Você está na página 1de 8

A INFLUÊNCIA DA RELIGIÃO AFRICANA NO BRASIL

O fenômeno religioso sempre esteve presente na história do Brasil. Aqui, são


encontradas quatro manifestações básicas deste fenômeno: O catolicismo, trazido pelos
portugueses; o culto africano, trazido pelos negros escravos; o protestantismo, transculturado
por missionários da América do Norte e da Europa, e a religião dos nativos. Destas quatro
manifestações, interessa a este ensaio tratar sobre o culto africano. Nesta “trilha” procura-se
mostrar que a influência da religião africana é uma realidade patente, abrangente e
desenvolvente no Brasil; tanto pela miscigenação genética, como pelo intercâmbio e pela
miscigenação culturais. O prisma desta abordagem transcorre basicamente pelas dimensões
sócio-cultural e antropológica. Intenciona-se identificar quatro fatores, considerados os mais
importantes, responsáveis por explicar o porquê desta religião ter resistido a percalços mil e
ter influenciado consideravelmente a cultura brasileira. Serão considerados os seguintes
fatores: A função catártica; a abertura para o sincretismo; o crescimento demográfico; e
respostas fáceis para perguntas complexas.
Não se trata de um texto exaustivo, de vez que seria necessário muito mais tempo e
material para uma fundamentação mais consistente. De sorte que esta abordagem deteve-se
apenas na pesquisa bibliográfica, relativamente restrita.

A VINDA DOS NEGROS PARA O BRASIL

Negros já existiam em Portugal muito antes do descobrimento do Brasil. Para lá,


foram como escravos adquiridos em transações comerciais. Vindo Portugal a invadir as terras
brasileiras, entenderam os portugueses que precisariam de mão de obra escrava, em virtude de
os nativos brasileiros não se prestarem para tal. Conhecedores que eram da eficiência negra no
trabalho escravo, os portugueses não tardaram em lançar mão deste expediente.
Os navios negreiros chegaram ao Brasil entre os séculos XVI e XIX, trazendo
africanos para trabalhar como escravos no Brasil Colônia. Os africanos trazidos pertenciam a
civilizações diferentes e provinham das mais variadas regiões da África. Africanos do Congo,
de Guiné, do Cabo, de Serra Leoa e de Angola, foram trazidos para o Brasil durante o período
da conquista e do desbravamento do Brasil Colônia. Segundo Juana Elbein dos Santos, estes
africanos (os Nagô, os Bantu, os Minas, os Daomeanos, os Haúça, os Niam Niam, os
Mangbatu, os Kanembu, os Bagirmi, os Bornu, os Kanuri, Os Mandingo, os Ioruba, e outros)
“foram distribuídos pelas plantações, espalhados em pequenos grupos por um imenso
território, principalmente no centro litorâneo, nos Estados do Rio de Janeiro, São Paulo,
Espírito Santo, Minas Gerais”1.
Com os africanos viajava também uma religião relativamente estranha aos
colonizadores. Cerca de um século depois da abolição da escravatura, a religião considerada
feitiçaria, transformou-se em uma das religiões mais conhecidas do Brasil. Se perguntarmos a
um brasileiro, em geral, sobre a religião dos negros, sempre haverá uma resposta que não será
de todo insatisfatória. Quem gosta de cachaça? Exu. Quem veste branco? Oxalá. Quem recebe
oferendas em alguidares (vasos de cerâmica)? O Orixá. E quem adora os orixás? Milhares de
brasileiros. O culto africano, com seus batuques e danças, uma festa. Com suas divindades
geniosas, uma religião por demais influente no Brasil.
Para chegar ao grau de influência ao qual chegou, o culto afro passou por muitas
intempéries. Enfrentou barreiras, as mais diversas, desde as circunstâncias inóspitas de
sobrevivência nas Senzalas até a resistência da religião dominante do país. A despeito de tais
realidades não podemos contestar a influência do culto africano, em especial do Candomblé.
1
SANTOS, Juana Elbein dos. Os Nagô e a Morte. 8ª Edição. Petrópolis, RJ. Editora Vozes. 1997.
Em vista destes fatos, surge um questionamento por demais pertinente: Que fatores
explicam a resistência e a influência que a religião africana conseguiu no Brasil?

