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Diário de um (ex) fascista: a tradução da obra de Carmine Senise no Brasil

Leonardo Rossi Bianconi

Após o armistício de setembro de 1943 - assinado entre o rei da Itália e os


Aliados - muitos políticos italianos do Partido Fascista foram presos por soldados
alemães. Carmine Senise era um deles, então chefe de polícia do Governo de Benito
Mussolini. No exílio escreveu um diário contando um pouco de sua participação nos
“acontecimentos mais notáveis da vida política italiana na primeira metade do nosso
século”1, mas esse diário foi destruído pelo próprio autor. No final da Segunda Guerra
Carmine Senise voltou para a Itália, porém não foi recebido calorosamente pelos
conterrâneos, pois os italianos naquele momento valorizavam os personagens que
tinham contribuído para o fim do regime fascista. Em 1945 o político italiano decide
reescrever seu diário e o publica em 1946 com o título Quando ero capo della polizia.
Logo em 1947 o livro de Senise foi traduzido por José Herculano Pires e
publicado pela Instituto Progresso Editorial (IPÊ). Este texto pretende apresentar o autor
e sua obra, além de trazer a baila os interesses, observando o contexto histórico, em se
traduzir essa obra, buscando alcançar uma interpretação da importância dessa tradução
para o Brasil do pós-guerra.
Napolitano, - Sobre Carmine Senise: Conhecido em algumas biografias como o
chefe de polícia que prendia muitos camice nere. Iniciou sua carreira politica em 1908
dentro do Ministero degli interni. Em 1940, após a morte de Bucchini que ocupava o
cargo de Chefe de Polícia, Senise é nomeado em seu lugar, num primeiro momento
como Diretor Geral da Polizia di Stato (consta no site da Polizia di Stato uma biografia
com a foto de Carmine Senise). Mas por insistência do próprio Senise, ele exige o cargo
que era de seu predecessor por saber que como Diretor ele teria seu poder de decisão
diminuído, pois enquanto Chefe de Polícia ele tinha acesso direto ao Chefe de Governo,
sem passar por assessores e intermediários (pg 32-33).
A obra de Senise é um relato de sua vida política de 1940 a 1945, ano de sua
liberação do campo de trabalhos forçados de Dachau, primeiro campo de concentração
construído pelo regime nazista. Podemos dizer que é uma autobiografia, mas o projeto
do autor é se colocar como peça chave nos eventos que marcaram profundamente a
história contemporânea italiana. Seu livro apresenta diversos pormenores da entrada da
Itália na guerra, dos acordos estabelecidos até do golpe de 25 de julho de 1943. O autor
1
diz que teve participação ativa no golpe que depôs Mussolini do governo e colocou o
General Badoglio em seu lugar.
Senise assumiu o cargo no período em que a Itália já havia anunciado a guerra
ao lado da Alemanha e Japão. No período de 1940 a 1943 foi chefe de polícia, cargo
complicado de assumir naquele momento. Senise comenta que seu intuito enquanto
chefe de policia naquele momento era ir separando a polícia do governo fascista com a
finalidade de manter uma ordem pública após uma ruptura entre o Estado e aquele
regime.
Ocorre a ruptura em 1943, mas Senise não foi destituído de seu cargo, continua
como chefe de polícia, mas agora sob as ordens do General Badoglio. Diversamente de
outros políticos, como o mesmo General e o Rei, que fugiram antes do anuncio do
armistício assinado na cidade de Cassibile em 3 de setembro de 1943, Senise permanece
em Roma, agora “cidade aberta”, e por conhecimento dos SS’s de seu envolvimento nos
ocorridos daquele período é preso, mandado para Dachau. Ali escreve um diário
relatando sua participação na vida politica italiana de 1908 até o momento de sua prisão,
mas destrói seus escritos com medo de que caíssem em mãos inimigas, e o levassem ao
fuzilamento.
Ao final da guerra Senise é libertado de Dachau e retorna para a Itália. Nesse
momento do relato que podemos ter uma interessante interpretação daquele momento
log após final da guerra. Momento em que a Itália busca uma reorganização social e
política. A grande maioria dos colaboradores do regime fascista estavam sendo julgados
e presos. E com Senise não seria diferente. Descrevendo o conturbado retorno para a
Itália, e sua chegada em Roma sem grandes reconhecimentos, Senise diz:

Em resumo, eu estava acusado – eu! – de “ações importantes” a favor


do fascismo; acusado – eu! – de colaborar com os alemães, por não ter
impedido a liberação de Mussolini
Acusações loucas, repito. [...]
Mas, se a perseguição alemã me honrava, a italiana me era intolerável;
se então havia permanecido no posto do meu dever, agora não tinha
outro dever senão o de me poupar ao tratamento que a lei reserva aos
delinquentes. (SENISE, 1947. pg. 262)

