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Glauber Carvalho

Larissa Rosevics
(Orgs.)

DIÁLOGOS
INTERNACIONAIS
REFLEXÕES CRÍTICAS DO MUNDO CONTEMPORÂNEO

1a ed.

Rio de Janeiro
2017
@2017 Os autores

É proibida a reprodução total ou parcial desta obra sem a devida


citação.

A iniciativa ©Diálogos Internacionais tem caráter independente e


as opiniões aqui expressas são de inteira responsabilidade dos
seus autores e não representam as opiniões das instituições às
quais estão vinculados.

Ilustração/capa: Bruno Almeida


Diagramação e revisão: Glauber Carvalho

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

D536 Diálogos internacionais: reflexões críticas do mundo


contemporâneo / organização de Glauber Carvalho;
Larissa Rosevics. – Rio de Janeiro : Perse, 2017.
255 p.
ISBN 978-85-464-0481-0

1. Relações internacionais. 2. Desenvolvimento. 3.


Política externa. 4. História contemporânea. 5.
Geopolítica. I. Carvalho, Glauber. II. Rosevics, Larissa.
III. Título.

CDU 327(100)
Porque os homens, quase sempre, caminham por
estradas batidas por outros e agem por imitação.
Mesmo sem conseguir repetir completamente as
mesmas experiências, nem acrescer às virtudes de
quem imita, deve um homem prudente utilizar os
caminhos já traçados pelos grandes. Sendo
excelentíssimo imitador, se não alcançar o sucesso,
que ao menos aprenda alguma coisa.
Nicolau Maquiavel
(O Príncipe, 1513)

No princípio era o verbo... e verbo é poder


José Luís Fiori
(Nota de aula PEPI-IE-UFRJ, 2011)
APRESENTAÇÃO

D
iálogo Internacionais: Reflexões Críticas do Mundo Contemporâneo é
a consolidação do projeto iniciado em junho de 2014 com a
criação de um blog, cuja motivação inicial foi a promoção do
debate, o exercício da escrita, da reflexão e da crítica de temas da
atualidade e da história com foco, não exclusivo, na cena internacional.
As nossas pretensões eram, portanto, singelas. Dentro deste vasto
universo em que consiste a internet, com milhares de websites e blogs,
procuramos oferecer aos nossos leitores um conteúdo atualizado, com
embasamento teórico e reflexão crítica.
Optamos desde o início pela não monetização de nosso espaço,
cientes de que seu crescimento dependeria do contato interpessoal.
Escolhemos, também, não o vincular a nenhuma instituição de ensino
e/ou pesquisa, por entender que independência e certa rebeldia devem
fazer parte da nossa identidade enquanto blogueiros.
Apesar do aparente isolamento em que nos encontrávamos,
fomos construindo nossa história. Entre 2014 e 2017, foram publicados
134 textos de 28 autores diferentes, com mais de 3.000 visualizações
semanais. Procuramos ser regulares em nossas publicações, que
acontecem (quase sempre) uma vez por semana.
Para nossa felicidade, os textos do blog passaram a ser citados
em trabalhos acadêmicos e tornaram-se instrumento de estudo didático
para muitos estudantes das ciências sociais e humanas com pesquisas
ligadas à área internacional. Foi a partir desse momento que decidimos
seguir este caminho que extrapola o mundo virtual, ainda que nele
esteja contido, e materializar esta publicação, cuja seleção dos textos
seguiu dois critérios: o número de visualizações do texto e temas mais
recorrentes.
O livro está dividido em 9 seções. A primeira, intitulada
“Diálogos com as Relações Internacionais” apresenta os textos de
Ingrid Sarti, Mônica Leite Lessa e Williams Gonçalves, nossos
professores, orientadores e nossos maiores incentivadores, que
discutem a atualidade das Relações Internacionais no mundo
contemporâneo, a integração regional e a busca pela autonomia. São os
únicos textos cedidos para a publicação que não passaram pelo blog. A
segunda seção “Diálogos sobre Economia Política Internacional” é
composta pelos textos de Hélio Farias, Patrícia Nasser de Carvalho e
André Saboya que nos ajudam a refletir a complexidade do momento
atual internacional através do olhar da EPI. Em seguida apresentamos
“Diálogos sobre Desenvolvimento” com os textos de Glauber Cardoso
Carvalho, Túlio Sene e Luiza Bizzo Affonso, que nos apresentam os
dilemas do desenvolvimento em um contexto neoliberalizante. Em
“Diálogos sobre Política Externa”, o leitor encontrará textos relevantes
sobre paradiplomacia e a necessidade de pensar a política externa como
uma política pública, através das perspectivas de Leonardo Granato,
Suellen Lannes e Victor Tibau. Na quinta seção retornamos nosso olhar
para os “Diálogos sobre Segurança e Defesa”, com os textos de Larissa
Rosevics e de Ricardo Zortéa Vieira. Em seguida, os “Diálogos sobre
Geopolítica” são promovidos pelos textos de Hélio Farias, Bernardo
Salgado Rodrigues e Marcelo Campello. Na sétima seção estão os
“Diálogos sobre Integração Regional” com as contribuições de Luiz
Felipe Brandão Osório, Glauber Cardoso Carvalho, Larissa Rosevics e
Thauan dos Santos. A oitava seção traz os “Diálogos sobre a América
Latina”, com a busca pela desconstrução do senso comum promovido
pelos textos de Larissa Rosevics, Bernardo Salgado Rodrigues e Licio
Caetano do Rego Monteiro. A nona seção denominada “Diálogos com a
História Contemporânea” apresenta as análises de Edilson Nunes dos
Santos Junior, Julia Monteath de França e Suellen Lannes.
Agradecemos a todos aqueles que colaboraram com o blog
“Diálogos Internacionais” e que por ventura não fazem parte dessa
edição: Beatriz Guimarães de Araújo; Caroline Rangel Travassos Burity;
Janaína Pinto; Jessika Cardoso de Medeiros; Mario Afonso Lima; Natalia
Rezende; Tiago Nasser Appel; Victor Carneiro Corrêa Vieira; Wagner
Souza, Wesley S.T Guerra (do Blog NEMRI/FESPSP). Aos nossos
leitores dos cursos de Defesa e Gestão Estratégica Internacional da UFRJ
e de Relações Internacionais da UFRRJ, da UniLaSalle e da
Universidade Católica de Petrópolis por contribuírem para a divulgação
dos textos publicados. E aos professores e colegas da Pós-Graduação em
Economia Política Internacional da UFRJ pelos intensos debates e
reflexões valorosas.