FATORES QUE EXPLICAM A INFLUÊNCIA DA RELIGIÃO


AFRICANA NO BRASIL

Toda e qualquer religião, para se manter em ação, precisa apresentar certas


características fundamentais. Desde os aspectos festivos até o aspecto de caráter moral
radical, contribuem para atrair os interessados por soluções religiosas. As religiões são
diversas para poderem atender aos mais diversos interessados. Quando não se recebe
satisfação em uma, outra haverá de aparecer (geralmente aparece) não sendo extremamente
exigente o interessado. Afinal, religião pode ser comparada a restaurante: A adesão é questão
de paladar e de apetite.
Valendo a analogia, no cardápio religioso do culto africano fatores há que ajudam para
que, desde o princípio, este culto alcance projeção admirável. Podem ser citados pelo menos
quatro fatores: a) a função catártica; b) a abertura para o sincretismo; c) o crescimento
demográfico dos negros; d) respostas fáceis para questões complexas.

A FUNÇÃO CATÁRTICA
Esta abordagem não desconhece o caráter patológico que, muitas vezes, é detectado
nas manifestações religiosas. Atém-se, no entanto, ao “caráter terapêutico” que é veiculado
pela religião; fator este que atuou com um instrumento que facilitou a vida do negro que veio
para o Brasil como escravo. Isto é verdade, principalmente considerando as condições em que
o africano foi trazido para cá. Segundo Roger Bastide, as religiões do negro
estavam ligadas a certas formas de família ou de organização clânica, a meios
biogeográficos especiais, floresta tropical ou savana, a estruturas aldeãs e
comunitárias. O tráfico negreiro violou tudo isso. E o escravo foi obrigado a se
incorporar, quisesse ou não, a um novo tipo de sociedade baseada na família
patriarcal, no latifúndio, no regime de castas étnicas2.

Por estes dados, fica fácil imaginar o sofrimento que caiu sobre o africano, vendo todos os
seus valores culturais atacados e destruídos. Restaram-lhe os seus rituais nos quais
encontravam meios de extravasarem suas dores e angústias.
Um fator característico das religiões em geral, é a sua função catártica; sua função de
permitir ao cultuante o expressar de suas emoções através de cânticos, orações, rituais e de
outros expedientes, possibilitando a liberação de muitas das mazelas, conscientes ou
inconscientes, vividas pelo ser humano. A função catártica da religião tem motivações as mais
diversas, desde aquelas que passam pela imaturidade até àquelas que operam a depuração
emocional, permitindo ao cultuante um alívio de suas tensões. No que se refere a esta função,
a religião afro possui um instrumento que não se deve descartar quando se trata da busca de
fatores que explicam a sua influência: As festas.
Religião que se preza realiza festa. Os encontros religiosos devem ser caracterizados
pela alegria. Que ambiente seria mais festivo do que aquele em que atabaques, cânticos, muito
ritmo envolvente, atuam sobre o emocional dos presentes? O cultuante precisa ser muito
indiferente para impedir que seu corpo e sua mente sigam as batidas rítmicas de um terreiro.
O fator festas carrega consigo o significado do prazer. E quem não deseja prazer? Nas festas
dos terreiros sempre há algo novo manifestando-se aos sentidos dos participantes. Algo que,

