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O PENSAMENTO AFRICANO NO SÉCULO XX

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José Rivair Macedo
(Organizador)

O PENSAMENTO AFRICANO NO SÉCULO XX

1ª edição
Outras Expressões
São Paulo – 2016

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Copyright © Outras Expressões 2016

Revisão: Lia Urbini e Dulcineia Pavan


Imagem da capa: Bruno Ortiz
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sem a autorização da editora.

1ª edição: julho de 2016

OUTRAS EXPRESSÕES
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Sumário

Prefácio................................................................................................7
Severino E. Ngoenha

Introdução ........................................................................................11
José Rivair Macedo

PARTE 1
DESCOLONIZAÇÃO

Negritude, construção e contestação do pensamento político-


intelectual de Léopold Sédar Senghor (1928-1961)............................23
Gustavo de Andrade Durão

Marcien Towa, da crítica aos pressupostos da negritude


senghoriana à possibilidade da filosofia africana...............................53
Roberto Jardim da Silva

Cheikh Anta Diop e a produção do conhecimento científico.............75


Gabriel Ambrósio, Kassoum Diémé

A perspectiva africana de Joseph Ki-Zerbo...................................... 111


Guilherme Machado Botelho, Muryatan Santana Barbosa,
Thiago Clemêncio Sapede

PARTE 2
REVOLUÇÃO AFRICANA

Kwame Nkrumah, o neocolonialismo e o pan-africanismo............. 143


Mathias Inacio Scherer

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Revolução e cultura no pensamento de Frantz Fanon
e Amílcar Cabral.............................................................................167
Gustavo Koszeniewski Rolim

A África de Fanon: atualidade de um pensamento libertário ..........199


Walter Günther Rodrigues Lippold

Fontes populares do discurso revolucionário


de Amílcar Cabral...........................................................................229
José Carlos Gomes dos Anjos

PARTE 3
PÓS-COLONIALSMO

(Des)caminhos da produção do conhecimento em África:


o Codesria na disseminação do conhecimento no contexto
da globalização ...............................................................................263
Anselmo Panse Chizenga, Frederico Matos Alves Cabral

Wole Soyinka, da essência negra


a um mundo africano.......................................................................289
Adriano Moraes Migliavacca

Intelectuais africanos e estudos pós-coloniais: as contribuições


de Paulin Hountondji, Valentim Mudimbe
e Achille Mbembe............................................................................313
José Rivair Macedo

O paradigma libertário de Severino Ngoenha: uma encruzilhada


subversiva........................................................................................339
Eduardo Felisberto Buanaissa

Bibliografia Comentada...................................................................361

Sobre os autores...............................................................................365

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Prefácio
Severino E. Ngoenha

A primeira qualidade deste livro é meter o acento sobre os


protagonistas africanos do pensamento, contrariando ao que co-
mumente se faz, que é olhar para África a partir de uma historio-
grafia colonial, dominada por escritos de administradores,
militares, clérigos, e antropólogos.
Mathias Inacio Scherer, no seu texto, invoca a figura emble-
mática de Kwame Nkrumah e o seu percurso, quer de luta contra
o neocolonialismo, quer da sua adesão teórica aos ideais do pan-
-africanismo.
É uma coincidência feliz, dado que o pan-africanismo inicia
exatamente em 1900 com o primeiro congresso, que se deveria
ter realizado em Paris, mas acabou realizando-se em Londres.
Esse congresso se queria primeiramente de caráter científico,
para contrapor as ideias de Gobineau e as suas teses sobre a dife-
rença das raças humanas, mas acabou sendo um congresso polí-
tico. De um lado, porque as práticas que começavam-se a
implementar no continente africano, ligadas à divisão da África
em Berlim e à instauração do colonialismo, faziam temer que a
escravatura, ou pelo menos a opressão, voltasse; e de outro lado,
porque se temia que o filantrópico colonialismo invocado em
Berlim se transformasse – como foi de fato o caso – em nova for-
ma de opressão.
Este primeiro congresso pan-africanista, para além de ter
feito emergir personalidades da diáspora, como Anténor Firmin,

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Severino E. Ngoenha

Marcus Garvey, Abdias do Nascimento, Eric Williams, fez so-


bretudo, emergir aquele que é historicamente considerado pai do
pan-africanismo, William Dubois.
Nkrumah foi alimentado por este processo, de reivindica-
ção, e foi no último dos cinco congressos, em 1945, que na con-
tinuidade do que o segundo congresso tinha proclamado, em
1919, em Paris, reivindica para o conjunto do continente, a auto-
determinação política.
Por sua vez, Gustavo de Andrade Durão, invoca Senghor e
Gustavo Rolim invoca Frantz Fanon e Amílcar Cabral. Senghor
é sem dúvida o poeta e pensador mais conhecido da Négritude, e
Fanon, apesar de ter-se rebelado aos ideais deste movimento,
num segundo tempo, ele mesmo foi aluno de Césaire, e portanto,
educado nos ideais da Négritude.
Ora, quer Senghor, quer Césaire, e mesmo Damas, reconhe-
cem uma primazia não só cronológica, mas também nos temas
tratados, e na virilidade da nova posição do negro face a opressão
do Movimento do Renascimento de Harlem, do qual se inspira-
ram e tiveram mesmo contatos pessoais com os protagonistas,
como Langston Hughes, Dubois e Claude Mackay.
A ligação de Nkrumah com o pan-africanismo, e da Négri-
tude ao renascimento de Harlem mostram, como bem asseveram
os autores deste livro, uma ligação intrínseca entre a gênese do
pensamento africano do século XX e a diáspora.
Se Nkrumah anunciava que primeiro tinha que vir a inde-
pendência política e o resto viria em acréscimo, o grande desafio
com que África começou a confrontar-se desde a década 1960 foi
a afirmação de uma História e de uma identidade que o colonia-
lismo tinha tentado negar. É neste sentido que se pode ver os
trabalhos de Cheikh Anta Dipo trazidos no artigo de Gabriel
Ambrósio e Kassoum Diémé; e no de Joseph Ki-Zerbo feito por
Guilherme Machado Botelho, Muryatan Barbosa e Tiago Sape-
de. Esta reivindicação identitária ganhou contornos filosóficos
com a emergência da etnofilosofia, que mais tarde viria a ser con-

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Prefácio

testada pelos tenores da corrente crítica como Marcien Towa (ar-


tigo de Roberto Jardim da Silva) e Hountondji, Mudimbe e
Achile Mbembe (artigo de José Rivair Macedo).
O segundo desafio da África independente é ligado ao de-
senvolvimento político, econômico e social. Muito rapidamente
os africanos, sobretudo com os trabalhos de Samir Amin, viram
que as relações entre o primeiro e o terceiro mundo, mesmo
quando vinham com cobertura de cooperação e ajuda ao desen-
volvimento, eram de fato sempre desfavoráveis ao Sul, donde
emerge a necessidade do que Amin chamou de desconexão do
outro, a necessidade da criação de estudos sociais africanos, em
prol do desenvolvimento do continente, que está na origem do
Conselho para o Desenvolvimento da Pesquisa em Ciências So-
ciais em África (Codesria), como se pode ler no artigo de Ansel-
mo Chizenga e Frederico Cabral.
Neste processo histórico, a África Lusófona sujeita ao fascis-
mo de Salazar teve que passar por um processo violento de luta de
libertação nacional, constituindo assim, uma exceção, no proces-
so histórico das autodeterminações africanas. Entre os líderes dos
movimentos de libertação, não há dúvidas que Amílcar Cabral
(como nos indicam os artigos de José Carlos dos Anjos e de Gus-
tavo Rolim) foi aquele que desenvolveu o que ele mesmo chamou
de as armas da teoria, fazendo uma distinção hierárquica clara,
entre povo, Estado, e partido; mas ao mesmo tempo, definindo
claramente que os objetivos da luta não eram nem contra Portu-
gal, nem contra a raça branca, mas sim, contra o sistema colonial.
A importância teórica de Cabral não se limitou somente a influen-
ciar as políticas dos outros movimentos de libertação dos países
de língua oficial portuguesa, mas o próprio Mandela, no início do
processo das Comissões de Reconciliação na África do Sul, reco-
nheceu quanto tinha aprendido do fundador do Partido Africano
para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC).
Em síntese, como faz entender o artigo de Eduardo Felisberto
Buanaissa, eu defendo que se existe um paradigma através do qual

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Severino E. Ngoenha

se pode ler o percurso histórico do pensamento africano, esse para-


digma é libertário. Antes do século XX, o pensamento africano
emerge como luta de libertação contra a escravatura. Depois das
diferentes fases de abolição, continua ainda hoje, a ser um processo
de uma liberdade que se chama integração social. Quer dizer, defen-
de-se que os sujeitos de origem africana tenham as mesmas possibi-
lidades previstas pelas diferentes constituições para os seus cidadãos.
A prova da atualidade deste processo está nos movimentos cívicos
nos Estados Unidos da década de 1960 com Martin Luther King, ou
mais ainda, no fato de que o presidente Lula sentiu a necessidade de
criar leis de descriminação positiva, e a integração da história de
África nos processos de ensino brasileiro, do qual esse livro tem que
ser saudado como uma das mais positivas respostas.
Do fim da Segunda Guerra Mundial e do 5º Congresso Pan-
-africano de Manchester, até a década 1960, e como vimos, com
a exceção do mundo lusófono, a liberdade tomou a figura de au-
todeterminação política.
A partir de então, o grande desafio com que África está
confrontada – e no qual incidem os principais trabalhos de inves-
tigação, dos quais o Codesria é uma suma exemplar – está ligado
ao tríplice-desenvolvimento, econômico, político e social.
Para ser moçambicano, terminaria dizendo, a luta conti-
nua! De um lado, num esforço que tem sido levado a cabo no
Brasil e, no caso presente, pelo professor José Rivair, em explorar
as várias fases e os vários processos da produção de um pensa-
mento africano, e do outro lado, na luta pelo desenvolvimento, a
que estamos carentes, e do qual o Brasil é um parceiro de que se
pode esperar uma colaboração ainda mais forte e incisiva.
Digo colaboração, porque um dos méritos deste livro está
no fato de que ele não se limita a ser uma obra somente de brasi-
leiros sobre o pensamento africano, mas integra também jovens
investigadores africanos e promissores, que com o professor Ri-
vair, querem contribuir para a extensão das percepções sobre o
pensamento africano no século XX.

