Estado Democrático de Direito, de modernidade e de pós-modernidade, de cidadania ou de
interpretação jurídica, pois se acredita que, apesar da sua importância, a compreensão
perfunctória destes não prejudicará o escopo do presente estudo2.

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Da mesma forma, a que pese a importância do tema alcançar, inclusive, o próprio
conceito de direito e a teoria da justiça, tais discussões não serão enfrentadas nesse trabalho.
Afinal, o corte metodológico eleito prioriza uma abordagem extensiva e generalizante,
com o fito de melhor contemplar o horizonte no qual se insere o problema da aplicação do direito
agravado pelos aspectos concernentes à divisão dos poderes.
No entanto, chame-se a atenção ao fato de que a busca de semelhanças em correntes
teóricas a fim de classificá-las sob uma visão macroscópica não coincide com o ato de igualá-las.
Afinal, entende-se que o agrupamento a partir de certa característica por vezes abranda
consideráveis discrepâncias em outros pontos.
Tampouco serão aqui esmiuçadas as peculiaridades dos ordenamentos jurídicos ou das
sociedades alienígenas, em atenção aos motivos retro citados.

2 CONTEXTO HISTÓRICO

A origem do exercício da jurisdição constitucional por meio do controle de


constitucionalidade remonta às ideais federalistas propagadas nos Estados Unidos da América.
Especificamente no ano de 1803, a Suprema Corte se deparou com o emblemático caso Marbury
versus Madison, momento em que o juiz Marshall trouxe à baila a possibilidade do controle de
difuso de constitucionalidade por meio do judicial review, fundado na supremacia da
Constituição3.
Todavia, foi em apenas na década de 20 do século passado, em meio ao famoso embate
entre Carl Schmitt e Hans Kelsen acerca de quem deveria ser o Guardião da Constituição, que se
aventou hipótese do controle concentrado de constitucionalidade. Ao passo que Schmitt conferia
tal prerrogativa ao Chefe do Poder Executivo, Kelsen primava pela existência de um Tribunal
Constitucional apto a decidir, com imparcialidade e independência, a respeito de uma eventual
inconstitucionalidade, funcionado como uma espécie de legislador negativo4.
Destaca-se que enquanto o modelo norte-americano torna clara a possibilidade de análise
política do caso concreto posto em juízo, o modelo austríaco ou da Europa continental se atém à
verificação em abstrato da harmonia entre a lei ou ato impugnado e as normas constitucionais5.

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No contexto do segundo pós-guerra, com a passagem do Estado Liberal para o Estado
Social, difundiram-se no ocidente Constituições elaboradas com normas programáticas, dirigidas
a uma atuação estatal positiva. O texto destas Cartas tendia a conferir juridicidade às relações
sociais, bem como outras matérias outrora não constitucionais. (STRECK, 2003, p. 171-172).
A concepção positivista do Direito cedia espaço, paulatinamente, a um ideal pós-
positivista, que, ao aproximar o direito à moral e à política, auferia na Carta Magna um forte
cunho axiológico6.
Inserida nestas mudanças, a expansão da jurisdição constitucional alçou o Judiciário e o
Tribunal Constitucional a um nível de destaque nas sociedades contemporâneas.
Esta nova realidade foi encarada de formas distintas, havendo quem considerasse salutar o
mencionado relevo, em contraposição aos que abjuravam tal mudança de postura. Surgia um
debate envolvendo o devido papel do Direito e da Constituição, o que, inexoravelmente, alcançou
a jurisdição constitucional.
Estava em xeque a legitimidade das decisões do Tribunal Constitucional exaradas em sede
de controle de constitucionalidade durante o exercício da jurisdição constitucional. Opuseram-se
os que viam na Constituição uma substância a ser preservada, aos que a entendiam como uma
Carta que transcreve os procedimentos democráticos. Uns apoiavam uma jurisdição
constitucional praticada em defesa da substância constitucional, outros estribavam os
procedimentos como seu limite. Os primeiros foram denominados substancialistas, os segundos,
procedimentalistas.
Quanto à citada dicotomia, Luís Roberto Barroso (2010, p. 93) é sucinto e preciso ao
apontar que “os substantivistas dão ênfase aos princípios da justiça (i.e., aos direitos
fundamentais) e os procedimentalistas, ao princípio majoritário”. (sic).
As palavras de Paulo Bonavides pontuam acertadamente a querela:

