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Relação entre componentes voláteis e núcleos de inflação

Estudo Especial nº 62/2019 – Divulgado originalmente como boxe do Relatório de Inflação (setembro/2019)

A avaliação de choques exógenos que afetam o comportamento dos preços é aspecto essencial da gestão
de política monetária. De modo geral, os núcleos de inflação buscam minimizar a influência de itens de
maior volatilidade, com o objetivo de avaliar a tendência da inflação sem os efeitos de choques temporários.
Contudo, na prática, identifica-se correlação positiva entre tais oscilações exógenas e as medidas de inflação
subjacente. Diante disso, este estudo mede o impacto de choques nos componentes mais voláteis dos índices
de preços ao consumidor sobre os núcleos de inflação. Ressalta-se que a existência de tal efeito não significa
que os núcleos sejam métricas inapropriadas da inflação subjacente, mas sim que a influência dos choques
extrapola o impacto direto1. Essa informação é particularmente relevante em choques de grande magnitude,
como o decorrente da paralisação do setor de transporte rodoviário de cargas em maio de 2018. O Gráfico 1
mostra como o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) e a média dos sete núcleos de inflação
divulgados pelo Banco Central do Brasil (BCB) se comportaram em uma janela em torno daquele episódio e
revela a correlação positiva entre as duas séries.2
Gráfico 1 – IPCA e média dos núcleos
Var. % em 3 meses anualizada dessazonalizada
10

0
Ago Out Dez Fev Abr Jun Ago Out Dez
2017 2018
IPCA Média dos núcleos de inflação
Fontes: IBGE e BCB

Para ilustrar os possíveis efeitos de choques temporários sobre medidas de núcleos, utilizou-se um modelo
que considera apenas impactos contemporâneos. Estimou-se a seguinte equação:

(1) 𝑠𝑠𝑡𝑡 = 𝛽𝛽0 + 𝛽𝛽1 𝑋𝑋𝑡𝑡 + 𝛾𝛾𝛾𝛾𝑡𝑡 + 𝑢𝑢𝑡𝑡 ,

em que 𝑠𝑠𝑡𝑡 e 𝑋𝑋𝑡𝑡 são, respectivamente, medidas de inflação subjacente e de variação de preços voláteis,
representa outros fatores que influenciam a inflação subjacente e é o termo de erro idiossincrático.
Especificamente, mede-se 𝑠𝑠𝑡𝑡 através da média dos sete núcleos de inflação divulgados pelo BCB e 𝑋𝑋𝑡𝑡 pela
média móvel de três meses da variação dos preços do subgrupo alimentação no domicílio e do segmento de
administrados – trata-se do complementar do núcleo por exclusão EX0.3 Adicionalmente, supõe-se que

1/ Evidências do impacto indireto dos preços de alimentos sobre núcleos de inflação foram apresentadas no boxe “Propagação da
inflação de alimentos: comparação internacional” publicado no Relatório de Inflação de setembro de 2018. Ressalta-se que o presente
estudo complementa a análise de 2018, ao obter resultados semelhantes com metodologia e dados distintos.
2/ Os sete núcleos são: os quatro núcleos por exclusão (EX0, EX1, EX2 e EX3), os dois de médias aparadas (com e sem suavização) e
o de dupla ponderação. Mais informações sobre essas medidas estão disponíveis no boxe “Novas medidas de núcleo de inflação”
publicado no Relatório de Inflação de junho de 2018 e nas referências lá apresentadas.
3/ Os resultados são similares para cada núcleo individualmente, inclusive para o EX0, cuja sobreposição com a medida de inflação
volátil é nula.

1
contenha apenas a primeira defasagem de 𝑠𝑠𝑡𝑡 . Os dados de inflação utilizados estão na frequência mensal e
representam a variação dessazonalizada e anualizada.