Glauber Carvalho e Larissa Rosevics


Junho, 2017
SUMÁRIO

1. D IÁLOGOS COM AS R ELAÇÕES I NTERNACIONAIS

T HEORETICAL AND DEVELOPMENTAL CHALLENGES TO


CONTEMPORARY S OUTH A MERICAN INTEGRATION ……… 13
Ingrid Sarti

M ERCOSUL CULTURAL : CAMINHO E PERSPECTIVAS DE


2003 A 2015....................................................................... 23
Monica Leite Lessa

A UTONOMIA ....................................................................... 47
Williams Gonçalves

2. D IÁLOGOS SOBRE E CONOMIA P OLÍTICA I NTERNACIONAL

S UPERANDO S ÍSIFO ? A Á FRICA E O SISTEMA


INTERESTATAL CAPITAL ISTA ............................................ 63
Hélio Farias

R EFLEXÕES SOBRE A RECUPERAÇÃO DA MAIS


RECENTE G REAT R ECESSION DA ECONOMIA
NORTE - AMERICANA ........................................................... 69
Patrícia Nasser de Carvalho

D ESEQUILÍBRIOS GLOBAIS , MOEDA ESTATAL E


DEMANDA EFETIVA ............................................................ 75
André Saboya

3. D IÁLOGOS SOBRE D ESENVOLVIMENTO

C ELSO F URTADO (1920-2004): DEZ ANOS SEM O


INTERNACIONALISTA ......................................................... 83
Glauber Cardoso Carvalho
"P OBRE M ÉXICO . T ÃO LONGE DE D EUS E TÃO PERTO
DOS E STADOS U NIDOS .".................................................... 89
Glauber Cardoso Carvalho

N OTAS SOBRE A RETÓRICA DO DESENVOLVIMENTO E A


COOPERAÇÃO INTERNACIONAL DESDE 1945 ................... 95
Túlio Sene

A AJUDA EXTERNA SOB A PERSPECTIVA DA T EORIA DA


D EPENDÊNCIA : O CASO DE M OÇAMBIQUE ...................... 101
Luiza Bizzo Affonso

4. D IÁLOGOS SOBRE P OLÍTICA E XTERNA

P ARADIPLOMACIA E RELA ÇÕES INTERNACIONA IS :


BREVE ABORDAGEM TEÓR ICA ........................................... 109
Leonardo Granato

O OUTRO LADO DA DIPLOMACIA ...................................... 113


Suellen Lannes

P OLÍTICA E XTERNA COMO P OLÍTICA P ÚBLICA :


PRIMEIRAS APROXIMAÇÕES A PARTIR DO CASO
BRASILEIRO ........................................................................ 117
Victor Tibau

5. D IÁLOGOS SOBRE S EGURANÇA E D EFESA

P ERSPECTIVA TRADICIONAL DE S EGURANÇA


I NTERNACIONAL E A A MÉRICA DO S UL ............................ 123
Larissa Rosevics

A ASCENSÃO DO ISIS E O JOGO GEOPOLÍTICO


GLOBAL .............................................................................. 127
Ricardo Zortéa Vieira

A ÁREA DE D EFESA NO B RASIL : AVANÇOS E 131


LIMITAÇÕES ........................................................................
Larissa Rosevics
6. D IÁLOGOS SOBRE G EOPOLÍTICA