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Introdução
José Rivair Macedo

Ao longo dos séculos XIX-XX, durante os períodos da co-


lonização europeia, descolonização e reorganização das socieda-
des africanas, os intelectuais nascidos na África apropriaram-se
de um vasto conjunto de referenciais teóricos, conceituais e meto-
dológicos, empregando-os para expressar a posição de seus coe-
tâneos em relação ao mundo. Paralelamente aos saberes orais,
tradicionais, e à experiência vivida que orientavam as formas de
organização sociocultural dos povos anteriores ao período de
predomínio europeu, ganhou corpo um novo tipo de saberes,
eruditos, fundados em pressupostos acadêmicos, científicos, e
que deu sustentação ao que se tem denominado de pensamento
africano.
Um primeiro esclarecimento quanto ao alcance e a natureza
dos capítulos que integram este livro tem que ver, portanto, com
a explicação sobre os campos de abrangência do pensamento
africano tradicional e do pensamento africano não tradicional.
No primeiro caso, tem-se um vasto conjunto de saberes acumula-
dos pela experiência ancestral, alimentado e transmitido por
meio da oralidade, com acesso relativamente restrito a grupos
especializados que são os tradicionalistas. Esta esfera do conhe-
cimento africano, que poderia ser qualificado como endógeno,
desenvolveu-se em paralelo aos conhecimentos escritos desde
tempos recuados, e preservou elementos essenciais das culturas
que lhe deram substância por vezes com maior eficácia do que os
saberes escritos antigos que acabaram parcialmente desaparecen-

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José Rivair M acedo

do em virtude das pressões do tempo (Aguessy, s.d., p. 113-114).


O pensamento não tradicional, por sua vez, diz respeito ao con-
junto de saberes acumulados por um grupo particular de escrito-
res, intelectuais, lideranças político-sociais, filósofos, literatos,
artistas e cientistas sociais nascidos na África, para explicar as
realidades específicas do continente.
Cabe também um esclarecimento prévio acerca da delimi-
tação dos estudos aqui apresentados, que se referem exclusiva-
mente a autores e questões provenientes ou envolvidos
diretamente com o continente africano, caso do caribenho
Frantz Fanon, que militou durante anos no movimento pela In-
dependência da Argélia, tornando-se o teórico por excelência
da revolução africana.
Tomamos, portanto, o cuidado de distinguir, e separar,
pensamento africano de pensamento diaspórico. Não porque
sejamos partidários da ideia de uma “essência africana” ou de
uma “autenticidade africana”. Ocorre que, embora a substância
que anima aquelas correntes de ideias diga respeito, praticamen-
te, aos mesmos sujeitos, isto é, aos povos negros africanos ou de
matriz africana, os deslocamentos decorrentes dos fenômenos
associados à Diáspora Negra promoveram reconfigurações es-
paciais, temporais e culturais, com consequências inovadoras no
plano identitário (Zoungbo, 2012). De modo que, não obstante
a origem africana seja comum aos nascidos no continente e aos
afrodescendentes, neste último caso a ruptura e o deslocamento
promovidos pela condição do cativeiro fendeu a identidade étni-
ca originária e promoveu uma dupla desterritorialização (na
África e no Novo Mundo), forçando movimentos de recomposi-
ção sociocultural que capacitaram os cativos e seus descendentes
a resistir em situação de profunda opressão e recriar sua existên-
cia em outros termos (Piault, 1997, p. 23; Hall, 2003, p. 40). Por
isto, seria preciso repensar, em cada uma dessas grandes corren-
tes de pensamento, os significados de “tradição” e “ancestrali-
dade”, uma vinculada a reivindicações pautadas por uma

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Introdução

identificação supostamente “étnica”, entre africanos, e outra,


calcada em reivindicações identitárias de cunho racial e aberta a
variados processos de fusão, sincretismo e mestiçagem, entre
africanos e entre afrodescendentes.
O certo é que, para nós, americanos, latino-americanos, em
busca de referências que nos capacitem a problematizar os pressu-
postos hegemônicos do pensamento ocidental, etnocêntrico, é fun-
damental recuperar, em conjunto, o aporte do pensamento africano
e do pensamento afro-americano, afro-latino, afro-brasileiro. Se,
no primeiro caso, a aproximação nos permite reavaliar nossa pró-
pria condição de subalternidade advinda de nossa “herança colo-
nial”, no segundo caso trata-se da apropriação de um pensamento
mantido praticamente em silêncio nas esferas acadêmicas (mas que
nunca deixou de ter ressonância entre ativistas dos movimentos
sociais e comunidades excluídas brasileiras), bem como da recupe-
ração da obra de autores essenciais como Manuel Querino (1851-
1923), Edison Carneiro (1912-1972), Abdias Nascimento
(1914-2011) e Clóvis Moura (1925-2003), entre outros, algo que
tem sido feito nos últimos anos pelos pesquisadores especializados
em história e cultura afro-brasileira.

***

Leitores de destacados escritores negros de orientação cristã


do século XIX, como Samuel Ajayi Crowther (1809-1891), Ale-
xander Krummel (1819-1898), ou críticos dela, como Edward
Wilmot Blyden (1832-1912), e de afro-americanos das primeiras
décadas do século XX, principalmente W. E. B. Dubois (1868-
1963) e Marcus Garvey (1887-1940), alguns intelectuais africa-
nos tomaram consciência de sua responsabilidade social no
processo diaspórico desencadeado pela “situação colonial” de
que falava Georges Balandier em meados do século XX (Balan-
dier, 2011). Daí a identificação de jovens universitários, como
Kwame Nkrumah (1909-1972) na Inglaterra, Léopold Sédar

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Senghor (1906-2001), Cheikh Anta Diop (1923-1986), Joseph


Ki-Zerbo (1922-2006) e tantos outros, na França, com o ideário
do pan-africanismo e as orientações culturais e estéticas de valo-
rização da “África negra” – expressas de modo mais elaborado
no movimento da Négritude dos anos 1930-1950.
Detectam-se, desde então, as pautas que orientariam as dis-
cussões, opções teóricas e interpretações político-sociais dos ati-
vistas e teóricos das independências africanas entre os anos 1930 e
1970, alinhadas em torno de proposições que tinham por fim uma
crítica incisiva da ordem política e intelectual vigente, colonial, e a
elaboração de referenciais próprios em que encontrassem autono-
mia e determinação do devir dos povos do continente. Os argu-
mentos circularam e tiveram grande eficácia junto a autores que se
poderia qualificar de anticoloniais, em diálogo constante com in-
telectuais afro-americanos como Aimé Césaire (1913-2008), C. L.
R. James (1901-1989), Frantz Fanon (1925-1961) e Edouard Glis-
sant (1928-2011), entre outros. A maioria deles apoiava-se em
pressupostos de um “nacionalismo negro-africano”, de uma “iden-
tidade negro-africana” (Sanches, 2012; Hernandez, 2014).
No plano historiográfico, entre os anos 1950 e 1980, os te-
mas do “nacionalismo africano” aparecem de modo recorrente
em publicações de pesquisadores oriundos da “Escola de Dakar”
(muitos vinculados ao Institut Fondamental d’Afrique Noire –
Ifan, e à atual Universidade de Dakar – Cheikh Anta Diop), da
“Escola de Ibadan”, na Nigéria, e da “Escola de Dar-es-Salaam”,
da Tanzânia (Falola, 2004, p. 223-260). Estamos, aqui, diante de
tendências fundadoras de um pensamento crítico ao colonialismo
e ao eurocentrismo cujos limites epistemológicos seriam eviden-
ciados pela geração de intelectuais nascidos no período da desco-
lonização. Todavia, está fora de dúvida sua extraordinária
contribuição na elaboração de um discurso de autoridade em ba-
ses acadêmicas, científicas, que reivindicava legitimidade para a
visão dos próprios africanos sobre o seu passado e o seu presente,
quebrando, deste modo, com o monopólio do discurso ocidental.

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Introdução

Paralelamente aos autores vinculados ao “nacionalismo


africano” e parcialmente vinculados a eles, dos anos 1970 para
cá convém considerar a contribuição de teóricos e pesquisadores
comprometidos com uma leitura crítica da tradição marxista,
lendo-a de modo distinto, a partir das condições estruturais con-
cretas do continente africano, cujo expoente é Samir Amin
(1931), pensador egípcio radicado há décadas no Mali e no Sene-
gal, autor, entre tantas obras, de O desenvolvimento desigual:
ensaio sobre as formações sociais do capitalismo periférico
(1976) e La desconexión (A desconexão) (1988), inspirador e pri-
meiro Secretário Executivo do Conselho para o Desenvolvimen-
to da Pesquisa em Ciências Sociais em África – Codesria
(Dembelé, 2011). A matriz teórica de seus trabalhos está inserida
em categorias gerais vinculadas a interpretações que levam em
conta a existência de conexões fenomênicas de alcance universal,
como os conceitos de sistema-mundo ou da “teoria da dependên-
cia”, traço visível também nos trabalhos de outros africanistas
consagrados das últimas décadas como, por exemplo, Boubacar
Barry e Walter Rodney (Devés-Valdés, 2003).
Um aspecto que merece ser sublinhado diz respeito ao fato
de que, em geral, tais autores africanos foram formados segundo
os pressupostos do pensamento ocidental (laico ou religioso),
com maior ou menor vinculação ao que o filósofo congolês Va-
lentin Mudimbe denominou de “biblioteca colonial”, com obras
e conceitos orientados para a desconstrução de uma “razão etno-
lógica”, limitados a uma perspectiva racializada, construída em
torno da noção de “África Negra” (Mudimbe, 2013). Um ponto
importante concernente a tais condicionamentos diz respeito ao
pequeno espaço reservado aos intérpretes africanos de formação
muçulmana, nascidos no Magreb e na África Oriental.
Bem antes da primeira edição de Orientalismo (1978), de
Edward Said, livro considerado por muitos o texto fundador dos
“estudos pós-coloniais”, o sociólogo marroquino Abdelkébir Khati-
bi formulava em seu curto ensaio L’Orientalisme désorienté (O

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José Rivair M acedo

Orientalismo desorientado) uma poderosa crítica às epistemologias


ocidentais – extraídas da metafísica, da ciência, a partir de uma
perspectiva eminentemente técnica – empregadas para explicar o
Oriente – incluído aí o Magreb africano –, incapazes de dar conta de
sua diversidade, compreendê-lo e interagir com ele. Mais recente-
mente, o pesquisador senegalês Ousmane Oumar Kane considera
imperativo repensar a influência desmedida das línguas e dos pres-
supostos “ocidentais” (europeus ou africanos) sobre a “inteligibili-
dade do real na África”, sistematizando dados concernentes à
contribuição intelectual do islã na produção de sentidos para o con-
tinente e ampliando o repertório de possibilidades de interpretação,
ao incluir no panorama cultural da África no período anterior, du-
rante e posterior ao colonialismo europeu, a contribuição dos auto-
res (africanos ou não) de língua árabe (Kane, 2003).
De modo geral, em que pesem as diferenças político-ideoló-
gicas e teórico-metodológicas, um traço recorrente da obra dos
intelectuais aqui apontados tem que ver com a reivindicação de
uma interpretação endógena das questões atinentes ao seu conti-
nente. Tem que ver com o fato de que a interpretação das realida-
des africanas nem sempre é feita a partir do próprio continente,
nem em consonância com o ponto de vista de seus intérpretes
locais, o que leva Paulin Hountondji (2008, p. 149-160) a per-
guntar-se quão “africanos” são os “estudos africanos”, e Carlos
Pimenta e Vítor Kajibanga (2011) a formularem a hipótese segun-
do a qual os estudos africanos, o modo que têm sido elaborados
usualmente, seriam “um conhecimento periférico sobre a perife-
ria”. É, certamente, neste mesmo sentido que devem ser entendi-
das as proposições de Toyn Falola, em defesa de uma relativização
das interpretações ocidentalizantes e de uma “politização da
identidade”, de modo que, aos africanos, seja reconhecido seu
“poder de definição”, isto é, sua capacidade de iniciativa na inter-
pretação de sua existência social (Falola, 2007, p. 21).