Há que se distinguir, portanto, entre legitimidade da jurisdição constitucional e


legitimidade no exercício dessa jurisdição. A primeira é pacífica, conforme o
entendimento da doutrina; a segunda, controversa.
A primeira é matéria institucional, estática, a segunda, axiológica e dinâmica; aquela
inculca adequação e defesa da ordem constitucional, esta oscila entre o Direito e a
política. (BONAVIDES, 2004, p. 128).

Para um acurado exame da mencionada contenda, ambas as correntes serão dissecadas nas
linhas a seguir, juntamente com a exposição de algumas das críticas que recebem.

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3 CORRENTE SUBSTANCIALISTA

A referida linha de pensamento apregoa que a interpretação das normas insculpidas na


Constituição deve ser feita considerando-se o conteúdo axiológico constatado na essência de tal
Carta.
Defendem assim uma postura mais ativa do Poder Judiciário e da Corte Constitucional na
garantia da essência da Constituição, sendo favoráveis a uma interpretação e aplicação politizada
do Direito.
Como integrantes deste eixo temos, à guisa de exemplo, na Europa, Mauro Cappelletti,
Jorge Miranda e Otfried Höffe, nos Estados Unidos da América, Bruce Ackerman, Laurence H.
Tribe, Cass R. Sustein e Ronald Dworkin, no Brasil, Ingo Wolfgang Sarlet, Lênio Luiz Streck,
Luis Roberto Barroso, Eros Roberto Grau, Fábio Konder Comparato, Paulo Bonavides,
Clémerson Clève, André Ramos Tavares, Andreas Krell, Celso Antônio Bandeira de Melo,
Gilberto Bercovici, entre outros7.
Os substancialistas entendem que a jurisdição constitucional tem o condão de efetivar os
direitos fundamentais, mesmo no tocante aos direitos de segunda dimensão, os quais demandam
uma postura positiva por parte do Estado. Para eles, agir desta forma é garantir a efetividade da
vontade constitucional.
Por conseguinte, afirmam que o Tribunal Constitucional pode afastar, legitimamente, a
constitucionalidade de uma norma a partir de uma decisão fundada em valores materiais da
constituição. Consideram que em tal caso haveria uma mitigação do princípio majoritário.
Neste ponto, Barroso salienta que:

No ambiente da democracia deliberativa, a Constituição deve conter – e os juízes e


tribunais devem implementar – direitos fundamentais, princípios e fins públicos que
realizem os grandes valores de uma sociedade democrática: justiça, liberdade e
igualdade. (BARROSO, 2010, p. 92).

Lênio Luiz Streck (2003) destaca que a mudança do paradigma liberal para o social fez
com que o Direito passasse da função meramente ordenadora para uma função promovedora,

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sendo que, com o advento do Estado Democrático de Direito, tal alternância paradigmática foi
impressa nos textos magnos.
Explica que o polo de tensão entre o Estado e sociedade, entre o Direito e os fatos, que
antes incidia sobre o Executivo, durante o Estado Liberal, passou para o Legislativo no Estado
Social, infligindo, hodiernamente, o Judiciário e o Tribunal Constitucional, responsáveis pela
efetividade das Constituições.
Ele vai além, afirmando existir uma “função transformadora assumida pelo Direito, que
exsurge do caráter dirigente e compromissório do Texto Constitucional”. (STRECK, 2003, p.
210).
O ferrenho substancialista continua, elucidando:

Em síntese, a corrente substancialista entende que, mais do equilibrar e harmonizar os


demais poderes, o judiciário deveria assumir o papel de um intérprete que põe em
evidência, inclusive contra maiorias eventuais, a vontade geral implícita nos textos
constitucionais, e nos princípios selecionados como de valor permanente na sua cultura
de origem e na do Ocidente. Coloca em xeque, pois, o princípio da maioria, em favor da
maioria fundante e constituinte da comunidade política.
[...] Conseqüentemente, é inexorável que, com a positivação dos direitos sociais
fundamentais, o poder judiciário (e, em especial, a justiça constitucional) passe a ter um
papel de absoluta relevância, mormente, no que pertine à jurisdição constitucional.
(sic). (STRECK, 2003, p. 186-187).