O RETORNO DA GEOPOLÍTICA NO ORDENAMENTO DAS


FINANÇAS GLOBAIS ............................................................ 141
Hélio Farias

N OVA GEOPOLÍTICA DO PETRÓLEO NA A MÉRICA DO


S UL : QUEM TEM MEDO DA P ETROBRAS ? .......................... 145
Bernardo Salgado Rodrigues

A ECOLOGIA COMO QUESTÃO GEOPOLÍTICA NA


ATUAL CONJUNTURA DO SISTEMA INTERESTATAL
CAPITALISTA ..................................................................... 153
Marcelo Campello

7. D IÁLOGOS SOBRE I NTEGRAÇÃO R EGIONAL

R EFLEXÕES SOBRE A I NTEGRAÇÃO R EGIONAL VIA


U NIÃO E UROPEIA PELA INTERFA CE ENTRE D IRETO E
R ELAÇÕES I NTERNACIONAIS ............................................ 161
Luiz Felipe Brandão Osório

E M TERRA SEM TEORIA , QUEM TEM UM DITADO


FAZ LEI ................................................................................ 165
Glauber Cardoso Carvalho

I NTEGRAÇÃO R EGIONAL : REFLEXÕES TEÓRICAS


E PRÁTICAS A PARTIR DA E UROPA E DA A MÉRICA
DO S UL ................................................................................ 171
Larissa Rosevics

I NTEGRAÇÃO E NERGÉTICA : MAIS DO QUE APENAS UM


TEMA ECONÔMICO E TÉCNICO , UM TEMA POLÍTICO ...... 177
Thauan dos Santos

8. D IÁLOGOS SOBRE A A MÉRICA L ATINA

D O PÓS - COLONIAL À DECOLONIALIDADE ........................ 187


Larissa Rosevics
L IDERANÇA CARISMÁTICA NA A MÉRICA L ATINA ............. 193
Bernardo Salgado Rodrigues

P OR UMA DISCUSSÃO DO B ANCO DO S UL , O “B ANCO


DOS B RICS LATINO - AMERICANO ”..................................... 197
Bernardo Salgado Rodrigues

NARCOS E A RETÓRICA CONSERVADORA NA


NARRATIVA DA GUERRA ÀS DROGAS ................................. 203
Licio Caetano do Rego Monteiro

9. D IÁLOGOS COM A H ISTÓRIA C ONTEMPORÂNEA

13 ANOS DE B OLSA F AMÍLIA : A CONTEMPORANEIDADE


DA TRANSFERÊNCIA DE RENDA E DOS “ SISTEMAS DE
ABONOS ”.......................................................................... ... 221
Edilson Nunes dos Santos Junior

H Á MUITO MAIS ENTRE O CÉU E A TERRA DO QUE


POSSA IMAGINAR NOSSA VÃ POLÍTICA .............................. 229
Suellen Lannes

A ÉTICA DOS D IREITOS H UMANOS E O “E SPÍRITO DE


C ARTAGENA ”...................................................................... 235
Julia Monteath de França

E SPAÇOS SOBRE A M EMÓRIA ............................................. 241


Julia Monteath de França

S OBRE OS AUTORES .......................................................... 245


Diálogos com as
Relações Internacionais
THEORETICAL AND
DEVELOPMENTAL CHALLENGES
TO CONTEMPORARY SOUTH
AMERICAN INTEGRATION

Ingrid Sarti

Introduction

T
he world literature on regionalism has privileged the need
to differentiate between integration levels and
institutionalization processes since the first attempts to
understand integration experiences other then the European
one. Some important comparative analyses have concluded that,
despite their convergent characteristics, new experiences did not
fit easily in the theories of regional integration that were
developed from the European case. According to Schmitter
(2004:1), the so-called new theories of integration which have
emerged from the eighties often mistakenly relied on the
European historical process to such an extension that turned out
not to be theories at all, but just more or less elaborate languages
for describing what the authors thought had taken place in the
recent past.


Texto originalmente apresentado no 8th European Consortium of Political Research, 2013,
Glasgow.
Theoretical and developmental challenges to contemporary South American integration

Nevertheless, despite global capitalist crisis and important


changes in the political economic role of South American and
Asian powers in this Millenium, European Union remained
overweighted as an analytical reference to the studies on the new
integration experiences. It might be possible to explain the
prevailing European based paradigm by the need to respond to
and be part of the dominant academic framework, even though
it appears to be the same which tended to mistakenly over
evaluate the EU experience as a theoretical abstract model for
integration, as mentioned above. Nevertheless, one might
strengthen that this route has not leaded -and most probably will
not- to a better understanding path, inasmuch as it
underestimates the importance of the historical context.
Undoubtedly, the EU remains as an emblematic post-war long
case of integration, whose lessons turned to be valuable tools for
comparative analysis, but a theoretical approach to any
integration case needs to be ruted in the historical context if it is
not to be a mere abstraction, or just an elaborated language.
South American integration process has been a renewal of
interest in the study of institutional, developmental and
geopolitical issues and the integration mechanics of decision-
making in its present stage. Being the core of an overall political
platform which -in different degrees- was formally adopted by
most of the elected South American presidents in the 2000´s first
years1, its potential as a strategy to face hegemonic power and its
ongoing status have been pointed out as an important source for
critical thought nowadays (ANDERSON, 2013, COX, 2009;
HARVEY, 2010; SANTOS, 2007; WALLERSTEIN,2009).
Diálogos Internacionais: reflexões críticas do mundo contemporâneo