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Introdução

A concepção deste livro deve muito aos eventos e debates


promovidos pela Rede Multidisciplinar de Estudos Africanos,
do Instituto Latino-Americano de Estudos Avançados da Univer-
sidade Federal do Rio Grande do Sul (Ilea–UFRGS), que vem se
constituindo como espaço de debate, pesquisa e divulgação de
conhecimento acadêmico a respeito do continente. A inspiração
inicial partiu das discussões travadas durante o ciclo de debates
A construção do saber na África contemporânea, realizado no
período entre 29 de agosto e 12 de dezembro de 2014.
A obra conta com a participação de integrantes locais do
Grupo de Estudos Africanos (Adriano Migliavacca, Anselmo
Chizenga, Frederico Cabral, José Rivair Macedo) e colaborado-
res da Rede Multidisciplinar (Eduardo Buanaissa, José Carlos
dos Anjos). Outros autores foram convidados a apresentar con-
tribuições ou porque sabíamos se tratar de assuntos de seu inte-
resse de pesquisa, ou porque sabíamos terem simpatia pelos
problemas atinentes à África e aos africanos.
Convém aqui sublinhar que o livro não pretende ser uma
referência para o estudo do pensamento africano contemporâ-
neo. Estamos cientes de suas limitações e do desequilíbrio que se
poderá observar no desenvolvimento dos conceitos ou no trata-
mento das questões examinadas nos capítulos. Entre a opção por
uma discussão temática, ou por uma abordagem de caráter con-
ceitual, ficamos meramente com a apresentação de autores e
obras consideradas fundamentais para a compreensão dos pro-
blemas africanos no período da colonização europeia, descoloni-
zação e pós-emancipação, no século XX.
No que diz respeito à formação dos autores convidados, a
obra conta com a contribuição de docentes-pesquisadores inseri-
dos na carreira acadêmica universitária ou em pesquisa institu-
cional (Eduardo Buanaissa, Frederico Cabral, José Carlos dos
Anjos, Muryatan Santana Barbosa, Walter Lippold) e jovens pós-
-graduandos com temas de pesquisa vinculados diretamente aos
estudos africanos (Adriano Migliavacca, Anselmo Panse Chizen-

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José Rivair M acedo

ga, Gabriel Ambrósio, Guilherme Machado Botelho, Gustavo de


Andrade Durão, Kassoum Diémé, Roberto Jardim da Silva,
Thiago Clemêncio Sapede) ou a outras áreas do conhecimento
(Gustavo Rolim, Mathias Sherer).
Por considerá-la introdutória, optou-se por dividi-la em ca-
pítulos que tratam de questões nucleares do pensamento africano
no século XX, a partir da enunciação feita por autores consagra-
dos, mais ou menos conhecidos no Brasil, como Léopold Sédar
Senghor (capítulo 1), Cheikh Anta Diop (capítulo 3), Joseph Ki-
-Zerbo (capítulo 4), Kwame Nkrumah (capítulo 5), Frantz Fanon
(capítulos 6 e 7), Amílcar Cabral (capítulos 7 e 8) e Wole Soyinka
(capítulo 10). Outros capítulos pretendem contribuir para a difu-
são do nome e aporte teórico-conceitual de intelectuais reconhe-
cidos internacionalmente, mas praticamente anônimos no Brasil,
como Marcien Towa (capítulo 2), Achille Mbembe, Paulin Houn­
tondji­, Valentin Mudimbe (capítulo 10) e Severino Ngoenha (ca-
pítulo 11). Num caso específico, o foco da análise dirige-se para
o papel de uma importante instituição internacional de pesquisa,
o Codesria (capítulo 9).
Na parte final, apresentamos uma relação sumária de obras
consideradas importantes para o estabelecimento de um panora-
ma do pensamento africano nos séculos XIX-XX, com comentá-
rios gerais sobre elas, na seção intitulada “Bibliografia
comentada”. Constam também microbiografias com as respecti-
vas vinculações institucionais dos colaboradores, na seção intitu-
lada “Sobre os autores”.
Visando conferir certa uniformidade nas definições e con-
ceitos, duas obras foram sugeridas aos colaboradores deste livro.
Para a visão processual do pensamento político, historiográfico,
filosófico, pedagógico, econômico e estético, com as tendências
gerais de abordagem e eixos gerais de discussão enfocados pelos
intelectuais africanos, indicamos o livro de Eduardo Devés-Val-
dés, O pensamento africano subsaariano. Conexões e paralelos
com o pensamento latino-americano e asiático – um esquema

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Introdução

(2008). A intenção foi permitir uma contextualização, conceitua­


ção e problematização mínimas, de modo a evitar repetições des-
necessárias ao longo dos capítulos. Para a definição geral de
conceitos recorrentes nas obras dos autores estudados, sugerimos
a utilização do livro organizado por Livio Sansone e Cláudio
Furtado, Dicionário crítico das ciências sociais dos países de fala
oficial portuguesa (2014), que conta com a contribuição de espe-
cialistas africanos, brasileiros e portugueses na redação de verbe-
tes sobre termos técnicos, categorias e conceitos amplamente
difundidos nos círculos acadêmicos para interpretar a natureza
das relações político-sociais entre africanos e não africanos,
como “assimilação/assimilacionismo”, “emancipação”, “colônia/
colonização/colonialismo”, “raça”, “desenvolvimento” etc.
Para finalizar esta parte, parece-nos importante realçar as
razões de nossas escolhas. Porque não obstante estarmos cientes
do caráter introdutório deste livro, devido em grande medida ao
descompasso existente entre nossos conhecimentos e nossa for-
mação e os avanços significativos dos estudos africanos no exte-
rior, se tivermos que aguardar uma maior consolidação da área
para a divulgação de trabalhos especializados e aprofundados
continuaremos no estágio em que estamos. Os assuntos tratados
pelos intelectuais aqui estudados parecem-nos importantes de-
mais para ficar circunscritos apenas aos “territórios” dos espe-
cialistas. Precisam ser divulgados e debatidos, ainda mais no
momento crucial que estamos vivendo do aumento de visibili­
dade­­de formas de expressão não hegemônicas.

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Parte 1

Descolonização

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Negritude, construção e contestação do
pensamento político-intelectual de Léopold
Sédar Senghor (1928-1961)
Gustavo de Andrade Durão

Nas últimas décadas, sobressaíram no debate sobre o conti-


nente pensadores desassociados do centro do debate intelectual
europeu e estadunidense nas pesquisas do meio universitário e
nas letras em geral. De certa forma, a globalização mobilizou
parte da comunidade acadêmica ao abrir caminho para “novas
fronteiras” na busca por outros paradigmas científicos. História,
geografia, antropologia, filosofia, literatura e outras áreas busca-
ram compreender a complexidade das transformações que atra-
vessavam a humanidade.
A pesquisa sobre o conceito de négritude1 – muito difundi-
do, mas pouco refletido – entrou nesse mesmo nível de curiosida-
de e investigação. Pensadores africanos se destacaram nos círculos
científicos e de pesquisa do mundo todo. A escrita africana e
obras de interpretação social, sobretudo, foram atingindo um es-
paço representativo, considerando-se as produções mais recentes.
Isto pode ser observado, por exemplo, na composição da coleção
História Geral da África, que conta com a participação de inú-
meros africanos inseridos no debate intelectual contemporâneo.

1
Na definição do conceito de négritude, a palavra será sempre será em itálico e em
minúscula, por se tratar de um conceito em outro idioma. Quando estiver fazendo
referência ao movimento, a palavra será escrita em “N” maiúsculo, definindo o mo-
vimento da Négritude.

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Négritude, construção e contestação do pensamento político - intelectual de L éopold Sédar Senghor (1928-1961)

Grande parte das iniciativas entre os estudos africanos de-


dica-se à tarefa de desfazer o mito da inferioridade do homem
negro. Nesse processo, não é possível desprezar o fator colonial.
“O complexo de inferioridade e o complexo de dependência da
África representam os dois lados de uma mesma medalha colo-
nial” (Sertima, 1985 e 1986; Singer, 1959 apud Mazrui, 2010,
p. 771).
Foi em busca de compreender como foram erigidos muros
que impediam o entendimento de temas relativos à África que
surgiu a obra de Léopold Sédar Senghor, considerada funda-
mental para a compreensão da ruptura colonial. Mesmo sem
implicar uma quebra total e completa, ela representou um mo-
mento histórico específico para o pensamento africano do sécu-
lo XX. A língua empregada foi a do colonizador, e as tradições
orais cederam espaço à escrita, o que inviabilizou uma análise
estritamente africana dos povos do continente. Como base para
reflexões iniciais, encontra-se uma contradição nos estudos da
história da África, ou seja, o idioma do colonizador foi utiliza-
do para a constituição das características de alguns países afri-
canos, e a colonização tornou o pensamento africano mais
complexo (Mazrui, 2010, p. 813).