Bonavides (2004, p. 131-134) não se furta em aproximar a jurisdição constitucional à


política, afirmando, quanto a esta última, que “por mais que o emprego das técnicas
procedimentais e a soberania olímpica dos juízes constitucionais intentem dissimulá-la”, a
atuação do Tribunal Constitucional comprova que “o pêndulo da jurisprudência move-se cada
vez mais no sentido da revelação de seu aspecto político”.
Concluí denunciando um “preconceito doutrinário” conjecturador de uma Corte
Constitucional neutra capaz de refutar a natureza política da Constituição. (2004, p. 144).
Imerso nesta toada, Mauro Cappelletti, citado por André Ramos Tavares (2007, p. 346),
fomenta uma postura judicial bastante ativa, com o incremento dos poderes do exercício
jurisdicional, no intento que o Judiciário se transforme “no terceiro gigante, capaz de controlar o
legislador mastodonte e o leviatanesco administrador”.
Finalizada a introdução do ideário substancialista, passar-se-á ao elenco das críticas
levantadas pelos seus contraditores.

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3.1 Críticas ao Substancialismo

Acusa-se o substancialismo de proporcionar a incerteza e a insegurança jurídica ao


defenderem a interpretação axiológica do texto constitucional. Desta forma as decisões judiciais
seriam baseadas em valores suprapositivos, sopesados e aplicados subjetivamente.
Tal medida traria um grave risco de arbitrariedades na esfera judicial. Insistir nesta forma
imprecisa de aplicação e interpretação das normas seria pressupor uma casta de juízes sábios,
politizados e comprometidos, os quais acabariam orientando as políticas governamentais por
conta própria, numa espécie de oligarquia de toga.
André Ramos Tavares (2007, p. 344), constata que uma das principais consequências da
delegação de amplos poderes aos juízes é que, em casos de dúvidas, o conteúdo de determinados
princípios será estabelecido conforme o alvitre do magistrado, em decorrência da inexistência de
critérios objetivos para tal medida.
E de forma lúcida, traz os seguintes comentários:

O que ocorre, a partir deste momento, é que eventual celeuma que envolva uma lei
proveniente do Legislativo, órgão de cariz democrático, e determinado princípio
constitucional será resolvida de acordo com as preferências do próprio juiz, um
funcionário de carreira, desprovido de legitimidade e responsividade (accountability)
democrática.
Daí o temor e a justificativa da doutrina procedimentalista da Constituição em suas
críticas quanto à teoria valorativa, e que faz com que aquela, por consequência, passe, da
mesma forma, a atacar o Judiciário, em específico os Tribunais Constitucionais,
pretendendo vedar sua atuação no âmbito das escolhas valorativas. Ao Tribunal
Constitucional, do ponto de vista da doutrina procedimentalista, competiria apenas a
atribuição de se conformar àquelas escolhas valorativas realizadas pelos órgãos e
instituições legitimadas para tanto, como, por exemplo, o Parlamento. (sic). (TAVARES,
2007, p. 344).

John Hart Ely sustenta que uma interpretação material da Constituição pela Suprema
Corte seria uma medida elitista e antidemocrática. Questiona, assim, a procedência dos membros
da comunidade jurídica, em geral, de classe média, o que traria a primazia de valores que lhe são,
tradicionalmente, mais caros8.
Ademais, defende que a sociedade deve se organizar por conta própria, sem que o tribunal
interfira nos canais democráticos de formação de opinião e de vontade.