This ongoing integration experience may be summarized


as a political framework which states the need to absorb,
articulate and elaborate national diversities, conflicts and
convergent interests as a common regional challenge towards
autonomy and development. Its complex and multifaceted
nature suggests the need to specify what makes it an unique
experience, an approach which requires that one focuses on the
goals and values that define South American integration itself, as
a first step to ease the way to understand the applied policies and
evaluate their difficulties and obstacles. For the scope of this
brief essay, some of the main aspects which draw the identity of
the present South American model of integration are stressed, as
follows. Some of the outcomes are merely mentioned,
nevertheless it is hoped that the questions presented may foster a
dialogue and thus contribute to enrich the valuable theoretical
integration framework.2

Trends and questions

Ongoing South American integration is part of a


geopolitical and historical process (BANDEIRA, 2008) which is
certainly influenced by the world capitalist crisis conditions, but
also results from the permanent search for the region´s
autonomy along its large economic and social developmental
process. Integration now, as it was symbolically in the past, is
driven by the will to overcome the peripheral status of world
capitalism where it has been placed since discovery and
colonization. However, now, for the first time in the continent
history, these ideals define policies which are simultaneously
promoted by regional State governments.
Theoretical and developmental challenges to contemporary South American integration

This crucial feature not only defines the present concept of


integration, but also explains why it is limited to South America -
and is not applied to Central and Latin America, with its deep
economic dependence on the US rules and policies. Thus,
autonomy in this case is conceptually characterized by its
intrinsic opposition to the historically unbalanced global order
(MONIZ, 2003). Under the somewhat diffuse expectation that
post Cold War context would lead to some power equilibrium in
a multilateral world system, South American integration and a
South-South relationship - with prominence to middle powers -
were also conceived as a strategy towards a more balanced new
international order (JAGUARIBE, 2007). Thus, the Brics´ attempt
to find new alternatives for a financial and infrastructure
architecture based upon their own interests and needs is a strong
convergence with the South American strategy towards a new
world development (LIMA, 2011).
In short, asymmetry is a keystone not only internationally
but also among regional States and inside each one; to overcome
it at the three overlapping levels is a central task to be faced by
new creative tools along the integration process. It might be
useful to remind that, on the one hand, Brazil and Argentina
foreign policies share a long history of cooperation and
partnership, which paved the way to the South American
Common Market – Mercosur integration in the eighties. On the
other hand, the political leadership of Brazil and Venezuela, as
the petroleum power, is a key element to guarantee a solid and
solidary cooperation for the successful regional autonomous
foreign policy at the South American Nations Union – Unasul
level. Moreover, the Brazilian role as an emergent power is
strategically placed in the core of this asymmetric frame, which
also points out to the above mentioned South-South importance
as a regional strategy to approach and deepen the continent
relationship with Asian and African countries.
Two other aspects are controversial as far as they question
some assumptions in the academic literature. The first one
regards an increment into the regional historical presidentialism
Diálogos Internacionais: reflexões críticas do mundo contemporâneo

through the increase in presidential diplomacy - a feature that


shakes the conceptual importance of supranational institutions
(MALAMUD, 2004; MEDEIROS, 2010). However, due to the
cultural and political influence of the presidentialist pattern in
the continent, this variable might not be conclusive for analytical
purposes, especially if it leaves a door open to a search for an
innovative institutional architecture. It has been already pointed
out that the strong executive performance was a positive trend
for Unasur ´s decision-making process (EMERSON, 2014).
More relevant in theoretic- analytical perspective is the
political nature of the present South American integration, a
feature which is often disregarded (SARTI, 2013). In this
proposal, on the contrary, this is the point of departure as a
decisive cognitive feature (SARTI, 2014). Nevertheless, it is a
matter of concern that a political and presidentialist nature may
reveal a conceptual fragility in the medium-term which lies in
the dependence upon electoral outcomes within the context of
highly ideological dispute that prevails in the continent's
democracies.
At this point, it might be useful to mention that, even when
considering just the South, there are remarkable differences
between two3 of its main integration blocs: the South American
Common Market – Mercosur – and the South American Nations
Union – Unasul. While the last was founded by the 12
governments on power in 2008, the first has already
accomplished more than 20 years, which tends to introduce an
analytical problem in order to distinguish continuity from
rupture in the integration process (CERQUEIRA, 2011;
CAETANO, 2011).
Thus, there are functions and performances within a
common integration project which are differentiated according
Theoretical and developmental challenges to contemporary South American integration