A formação de Senghor
O papel de Léopold Sédar Senghor não se restringiu ao
campo das produções escritas, tendo esse pensador sido uma im-
portante personalidade no cenário político do Senegal e da Áfri-
ca como um todo. Compreendendo como Senghor idealizou seu
pensamento em torno da négritude, percebe-se que esse conceito
pode ter representado uma forma de questionamento em relação
à colonização francesa. Abordar um pouco de sua trajetória no
debate intelectual entre Europa e África contribuiu para a expan-
são de um campo profundo de reflexões.
Nascido em 1906, no vilarejo de Joal, Senegal, Senghor foi
um dos primeiros pensadores africanos a se oporem à hipótese

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Gustavo de A ndrade Durão

de que a África não possuía uma civilização. Senghor teve aces-


so ao ensino religioso da Escola dos Padres Brancos da Congre-
gação do Imaculado Coração de Maria, fundada por François
Libermann (1804-1852) em 1848, que em sua proposta de se
adaptar ao modo de vida das comunidades onde atuavam, de-
fendia o lema segundo o qual seria preciso “ser negro, como os
negros, para conquistar Jesus Cristo” (Santos, 2002, p. 138).
Acredita-se que a própria noção de civilização na obra de
Senghor foi basilar para que, ao longo de sua trajetória, ele pu-
desse recuperar os valores que imaginava serem características da
civilização negro-africana (Vaillant, 2006, p. 42-43). Ao mesmo
tempo em que pregavam o catolicismo, os missionários da Escola
dos Padres Brancos se preocupavam em fornecer uma formação
humanista que buscasse “espalhar a instrução moral e o amor do
trabalho... e constituir a família regular e a propriedade, funda-
mentos da sociedade humana assim como da verdadeira religião”
(Vaillant, 2006, p. 45).
Sua formação como seminarista foi muito importante, pois,
por meio do contato com o Padre Lalouse, ele pôde desenvolver
seu potencial religioso, o que não o impediu de experienciar suas
faculdades críticas. Lalouse colocou muitos obstáculos no cami-
nho de Senghor para que ele não continuasse sua trajetória de se
ordenar padre. Inesperadamente, foi esse padre o responsável
pela indicação de sua bolsa de estudos na França (Durão, 2011,
p. 58; Vaillant, 2006, p. 54-56; Wilder, 2005, p. 153).
Durante o ano de 1926, Senghor teve a possibilidade de
entrar na École Normale Supérieure, passando antes, como ocor-
ria normalmente, pela khâgne, isto é, pelos estudos preparatórios
no Lycée Louis-le-Grand. Foi no Lycée onde ele recebeu os co-
nhecimentos escolares necessários para sua admissão, e durante
esse período inicial de estudos, antes de se submeter ao concurso
de admissão, que, “como uma criança levada pelos pais”, pôde
aprender a exaltar a sua négritude (Senghor, 1964, p. 315).
Na sequência, graças aos professores da Sorbonne, ele pôde
questionar os “nossos ancestrais, os gauleses”, mito que a escola
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Négritude, construção e contestação do pensamento político - intelectual de L éopold Sédar Senghor (1928-1961)

colonial francesa difundia no Senegal. Em seu discurso de 1960,


na mesma universidade, Senghor exaltou alguns professores que
foram importantes para sua formação intelectual: “munidos dos
vossos instrumentos de análise, foram vocês que me pediram a
retornar às minhas fontes para esclarecê-las e canalizá-las. Pare-
ce que minhas fontes – as fontes da Négritude – são os mares de
fundos abissais” (Senghor, 1964, p. 316).
Na Sorbonne, Senghor foi capaz de, pouco a pouco, desen-
volver a noção de Négritude e compreender que ela representava
o Universal, de algum modo, um novo humanismo integral. Sen-
ghor fez referências a Teilhard de Chardin (filósofo cristão), des-
tacando a influência de seu humanismo na construção da noção
de Civilização do Universal (Senghor, 1964, p. 317). No mesmo
discurso mencionado no parágrafo anterior, Senghor lançou uma
definição de Négritude que, para ele, era “essencialmente, este
calor humano, que é a presença de vida: o mundo. É um existen-
cialismo para falar como vocês, enraizado na Terra-Mãe, aberto
ao sol da fé” (Senghor, 1964, p. 317).
Sob esse aspecto, vê-se que a Négritude senghoriana busca-
va, de maneira mítica, o contato com a terra, com a noção de
africanidade e ancestralidade. E sua noção de Négritude, enquan-
to humanismo, carregava um forte apelo, quase religioso, ao con-
tato com o espiritual, a valores que, segundo ele, tinham deixado
de fazer parte da “civilização francesa”: “Sim, para mim, Paris é,
em primeiro lugar, uma cidade – uma sinfonia de pedras – aberta
em uma paisagem harmoniosa de água, flores, florestas e colinas.
Paisagem, que é a paisagem da alma, a medida do homem. E tudo
o que se clareia pela luz do espírito” (Senghor, 1964, p. 313).
Para Senghor, Paris significava uma abertura ao mundo
onde era possível estabelecer uma procura pelo “outro”, repre-
sentando a criação e um pouco do espírito da genialidade france-
sa. “Tudo fala do homem e tende para o homem, tudo se realiza
como uma expressão do espírito, que é o espírito humano” (Sen-
ghor, 1964, p. 313). Contudo, ali ele aprendeu mais sobre si mes-

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Gustavo de A ndrade Durão

mo do que sobre o “outro”. Tal viagem interna foi facilitada pela


experiência de viver em Paris. Em suas próprias palavras, Paris
era o maior museu de arte negro-africana que conheceu. A capi-
tal francesa revelou-lhe valores de uma civilização ancestral que
ele se via obrigado a assumir e fazer nascer dentro de si mesmo
(Senghor, 1964, p. 313-314). Ele logo compreendeu que em Paris
havia toda uma geração de africanos e antilhanos que poderiam
fazer florescer os valores da “art nègre” dentro de si mesmos.

A como movimento literário


Nos anos de 1980, com o surgimento da teoria pós-colo-
nial, o movimento da Négritude ganhou um importante espaço
de interpretação, e a caracterização do movimento – mesmo para
que fosse a seguir desconstruído – foi o que recolocou em desta-
que personalidades como Aimé Césaire e Léopold Sédar Senghor.
De certo modo, era um ressurgimento e uma renovada atenção
ao significado de uma crítica literária de expressão francesa feita
por negros na década de 1930 (Ashcroft et al., 2004, p. 122). Em
seu momento de eclosão, o movimento representou a valorização
da escrita literária, sobretudo da poesia, explicitando a relação
entre produção intelectual e condição colonial.
A Négritude representou uma das primeiras tentativas de se
elaborar uma teoria da escrita africana, em que temas semelhan-
tes foram abordados por três intelectuais negros de diferentes
nacionalidades: Léopold Senghor, do Senegal, Aimé Césaire, da
Martinica, e Léon-Gontran Damas, da Guiana, que debateram
coletivamente sobre as especificidades naturais do negro. Essas
características, artísticas ou psicológicas, do negro-africano esta-
vam representadas pela Négritude (Ashcroft et al., 2004, p. 123).
Nesse sentido, não obstante todas as críticas posteriores, deve-se
a eles “um dos conceitos decisivos no desenvolvimento da moder-
na consciência negra, e é a primeira afirmação dessas culturas
negras que a colonização procurou suprimir e negar” (Ashcroft
et al., 2004, p. 123).

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Négritude, construção e contestação do pensamento político - intelectual de L éopold Sédar Senghor (1928-1961)

Entretanto, a crítica pós-colonial ressalta que a obra de


Frantz Fanon teria dado uma espécie de continuidade ao pensa-
mento dos escritores do movimento. Ainda enquanto crítica, tem-
-se a afirmação do escritor nigeriano Wole Soyinka que, em tom de
reserva, afirmou que “o tigre não precisava exaltar sua tigritude,
mas saltava sobre sua presa” (Ashcroft et al., 2004, p. 123). Nota-
-se aí seu posicionamento em direção a uma crítica de caráter mais
político, e não estético e cultural, âmbito privilegiado pela Négri-
tude, no que Soyinka enfileira-se com os inte­lectuais­da nova gera-
ção de pensadores negros anglófonos da década de 1960 (Chevrier,
2003, p. 46).
De resto, no meio anglófono, o conceito que gozou de maior
aceitação foi o de African Personality (Personalidade Africana),
empregado para definir o conjunto de características estéticas e
culturais de valorização dos negros, algo já defendido pelo pen-
sador afro-americano Edward Wilmot Blyden desde 1920 e que
nos permite pensar em uma coexistência e paralelismo com a
Négritude:

O surgimento e o desenvolvimento do conceito de ‘negritu-


de’ são inseparáveis do meio ambiente afro-parisiense, ain-
da que isso não baste para explicá-lo. Em um contexto
muito diferente, E. W. Blyden havia criado décadas antes o
‘african personality’, ainda que tenha tido muito menos de-
senvolvimento e projeções, e por isso mesmo não tenha sido
capitalizado por L. Senghor e A. Césaire, os criadores da
négritude (Déves-Valdés, 2008, p. 107).

Os escritores da Négritude tinham acompanhado a criação


de revistas literárias animadas por escritores negros, como a Re-
vue du Monde Noir (1930-1931) e a Légitime Défense (1932).
Mais especificamente, a Revue du Monde Noir contestava a or-
dem vigente e englobava pensadores como Étienne-Leroy, René
Maran, Jean Price-Mars e os jovens Senghor e Césaire. Sem fazer
distinção entre as produções em língua inglesa e francesa, esses
autores se interessavam por todas as formas de produção cultural

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Gustavo de A ndrade Durão

vindas de intelectuais negros. O periódico L’Étudiant Noir pro-


piciou a produção e a gênese do movimento da Négritude e con-
tou com a participação de, além de Senghor e Césaire, escritores
como Léon-Gontran Damas, Léonard Sainville, Birago Diop e
Ousmane Socé (Chevrier, 2003, p. 37-38):

Nós estávamos, então, imersos (entre 1932 e 1935), escre-


veu Senghor, com alguns outros estudantes negros, em uma
espécie de desespero-pânico. O horizonte estava obstruído.
Nenhuma reforma em perspectiva e os colonizadores legiti-
maram nossa dependência política e econômica com a teo-
ria da Tábula Rasa. Nós não tínhamos, achavam eles,
inventado nada, criado nada, nem esculpido, pintado ou
cantado... Para estabelecer uma revolução eficaz, nós tive-
mos primeiro que nos livrar de nossas fantasias, aquelas da
assimilação, e afirmar o nosso ser, ou seja, a nossa negritu-
de (Chevrier, 2003, p. 38-39).

Esquematicamente se pode dizer que o movimento aqui


mencionado, enquanto produção do saber, esteve ligado às bases
de um “nacionalismo cultural negro-africano”. Nesse sentido, a
ideologia da Négritude gerou material para grande parte dos es-
critores negros, demonstrando sua característica primordial, a de
um etnocentrismo ao reverso (Parry, 2004, p. 43), maneira en-
contrada para causar o mesmo efeito no sistema de dominação
colonial. De modo que, utilizando-se da ideia de um passado mí-
tico e imutável para os africanos, a Négritude de Senghor foi
uma “essencialização do negro” que, no momento específico em
que foi criada, teve um grande impacto sobre os pensadores em
situação colonial (Parry, 2004, p. 43).

