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governo brasileiro caminha oficialmente para fechar 2016 com o terceiro rombo anual
seguido em suas contas. Isso porque o Congresso Nacional aprovou nesta quarta­feira (25)
a nova meta fiscal: um deficit primário recorde de R$ 170,5 bilhões.

Na tentativa de reverter esse quadro, o presidente interino Michel Temer anunciou que
proporá ao Legislativo uma alteração na Constituição para criar um teto para o crescimento
dos gastos.

A ideia é que o aumento fique limitado à inflação do ano anterior, restringindo inclusive a
expansão dos gastos com saúde e educação.

Outras medidas impopulares também estão em discussão, como aumento de impostos e
reforma da previdência.

"As despesas do setor público estão em trajetória insustentável. Lá na frente, vamos
condenar o povo à dificuldade extraordinária", argumentou Temer.

Os resultados negativos que começaram a ser registrados a partir de 2014 interromperam
16 anos de saldos positivos nas contas federais. Mas, afinal, como chegamos a esse rombo
recorde? E qual o problema dessa resultado?

A BBC Brasil conversou com três especialistas em contas públicas para responder essas
perguntas:

Primeiro, o que é o resultado primário?

O resultado primário é a diferença entre receitas e despesas do governo, excluindo do
cálculo os ganhos e gastos com juros ­­ou seja, sem contar o que a União paga por
empréstimos que contraiu no mercado e o que recebe pelo dinheiro que emprestou
(financiamentos à agricultura, a estudantes, a microempresas, etc.).

A maior parte da receita primária é arrecadada com impostos. Já as despesas incluem
gastos com aposentadorias, benefícios sociais, salários dos servidores, obras de
infraestrutura e funcionamento dos serviços públicos em geral (hospitais, universidades,
embaixadas, etc.).

O principal objetivo de ter saldo positivo (superavit primário) é pagar juros da dívida pública,
evitando seu crescimento descontrolado. Quando isso acontece, aumenta a desconfiança
dos credores quanto ao pagamento futuro da dívida, levando a uma alta dos juros cobrados
para financiar o Estado e criando um ciclo insustentável no longo prazo.
Além disso, a busca do superavit contribui para manter a inflação baixa, ao limitar os gastos
públicos. Quanto mais o governo consome bens e serviços, mais pressiona os preços para
cima.

Como chegamos ao rombo recorde?

Objetivamente, a expectativa de deficit de R$ 170,5 bilhões é resultado da queda das
receitas e do aumento contínuo das despesas (entenda abaixo porque isso está
acontecendo).

Além disso, alguns economistas também consideram que a falta de transparência na gestão
das contas públicas contribuiu para armar uma série de "bombas fiscais" que estão
explodindo agora.

Receitas em queda

Após anos seguidos de elevação expressiva, desde 2011 as receitas primárias do governo
federal apresentam baixo crescimento ou queda real.

Isso é consequência de dois fatores. De um lado, o desempenho ruim da economia nos
últimos anos teve impacto direto na arrecadação, já que boa parte dos impostos brasileiros
são cobrados sobre a produção industrial e o comércio.

Com menos produção e menos vendas, consequentemente se arrecada menos.

"Essa tendência de queda (do PIB) tem impacto muito grande nas receitas. E a expectativa
é de nova retração da economia em 2015", resume o professor de economia da UnB Jorge
Arbache.

Diante desse cenário, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, anunciou na última sexta
que o governo estava reduzindo sua previsão de receita líquida (descontada as
transferências obrigatórias para Estados e municípios) em 2016 para R$ 1,078 trilhão, uma
queda de R$ 108 bilhões ante a última previsão do governo Dilma ­­"superestimada",
segundo ele.

De outro lado, o segundo fator que explica as perdas de arrecadação foi o volume elevado
de desonerações adotado nos últimos anos, observa Maria Liz Roarelli, consultora
legislativa na área de Orçamento do Senado.

Desde a crise financeira mundial de 2008/2009, o governo petista concedeu uma série de
cortes de impostos, principalmente ao setor industrial, na expectativa de que esses recursos
que não estariam sendo pagos ao governo fossem usados para investir no aumento da
produção.