to the regional bloc where they are placed. Five out of the 12
Unasul States are also permanent Mercosul State-partners, hence
their deep commitment to the integration ideals, which is not
found, however, in some of the Unasul partners, who are not
aligned to the regional autonomous strategy and have had a
historical experience in economic, commercial and defense
bilateral agreements under the United States influence
(Colombia, Chile and Peru). However, they share some of the
Unasul developmental strategies, especially the ones regarding
energy and transportation infrastructure.
It is inevitable to approach the new face revealed by
Mercosur when thinking about its twenty-year trajectory, in
other words, to approach rupture into continuity. Mercosur
institutionalization (1990) was a result of previous projects
(FUNAG, 2010), which were thought - in short - to promote
internal market by easing a commercial trend basically between
the two countries which had already had a cooperation tradition,
i. e, Argentina and Brasil. The new face begins in 2004 as the
result of a broad rejection to the Free Trade Area of the Americas
- FTAA, the outcome being a rupture with the open regionalism
trend from the nineties, when a considering commercial activity
had a profitable outcome for the main entrepreneurs partners.
Under the influence of popular governments and the
changes in their foreign policies, the new model sought to build a
Mercosul new identity and consolidate a new democratic social,
political, economic and cultural pattern. Remarkable policies
advance was achieved in different areas, such as education,
family farming and immigration, human rights and social
development. New important institutional mechanisms were
created, but their prosperity require a better financial support,
such as the Social Mercosul Institute (IMS) and the Mercosul
Structure Convergence Fund (Focem), the last of which turned to
be the most relevant concrete measure aimed at overcoming
asymmetries within the bloc.
However, despite the whole innovative policies, the
previous Mercosul institutional structure was preserved – which
Diálogos Internacionais: reflexões críticas do mundo contemporâneo

is a problem. State bureaucracy, from which the Parliament´s


imobility is emblematic, is clearly behind the efervescence of
social, political and cultural integration (Sarti, 2014). Other
matters seem to be calling attention in the most recent global
crisis stage, one of them being the subject of possible new
Mercosur international agreements that do not fit in the
integration developmental and autonomous paradigm. Another
one leads to the outstanding Chinese presence as a commodities
importer in the Mercosur economy, which points out the
traditional obstacle in reaching an industrialized developed
nation level in each regional country (GUIMARÃES, 2013).
Turning now to the new born Unasul bloc, a regional
dynamism has already demonstrated that an integration
innovative architecture is capable of dealing with a cultural
political tradition such as strong presidentialism and develop a
closer inter-governmental dimension which is deeply oriented
towards South American geopolitical and social interests. Its
structured Councils are trying to implement new paths for
exploring and preserving natural resources (COSTA, 2013) and
protecting State sovereignty in the continent (AMORIM, 2014;
FORTI,2013). A new development and a new democracy seem to
be the word of command carried by the Institution, one aimed at
guiding not only foreign policy but also regional arrangements
and internal conflicts.
Nevertheless, a lot is to be done in order to achieve the
Unasul goals. The precarious link between Science, Technology
and Innovation policies and the knowledge of South American
resources and needs is a priority in the relation of Unasul
immediate tasks. The claim here is that one has to know our
resources and spread this knowledge among South American
people, even before thinking on preserving them. Regarding this
concern, the improvement in the area of public health achieved
by the Unasul Council of Government on Health – ISAGS (for it
acronyms in Spanish) deserves to be especially noticed.
Theoretical and developmental challenges to contemporary South American integration

Final observations

Once considered that the acknowledgement of deep


asymmetrical international relations as well as of internal social
inequalities is a departure point for the integration South
American concept in the XXI Century, it cannot be mistakenly
understood as a mere modernization process nor a mere
hegemonic power dispute. This integration perspective concerns
the struggle against poverty and inequality and is driven by the
need to achieve a social, economic, cultural and sustainable
development based on justice and democratic values and
institutions.
As mentioned above, the developmental experience
framed by the aims of an autonomous foreign policy and social
inclusion has led to a new perspective towards the achievements
in different areas such as education, science and technology and
civil rights. Regional commercial interchange increased along
with financing cooperation tools which are just beginning to be
implemented. The need to promote industrialization and to
build the required infrastructure is pointed out as one of the
main challenges for a successful integration. Social participation
in the integration decision-making process still remains as an
important claim to increase democracy in the continent, which
has already demonstrated a remarkable dynamism in the
progress towards a democratic, autonomous and inclusive
development.
A lot has to be done in this complex and multifaceted
South American integration process, an unique experience which
may contribute to comparative analyses within the framework of
political theories of integration. It is hoped that the questions
here presented might foster a profitable and provocative
dialogue.