Algumas perspectivas do pensamento de Senghor


Senghor acreditava no caráter transformador da missão
francesa e, em alguns discursos, apontava a dificuldade de viver
sob a condição colonial. Prisioneiro de guerra, na Alemanha, em
1941, afirmava que, durante esse tempo, no campo de prisionei-

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Négritude, construção e contestação do pensamento político - intelectual de L éopold Sédar Senghor (1928-1961)

ros denominado Frontstalag 230, lhe foi útil a leitura das obras
do humanismo francês, pois ajudaram-no a relembrar seu lugar
de origem. Ele aceitava a ideia dessa missão da França de condu-
zir as civilizações exóticas rumo a um ideal de cultura e avanço
intelectual. Encontra-se aí, em parte, a razão da ambiguidade
que o levava a pensar que Négritude e francité (francidade) fos-
sem conceitos complementares e que o escritor negro não preci-
saria escolher entre um ou outro (Vaillant, 2006, p. 340-341).
Talvez esse tenha sido seu primeiro impulso diante de um
ideal de civilização francesa, o que sempre fez questão de enun-
ciar de modo claro e objetivo em seus discursos: “Hoje, mais do
que nunca, estamos conscientes de nossas deficiências: as lacunas
da civilização negro-africana. Eis porque nós sempre nos recusa-
mos em recusar as contribuições europeias, principalmente os
valores franceses. Estes são complementares aos nossos” (Sen-
ghor, 1964, p. 318).
O vínculo com o ideal de uma civilização europeia levou os
escritores da Négritude a expressarem-se preferencialmente em
língua francesa; mesmo depois da independência, esse foi o mol-
de em que se formariam as elites africanas. Entretanto, havia
mais do que um problema técnico, havia um problema cultural.
Para “tratar da formação do Homem Integral” (Senghor, 1964,
p. 318), o intelectual Senghor compreendeu que, de alguma for-
ma, a colonização era construída através do ideal de cultura (ou
civilização) e isso o levou a atuar no campo da cultura na tenta-
tiva de romper com o estatuto de submissão dos povos africanos.
O projeto inicial era articular a atuação política e o embate cul-
tural, um em conformidade com o outro. Ou seja, a colonização
vista como um ato econômico (ou político) também buscava o
âmbito cultural e, de alguma maneira, as uniões transnacionais
da Négritude laboravam para que o combate tivesse início no
campo da produção intelectual (Mazrui, 2010, p. 576).
Como tantos outros pensadores de seu tempo, Senghor
estava inserido nos movimentos que almejavam a unidade. É

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Gustavo de A ndrade Durão

possível que o autor, ao fim da Segunda Guerra Mundial, te-


nha revisto seus próprios conceitos, precisando assumir postu-
ras mais vinculadas a uma realidade político-social, como tem
sido salientado em estudos biográficos recentes (Vaillant,
2006, p. 281-282).
Sob esse aspecto, ao retornar para o Senegal, após a Se-
gunda Guerra Mundial, com sua carreira já consolidada, Sen-
ghor não precisava pleitear um espaço de interlocução com a
França no campo cultural, mas via-se forçado a se dedicar à
militância como forma de expandir ainda mais o diálogo com o
país, fazendo-se valer de sua condição de porta-voz. Com maior
espaço no meio político, distanciou-se de seu antigo tutor (e
amigo) Lamine Guèye. Desse momento em diante, procurou
constituir um espaço próprio no jogo político da colonização
(Vaillant, 2006, p. 262).
O poeta mostrou-se perspicaz ao perceber que o poder es-
tava concentrado nas estruturas da burocracia francesa. Ele
pensava em penetrar nessas estruturas para fazer valer os inte-
resses comuns aos africanos e franceses no contexto de domina-
ção da África Ocidental Francesa. 2 Nessas circunstâncias,
abandonou o conceito de négritude e atuou na estrutura políti-
co-administrativa, propícia ao seu status de “nègre nouveau”
(Vaillant, 2006, p. 262).

A de Senghor: um panorama geral


Muitos foram os elementos que contribuíram para o pro-
cesso de constituição identitária de uma “África negra”. O fim da
Primeira Guerra colocou em evidência músicos negros dos Esta-

2
Em 1946, a França tinha controle sobre duas regiões previamente definidas: a África
Ocidental Francesa (AOF) e a África Equatorial Francesa (AEF). A AOF englobava
8 territórios: Senegal, Mauritânia, Sudão Francês, parte da Nigéria, Costa do Mar-
fim, Guiné e Daomé; enquanto a AEF englobava apenas quatro, Médio Congo, Ga-
bão, Oubangui-Chari (atualmente República Centro Africana) e o Chade (Kipré,
1989, p. 22).

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Négritude, construção e contestação do pensamento político - intelectual de L éopold Sédar Senghor (1928-1961)

dos Unidos que retornaram do conflito, bem como as divisões e


desigualdades existentes que oprimiam os afro-americanos, con-
siderados em seu país de origem cidadãos de segunda classe. Ao
mesmo tempo, o surgimento do jazz em Paris deu maior visibili-
dade às novas formas de expressão artística protagonizadas pelos
descendentes de africanos (Njami, 2006, p. 138).
A literatura definida como negro-africana surgiu em um con-
texto plural do início do século XX. As descobertas de pensadores
como Michel Leiris e de artistas como Paul Guillaume trouxeram
a “arte negra” à baila nas discussões sobre raça, cultura e civiliza-
ção no meio cultural europeu. Nas representações culturais, o es-
petáculo La Revue Nègre apresentava Josephine Baker e Sidney
Bechet como uma expressão caricatural e exótica do negro. Outro
exemplo foi o ballet La Création du Monde que, por meio da no-
ção de art nègre em voga, trouxe a performance idealizada por
Darius Milhaud de que havia uma nova expressão “primitiva” a
ser mostrada. Aliado a isso, as ideias estéticas inspiradas nas más-
caras africanas desenvolvidas primeiramente por Picasso começa-
vam a ganhar forma nas representações artísticas de Fernand
Léger no começo do século XX (Chevrier, 2003, p. 22).
No campo da literatura, várias foram as manifestações que
refletiam o papel do negro. Dentre elas, destacaram-se as obras
de Blaise Cendrars, Les petits contes nègres pour les enfants des
blancs (1928), e Le Nègre blanc (1927), de Philippe Soupault, o
primeiro apresentando uma antologia de poemas e contos tidos
como africanos, e o segundo, uma obra que romanceava a ques-
tão do primitivismo (Chevrier, 2003, p. 22).
As produções intelectuais dos pensadores africanos e a in-
fluência do primitivismo sobre os artistas modernistas europeus
do início do século XX, em particular os surrealistas, apesar de
se basearem em estereótipos, propiciaram novas discussões sobre
exotismo, primitivismo e percepções culturais fora de espaços
tradicionais da produção europeia. Vale lembrar, por exemplo,
que André Breton, um dos mais consagrados escritores franceses
da época e um dos incentivadores do surrealismo, foi quem assi-
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Gustavo de A ndrade Durão

nou o prefácio do livro de Aimé Césaire em Cahier d’um retour


au pays natal (Micheli, 2004, p. 152).
Segundo uma visão mais tradicional de pesquisa inserida no
tema da Négritude trilhada por Senghor, tem-se o movimento do
Renascimento do Harlem (ou Harlem Renaissance) como um acon-
tecimento que influenciou ideologicamente os pensadores falantes
do francês. O Renascimento do Harlem foi, em linhas gerais, a reu-
nião de apresentações de poesia, música e outras manifestações ar-
tísticas animadas pelos escritores negros dos Estados Unidos, tais
como James Weldon Johnson, Claude McKay, Countee Cullen,
Langston Hughes e Sterling Brown (Chevrier, 2003, p. 23).
Este movimento significou, de alguma forma, a concretiza-
ção de uma intelligentsia estadunidense que explorou os valores
do primitivismo e da criatividade artística, sobretudo através do
conceito de “soul”, baseado na ideia da redescoberta de uma es-
sência negra. Dentre seus representantes, destacou-se Claude
McKay, o mais ligado aos escritores do periódico L’étudiant noir
(O estudante negro), cujo romance Home to Harlem (De casa
para o Harlem) influenciou consideravelmente os pensadores
africanos (Chevrier, 2003, p. 23).3
O início do Movimento do Harlem, datado de 1920, vincu-
la-se à antologia poética de Alain Locke intitulada The new ne-
gro (O novo negro), e seu declínio ocorreu por conta da crise dos
anos de 1930, que provocou sua desarticulação e levou alguns
intelectuais que dele participavam a procurar outros modos de
vida na Europa e em outros países fora do continente americano
(Chevrier, 2003, p. 24).

3
Interessante lembrar que Senghor foi criticado por escritores afro-americanos por
causa do nome dado ao movimento Négritude, o que ele não entendia, já que se
imaginava herdeiro do Movimento do Harlem Renaissance que carregava, igual-
mente, uma palavra francesa, sem ter sido por isso vilipendiado. Em relação ao mo-
vimento do Renascimento do Harlem ver: Huggins, Nathan Irvin. The Harlem
Renaissance. NY: Oxford University Press, 1971.

33

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Négritude, construção e contestação do pensamento político - intelectual de L éopold Sédar Senghor (1928-1961)

Um último fator relevante na formação intelectual de al-


guns escritores africanos (como Senghor) foi a obra do escritor
guianense René Maran, Batouala – véritable roman nègre, (Ba-
touala – verdadeiro romance preto), de 1920. Considerada uma
das primeiras formas de expressão da literatura negra em língua
francesa, o livro de Maran ganhou, em 1921, o prêmio Gon-
court, que prestigia as principais produções literárias estrangei-
ras (Chevrier, 2003, p. 30-31).4
Senghor identificou-se com Maran em virtude da crise de
identidade que este viveu no contato com a colonização francesa,
mesmo que tal crise não tenha sido manifestada em uma crítica à
França e nem mesmo ao sistema colonial em si (apenas à maneira
como a metrópole geria seus territórios). De qualquer modo, ainda
que de forma indireta, atingia-se o cerne da questão do escritor
negro falante do francês. Nesse sentido, Maran pode ter represen-
tado o assimilado por excelência e, ao mesmo tempo, ter percebido
que a França fazia uma diferenciação entre antilhanos e africanos:

Os estudantes da geração de Senghor viam-no como um


escritor de sucesso e sobrevivente repleto de sabedoria de
uma outra geração. Maran, por sua vez, estava repensando
a situação enquanto negro, totalmente francês por sua cul-
tura, certamente, mas, no entanto, e seguramente, ainda
inaceitável para a maioria da sociedade francesa (Vaillaint,
2006, p. 146).