A lógica era simples: em um primeiro momento, o governo arrecadaria menos. No entanto,
com o aumento da produção e das vendas, em um segundo momento a arrecadação
cresceria.

Os investimentos, porém, acabaram não acontecendo, e o governo ficou só com as perdas.
Roarelli calcula que a soma das desonerações concedidas entre 2010 e 2014 significou
menos R$ 101 bilhões nos cofres em 2015.

"Essas desonerações não surtiram qualquer efeito. Foi um gasto sem retorno. Um modelo
ingênuo de recuperar a economia", nota ela.

Nesse contexto, alguns economistas, como o diretor executivo para o Brasil do FMI (Fundo
Monetário Internacional), Otaviano Canuto, consideram que a criação de novos impostos
não representaria um aumento de carga tributária, mas sua "recomposição".

No momento, o governo estuda recriar a CPMF (imposto sobre transações financeiras) ou
elevar a Cide (contribuição sobre combustíveis). Há também quem defenda taxar lucros e
dividendos de acionistas de empresas, mas o governo não sinalizou apoio a essa proposta.

Despesas em alta

Nos últimos anos, o governo vem anunciando sucessivos cortes de gastos.

Na prática, porém, a despesa total segue crescendo. Isso acontece porque, embora a
gestão tenha reduzido algumas rubricas ­­como investimentos em infraestrutura­­, despesas
obrigatórias, que só podem ser cortadas com autorização do Congresso, continuam
aumentando automaticamente.

Dentro desse grupo de gastos que não podem ser cortados livremente pelo governo, a
maior parte da despesa vem da Previdência Social. Aposentadorias e pensões consumiram
no ano passado R$ 436,1 bilhões, representando quase a metade do total de despesas
obrigatórias (R$ 905 bilhões).

Esses gastos vêm crescendo continuamente, refletindo o envelhecimento da população e
também a decisão dos governos Lula e Dilma de atrelar o piso da previdência ao salário
mínimo (que tem sido reajustado acima da inflação).

Em dez anos, o crescimento acumulado do gasto com aposentadorias e pensões chega a
199% (cerca de 70% se descontada a inflação do período).

"A despesa com previdência e outros benefícios sociais só faz crescer e muito
rapidamente", nota Arbache, em referência também à garantia de um salário mínimo por
mês para pessoas sem condições de trabalhar, seja por deficiência ou idade avançada
(BPC/LOAS).

A segunda categoria de gasto com maior peso entre as despesas obrigatórias são os
salários dos servidores que, na avaliação do professor da UnB, tiveram aumentos
"substanciais" nos últimos anos. Na última década, a alta acumulada dos gastos da União
com pessoal é de 157% (aumento real de quase 50%).

Além disso, na sua avaliação, o governo também criou muitos programas nos últimos anos,
sem avaliar adequadamente a sua eficiência.

Os gastos com saúde e educação, por sua vez, crescem todo ano automaticamente,
seguindo parâmetros previstos na Constituição.

Falta de transparência

Para o pesquisador do IBRE/FGV José Roberto Afonso, um terceiro fator contribui para a o
rombo recorde previsto para 2016: a falta de transparência fiscal do governo.

"Anos e anos de descumprimento das regras fiscais e desprezo pela transparência, inclusive
para debater os problemas, explicam o rombo. Muito desse deficit não será deste ano, mas
sim resultado de compromissos assumidos no passado e que, de alguma forma, foram
escondidos ou postergados. Os economistas chamam de riscos fiscais", explica.

Um desses riscos, exemplifica Afonso, é a provável necessidade de a União injetar recursos
em estatais que enfrentam dificuldade financeira, como Eletrobras e Petrobras.

O pesquisador defende a formação de uma "comissão da verdade fiscal" com especialistas
da academia, que trabalhariam junto a órgãos de controle (CGU e TCU). O objetivo seria
fazer um diagnóstico dos problemas e apresentar soluções.

"Não basta punir quem errou, é urgente mudar as regras que permitiram tais erros. É
preciso refundar a LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal), ou seja, mudar dezenas de seus
dispositivos, para aperfeiçoá­la e endurecê­la", defende.

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