Bibliography
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Diálogos Internacionais: reflexões críticas do mundo contemporâneo

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MERCOSUL CULTURAL:
CAMINHO E PERSPECTIVAS DE
2003 A 2015

Mônica Leite Lessa

O contexto

N
o início do século XXI, em um contexto sul-americano
transformado pelas eleições de governos de
progressistas, e pela consequente reformulação das
agendas desses países, o Mercosul adquire renovado impulso e se
afirma para além da dimensão estritamente econômica até então
praticada. Apresenta-se como espaço de uma política regional
empenhada na redução das desigualdades sociais, na redução das
assimetrias entre os países sul-americanos, na promoção de uma
nova inserção da região no sistema internacional.
Essas novas forças políticas constituem a reação mais
evidente ao Consenso de Washington, prescrito, e adotado na
América do Sul, na década de 1990, como a “conduta econômica”
mais “acertada” para os países em crise, ou em desenvolvimento,
e que, afinal, provocou resultados altamente negativos para as


Texto adaptado do apresentado no XXXIV International Congress of LASA, 2016, Nova
York. Cultural Mercosur: path and prospects from 2003 to 2015. Nova York: LASA, 2016. v.
1. p. 1-17.
Mercosul Cultural: caminho e perspectivas de 2003 a 2015

economias sul-americanas, para o expressivo aumento dos


índices de desemprego, de pobreza, de desindustrialização e da
dívida pública.
Por sua vez, as mudanças globais ocorridas a partir de
1989, nos marcos do fim da Guerra Fria, ao afirmarem o triunfo
do neoliberalismo promoveram o “real ou ilusório” (HELD:
2001), fenômeno da globalização ao lado de uma nova
configuração geopolítica: os blocos regionais. Apresentados como
possíveis respostas aos desafios que o novo cenário internacional
representava para os Estados nacionais, indiscriminadamente, a
constituição da União Europeia, do Mercosul e do Nafta seria
motivada por ideais solidários contra as promessas não
cumpridas da globalização (STIGLITZ: 2002) e contra os efeitos
colaterais da nova ordem internacional. A lista é longa, mas para
os fins deste artigo basta lembrar que coexistem com os
fenômenos desse final de Século XX a ideia de fim das utopias, a
ideia de fim das divisões ideológicas e a crença em uma
tendência para emergência de conflitos culturais. Nesse sentido,
o entendimento de que na “globalização”, ou na “pós-
modernidade”, a cultura não é mais uma “expressão
relativamente autônoma da organização social”, mas a “própria
lógica” do capitalismo tardio (JAMESON: 1985), aponta para a
necessidade de se repensar o lugar da cultura a partir de 1945,
articulado com as expectativas, perspectivas e as disputas
travadas em seu nome.
Contemple-se, no mesmo período, a situação na América
do Sul. Ao longo dos anos 1980 e início dos anos 1990, as
tentativas de integração regional ganharam impulso
acompanhadas de esforços para melhor adequação à
reestruturação da nova ordem mundial e às medidas
preconizadas pelo Consenso de Washington. O paradigma
neoliberal se impôs como pensamento único e passou a
contestar, sem cerimônia, a tradicional estatização das economias
locais que passaram a sofrer toda sorte de pressões em nome da
globalização. No campo político, a nova ordem assumiu um
caráter homogêneo no qual o “pluralismo democrático como
Diálogos Internacionais: reflexões críticas do mundo contemporâneo

forma legítima de organização” político-social tornou-se a


condição sine qua non para um mais amplo acesso e trânsito dos
países na cena internacional.
A integração da América do Sul despontou, nesse contexto,
como saída para o aquecimento das economias locais, para a
projeção regional no sistema internacional, para a proteção
dessas economias contra os efeitos colaterais da globalização. Ao
contrário de experiências anteriores, contudo, notadamente Alalc
e Aladi, o modelo de integração em curso na década de 1990
orientou-se para o exterior do bloco regional, não se baseava na
substituição de importações mas apostava em projetos de
desenvolvimento alicerçados sobre a abertura econômica
estimulada pelo ambiente internacional (SARAIVA: 2007).
Especialmente para o Brasil

[...] as relações com os vizinhos sul-americanos e,


especialmente, a construção de um espaço regional
integrado no sub-continente, representam o principal
objetivo para a diplomacia brasileira. Em primeiro
lugar, ela busca preservar e aprofundar o Mercosul e,
paralelamente, ampliar a integração para o conjunto
sul-americano. Neste contexto, a Argentina e a
Venezuela constituem as prioridades. Disto também
depende a manutenção da certa autonomia do Brasil
no contexto da globalização, condição indispensável
para a estruturação de um projeto nacional que
permita ao país contribuir para a estruturação de um
dos pólos de um sistema internacional multipolar. Para
tanto é vital superar a atual crise dentro de uma
perspectiva que mantenha esta conquista que é o
Mercosul, bem como evitar a implantação da ALCA [...]
O Mercosul representou o primeiro processo de
integração sul-americano, e também latino-americano,
a obter resultados concretos e a abrir alternativas
regionais para uma melhor inserção internacional dos
países do cone sul, nos quadros de uma ordem
mundial emergente. (VIZENTINI: 2007)