Sob esse aspecto, Maran era o antilhano que não via a sepa-
ração entre africanos e antilhanos, rompendo com a perspectiva de
que uns teriam mais prestígio que outros. Ele foi tido por Senghor
como humanista por excelência, pois percebia que sua identidade

4
René Maran, na condição de administrador de um território da África Equatorial
Francesa (atualmente República Centro-Africana), narrou as dificuldades pelas
quais passou em seu cargo, durante seis anos. Ao constatar o tratamento que a Fran-
ça impunha aos africanos, sem considerá-los como seres humanos, Maran foi afas-
tado das funções administrativas (Chevrier, 2003, p. 31).

34

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Gustavo de A ndrade Durão

cultural era múltipla e lutava para não reproduzir a separação en-


tre franceses, africanos e antilhanos, preconizada anteriormente.

Antilhanos e africanos – a identidade negra


Sentavam-se todos à mesa no restaurante universitário, no
ano de 1928, onde homens negros, oriundos da Martinica e da
Guiana, vinham participar de um momento de confraternização,
na pausa de seus estudos na Cidade Universitária de Paris (Wil-
der, 2005, p. 187).5 Tomavam assento, também, senegaleses e
marfinenses em outro lado do refeitório.
Eram estudantes de direito, engenharia, letras e outros fu-
turos profissionais que consideravam essa oportunidade de estu-
do na capital francesa algo fundamental para as suas vidas. Essa
divisão acabava deixando a vida intelectual, em Paris, ainda mais
complicada: o aprendizado do francês, as dificuldades acadêmi-
cas, a diferença da cor da pele, o fato de ser “o estrangeiro”, in-
clusive as limitações monetárias afetavam profundamente a
psique desses indivíduos.
Senghor levou os africanos para almoçar com seus pares das
Antilhas, na Cité Universitaire, apesar de uma desconfiança
mútua. Senghor reuniu-se, regularmente, com o grupo maior
de estudantes antilhanos, incluindo Césaire e aqueles filia-
dos à Légitime Défense. Eles o viam como um ‘representan-
te da África’, liam os seus poemas, nos quais os valores
negro-africanos eram glorificados. Estes Antilhanos esta-
vam ansiosos para aprender com os poucos africanos em
Paris (Wilder, 2005, p. 186; Diop, 1978, p. 77-78).

O papel de Senghor limitava-se a unir as mesas, chamar


todos à mesma convivência e incentivar os grupos a viverem em

5
A Cidade Universitária (Cité Internacionale Universitaire de Paris) foi criada em 1920,
graças à iniciativa de grandes mecenas, para abrigar estudantes sem condições de habi-
tar o centro de Paris. Senghor morou algum tempo na Fondation Deutch de la Meurthe
e Aimé Césaire passou algum tempo nessa mesma casa (Wilder, 2005, p. 187).

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Négritude, construção e contestação do pensamento político - intelectual de L éopold Sédar Senghor (1928-1961)

cordialidade. A cor da pele era o primeiro fator de identificação,


mas também havia as aspirações profissionais, as perspectivas em
relação aos incentivos da colonização e mesmo as relações inter-
culturais entre os países.
Em geral, os estudantes provindos das colônias estavam
mais preocupados em seguir sua formação acadêmica do que em
organizar algum tipo de resistência à colonização. Talvez, por
isso, tenham se concentrado muito mais em recobrar sua digni-
dade negra do que em lutar para melhores condições sociais em
África (Wilder, 2005, p. 185).
Apesar de tudo isso, esse momento de descoberta de experiên­
cias novas alterou profundamente a vida do jovem Léopold Sen-
ghor: angústias, medos e o sentimento de que deveria provar a
outrem sua capacidade de pensar, agir e criar, tudo estava à prova.
Um amigo relatou que, depois de pagar o aluguel, Senghor
só tinha dinheiro para uma refeição diária, livros que precisava e
uma ida mensal ao teatro. Ele escrevia várias cartas para a admi-
nistração senegalesa, pedindo dinheiro para poder continuar a
ter aulas na Sorbonne. Sua ajuda de custo consistia em apenas
250 francos e ele precisava de mais fundos para comprar livros e
continuar sua formação no curso de letras. Nessas cartas, ele
discutia suas finanças pessoais, que eram irrisórias. Isso o levava
a graves crises de depressão (Wilder, 2005, p. 153-154).6
Assim como Senghor, Césaire passou por momentos de tris-
teza profunda, principalmente por não conseguir sua “agréga-
tion” (agregação) em letras. O pensador da Martinica ficava
doente cada vez que tinha uma decepção em sua vida acadêmica

6
Senghor entrou para o khâgne no ano de 1928. Ele escreveu como trabalho final a
tese L’Exotisme chez Baudelaire (O Exotismo em Baudelaire). Em 1935, tornou-se
um dos primeiros negros a ter a agrégation, título máximo que possibilita aos pro-
fessores ensinar nos liceus, nos cursos preparatórios e, inclusive, lecionar nas univer-
sidades francesas (Wilder, 2005, p. 153). De certo modo, ser um agrégé representava,
automaticamente, a obtenção da cidadania francesa.

36

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enquanto realizava seus estudos no ambiente parisiense (Wilder,


2005, p. 154).7
A amizade de Senghor e Césaire foi interessante: de um
lado, havia o estudante africano que precisava de outro referen-
cial intelectual não europeu, e, do outro, havia um antilhano que
buscava os saberes africanos para rever suas origens. Quando
chegou a Paris, Césaire percebeu que a assimilação da cultura
francesa havia resultado na sua alienação. Dessa maneira, Sen-
ghor era seu ponto de apoio. Com o convívio, ambos constitui-
riam suas experiências de “ser negro” na metrópole (Wilder,
2005, p. 153).
Os estereótipos relativos aos negros não eram totalmente
esquecidos, pois, se existiam, era porque, de algum modo, a ciên-
cia da época assim tornou possível sua existência. Essa experiên-
cia vivida por homens negros, seja africanos ou antilhanos, era
forte demais para ser ignorada e fazia parte do contexto político-
-social desses indivíduos no período entre guerras.
Concomitantemente, esses antilhanos e africanos assumi-
ram a cidadania francesa durante o período em que estiveram no
país. Apesar da determinação da sociedade francesa (e do trata-
mento diferenciado reservado a eles), esses homens participaram
da esfera política e viveram como franceses, na época. Mesmo
não estando totalmente inseridos na sociedade civil, os emigran-
tes coloniais foram bem-sucedidos, pois criaram uma “esfera pú-
blica negra” alternativa no espaço da metrópole (Wilder, 2005,
p. 160-161).
Com o passar do tempo, os fundadores do movimento
chegariam a diferentes concepções de consciência racial, de na-
cionalismo cultural e várias outras definições. No entanto, to-
dos concordavam em que o conceito de Négritude era uma
rejeição à assimilação, uma identificação com a “blackness” e,

7
Césaire entrou para a École Normale Supérieure (Escola Normal Superior) no mes-
mo ano em que Senghor se formava na Sorbonne, em 1935 (Wilder, 2005, p. 153).

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Négritude, construção e contestação do pensamento político - intelectual de L éopold Sédar Senghor (1928-1961)

ao mesmo tempo, uma celebração da civilização africana (Wil-


der, 2005, p. 156).

O homem negro como o “outro”


A vida em Paris alterou profundamente a maneira de
Senghor de se posicionar no mundo, e foi o início da percep-
ção de sua alteridade. Suas ideias em relação à cultura france-
sa modificaram-se e, na metrópole, ele percebeu sua dupla
identidade, como negro e como francês (Vaillant, 2006, p.
130). A passagem de Césaire abrangia um pouco da constru-
ção desta identidade: “Em Paris, ao mesmo tempo em que eu
descobri a cultura, eu compreendi melhor as razões de minha
insatisfação: eu tomei consciência de meu vínculo à condição
original de preto. A minha poesia nasceu dessa constatação”
(Vaillant, 2006, p. 130).
O sentimento de não poder se desvincular de sua cor o le-
vou a integrar-se com outros homens negros. Desse modo, Sen-
ghor iniciava uma investida quase inconsciente de unir africanos
e antilhanos em torno das noções de pertencimento ou exclusão
em relação à metrópole.
Frantz Fanon foi um pensador que investigou e explicou
essa noção de deslocamento, por parte do negro, em contato
com a metrópole. Oriundo da Martinica, Fanon desenvolveu
nos anos de 1950, em sua obra Pele negra, máscaras brancas,
uma teoria da exclusão (Fanon, 2008, p. 31). Ele explicou o
referencial do antilhano que enfrentava sérios problemas quan-
do na metrópole, sentindo-se mais francês do que o próprio
colonizador. Eles não se identificavam em nada com os africa-
nos e ficavam alheios aos problemas vividos pelos homens ne-
gros em território francês (Vaillant, 2006, p. 130).8

8
David Macey, na biografia de Fanon, aponta que o pensador da Martinica não se
adaptou à realidade parisiense e teria ido para Lyon, onde havia uma comunidade de
estudantes martinicanos numerosa em solo francês (Macey, 2012, p. 132-133).

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De acordo com Fanon, o antilhano só se daria conta de que


ele é um preto (nègre) quando chegasse a Paris e visse o tipo de
tratamento que lhe seria reservado. Apesar de um status de fran-
cité (francidade), o antilhano só percebe que não faz parte da
cultura francesa quando se descobre um estrangeiro entre os
brancos. Assim, as divisões poderiam acontecer de modo a situar
africanos e antilhanos como iguais, todos sob os signos da exclu-
são e do preconceito (Vaillant, 2006, p. 130-131; Macey, 2012,
p. 133).
Para tentar resolver o problema, as associações de estudan-
tes e organizações, tidas como pan-africanas, cumpriram, de cer-
ta maneira, a função de tornar os grupos de estudantes negros
um pouco menos marginais. Por isso, antes de compreender-se a
relação dos escritores africanos com a metrópole, faz-se necessá-
rio vê-los como uma geração que saía da condição de súditos e,
paulatinamente, alterava sua condição de cidadãos, pois conse-
guiam circular melhor no sistema europeu através da instrumen-
talização de seus signos (Wilder, 2005, p. 160-161).9

: movimento e conceito
A négritude (enquanto conceito) não foi simplesmente um
conjunto de teorias elaborado contra o colonialismo, mas uma
pró-africanidade, uma espécie de formação discursiva e uma
produção pan-africana pública, produzida por (e através de) indi-
víduos e instituições que formavam uma rede específica, histori-
camente constituída (Wilder, 2005, p. 150-151).
O conceito de négritude deve ser diferenciado do movimen-
to da Négritude. Enquanto o primeiro é plural e encontra ainda
hoje inúmeras definições, o movimento teve um lugar específico

9
As primeiras organizações de estudantes africanos foram a Indépendants d’Outre-Mer (In-
dependentes do Além-Mar) e a Société Africaine de Culture (Sociedade Africana de Cultu-
ra). Ambas puderam contar com a participação de Léopold Senghor. Esta última deu origem à
editora Présence Africaine (M’Bokolo, 2011, p. 588-616).