2
BASTIDE, Roger. As Religiões Africanas no Brasil. São Paulo: Livraria Pioneira Editora - Editora da Universidade de São Paulo, 1971.
Vol. I
via de regra, não se encontra em religiões tradicionais, elitizadas e dominantes, no sentido
político dos termos.
Festa sem música é praticamente impensável! Atabaques, agogô e o xequerê são
instrumentos responsáveis pelos ritmos que, reproduzindo as modulações da língua africana
iorubá (língua cantada), chegam a mais de quinze ritmos diferentes. Cada casa-de-santo tem
até 500 cânticos. Segundo a fé dos praticantes, os versos e as frases rítmicas, repetidos
incansavelmente, têm o poder de captar o mundo sobrenatural. Essa música sai dos terreiros
no Carnaval (na Bahia, por exemplo) e alcança milhões, revelando a amplitude de sua
influência.
Muitas festas estão vinculadas a um calendário litúrgico; outras não têm dia marcado.
O fato é que todo dia é dia de festa.
Fato por demais interessante é que estas festas estão associadas aos dias dos santos
católicos. As datas podem variar de terreiro para terreiro, mas a festa não deixa de acontecer.
De maneira geral o que importa é comemorar o orixá na sua época.
Estas festas acompanharam os negros por onde andaram, sempre dando alento àqueles
corações sofridos. Verdade é que existe uma doutrina, uma filosofia, mas não se pode deixar
de admitir que se não fora o clima festivo, seria difícil enfrentar o que por eles foi enfrentado.
Considere-se, pois, que estas festas eram assistidas por muitos que se encontravam nas
mesmas condições dos negros. Vulneráveis como eram pelas dificuldades da vida, o caminho
estava aberto para a religião africana. Não faltava quem não escapulisse e frequentasse um
terreiro. E este fato aponta para o fator que ajuda a abrir as portas para “os de fora”.

ABERTURA PARA O SINCRETISMO


Se o português se revelava plástico no contato com outras civilizações, o negro se
revelou superlativamente plástico, para quem veio para o Brasil nas suas condições,
conseguindo sobreviver às atrocidades e chegando, hoje, a ter influência cultural deveras
considerável. A abertura para o sincretismo é espantosa e faz lembrar aqui do texto de
Gilberto Freyre, no seu livro Casa Grande & Senzala, que diz: “em tudo que é expressão
sincera de vida, trazemos quase todos a marca da influência negra” (Grifo nosso).
Quanto à abertura para o sincretismo, note-se aqui os seguintes aspectos:
a) Sincretismo, “uma forma moderna de aculturação”.
Roger Bastide apresenta Nina Rodrigues (médico-legista) como o descobridor do
sincretismo religioso entre os deuses africanos e os santos católicos - uma forma moderna de
aculturação.
Nina Rodrigues, citado por Roger Bastide, distinguia dois tipos de candomblés: O dos
africanos (africanos puros) e o dos nacionais (negros crioulos). O dos africanos puros
“justapõem-se” o culto católico a suas crenças e práticas “fetichistas” e concebem os orixás e
os santos “como de categoria igual ainda que perfeitamente distintos”. O candomblé dos
crioulos... “uma tendência monista e incoercível para identificar os dois ensinamentos.” Fica
claro que

a África ocultou-se sob roupas ocidentais, mas sua forma de família habitual
sobrevive no concubinato, suas formas de trabalho coletivo no mutirão, a
independência econômica da mulher na divisão sexual do trabalho e pelo comércio
do grupo feminino (Roger Bastide).

b) O sincretismo como meio de relação com o simpatizante do culto afro.