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Jürgen Habermas (2003, p. 297-301) assevera que a lógica do discurso jurídico serve
apenas para tratar da aplicação das normas, distinguindo-se do discurso legislativo, propício à
fundamentação das normas, e do discurso pragmático, característico do Executivo.
Neste sentido, um discurso jurídico que extrapolasse o cotejo da coerência do sistema
jurídico, chegando, inclusive, a perseguir a realização das metas coletivas da sociedade, ou
impondo a ela novas normas, feriria a lógica da divisão dos poderes.
Declara, ainda, que a “a existência de tribunais constitucionais não é auto-evidente” (sic),
e que este não pode ofender a lógica da divisão dos poderes, até mesmo por não possuir meios de
coerção que façam frente a uma eventual resistência do Legislativo ou do Executivo.
(HABERMAS, 2003, p. 198).
Mas principalmente, assegura que é vedado ao Tribunal assenhorar-se do espaço
legislativo, tipicamente reservado aos cidadãos para deliberarem sobre os valores e condutas a
serem positivados em determinada sociedade. Caso contrário, haveria uma quebra no processo
democrático de elaboração das leis, além de uma submissão da vontade da maioria, e de seus
representantes eleitos, pela vontade da uma minoria não eleita.
Habermas chega a taxar de paternalista a postura do Tribunal Constitucional, dizendo que
“ele não pode assumir o papel de regente que entra no lugar de um sucessor menor de idade”,
assumindo, “no melhor dos casos, o papel de tutor”. (2003, p. 347).
Por fim, Ingeborg Maus (2000) ressalta a ascendente fusão entre a orientação judicial e a
consciência moral de uma “sociedade órfã”. Para ela, as decisões do Judiciário e dos Tribunais
Constitucionais, os quais vêm sendo volumosamente demandado, quer pelos cidadãos, quer pelo
Estado, têm ordenado as convenções morais e os valores em voga.
Alerta, em especial, ao perigo de um irrefreável domínio do terceiro Poder:

Quando a Justiça ascende ela própria à condição de mais alta instância moral da
sociedade, passa a escapar de qualquer mecanismo de controle social – controle ao qual
normalmente se deve subordinar toda instituição do Estado em uma forma de
organização política democrática.
....................................................
A pergunta a ser feita é, portanto, a seguinte: não será a justiça em sua atual
conformação, além de substituta do imperador, o próprio monarca substituto?
....................................................
Com a combinação de todos esses aspectos de ‘independência’ da Justiça, transmudou-
se esta em absolutismo – exatamente no momento histórico em que a Justiça decidia não
mais em ‘nome do rei’, mas sim ‘em nome do povo’. (sic). (MAUS, 2000, p.187, 195)

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Além das considerações exibidas, outras virão na abordagem sobre o procedimentalismo.

4 CORRENTE PROCEDIMENTALISTA

Atentos à intensificação da atuação do Poder Judiciário e das Cortes Constitucionais


decorrente da crescente abordagem judicial das relações sociais, bem como do aumento
significativo do direito escrito, algumas teorias foram desenvolvidas visando evitar, ou ao menos
reduzir, a discricionariedade das decisões judiciais, primando pela preservação da democracia.
As teorias em comento, tanto erigidas a partir de conceitos positivistas quanto pós-
positivistas, encontraram no procedimento a resposta para uma legitimação democrática do
Direito e das decisões do Poder Judiciário e do Tribunal Constitucional.
Como adeptos desta linha é possível citar, na Europa, Niklas Luhmann, Jürgen Habermas
e Antoine Garapon, nos Estados Unidos da América, John Hart Ely e John Rawls, no Brasil,
Marcelo Cattoni Oliveira, Rosemiro Pereira Leal, Cláudio Pereira Souza Neto, Gisele Cittadino e,
também na América do Sul, Carlos Santiago Nino.
A corrente em questão sustenta que o ativismo judicial tolheria a voz da vontade popular,
a qual apenas seria ouvida, numa sociedade complexa e pluralista como a atual, a partir do debate
travado em um espaço público adequado. De tal feita, a sociedade deveria exercer sua autonomia
no seio das deliberações legislativas.
Neste quadro, as Constituições teriam como principal finalidade estabelecer os
procedimentos democráticos propícios para que as decisões consensuais pudessem ser
construídas pela coletividade.
Logo, para os procedimentalistas, o exercício da jurisdição constitucional deveria se
pautar estritamente no sentido de salvaguardar os princípios democráticos. Por este prisma a
decisão judicial versando sobre controle de constitucionalidade não poderia afastar a vontade
popular estabelecida a partir de um consenso racionalmente construído, salvo em caso de vícios
envolvendo as regras procedimentais mantenedoras do princípio democrático.
No dado contexto, entende-se como ilegítima a decisão de um Tribunal Constitucional
que ataque uma lei previamente estabelecida pelo processo legislativo democrático.