A despeito, portanto, das dificuldades inerentes a qualquer


processo de integração, e das críticas formuladas em relação a
Mercosul Cultural: caminho e perspectivas de 2003 a 2015

vários dos aspectos constitutivos da formação do Bloco, como a


ausência, ou insuficiência, de políticas de promoção social, o
Mercado Comum do Sul avançou expressivamente, entre 2003 e
2015, agregando à sua proposta original outras dimensões, além
da política e da econômica, que ampliaram as expectativas e os
horizonte fixados pelo Tratado de Assunção (1991), o qual nem
sequer menciona o fator cultural no projeto de integração. Muito
cedo, entretanto, em 1992, a cultura passou a ser incorporada nas
formulações políticas do Bloco, conforme demonstra a
organização do primeiro Encontro de Secretários de Cultura e
Autoridades Culturais do Mercosul, organizado no Brasil, em
Fortaleza. Nesse sentido, novamente diferentemente do ocorrido
em tentativas precedentes de integração regional do
subcontinente, destaca-se o fato da cultura, finalmente, ocupar
um lugar no processo de integração do Cone Sul.
Essa mudança sobre o lugar da cultura no Mercosul é, em
parte, acreditamos, repercussão dos debates em curso na Rodada
do Uruguai (1986-1994). Ao longo desse oitavo round de
negociações comerciais multilaterais, Estados Unidos e França
travaram calorosos debates sobre o status da cultura na recém-
criada OMC. Do ponto de vista da França, a cultura deveria ser
considerada uma exceção nas negociações comerciais
multilaterais (RIGAUD: 1995). Apoiada por uma coalizão de 31
países de todos os continentes, entre eles Brasil, Chile, Colômbia,
Equador, México, Peru e Uruguai, essa coalizão logrou aprovar
um conjunto de dispositivos no interior da OMC que garantiram
a soberania dos Estados no tocante à liberalização de seus “bens e
serviços culturais”. Essa disputa expôs, para além dos círculos dos
formuladores políticos, a importância do fator cultural no
sistema internacional.
A influência dos debates internacionais em torno da
cultura teria contado para fortalecer a posição daqueles que
assinalavam a defasagem de uma proposta nascida “amputada”,
nas palavras de Hugo Achugar (1994), por não contemplar a
dimensão cultural na estrutura do recém-criado Mercosul?
Provavelmente. De todas as formas, o ineditismo da proposta era
Diálogos Internacionais: reflexões críticas do mundo contemporâneo

substancialmente duplo: “Temos claro que chegar à integração


pela via da cultura é propender a uma nova cultura da
integração”. A uma “congruência significativa”, isto é, a uma
“integração cultural”, no sentido entendido por Sorokin, e
compartilhado por Recondo, que concebe os fenômenos
culturais como integrados (solidários), não integrados (neutros)
ou contraditórios (antagônicos). A integração pela via da cultura
“é mais um produto da realidade do que consequência de
deliberações de grupos” e significa, portanto, de alguma maneira,
na “ideia de solidariedade” (RECONDO: 1997).

Desafios e avanços

A partir dos anos 1990, observa-se uma crescente e


expressiva participação da economia da cultura na economia
global, a ponto de o setor representar, em 2006, mais de 7% do
PIB mundial, com um valor aproximado de 1,3 trilhões de
dólares americanos, o dobro das receitas provenientes do
turismo internacional, estimadas, no mesmo momento, em 680
bilhões de dólares. Na mesma década de 1990, a economia da
cultura nos países da OCDE cresceu a um ritmo anual duas vezes
superior ao do setor dos serviços, e quatro vezes superior ao da
produção industrial. (UNESCO: 2009). Segundo relatório da
UNCTAD, de 2010:

Em 2008 a erupção da crise econômica e financeira


mundial provocou uma queda na demanda global,
além de uma concentração de 12% no comércio
internacional. Contudo, as exportações mundiais de
produtos e serviços criativos continuaram a crescer,
alcançando $ 592 bilhões em 2008 — mais que o dobro
do volume em 2002 –, o que indica uma taxa de
crescimento anual de 14% durante seis anos
consecutivos. Essa é uma confirmação para o fato de
que as indústrias criativas apresentam enorme
potencial para os países em desenvolvimento que
buscam diversificar suas economias e dar um salto em
direção a um dos setores mais dinâmicos da economia
mundial. (UNCATD: 2010: 10)
Mercosul Cultural: caminho e perspectivas de 2003 a 2015