Este ponto refere-se ao sincretismo como meio de contato com “o outro” interessado
na religião negra. O outro que, estando em condições sociais semelhantes às do negro e sendo
de outra religião, procurava respostas e alento. Considerando-se o fato de que a religião
dominante não tolerava a migração religiosa, ficava difícil para a maioria assumir a adesão a
outra disposição de fé. O sincretismo possibilitava o desfrutar das bênçãos da outra religião,
sem, ao mesmo tempo, despedir-se dos arraiais religiosos dominantes. Esta prática,
extremamente sutil, ainda hoje é assumida pela população brasileira, embora não mais pelas
mesmas motivações do passado.
c) O sincretismo como máscara para permitir a sobrevivência.
A religião dominante considerava a religião africana como feitiçaria, portanto, obra
demoníaca. O demoníaco precisava ser exorcizado, erradicado. O negro precisa ser convertido
ao catolicismo. Não bastava a escravidão física; a escravidão só estaria completa com o
subjugo espiritual, ideológico, com amarras também na vida interior. Diante disto, o negro se
encontrou com a necessidade de sincretizar a sua prática religiosa com o imaginário cristão-
católico. Nada mais prático! Esta máscara daria livre trânsito aos valores africanos.
Evidentemente que este sincretismo não deixa de ter efeitos desgastantes para a própria
essência da religião afro, principalmente naqueles que iam nascendo já envolvidos por esta
nova conjuntura.
O fato é que o sincretismo aconteceu e, em termos de guardar a integridade do negro,
foi um fenômeno positivo.
O sincretismo tanto atuou como máscara, ou seja, permitiu ao negro sobreviver ante a
religião oficial e dominante, como foi também um meio de facilitar a aproximação com os
simpatizantes de outras religiões. A influência deu-se, mais fortemente, quanto ao primeiro
aspecto. A religião negra penetrou no catolicismo, deixando-se também penetrar pelo mesmo.
Cite-se aqui, que quando se perguntou a Mãe Menininha do Gantois, não se sabe em que
recenseamento, qual era a sua religião, ela disse: “Católica, é claro!”. Nada mais prático do
que o sincretismo, tanto para se esconder, como também para se propagar.
Como se não bastasse, líderes católicos manifestam o sincretismo abertamente. A
revista Veja, de 03 de março de 1999, traz uma reportagem que merece consideração. A
reportagem apresenta vários padres que, em seus paramentos clericais, trazem as marcas da
cultura afro. Alega um dos clérigos que “o traje facilita a comunicação”. Este uso estratégico
reflete a forte influência dos valores africanos na igreja católica. Diga-se, de passagem, que
reflete também o quanto a própria igreja católica, tão fechada no passado, conseguiu superar a
sua intransigência religiosa.
Roger Bastide conclui: “O que os antropólogos ressaltam sob a ilusão do sincretismo é
o perpetuamento da civilização africana”.
Fica aqui uma pergunta: Poderia se falar, hoje, de uma civilização africana pura no
Brasil, ou esta afirmação seria apenas a confirmação de que valores africanos compõem a
cultura brasileira?

O CRESCIMENTO DEMOGRÁFICO.
É deveras interessante analisar este aspecto da vida dos negros no Brasil.
Em 1550, perto de 10% da população de Lisboa era composta de escravos negros. Os
portugueses que vieram para o Brasil entenderam que poderiam usar do mesmo expediente de
mão de obra, já que em Portugal o mesmo estava a dar certo.
Roger Bastide apresenta algumas estatísticas que são interessantes. Diz ele que “há um
acordo em relação a uma quantia aproximada de três milhões e meio de negros chegados ao
Brasil desde os primórdios da colonização até o fim do tráfico legal ou clandestino”.

O CD-Rom “A História do Brasil” da ATR Multimédia - 1995, diz:

Apesar de enormes divergências entre os estudiosos, calcula-se que


ingressaram cinco milhões de escravos, no Brasil desde o século XVI.
Somente na primeira metade do século XIX, as estimativas indicam
um milhão e quinhentos mil cativos traficados para o Brasil.

É curioso observar os dados estatísticos quanto ao crescimento demográfico no Brasil.