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Pontuam que uma decisão proferida por juízes não eleitos não pode prevalecer diante de
uma lei democraticamente estabelecida pelos representantes do povo.
Apenas nas hipóteses de ofensas aos princípios democráticos caberia o controle de
constitucionalidade aplicado pelo Tribunal Constitucional, uma vez que neste caso estariam
sendo defendidos o princípio majoritário e as regras procedimentais definidoras do processo de
participação e deliberação política, sem os quais não haveria direitos fundamentais.
Por conseguinte, em decorrência de retro mencionada falta de representatividade popular,
também denominada de dificuldade contramajoritária, os defensores do procedimentalismo são
favoráveis a uma postura de autocontenção a ser adotada pelo Judiciário e pelas Cortes
Constitucionais.
É cogente salientar a diversidade das construções teóricas elaboradas pelos representantes
do procedimentalismo, sendo muitas delas de considerável complexidade. Portanto, explicá-las
agora, com o cabal rigor científico, extrapolaria as pretensões deste estudo. Assim, a abordagem
abaixo tangenciará somente a posição de alguns autores quanto à legitimidade das decisões do
Judiciário e do Tribunal Constitucional.
Inicia-se a análise por Jürgen Habermas, um dos mais renomados procedimentalistas, o
qual, ao visualizar na modernidade a colonização do Direito sobre o mundo da vida, edifica uma
teoria discursiva em que a legitimação do Direito é fundada em três níveis, o da legislação, da
aplicação e da jurisdição constitucional.
Habermas defende que a constituição seja vista como uma carta que determine
procedimentos políticos para que cidadãos autodeterminados persigam de modo cooperativo
condições de vida mais justas e equitativas.
Assim, entende que a imposição de valores fixos à sociedade, por meio de uma
interpretação preestabelecida da constituição, a ser ditada pelo Poder Judiciário ou pelo Tribunal
Constitucional, esvazia a legitimidade democrática da decisão dos órgãos em questão.
Observa-se que, para o filósofo tedesco, as decisões do Tribunal devem garantir o
procedimento democrático, durante o exercício da jurisdição constitucional, conforme se constata
na seguinte passagem:

[...] Somente as condições processuais da gênese democrática das leis asseguram a


legitimidade do direito. Partindo dessa compreensão democrática, é possível encontrar
um sentido para as competências do tribunal constitucional, que corresponda à intenção
da divisão de poderes no interior do Estado de Direito: o tribunal constitucional deve

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proteger o sistema de direitos que possibilita a autonomia privada e pública dos
cidadãos. [...] Por isso, o tribunal constitucional precisa examinar o conteúdo de normas
controvertidas especialmente no contexto dos pressupostos comunicativos e condições
procedimentais do processo de legislação democrático. Tal compreensão
procedimentalista da constituição imprime uma virada teórico-democrática ao problema
de legitimidade do controle jurisdicional da constituição. (sic). (HABERMAS, 2003, p.
326).

Após considerar que as posições das teorias da Hermenêutica Jurídica, do Realismo