39

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Négritude, construção e contestação do pensamento político - intelectual de L éopold Sédar Senghor (1928-1961)

no tempo e no espaço, o que representava uma importante con-


tribuição para o cânone das ciências humanas, seja para a filoso-
fia, a sociologia, a história, ou mesmo para as relações
internacionais. A definição de Wilder se mostra bastante objetiva
e ilustra, de modo histórico, o movimento:

Nunca uma organização formal, Négritude foi um projeto


cultural que emergiu através de intensas discussões e da
amizade íntima entre um grupo diaspórico, cujos membros
partilhavam origens coloniais semelhantes e desafios me-
tropolitanos, bem como um interesse em África (Wilder,
2005, p. 151).

Gary Wilder e Janet Vaillant realizaram análises com base


em documentos de época e entrevistas feitas com os integrantes
do movimento, demonstrando as relações desses pensadores ne-
gros entre si e com o mundo intelectual que os rodeava (Wilder,
2005, p. 258; Vaillant, 2006, p. 118). Tem-se, dessa maneira, a
caracterização do movimento que surge concretamente a partir
de 1934 e encontrou seu ápice na antologia poética de escritores
negros na qual Jean-Paul Sartre colaborou com famoso prefácio,
Orphée Noir (Orfeu Negro).
Por outro lado, pensadores como Achille Mbembe e Simon
Njami abordaram mais a força da Négritude como um legado (hé-
ritage) com apelo ideológico e filosófico para a retomada dos valores
ancestrais dos negros (Mbembe, 2001, p. 191; Njami, 2006, p. 137).
Vale lembrar também que, graças à projeção do conceito da
négritude, as trajetórias dos representantes do movimento conse-
guiram atingir o campo das representações políticas (Njami,
2006, p. 138).
Os críticos do conceito da négritude preocupavam-se, pois,
com a realidade africana, cuja definição poderia isolar os negros
falantes do francês. Ou seja, os pensadores das gerações de 1960
e 1970 viram essa concepção como um mito perigoso para a
África.

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Contudo, a négritude desenvolvida por Senghor gerou mui-


ta desconfiança por parte de intelectuais negros, fossem eles fa-
lantes do francês ou não. É possível que Senghor tenha ventilado
o conceito de tal maneira que políticos africanos tenham percebi-
do seu potencial de penetração. “O que começou como um con-
junto de ideias sobre identidade e cultura se transformou em
ideologia política” (Vaillant, 2006, p. 292).
Com o distanciamento dos escritores das manifestações
culturais, Senghor acabou tomando um papel de destaque na di-
vulgação da ideologia do movimento Négritude, o que demons-
tra a necessidade de uma pesquisa para se estabelecerem relações
entre o conceito de négritude e o Socialismo Africano na trajetó-
ria de Senghor (Vaillant, 2006, p. 385).

As críticas ao movimento
Tachado de desatualizado (dépassé), o conceito de négritu-
de ainda assim, voltou ao debate, principalmente entre filósofos
africanos como Kwame Anthony Appiah, Achille Mbembe, Pau-
lin Hountondji e Valentin Yves Mudimbe. De algum modo, esses
autores foram obrigados a reconhecer que a négritude foi algo
importante em um período crucial da história africana e na tra-
jetória dos escritores ligados à luta anticolonial.
Durante o período de maturação política da África france-
sa, o conceito de négritude foi atrelado à trajetória de Léopold
Senghor. Para os intelectuais de língua inglesa, esse conceito e
Senghor representavam quase a mesma coisa. Desse modo, nos
anos de 1960 e 1970, pensadores negros como o beninense Sta-
nislas Speros Adotevi e o camaronense Marcien Towa aborda-
ram o tema como uma ideologia, prevendo perigos em sua
disseminação (M’Bokolo, 2008, p. 532; Benot, 1974, p. 146-161).
O Festival Pan-africano de Alger (1969) representou uma
ocasião especial para o refinamento das apreciações do movi-
mento. Nesse encontro, ficou evidenciada a distância entre os es-
critores negros de língua inglesa e os de francesa. Os autores da

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Négritude, construção e contestação do pensamento político - intelectual de L éopold Sédar Senghor (1928-1961)

Négritude provinham, originalmente, das ilhas do Caribe e da


África francófona. Esse fator linguístico foi enfatizado por aque-
les que queriam se distanciar dessa denominação (Senghor,
1971b, p. 10).
Pode-se dizer que grande parte das críticas se originou da
vontade de uma ruptura com os pensadores africanos francófo-
nos. Levados, sobretudo, pela crítica de Wole Soyinka ao papel
de acomodação que a Négritude suscitava nos escritores negros,
os autores das novas gerações perceberam o conceito como um
mito, já que não representava unanimidade e, tampouco, aceita-
ção. Dois exemplos de crítica da Négritude são emblemáticos –
os de Adotevi e de Towa.
O escritor camaronês Marcien Towa representava essa nova
geração dos anos de 1970, que, influenciada pelo congresso de 1969
em Argel, optou por posturas mais políticas nas suas manifestações
escritas. Towa voltava suas análises ao contexto social do seu país e
preocupava-se com as mudanças do mundo em plena crise de ideo-
logias do contexto da guerra fria (Chevrier, 2003, p. 12).
Towa preocupava-se, igualmente, com a produção de um
sistema de ideias e de uma linha de pensamento para o Camarões
que não se baseasse somente no modelo de Négritude, mas que
representasse sua realidade nacional (Towa, 1971 apud Benot,
1974, p. 159). Ele também relacionou a etnofilosofia à ambigui-
dade da Négritude, sugerindo que os valores dessas duas corren-
tes abordavam temas totalmente alheios aos pensadores de sua
geração. Essa “africanidade” foi considerada uma construção
artificial dos escritores das décadas de 1930 e 1940 (Mudimbe,
2013, p. 192).
O filósofo camaronês percebia o conceito forjado por Sen-
ghor como uma ideologia para os povos africanos, como uma
resposta diante de um mundo globalizado e dividido entre capi-
talismo e socialismo. Towa associava a négritude de Senghor a
um “mimetismo” que reproduzia a cultura europeia como uma
“ideologia” aparentemente representativa para o continente afri-

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cano, mas a serviço da colonização e de novos tipos de racismo


(Benot, 1974, p. 161). De maneira geral, Towa negava a definição
de Senghor, pois percebia que ela estabelecia um modelo a ser
seguido. Para ele, esse modelo servia mais à França do que aos
países africanos, sendo Senghor apenas um receptáculo das
deman­das da antiga metrópole.10
Por sua vez, o escritor Stanislas Adotevi rejeitava a négritude
como escola literária, não se identificando com essa “fraternidade
abstrata dos negros” engendrada pelos representantes do movi-
mento. Adotevi tinha conhecimento de que a noção de négritude
não se referia aos problemas dos homens de Gana, da Costa do
Marfim, de Ruanda ou do Daomé (Adotevi, 1998, p. 45-46). O
escritor também se opôs à mudança do papel de Senghor do cam-
po literário para o político, postulando que os valores da sensibili-
dade que o senegalês exaltava não representavam os negros da
África em sua totalidade. Nesse sentido, Senghor é caracterizado
como o porta-voz dos povos negros sem englobar uma quantidade
representativa de indivíduos de outras nacionalidades. Por isso,
Adotevi é direto em sua análise do pensamento de Senghor: “O
interesse de Senghor reside, na verdade, menos naquilo que escre-
veu do que na confusão do seu pensamento. É nessa adequação de
suas noções dos problemas africanos que se encontra a chave das
dificuldades que levanta a négritude” (Adotevi, 1998, p. 103).
O discurso de Adotevi criticava a Négritude de Senghor e
ainda distinguia a trajetória política desse pensador, que não
correspondia aos compromissos dos povos negros. Senghor está
diretamente associado à França e, consequentemente, ao neoco-
lonialismo, o que não deixava espaço algum para que o pensa-
dor e seu conceito fossem levados em consideração (Adotevi,
1998, p. 99-100).

10
Nesse ponto, Simon Njami discorda da ideia de Marcien Towa de que Senghor tenha
feito da Négritude sua aventura pessoal. “A négritude é uma palavra valise, uma
palavra metáfora. Uma palavra que conta histórias, mais do que relata os fatos”
(Njami, 2006, p. 144-145).

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Négritude, construção e contestação do pensamento político - intelectual de L éopold Sédar Senghor (1928-1961)

Dois filósofos recentes reforçam essa visão crítica. Em pri-


meiro lugar, o pensador Achille Mbembe interpreta a négritude
como conceito associado a uma noção de africanidade, com
características utópicas. Essa identidade mítica carrega consigo
subjetividade e reproduz as noções da etnologia francesa que
gerou a colonização (Mbembe, 2001, p. 191). De certo modo,
Mbembe interpreta as movimentações culturais dos homens ne-
gros como formas de lidar com as imposições dos valores euro-
peus vis-à-vis suas culturas. Para ele, a négritude, e mesmo o
pan-africanismo, se trazidos para os dias atuais, não se enqua-
drariam nas demandas dos diversos Estados-nacionais, poden-
do criar utopias e tradições artificiais. Nesse sentido, a análise
desse pensador é, antes de tudo, a constatação de que uma no-
ção de “africanidade” gera uma avaliação quase sempre artifi-
cial e imaginada, não contemplando aqueles que reivindicam
sua real identidade (Mbembe, 2001, p. 191).
Valentin Yves Mudimbe, outro pensador que retomou o
conceito de négritude, procurou compreender seu papel de sis-
tema de pensamento, e levá-lo em consideração, apesar das ca-
racterísticas diaspóricas e transnacionais do movimento. Ele
trabalhou com a perspectiva de négritude como uma forma de
expressão cultural na qual o negro pudesse expor suas visões de
diferença enquanto negros (Mudimbe, 1988, p. 83).
Mudimbe considerava a Négritude um dos movimentos
pan-africanos, tais como a criação da Présence Africaine e os
Congressos de Artistas e Escritores Negros que ocorreram em
Paris, em 1956, e em 1959, em Roma. A crítica desse pensador
aponta para a tentativa da négritude (enquanto conceito) de es-
sencializar a “experiência de ser negro”, ou seja, a ideia de né-
gritude esvaziando a heterogeneidade da experiência vivida
pelos negros do mundo todo.
Mudimbe leva em consideração o caráter europeu do mo-
vimento, demonstrando que ele nunca se desvencilhou da esté-
tica ocidental, representando um acontecimento inserido em

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Gustavo de A ndrade Durão

uma série de transformações sociais das culturas não euro-


peias.