A estatística oficial, 1817 - 1818, apresenta o Brasil com uma população total de 3.817.000 de
habitantes, dos quais 585.000 mulatos e negros livres e 1.930.000 escravos. Desta maneira, no
início do século XIX os negros dominam demograficamente os brancos, o que permite
compreender por que eles puderam manter parte de sua herança cultural e mesmo influenciar
a civilização dos portugueses. Entretanto, é preciso não esquecer que os brancos comandam e
dirigem o país; o escravo é rejeitado pelos brancos e esta estratificação das cores prejudicou
em maior ou menor grau a ação do fator demográfico.
O crescimento demográfico contribuiu para a disseminação da religião. A influência
dos valores culturais religiosos expandiu-se na proporção de sua propagação através do
crescimento demográfico. E mesmo no silêncio, os valores religiosos negros foram influentes.
Hoje, a demografia religiosa apresentada pelas estatísticas aponta o número de fiéis
que compõem as religiões no Brasil (aqui já são englobados os influídos: negros, brancos e
mestiços). O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 1988, informou que 6
% dos chefes de família (ou cônjuges) seguiam cultos afro-brasileiros.
Registre-se o contingente humano que lota as praias do Brasil, na passagem de ano,
homenageando Iemanjá, a orixá (deusa) dos mares e oceanos, podemos ver que os números
são mais expressivos ainda. Isto fica ainda mais evidente, se for admitida a informação da
Federação Nacional de Tradições e Cultura Afro-Brasileira (FENATRAB) de que há 70
milhões de brasileiros, direta ou indiretamente, ligados aos terreiros - seja como praticantes
assíduos, seja como clientes, que ocasionalmente pedem uma bênção ou um “serviço” ao
mundo sobrenatural veiculado pelo culto afro. Terreiro é o que não falta. Na região
metropolitana de Salvador são mais de 1.200 terreiros. O Instituto de Estudos de Religião
(ISER) verificou que 81 novos centros “espiritas” haviam sido abertos no Grande Rio de
Janeiro no ano de 1991, e que, em 1992, surgiram outros 83. O sociólogo Reginaldo Prandi,
da Universidade de São Paulo, contou, em 1984, 19.500 terreiros registrados nos cartórios da
capital paulista.
Estes dados indiciam o quanto se expandiu a cultura negra no Brasil. Não somente
com a presença do negro entre as famílias portuguesas, mas também através da proliferação
de unidades de proclamação de sua religião, os terreiros. Os números são importantes nesta
conjuntura, de vez que, do ponto de vista quantitativo, o crescimento, a expansão e a
influência são patentes.
O que levaria a pensar que os números teriam baixado? Diante das sugestões que uma
religião com as características da religião negra possui e entendendo as circunstâncias
político-econômico-sociais em que vive o Brasil, a tendência é continuar a sua expansão.