Jurídico e do Positivismo Jurídico não fornecem substrato suficiente para a resolução do
problema da racionalidade das decisões prolatadas pelos Tribunais, Habermas aponta a obra de
Ronald Dworkin como a mais bem fundamentada.
Entretanto ele não concorda com o caráter monológico da decisão judicial na teoria de
Dworkin, buscando superá-la por meio da argumentação discursiva com fulcro em argumentos
racionais postos pelos participantes do debate, intentando, estes, uma decisão consensual
racionalmente construída.
Portanto, uma compreensão procedimental da constituição faria com que a Suprema Corte
controlasse a tensão entre a legitimidade do direito e a positividade deste, por meio do exercício
de uma jurisdição constitucional, restrita a sua competência, a qual seria previamente fixada pelo
processo democrático que ela própria protegeria.
Com isto, Habermas almeja conferir legitimidade às decisões do Tribunal, as quais
deveriam restringir-se à aplicação imparcial do direito, dentro dos limites postos pelo processo
democrático. Tal procedimento democrático de construção das leis, inscrito na constituição, seria
o objeto a ser resguardado pelo Tribunal Constitucional, enquanto guardião da constituição.
Apenas assim, haveria legitimidade no exercício da jurisdição constitucional.
Já Niklas Luhmann entende que o Direito é um sistema independente, detentor de
linguagem própria e capaz de se auto-reproduzir, de modo que sua legitimação deriva do próprio
Direito. Assim, o sistema jurídico e, por conseguinte, o Judiciário e o Tribunal Constitucional,
perderiam sua legitimidade quando o exercício da jurisdição excedesse aspectos estritamente
jurídicos. (LUHMANN apud SAAVEDRA, 2006).
Nos Estados Unidos da América, Ely defende que a Constituição daquele país “é um
processo de governo, e não uma ideologia governante”, de maneira que o texto constitucional
teria o condão de estabelecer aspectos estruturais e procedimentais, ao invés de ser uma carta de
valores. (ELY apud TAVARES, 2007, p. 341-342).

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Para ele, não cabe ao Judiciário e ao Tribunal Constitucional ditar valores supostamente
presentes na Constituição, e sim exercer o controle de constitucionalidade na medida necessária a
reforçar a representação política dos cidadãos, para que estes mesmos possam participar do
processo democrático sem qualquer sobrepujança da maioria dominante.
Antoine Garapon, citado por Hommerding (2006, p. 16-18), alerta para uma possível
tirania das minorias, em virtude da excessiva relevância que o Direito e suas instituições vêm
recebendo contemporaneamente. Afirma que espaço simbólico da democracia tem se deslocado
do Estado para a justiça, colocando sobre esta última o peso das esperanças de toda a sociedade.
Para frear tal quadro, o Judiciário e o Tribunal Constitucional precisam se conter ao
controle das formalidades e dos procedimentos destinados à criação do direito.
Carlos Santiago Nino é outro partidário da contenção do exercício da jurisdição
constitucional em primazia à preservação dos requisitos do processo democrático. Para ele, as
decisões do Tribunal apenas devem envolver questões axiológicas caso isto seja a medida
derradeira para resguardar o princípio democrático. Funcionando como árbitro do jogo
democrático a Corte evitaria um elitismo epistêmico ou científico
9
.
Ao término das considerações iniciais sobre a corrente procedimentalista e seus
defensores abordar-se-á à frente as críticas remetidas a tal linha teórica.

4.1 Críticas ao Procedimentalismo

Severos comentários são direcionados aos procedimentalistas, como aqueles traçados por
Streck, o qual desenvolve seus argumentos a partir da premissa de que em países de modernidade
tardia, como o Brasil, as promessas do Estado Social ainda não foram cumpridas. Logo, teorias
como a de Habermas e a de Ely, fundadas em realidades como a da Alemanha e a dos Estados
Unidos da América, respectivamente, não seriam adequadas a sociedades como a brasileira.
(2003).
Outra razão, segundo Bruce Ackerman (ACKERMAN apud STRECK, 2003, p. 181),
seria que as ideias procedimentalistas pressupõem cidadãos autônomos e politizados, plenamente