Os mais originais [novos tipos de discursos] incluem o


movimento da Négritude, a quinta conferência Pan-Afri-
cana e a criação da Présence Africaine. Eventualmente,
esses sinais de uma vontade africana de poder conduzi-
ram a confrontos políticos e intelectuais (Conferências
de Bandung, Paris e Roma). Na década de 1950, também
testemunhamos uma crítica radical da antropologia e
das diferentes ideias de culturas não ocidentais. Desde
então ocorreu um debate estimulante sobre o significado
africano das ciências sociais e humanas (Mudimbe,
2013, p. 112).

O Movimento da Négritude foi interpretado durante mui-


to tempo como um sistema de pensamento ou até uma forma de
organização do pensamento nos moldes africanos (Benot, 1974,
p. 135). Essa apreciação não representou o primeiro impulso do
movimento, de modo que o conceito não foi utilizado para que
ocorressem articulações de poder. Como destaca Janet Vaillant
(2006, p. 293-294), Senghor deixava de utilizar o termo négri-
tude em seus discursos políticos dos anos de 1940 e preferia ser
denominado como um Nègre Nouveau.11 Além disso, é inegável
que intelectuais como Senghor, Césaire, Cheikh Anta Diop e
Fanon tenham sido relevantes para se iniciarem novas reflexões
mais afro-centradas.12

11
Foi preciso abandonar um pouco a divulgação do conceito para que Senghor pudes-
se investir no campo político. O pensador senegalês teve grande abertura na política,
pois a França já o reconhecia como cidadão francês e ele já possuía uma vantagem
diante dos diálogos entre a metrópole e os territórios coloniais.
12
Desde 1947, a Revista Présence Africaine, organizada por Alioune Diop, reuniu
publicações e encontros intelectuais entre Aimé Césaire, Léopold Senghor, Jean Pri-
ce-Mars (Haiti), Richard Wright (Estados Unidos), Amadou Hampaté Bâ (Daomé),
Frantz Fanon (Martinica), entre outros influentes escritores negros (Chevrier, 2006,
p.156-157).

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Négritude, construção e contestação do pensamento político - intelectual de L éopold Sédar Senghor (1928-1961)

Na década de 1970, Senghor retomou o conceito de négri-


tude e se apropriou da definição de Césaire de que a “négritude
é o simples reconhecimento do fato de ser negro e sua aceitação,
de nosso destino de negro, de nossa história e de nossa cultura”
(Senghor, 1971b, p. 6). O escritor senegalês também fez referên-
cia às apreciações de escritores como René Despestre (Haiti)
que definiu a négritude como uma experiência histórica bem
pontual. O pensador haitiano rejeitou a característica mais mí-
tica do conceito, ao criticar o esvaziamento político que ocorre-
ra com essa concepção (Senghor, 1971b, p. 15).
Impossível compreender a Négritude senghoriana sub-
traindo-a de seu contexto. Alguns autores acabaram limitan­
do-a à qualidade de manifesto literário e artístico para os
pensadores africanos, como Senghor e Césaire, sem perceber
sua essência e seu intento de ligar os saberes e os indivíduos sob
o signo da exclusão (Njami, 2006, p. 137).
No colóquio organizado em abril de 1971, defendendo-se
das críticas à négritude, Senghor retoma o tema para se posicio-
nar diante dos ataques:

Aí não está o verdadeiro debate. Ele está entre os homens


de cultura e os homens políticos, entre a ideologia da Né-
gritude e as ideologias que, na Europa, na Ásia e na Amé-
rica estão a serviço dos imperialismos na luta pela
dominação do mundo. Sentiu-se bem isso no Festival Pan-
-africano de Alger (Senghor, 1971b, p. 17-18).13

Senghor, ciente das possíveis críticas, como homem de cul-


tura, sabia que as dificuldades encontradas pelo caminho eram
fruto dos homens que privilegiavam a política, negligenciando
o campo cultural. Após governar o Senegal, de 1960 a 1980,
Senghor encerrava sua carreira política, afastando-se da presi-

13
Como se vê, Senghor atribui as críticas à Négritude aos pensadores de língua ingle-
sa que estavam ligados às grandes potências imperialistas da época: Grã-Bretanha e
Estados Unidos.

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dência e iniciando um processo de divulgação da francofonia –


uma maneira de reunir as obras literárias dos escritores
africanos de expressão francesa cuja formação acadêmica base-
ava-se no idioma francês (Vaillant, 2006, p. 380).

Senghor – homem político


Contradizendo aqueles que apontam a Négritude como algo
sem representatividade e repercussão, Senghor e Césaire atingiram
o meio intelectual do Senegal e da Martinica, respectivamente,
graças a essa concepção. Sua abrangência levou-os a atuar de uma
melhor maneira no campo político (Njami, 2006, p. 138).
Senghor foi um dos primeiros políticos a presidir um país
africano – o Senegal – na estrutura da antiga África Ocidental
Francesa. Césaire tornou-se prefeito de Fort-de-France, na Marti-
nica. Os dois pensadores foram fundamentais na organização e
estrutura política na busca de maior autonomia em seus respecti-
vos países, sobretudo no pós-independência (Njami, 2006, p. 138).
O político senegalês chegou a fazer parte da SFIO, a Seção
Trabalhista Francesa, de orientação marxista, mas, devido a uma
rixa política com seu adversário, o advogado Lamine Guèye,
rompeu com o partido para criar o seu próprio. No ano de 1948,
surge o Bloco Democrático Senegalês e, a partir daí, deu-se a
gênese da conceituação de socialismo africano na atuação políti-
ca de Senghor (Vaillant, 2006, p. 289-290).
Nesse processo, Senghor foi abandonando suas definições
culturais e adotando uma ruptura ideológica com a França.
Desse ponto em diante, tornou-se importante perceber a evolu-
ção do marxismo para Senghor. O conceito de socialismo afri-
cano, em seu primeiro texto sobre o tema (1949), alterou-se
profundamente até sua chegada ao poder em 1960 (Senghor,
1971, p. 54-55).
A noção mesma de socialismo (influenciada pelo marxis-
mo), em 1960, não passou de mais um método do mundo ociden-

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Négritude, construção e contestação do pensamento político - intelectual de L éopold Sédar Senghor (1928-1961)

tal, e Senghor estabeleceu um novo conceito no imediato


pós-independência, em que o socialismo africano pudesse unir as
posturas ideológicas e políticas do pensador senegalês (Vaillant,
2006, p. 303).
A visão de socialismo africano de Senghor correspondia a
um aspecto de sua bagagem intelectual na etapa de negociações
rumo ao estabelecimento de uma estrutura política para o Sene-
gal e, possivelmente, para toda a África francófona, antes do
eclodir nos anos de 1960 (Vaillant, 2006, p. 303).
O posicionamento político de Senghor tão somente foi ca-
paz de romper com o partido comunista internacional. Ele ima-
ginava que a noção de socialismo adequada à realidade africana
era possível e concreta, e por isso, lançava a ideia de um socia-
lismo africano. Essa noção, muito adequada à realidade senega-
lesa, representaria a aplicação da ideologia da négritude, um
procedimento para atender aos anseios dos grupos étnicos no
continente.

Léopold Sédar Senghor, finalmente adepto do socialismo


africano, não deixaria de reconhecer a utilidade do quadro
conceitual oferecido pelo marxismo, recusando-se, contu-
do, a aderir a uma ideologia que supõe a luta de classes e o
ateísmo: ‘nós podemos, portanto, legitimamente, conquan-
to empreguemos o método de Marx para analisar a situa-
ção colonial no Senegal e na África negra, sob domínio do
capitalismo, conceder, aos nossos valores religiosos e cultu-
rais, o seu posto natural em nossa vida espiritual’ (Mazrui,
2010, p. 583).

Considerações finais

Senhor, entre as nações brancas, coloque a França


à direita do Pai,
Oh! Eu sei que ela é também Europa,
Que ela roubou meus filhos

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Como um assaltante para fecundar suas lavouras


De milho e algodão, porque o negro é adubo.
Ela também trouxe morte e armas às minhas tristes aldeias,
E jogou meu povo um contra o outro,
Como cães brigando por um osso…
Sim, Senhor, perdoe a França que odeia seus dominados
E ainda assim impõe tão duramente sua dominação sobre mim…
Porque tenho um grande fraco pela França.
(Senghor, 1965, p. 135-136 apud Mazrui, 2010, p. 675-676)

O principal problema da négritude foi o fato de seu conceito


ter ficado estritamente relacionado à personalidade de Senghor.
Como bem destacou Marcien Towa, a négritude foi interpretada,
durante muito tempo, como uma aventura pessoal de Senghor e isso
levou a uma desconfiança e má vontade por grande parte dos pen-
sadores contemporâneos em analisar o conceito. Talvez representas-
se uma ingenuidade intelectual de Senghor, mas certamente foi uma
visão para restabelecer o orgulho dos povos que se acreditavam ex-
cluídos da História, os verdadeiros “Condenados da Terra”, para se
utilizar a expressão do título da obra de Fanon.
Senghor, como os outros pensadores da négritude, engajou-
-se no pensamento colonial, na cultura francesa e na política ne-
gro-africana, como caminho para imersão no relacionamento
com o sistema colonial imposto pela França. A sua maior dificul-
dade foi compreender como “viver” a nação como um francês e,
ao mesmo tempo, se sentir profundamente conectado às socieda-
des africanas (Wilder, 2005, p. 156).
A entrada na política e seu “fraco pela França” podem ter
feito com que grande parte da obra de Senghor fosse desconside-
rada pelos historiadores contemporâneos. Sua noção de cultura
foi muito mais ampla do que se crê e, no fundo, por defender um
diálogo abrangente (inclusive multiculturalista), não conseguiu
conciliar os pensadores negros, salvo aqueles dos anos de 1930 e
1940.
A ambiguidade do discurso do pensador senegalês pode ser
exemplificada de várias maneiras. Mesmo suas poesias não po-

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Négritude, construção e contestação do pensamento político - intelectual de L éopold Sédar Senghor (1928-1961)

dem ser descartadas como futuro material de análise. É preciso


uma maior atenção para com sua obra no âmbito da história das
ideias e nos estudos pós-coloniais, mesmo que hoje ela somente
ilustre um conceito (négritude) forjado para compreender os me-
canismos da “assimilação francesa” em busca da conservação de
suas características culturais africanas em tempo e espaço bem
específicos.

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