RESPOSTAS FÁCEIS PARA PERGUNTAS COMPLEXAS


A influência de uma religião atua na mesma proporção das necessidades de seus
adeptos. Quanto mais significativas forem as necessidades, mais aberto o interessado se torna
às investidas religiosas. Viu-se acima que o fator festa da religião africana é por demais
influente. Há, no entanto, outro fator que exerce ação bastante significativa quando se trata de
influir sobre o ser humano em geral. As religiões trabalham também com a proposta de
atender aos questionamentos humanos. A religião africana não se furtaria a este dispositivo
tão importante. Na verdade, o que mais os humanos gostam de dar e de receber são respostas.
Partindo deste raciocínio, é preciso lembrar que o Brasil, de certo modo, em especial, é um
terreno fértil aos investimentos religiosos de quaisquer ordens. As multidões buscaram,
buscam e buscarão respostas para tantos questionamentos, não só sobre a vida imediata, como
também sobre aspectos considerados de mistério sobre o porvir e sobre o além. Assim, uma
religião pode, muito bem, explorar caminhos de respostas. A questão se apresenta quanto ao
tipo de resposta apresentada. É aqui onde mora a problemática.
Os satisfeitos e resolvidos, mais das vezes, não são tão influenciáveis pelas religiões.
No entanto, os insatisfeitos procuram soluções. É sabido que num país tão viciado em
nepotismo e em tantas outras práticas do “jeitinho brasileiro”, só se dá bem, via de regra,
quem dispõe de condições cujas forças estão aliadas ao capitalismo, ou quem, sabe-se lá
como, aproveita certas oportunidades. Assim, os insatisfeitos são milhões em busca de um
milagre. Nesta busca vale tudo. Vale o sincretismo religioso, como também a adesão aberta.
Não deixa de valer a busca circunstancial da religião como quem entra em um supermercado,
compra o de que precisa e se retira.
O ser humano é ávido por soluções recebidas de bandeja. Quanto menor o esforço, o
trabalho, melhor. Religião que estimula o pensar, a reflexão, a busca da maturidade
emocional, que fomenta a independência de soluções infantis, não preenche requisitos da
religião ideal que o povo procura. Sem esquecer outras religiões, é aqui que atua outro fator
do culto afro na sua influência no Brasil. É mais fácil e cômodo receber respostas de búzios e
rituais mediadores do que procurar descobrir o caminho por si. Conta bastante o grau de
maturidade do cultuante. Indivíduos infantis tendem a viver esperando respostas feitas e
vindas de fora. Rejeitam qualquer esforço na busca de resposta. Tanto por viverem como
quando dependiam dos pais, como também por se sentirem inseguros para tomarem decisão,
assumindo quaisquer riscos; procuram assim, outros “pais” e “mães”.
A maior identificação com o culto afro deu-se e dá-se por parte de indivíduos de classe
social baixa. Parta-se do pressuposto que, após a abolição da escravatura, os negros ficaram a
“ver navios” (que não lhes levavam de volta para a África) no que respeita à situação social.
Precisaram deixar as propriedades onde eram escravos e passar a dar conta da própria vida.
Quem os trouxe da África, não se apresentou para devolvê-los. E nem deveria, em virtude de
os negros de então não serem mais africanos, e, sim, brasileiros. Levá-los de volta, em certo
sentido, seria o mesmo erro que brancos cometeram, tirando-os da África. Agora, sua terra era
o Brasil. Menos mal terem de encontrar soluções aqui mesmo.
Com a mudança do regime de produção, com o trabalho forçado sendo substituído
pelo trabalho remunerado, a estrutura demográfica transforma-se com a evasão de negros do
campo para a cidade. Pobres, doentes, desprezados, marginalizados, vão para as cidades em
busca de soluções. Consigo levam o que possuíam (quase nada) e o que eram. A religião
estava lá... indo com eles para onde iam.
Na ida para as cidades, com os negros onde se instalou a religião africana? Entre as
elites? Evidente que não! Ela se manteve com os negros. E onde estes se instalaram, senão em
favelas e arrebaldes. Lá era o lugar dos marginalizados e desprovidos.
De sorte que, numa condição como aquela, a religião de festas e com função catártica
admirável, fortificou-se consideravelmente, passando a atender aos seus próprios conaturais e
a outros interessados, também nas mesmas condições dos negros. Dai a expandir-se era só
questão de tempo. Expandiu-se e influenciou.
Expandiu-se entre aqueles que precisavam de soluções para situações de
sobrevivência, como também entre aqueles que nutriam queixas e intrigas contra outros.
Os procedimentos da religião africana atendem a demandas as mais exóticas. Desde
conseguir emprego até interferir na vida íntima de alguém, positiva ou negativamente. Outras
religiões se negam a estas práticas. Mas a religião africana entende-se, por parte de seus
praticantes, na incumbência de cumprir missões as mais extravagantes. É verdade que, para
alguns, a Parapsicologia explica, de modo científico, muitos dos fenômenos da religião
africana. Mas para o popular, mais das vezes, desinformado, alienado, ávido ao extremo por
se safar de dificuldades, somada a estas vicissitudes, o interesse pelo suposto “místico” e
“misterioso”, o caminho chega ao terreiro, onde terá um “pai” ou uma “mãe” que lhe “abrirá”
os olhos e lhe dará alento. Instrumentos: rituais, jogo de búzios, cumprimento de obrigações,
etc. Para quem se encontra, muitas vezes, nas condições dos negros quando foram libertos no
século XIX, nada mais sugestivo do que se deixar levar. Juntamente com todas as práticas
concretas, vem a sugestão psicológica exercida pelo “pai” ou pela “mãe”. Resultado: a
“criança” está “educada”.
Claro está que o fator acima colocado entra em consonância com outro fator que, em
contrapartida, é natural da contingência humana. As religiões, mais das vezes, aproveitam-se
do medo humano para, nesta estrada, transitarem à vontade.