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capazes de travar e debates públicos com fulcro em argumentos racionais objetivando um
consenso.
Enfatiza Streck (2003) que isto seria relevar o fato de que em países carecedores do
cumprimento de direitos fundamentais o cenário político estampa um constante alijamento do
processo de participação e deliberação nas decisões políticas.
Conjuntamente, acrescenta que a vertente habermasiana de tal corrente parece ignorar a
função primordial que a coerção exerce no Direito, aparentado a crença em uma sociedade repleta
de cidadãos moralmente virtuosos.
Portanto ele defende um judiciário políticamente ativo, apto a conferir à população uma
base democrática erigida sobre a efetivação dos direitos fundamentais.
Ainda, Streck salienta que “Habermas menospreza a vagueza e a ambiguidade ínsita aos
textos jurídicos (inclusive os que tratam do procedimento)”, razão pela qual seria difícil
determinar, exatamente, o conteúdo cabível tão somente ao legislador e o que é direcionado aos
juízes. (2003, p. 183).
De outra banda, Laurence H. Tribe10 sustenta que os próprios argumentos
procedimentalistas se fundam em valores e direitos substantivos retirados do texto constitucional.
Enxerga isto como uma afirmação lógica de que as Constituições possuem uma substância a ser
perseguida e mantida.
Em relação ao tema, Barroso observa que sob o pálio da defesa da democracia esconde-se
uma inconsistência nas premissas procedimentalistas, que periclita o próprio princípio
democrático:

É bem de ver, no entanto, que a ideia de democracia não se resume ao princípio


majoritário, ao governo da maioria. Há outros princípios a serem preservados e há
direitos da minoria a serem respeitados. Cidadão é diferente de eleitor; governo do povo
não é governo do eleitorado. No geral, o processo político majoritário se move por
interesses, ao passo que a lógica democrática se inspira em valores. E, muitas vezes, só
restará o Judiciário para preservá-los. O déficit democrático do Judiciário, decorrente da
dificuldade contramajoritária, não é necessariamente maior que o do Legislativo, cuja a
composição pode estar afetada por disfunções diversas, dentre as quais o uso da máquina
administrativa nas campanhas, o abuso do poder econômico, a manipulação dos meio de
comunicação. (sic). (BARROSO, 2010, p. 391).

Colocada as tensões entre os polos, a pesquisa ruma às inferências.

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5 CONCLUSÃO

A pesquisa objetivou apurar a querela em torno da legitimidade da decisão do Tribunal


Constitucional proferida em sede de controle de constitucionalidade durante o exercício da
jurisdição constitucional.
Para tanto, os trabalhos foram iniciados com uma contextualização do problema a partir
da retrospectiva histórica do controle de constitucionalidade, já que esse é o instrumento
primordial à prática da jurisdição constitucional.
Observou-se uma diferença significativa já na concepção do modelo norte-americano em
paralelo ao da Europa continental. Ao passo que o primeiro não aparenta refutar
peremptoriamente razões de cunho político na tomada de decisão, o segundo, de origem
kelseniana, debruça-se, de forma exclusiva, à coerência do sistema jurídico, absorvendo apenas
argumentos jurídicos.
O veemente realce de paradigmas como o Estado Social, a teoria dos princípios, a força
normativa da constituição, a constitucionalização do direito e o pós-positivismo, trouxe uma
aproximação do direito com a moral e a política.
Neste cenário, o conflito entre constitucionalismo e democracia se avolumou na medida
em que o Judiciário e a Corte Constitucional utilizaram a ampliação da jurisdição constitucional
para interferir mais diretamente na efetivação da Constituição na sociedade.
Entende-se que este é local em que reside o debate entre substancialistas e
procedimentalistas.
Consequentemente, o estudo justapôs os argumentos favoráveis e contrários ao
substancialismo e ao procedimentalismo, respectivamente. De tal forma, foi possível realizar uma
análise mais equânime do debate.
Assim, se notou que a dicotomia inicia-se já no conceito de Constituição. Realizar ou não
uma leitura material da Carta Política é, por si só, um fator determinante na dualidade em
questão.
Vê-se aí um grande temor dos procedimentalistas à provável arbitrariedade legalizada em
decorrência do subjetivismo e incerteza patrocinados por seus opositores.

