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Escola Secundária de Matias Aires – Filosofia 10ºAno

Unidade: A Acção Humana e os Valores

1. A Acção Humana – Análise e Compreensão do Agir


1.1 – A Rede Conceptual da Acção

Na língua portuguesa, usamos o termo acção com diversos significados. De um modo geral, no
sentido mais corrente, utilizamos o termo acção para designar tudo aquilo que as pessoas fazem,
por oposição ao que pensam ou dizem. Porém, não são estes sentidos mais comuns que
interessam à filosofia. A acção, do ponto de vista filosófico, adquire características especiais,
permitindo distanciar o agente – o ser humano, dos restantes seres vivos. Nos animais, mesmo
naqueles que conseguem desenvolver aprendizagens bastante complexas, os comportamentos
mantêm-se habituais e instintivos. Por seu lado, o Homem, ultrapassa esses mecanismos
primários, organizando de forma racional todo o seu projecto de vida.

O que fazemos e aquilo que nos acontece são coisas distintas. Na prática humana, temos que
distinguir entre o que fazemos voluntariamente e o que fazemos involuntariamente. O que
fazemos voluntariamente exige uma intenção. Por exemplo, quando estudamos, quando vimos
para a escola, quando lemos um livro. O que fazemos involuntariamente é tudo aquilo que não
pressupõe qualquer intenção, por exemplo, respirar, crescer, cometer um engano. É por isso que
a filosofia distingue entre actos humanos e actos do homem. Os primeiros são intencionais e
voluntários, os segundos são involuntários.

Já Aristóteles, filósofo grego do séc. IV a C., discípulo de Platão, considerava a necessidade de


distinguir entre fazer (aquilo a que chamamos actos do homem) e agir (aquilo a que chamamos
actos humanos). Para ele, o fazer é uma actividade centrada no objecto, é uma produção técnica
que tem como finalidade algo que é exterior ao indivíduo, isto é, algo que não concretiza
nenhuma intenção da pessoa. Por seu lado, a acção, tem como finalidade transformar o próprio
agente, pois remete para uma actividade centrada no sujeito e é algo que ele pretende,
voluntariamente, realizar.

Para a filosofia, o conceito de acção designa os actos humanos. Portanto, todos aqueles que são
conscientes, voluntários e intencionais. São conscientes porque são realizados por um sujeito,
que reconhece que é o agente da acção. São voluntários, porque resultam da decisão do agente e
são intencionais porque possuem uma intencionalidade (propósito) que lhe é dada por um motivo
(razão). A acção humana possui agente, intenção e motivo, sendo que a intenção resulta da
deliberação do sujeito.

Em termos clássicos, o acto voluntário é constituído por quatro momentos: Concepção,


Deliberação, Decisão e Execução. A Concepção é o momento da delimitação do projecto, da
meta a atingir. É o momento em que o ser humano pensa o plano da acção; A Deliberação é o
momento em que o ser humano analisa as hipóteses da acção e os motivos que o levam a agir
desta ou daquela maneira, ou a não agir. É o momento em que avalia das vantagens e
desvantagens de agir de uma dada maneira; A Decisão, é o momento da escolha da acção a
executar; finalmente, a Execução é o levar à prática do plano, é a passagem da intenção à sua
concretização, ao acto.

Do ponto de vista da Filosofia da Acção é necessário distinguirmos entre fazer e agir. Só a acção
pode ser considerada um acto humano. Por outro lado, para concluirmos as noções da rede
conceptual da acção, falta-nos referir, aquilo a que se chama acontecimento. Um acontecimento
é algo que ocorre sem a intervenção do sujeito. Ele poderá vir a sofrer as suas consequências,
benéficas ou maléficas, mas não contribui, deliberadamente, para que tal se verifique.

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Unidade: A Acção Humana e os Valores

1.2 – Determinismo e Liberdade na Acção Humana

A possibilidade de escolha é um dos aspectos que melhor caracteriza o comportamento


especificamente humano. Isto significa que, na sua acção, o Homem não se comporta como o
animal. No animal existe, como que uma “natureza dada”, que o faz viver de acordo com o
instinto e as características da sua espécie, enquanto que no ser humano encontramos uma
“natureza adquirida”. Ou seja, enquanto o animal age de acordo com um determinismo, isto é,
algo que a sua natureza determina, o Homem, orienta a sua acção por princípios de liberdade.

Se encarássemos o comportamento humano de uma forma determinista, estávamos a negar a


liberdade ao Homem. Ele nunca poderia, verdadeiramente escolher, sendo a sua vida, como que
a concretização de um destino, já previamente definido. Mas como não é isso que acontece,
importa esclarecer o sentido do termo ‘liberdade’ e as suas implicações. Etimologicamente, o
termo liberdade, significa autonomia, independência. Neste sentido, o homem livre é aquele que
não está submetido a ninguém, aquele que não tem que servir ninguém, a não ser a si próprio.

Numa primeira acepção, poderíamos dizer que a liberdade é o exercício da vontade individual,
sem quaisquer constrangimentos. Isto é, livre é aquele que ‘faz o que quer’. Só seríamos livres
concretizando aquilo que queremos, como queremos e quando queremos. Esta definição de
liberdade, levar-nos-ia a uma concepção absoluta de liberdade, independentemente dos
condicionalismos externos. Porém, esta noção de liberdade, teórica e abstracta, poderá ter
alguma utilidade enquanto ideal, mas não é possível, na prática. E não é possível, porque o ser
humano vive sempre condicionado por diversos factores. Esses factores têm o nome de
condicionantes da acção humana. O Homem é um ser bio-socio-cultural. Isto significa que
possui, na sua acção, condicionantes biológicas - relacionadas com a sua espécie animal e com as
condições físicas e ambientais em que vive; condicionantes sociais, que decorrem do conjunto de
regras, dos direitos e deveres que são definidos por um quadro jurídico da sociedade em que vive
e condicionantes culturais, que resultam dos valores em que a sua personalidade se constituiu e
do projecto de vida que auto-constrói.

Pelo que anteriormente se indicou, concluímos que o ser humano é limitado quanto às suas
possibilidades de acção. É na consciencialização dessas limitações que reside a dignidade e a
superioridade do Homem. A grandeza do Homem não resulta daquilo que lhe é dado pela
Natureza, mas, antes, por aquilo que ele constrói na sua acção, a partir da sua liberdade. A
liberdade é, portanto, a capacidade que o homem tem para tomar decisões racionais acerca dos
actos que quer praticar, praticando-os de forma autónoma, obedecendo, apenas às suas próprias
regras e não a coacções exteriores. É por isso, que, a todo o momento, o Homem se constrói, a si
mesmo, determinando a sua personalidade. Isto é, é a partir das suas decisões e escolhas que o
Homem se transforma naquilo que é. Optamos em função do nosso projecto de vida e em função
dos valores em que acreditamos. O Homem constrói-se, construindo o seu mundo, através da
acção que atesta o exercício da sua liberdade.

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