Para estimar o parâmetro de interesse, , aplica-se o método mínimos quadrados em dois estágios. Essa
escolha é feita para evitar que a estimativa seja inconsistente devido a uma possível causalidade reversa entre
𝑠𝑠𝑡𝑡 e 𝑋𝑋𝑡𝑡 , pois pode-se argumentar que a inflação subjacente mais alta leve ao crescimento maior de todos
os preços da economia, inclusive os mais voláteis. Os instrumentos escolhidos são as médias móveis de três
meses do indicador ONI*, uma variação do Oceanic Niño Index (ONI), e de um índice de precipitação, ambos
descritos no boxe “Impactos do clima na inflação de alimentos” do Relatório de Inflação de junho deste ano.4
A amostra utilizada na estimação abrange o período de julho de 2002 a dezembro de 2018.

A partir da estimativa do efeito dos preços voláteis5, , constrói-se a medida contrafactual de inflação
subjacente, , sob a hipótese de que todos os preços, inclusive os mais voláteis, tivessem se comportado da
mesma forma. Supõe-se, portanto, que . A definição desse contrafactual é dada pela equação abaixo,
em que , e são estimativas dos coeficientes e é o resíduo do segundo estágio:

(2)

Combinando-se a versão estimada da equação (1) com a equação (2), é possível escrever apenas como
função do parâmetro e das variações da média dos sete núcleos de inflação, , e dos preços voláteis, .

(3)

O Gráfico 2 apresenta a variação acumulada em três meses anualizada e dessazonalizada de e entre


janeiro de 2014 e dezembro de 2018, período em que houve os maiores descolamentos entre as duas séries.
Antes desse ínterim, as duas variáveis apresentaram comportamento divergente apenas entre julho de 2002,
início da amostra de estimação, e julho de 2003.

Gráfico 2 – Média dos núcleos e contrafactual


Var. % em 3 meses anualizada dessazonalizada
10

0
Jan Jul Jan Jul Jan Jul Jan Jul Jan Jul
2014 2015 2016 2017 2018
Média dos núcleos Contrafactual
Fontes: IBGE e BCB

4/ O índice de precipitação difere daquele usado no boxe citado apenas por ser calculado na frequência mensal. Os resultados
obtidos são semelhantes se a média móvel de três meses de e dos instrumentos for substituída pela variação no mês corrente.
As estimativas de primeiro estágio corroboram a correlação dos instrumentos com a variação dos preços voláteis. Por se tratar de
variáveis climáticas, a hipótese da validade dos instrumentos, de que eles não constam diretamente na equação de interesse, é
plausível.
5/ O coeficiente mostrou-se significativo ao nível de 1%, com erro padrão robusto a heterocedasticidade e autocorrelação dos resíduos.

2
Entre o início de 2015 e meados de 2016, o contrafactual sugere que a inflação subjacente teria sido menor
na ausência de choques de preços voláteis, mas ainda oscilando ao redor do limite superior do intervalo de
tolerância da meta de inflação estabelecida para aqueles anos. A desinflação do período seguinte continuaria
com magnitude relevante, mas teria sido mais lenta, particularmente ao longo de 2017, quando o contrafactual
esteve acima dos núcleos observados. Tal movimento sinaliza que o comportamento dos preços voláteis
contribuiu para o processo de desinflação. Em 2018, observa-se nova discrepância entre as séries, que chega
a 2 p.p., em virtude do choque oriundo da paralisação do setor de transporte rodoviário de cargas. Todavia,
no último trimestre do ano as duas medidas de inflação subjacente já haviam convergido, confirmando a
natureza temporária do choque.

Os núcleos compõem conjunto de indicadores relevantes para o monitoramento da evolução dos preços, na
medida em que permitem avaliar, de forma tempestiva, a influência de choques sobre o comportamento da
inflação. A análise ora apresentada – ao evidenciar que variações de preços voláteis de natureza exógena
podem se propagar nas medidas de inflação subjacente – contribui, em caráter complementar, para o escopo
dessa avaliação.

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