É importante ter em mente que Senise provavelmente participou dos eventos


como os descreve, mas sua vida politica se deu sob o regime e para uma vida politica
bem sucedida em qualquer regime é necessária uma adaptação e, até certo ponto, uma
conivência com esse regime.
Senise foi absolvido de suas acusações e teve sua aposentadoria reconhecida em
setembro de 1945, vindo a falecer em Roma em 1958.
Além da vida e obra do autor, a questão central nesta comunicação é pensar a
tradução desta obra no Brasil.
A editora Instituto Progresso Editorial (IPÊ), que lançou a obra de Senise no
Brasil em 1947, fez uma interessante proposta com a coleção Meridiano, onde propunha
uma serie de livros na ideia de formar uma biblioteca com documentos históricos. Essa
coleção traz ainda a obra de Rachele Mussolini que relata suas memórias com Benito
Mussolini, além do outros livros a coleção apresenta “A FEB pelo seu comandante” do
Marechal Mascarenhas de Moraes. Partindo do princípio que a escolha das obras a
serem publicadas passa sempre pelos editores, aqui se faz necessário levantar alguns
nomes e o contexto da fundação da editora IPÊ, para assim estabelecer uma base para a
compreensão da escolha de se traduzir a obra de Carmine Senise.
O fundador (Francisco Matarazzo Sobrinho) e diversos colaboradores são de
origem italiana, desse colaboradores “despontam nomes como Francesco Malgeri,
diretor de Il Messaggero, um dos maiores jornais de Roma na época, que vem para o
Brasil, após fugir da Itália e passar por Portugal, para ocupar o cargo de diretor geral no
IPÊ; e Luigi Federzoni, membro do alto escalão fascista, acolhido por Malgeri, que
colaborava com nome falso na editora e no jornal O Estado de S. Paulo” (DIONISIO,
MACEDO, BIANCONI. 2011, p. 35).
A ideia aqui, ao levantar esses nomes, não é propor uma interpretação (que seria
inocente) direta entre as escolhas das obras, pensando nos títulos de Senise e de Rachele
Mussolini, e uma possível valorização do fascismo por parte desses exilados editores.
Mas podemos pensar, a partir da coleção, uma espécie de acerto de contas, uma
tentativa de passar a história a limpo. Senise em sua obra coloca o fascismo totalmente a
parte, desconectado do cargo que exercia e Rachele apresenta, na figura de Mussolini,
um pai de família atento, e talvez mal compreendido pelas medidas que tomou. E, ao
acrescentar a obra sobre a campanha da FEB na Itália, temos praticamente uma revisão
histórica que pode passar a ideia (aqui não importa se errada ou certa) de uma história
solucionada.
Devido ao curto tempo para essa comunicação, passo diretamente a uma breve
analise da tradução e uma apresentação do tradutor.
José Herculano Pires, jornalista e filosofo formado pela USP, curiosamente foi
um grande tradutor das obras de Alan Kardec, e um dos maiores divulgadores do
espiritismo no Brasil, segundo uma sua biografia publicada pela editora espirita Paideia.
Pires, nascido e criado no interior do Estado de São Paulo, em 1946 mudou-se com a
família para a capital, onde passou a colaborar com jornal O Estado de S. Paulo e,
provavelmente por contato com alguns daqueles editores da IPE que também
colaboravam para o mesmo jornal, Pires foi convidado a traduzir a obra de Carmine
Senise.
O titulo original é Quando ero capo della polizia (Ruffolo editore, 1946), a
opção de transformar em Eu fui chefe da policia de Mussolini (IPE, 1947) muda
completamente a relação do autor com aquele governo. Mas, ao mesmo tempo, imprime
um sentido reconhecível aos brasileiros.

PETERLE, Patricia (Org.). A literatura italiana no Brasil a literatura Brasileira


na Itália: sob o olhar da tradução. Tubarão: Copiart, 2011.
SENISE, Carmine. Eu fui chefe da polícia de Mussolini. São Paulo: Instituto
Progresso Editorial, 1947.
RIZZINI, Jorge. J. Herculano Pires, o apóstolo de Kardec. São Paulo: Paideia,
2000. 282p
GRELLA, Diletta. Un capo della Polizia che arrestava troppe camicie nere.
Sito Storia in network. Disponivel em:
http://www.storiain.net/arret/num25/senise25.htm Acesso em: 12/04/2012

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