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Todavia, argumentos fundados em pressuposições aparecem nos dois lados. Dividem-se
entre a desconfiança para com o Legislativo e para com o Judiciário; entre a crença na
virtuosidade dos juízes e dos cidadãos; entre o temor à ditadura da maioria e da minoria; entre a
preexistência dos direitos fundamentais sobre a democracia e da democracia sobre os direitos
fundamentais.
As conjecturas alcançam ainda a divisão dos poderes. É certo que a sua quebra deve ser
evitada, mas a sua maleabilidade é patente. O início deste estudo já permite depreender isto
quando se avalia a mudança do foco do Estado Absolutista para o Estado Liberal, bem como da
passagem deste último para o Estado Social. O que cabe questionar é a medida da flexibilidade
para que ela não ceda sobre os pontos de tensão. Isto esvaziaria o caráter salutar das
compensações advindas com a mudança de paradigmas.
No tocante à suposta inadequação das teorias procedimentalistas aos países de
modernidade tardia, credita-se a devida pertinência a tal afirmação. Entretanto, mais vale a
adaptação destas construções teóricas a uma realidade distinta do que a sua rejeição de plano.
Afinal, é inegável a preservação de direitos e garantias fundamentais, e, portanto da própria
democracia, que os procedimentos proporcionam.
Por fim, entende-se que taxar de antidemocrática uma medida que sustente os direitos
fundamentais já positivados, mesmo que fundamentada em argumentos não literais do texto
constitucional, é apegar-se a um conceito dogmático de democracia.
O Poder Judiciário e o Tribunal Constitucional não obstaculizam a democracia, e sim
determinados integrantes destes que abusam do poder que lhes foi investido.
Mais importante é perseguir meios de conter as arbitrariedades nas decisões, já que se
defende que o problema é pessoal, não institucional.
Medidas processuais como a abertura ao amicus curiae, o respeito ao contraditório, a
devida fundamentação das decisões, ente outras, servem justamente para evitar o arbítrio e
garantir a necessária legitimidade às manifestações do Judiciário e do Tribunal Constitucional.
A mera não elegibilidade de juízes e membros da Corte Constitucional não pode servir
para afastar a legitimidade de suas decisões. A dificuldade contramajoritária não pode ser a
impossibilidade da atuação contramajoritária.
Ademais, é preciso que se admita que, não raras vezes, os procedimentos, supostamente
democráticos, são institucionalizados no interesse de uma maioria política dominante.

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Não se vilipendiam aqui os argumentos procedimentalistas, mas também não há como
negar a necessidade de preenchimento das deficiências políticas e sociais, e por que não
democráticas, com alguma substância.
Para tanto, ao revés da assunção de concepções generalizantes acerca das teorias retro
exibidas, se entende que estudos futuros devem mirar numa via conciliatória, capaz de adaptar
conceitos de ambas as correntes à realidade brasileira, com o fito de um consenso racional acerca
da legitimidade das decisões proferidas pelo Tribunal Constitucional.
Por ora, entende-se que a realidade brasileira tem mais a ganhar com um Tribunal
Constitucional que legitime a correção de suas decisões a partir de valores materiais
constitucionalmente estabelecidos e perseguidos, do que com alvejo de procedimentos
supostamente legítimos, em defesa de uma coerência racional nas decisões.

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brasileiro. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007.

1
Para mais detalhes vide BONAVIDES (2004, p. 139-140).
2
Para mais detalhes sobre tais conceitos vide TRAVESSONI (2011).
3
Para mais detalhes vide BONAVIDES (2004, p. 128) e PALMEIRA (2001, p. 145-147).
4
Para mais detalhes vide BARROSO (2010, p. 264) e MALISKA (2001, p. 81-85).
5
Para mais detalhes vide BONAVIDES (2004, p. 128-129) e MALISKA (2001, p. 90-91).
6
Para concepções diferentes acerca do positivismo e do pós-positivismo jurídico, vide BARROSO (2010, p. 247-
248) e TRAVESSONI (2011, p. 319-324).
7
A classificação dicotômica em epígrafe é inspirada nos trabalhos de BARROSO (2010, p. 89-94), HERRERA
(2009, p.76), JEVEAUX (2012) (sic); OLSEN (2009, p. 272-282) e STRECK (2003, p. 173).
8
Para mais detalhes vide BARBOZA; KOZICK (2008, p.6747-6751), DUTRA (2007, p. 12-13) e OLSEN (2009, p.
274).
9
Para mais detalhes BARBOZA; KOZICKI (2008, p. 6756-6761) e OLSEN (2009, p. 274-275).
10
Para mais detalhes vide STRECK (2003, p. 185) e TAVARES (2007, p. 343).

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