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A FUNÇÃO CATÁRTICA
Esta abordagem não desconhece o caráter patológico que, muitas vezes, é detectado
nas manifestações religiosas. Atém-se, no entanto, ao “caráter terapêutico” que é veiculado
pela religião; fator este que atuou com um instrumento que facilitou a vida do negro que veio
para o Brasil como escravo. Isto é verdade, principalmente considerando as condições em que
o africano foi trazido para cá. Segundo Roger Bastide, as religiões do negro
estavam ligadas a certas formas de família ou de organização clânica, a meios
biogeográficos especiais, floresta tropical ou savana, a estruturas aldeãs e
comunitárias. O tráfico negreiro violou tudo isso. E o escravo foi obrigado a se
incorporar, quisesse ou não, a um novo tipo de sociedade baseada na família
patriarcal, no latifúndio, no regime de castas étnicas2.
Por estes dados, fica fácil imaginar o sofrimento que caiu sobre o africano, vendo todos os
seus valores culturais atacados e destruídos. Restaram-lhe os seus rituais nos quais
encontravam meios de extravasarem suas dores e angústias.
Um fator característico das religiões em geral, é a sua função catártica; sua função de
permitir ao cultuante o expressar de suas emoções através de cânticos, orações, rituais e de
outros expedientes, possibilitando a liberação de muitas das mazelas, conscientes ou
inconscientes, vividas pelo ser humano. A função catártica da religião tem motivações as mais
diversas, desde aquelas que passam pela imaturidade até àquelas que operam a depuração
emocional, permitindo ao cultuante um alívio de suas tensões. No que se refere a esta função,
a religião afro possui um instrumento que não se deve descartar quando se trata da busca de
fatores que explicam a sua influência: As festas.
Religião que se preza realiza festa. Os encontros religiosos devem ser caracterizados
pela alegria. Que ambiente seria mais festivo do que aquele em que atabaques, cânticos, muito
ritmo envolvente, atuam sobre o emocional dos presentes? O cultuante precisa ser muito
indiferente para impedir que seu corpo e sua mente sigam as batidas rítmicas de um terreiro.
O fator festas carrega consigo o significado do prazer. E quem não deseja prazer? Nas festas
dos terreiros sempre há algo novo manifestando-se aos sentidos dos participantes. Algo que,
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BASTIDE, Roger. As Religiões Africanas no Brasil. São Paulo: Livraria Pioneira Editora - Editora da Universidade de São Paulo, 1971.
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via de regra, não se encontra em religiões tradicionais, elitizadas e dominantes, no sentido
político dos termos.
Festa sem música é praticamente impensável! Atabaques, agogô e o xequerê são
instrumentos responsáveis pelos ritmos que, reproduzindo as modulações da língua africana
iorubá (língua cantada), chegam a mais de quinze ritmos diferentes. Cada casa-de-santo tem
até 500 cânticos. Segundo a fé dos praticantes, os versos e as frases rítmicas, repetidos
incansavelmente, têm o poder de captar o mundo sobrenatural. Essa música sai dos terreiros
no Carnaval (na Bahia, por exemplo) e alcança milhões, revelando a amplitude de sua
influência.
Muitas festas estão vinculadas a um calendário litúrgico; outras não têm dia marcado.
O fato é que todo dia é dia de festa.
Fato por demais interessante é que estas festas estão associadas aos dias dos santos
católicos. As datas podem variar de terreiro para terreiro, mas a festa não deixa de acontecer.
De maneira geral o que importa é comemorar o orixá na sua época.
Estas festas acompanharam os negros por onde andaram, sempre dando alento àqueles
corações sofridos. Verdade é que existe uma doutrina, uma filosofia, mas não se pode deixar
de admitir que se não fora o clima festivo, seria difícil enfrentar o que por eles foi enfrentado.
Considere-se, pois, que estas festas eram assistidas por muitos que se encontravam nas
mesmas condições dos negros. Vulneráveis como eram pelas dificuldades da vida, o caminho
estava aberto para a religião africana. Não faltava quem não escapulisse e frequentasse um
terreiro. E este fato aponta para o fator que ajuda a abrir as portas para “os de fora”.
a África ocultou-se sob roupas ocidentais, mas sua forma de família habitual
sobrevive no concubinato, suas formas de trabalho coletivo no mutirão, a
independência econômica da mulher na divisão sexual do trabalho e pelo comércio
do grupo feminino (Roger Bastide).
O CRESCIMENTO DEMOGRÁFICO.
É deveras interessante analisar este aspecto da vida dos negros no Brasil.
Em 1550, perto de 10% da população de Lisboa era composta de escravos negros. Os
portugueses que vieram para o Brasil entenderam que poderiam usar do mesmo expediente de
mão de obra, já que em Portugal o mesmo estava a dar certo.
Roger Bastide apresenta algumas estatísticas que são interessantes. Diz ele que “há um
acordo em relação a uma quantia aproximada de três milhões e meio de negros chegados ao
Brasil desde os primórdios da colonização até o fim do tráfico legal ou clandestino”.
BIBLIOGRAFIA
BASTIDE, Roger. As Religiões Africanas no Brasil. São Paulo: Livraria Pioneira Editora -
Editora da Universidade de São Paulo, 1971. Vol. I
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