Pode-se concluir dizendo que a influência da religião africana no Brasil é fato


incontestável. Os fatores apresentados não são absolutos, claro, mas sugerem a continuação da
reflexão sobre o assunto. Uma reflexão com contribuições até mesmo de outras manifestações
religiosas.
Os fatores festa, sincretismo e respostas fáceis para questões complexas são patentes e
vigentes em, praticamente, todas as religiões. O fator crescimento demográfico, sem dúvida
de que é considerado forte, especialmente falando de religião identificada com uma raça,
possui uma influência superlativamente expressiva. Crescendo o número de representantes de
uma raça, inclusive com a miscigenação genética, acompanha-o, naturalmente, a
disseminação de seus valores religiosos, seja por pregação ou simplesmente por prática
aberta. Dai compreender-se que, em relação aos africanos, os judeus, por não permitirem
miscigenação racial, a não ser entre suas próprias tribos, identificada a genealogia, são
inexpressivos na divulgação de sua religião. Junte-se a isso o fato de haverem sido bastante
perseguidos, incontáveis vezes, pelos séculos a fora, tendo milhões de vidas sacrificadas e
ainda mais o não serem evangelizadores.
Assim, a influência da religião africana se faz sentir de modo nítido no Brasil, de vez
que se encontra não só um povo relativamente inteirado do culto afro, como também uma
liderança política (o que não se admitiria no passado, em qualquer hipótese) que busca os
conselhos espirituais dos orixás e os próprios clérigos católicos a usarem indumentária
africana para facilitar o diálogo entre as culturas. Admira sobremaneira que a religião
dominante, hoje não tanto, tenha consentido a invasão do seu espaço pelos valores africanos,
mesmo que estrategicamente, visando uma aproximação entre si e os considerados inferiores
no passado.
Sendo assim, esperem-se os resultados futuros, almejando que tudo venha a resultar
em considerável encontro, não só entre os valores religiosos africanos e o culto católico, como
também entre estes e outros cultos existentes no Brasil. Uma unidade teológico-doutrinária
pode ser impossível, mas é possível uma união que possibilite a realização de uma
fraternidade que se coadune com a mensagem global pregada pelas religiões.
Com base nos argumentos anteriormente expostos, tem-se aqui uma compreensão que,
espera-se, continue sendo desenvolvida, aprimorada, reciclada, revista, com o propósito de
que, nesta caminhada, abram-se novos horizontes de reflexão cultural.

BIBLIOGRAFIA
BASTIDE, Roger. As Religiões Africanas no Brasil. São Paulo: Livraria Pioneira Editora -
Editora da Universidade de São Paulo, 1971. Vol. I
BINGENNER, Maria Clara L. (Org.). O Impacto da Modernidade sobre a Religião. São
Paulo: Edições Loyola, 1992.
DELUMEAU, Jean. História do Medo no Ocidente. 3ª Reimpressão. São Paulo: Companhia
das Letras. 1996.
FREYRE, Gilberto. Casa Grande & Senzala. 4ª Edição. São Paulo: Círculo do Livro S.A..
1988.
JUNG, Carl Gustav. Psicologia da Religião Ocidental e Oriental. 3ª Edição. Petrópolis, RJ.
Editora Vozes. 1988.
SANTOS, Juana Elbein dos. Os Nagô e a Morte. 8ª Edição. Petrópolis, RJ. Editora Vozes.
1997.
HISTÓRIA DO BRASIL. CD-Rom ATR Multimédia - 1995, Rio de Janeiro.
HUBERMAN, Leo. História da Riqueza do Homem. 19ª Edição. Rio de Janeiro: Zaar
Editores. 1983.

Você também pode gostar