Essa performance, explica, em parte, as disputas em torno da


liberalização dos bens e serviços culturais nos marcos da Rodada
do Uruguai e da OMC, e da polêmica tese de Huntington sobre
os choques culturais. Em 2005, os debates e controversas em
torno da cultura resultaram na adoção da Convenção Internacional
para a Proteção e Promoção das Diversidades das Expressões Culturais e
Artísticas, na 33ª Conferência Geral da UNESCO.
Nessa mouvance, a eleição de Lula da Silva foi fundamental
para a renovação do Mercosul, por meio de uma retórica
progressista e mobilizadora em prol de uma integração ampliada
e solidária, declaradamente progressista em relação ao modelo
então em vigor: “o Mercosul que nós acreditamos não é o
Mercosul eminentemente comercial. O Mercosul que nós
queremos tem de ser comercial, político, econômico, social e
cultural” (SILVA: 2003).
Paralelamente, cabe destacar, três aspectos das mudanças
promovidas nas políticas públicas dos governos Lula da Silva
afetaram radicalmente a posição do Brasil vis a vis a integração: o
resgate do conceito de desenvolvimento como um dos princípios
que orientam a execução da política externa nacional
(GONÇALVES: 2011); a redefinição e a valorização da cultura
como fator de desenvolvimento e de inclusão social; a afirmação
do Mercosul como dado fundamental da política externa
brasileira – “a principal prioridade do governo do presidente
Lula na área internacional” (AMORIM: 2010).
É nesse contexto que o Mercosul Cultural adquire um
interesse especial no quadro da integração.4 Primeiramente,
contudo, é importante ressaltar que antes da criação do Mercosul

4 Consta, no entanto, que até aproximadamente 2003 a necessidade de formação de um


corpo técnico especializado em assuntos culturais, a organização de uma rotina própria do
órgão, e a institucionalização da política a ser adotada marcaram a existência da
instituição, dotada apenas de uma secretaria itinerante e sem um orçamento anual fixo. Em
2006, o “Diagnóstico sobre o Desempenho do Mercosul Cultural”, apresentado durante a
XXIII Reunião do Comitê Regional do Mercosul Cultural, pelo Ministério da Cultura do Brasil
- MinC, concluiu que “dois desafios estruturais” persistiam desde a criação do órgão: a
descontinuidade das políticas acordadas e as assimetrias sistêmicas inerentes ao bloco.
Diálogos Internacionais: reflexões críticas do mundo contemporâneo

Cultural as relações culturais latino-americanas eram, sobretudo,


de caráter bilateral, intermitentes, de discutível alcance,
concebidas como ações diplomáticas isoladas, sempre limitadas
por restrições orçamentárias, com público alvo restrito,
empreendidas pelos países com maior capacidade de
investimento, desconsideradas como fatores de desenvolvimento
e de integração, e favorecedoras da assimetria entre os países.
Essa situação se modifica com a criação do Mercosul
Cultural5. Primeira experiência na aérea da cultura, em nível
regional, que normatiza a participação dos Estados na promoção
das trocas culturais, das ações programadas para preservação do
patrimônio histórico e cultural material e imaterial dos povos da
região, na criação de condições de acesso universal aos bens
simbólicos, condições de criação e produção de bens culturais.
Essa é uma realidade recente, inédita, e por isso a lista de ações
programadas do órgão é longa – e atualmente, em grande parte,
já executada6.

5 A Reunião dos Ministros da Cultura do MERCOSUR (RMC) foi criada em agosto de 1995,
Decisão do Conselho do Mercado Comum Nº 02/95, como instancia do diálogo entre as
máximas autoridades de cultura dentro da estrutura institucional do Bloco, para promover a
difusão das culturas dos Estados Parte por meio da apresentação das propostas de
cooperação cultural ao Conselho do Mercado Comum (CMC). Em 1996, com a aprovação
do Protocolo de Integração Cultural do Mercosul, e da Declaração de Integração Cultural,
de 2008, foi possível o avanço da institucionalização do compromisso dos Estados em
assumir a cultura como elemento primordial para o aprofundamento do processo de
integração. A estrutura e o regulamento interno (Dec. CMC Nº22/14) do Mercosul Cultural
é composto pela RMC e os seguintes órgãos subordinados: Comité Coordenador Regional
(CCR), Secretaria do Mercosul Cultural (SMC), Comissão do Patrimônio Cultural (CPC),
Comissão da Diversidade Cultural (CDC), Comissão de Economia Criativa e Indústrias
Culturais (CECIC), Comissão de Artes (CA), Foro do Sistema de Informação Cultural do
Mercosul (SICSUR). http://www.mercosurcultural.org/index.php/2015-10-06-13-01-
45/que-es-el-mercosur-cultural
6 Dentre as ações previstas pelo Mercosul Cultural na ata de Canela, da Primeira Reunião
de Ministros de Cultura do Mercosul, realizada na cidade de Canela, Rio Grande do Sul,
nos dias 2, 3 e 4 de fevereiro de 1996, foram definidas as seguintes metas, com destaque
para o projeto de criação de um Centro de Documentação e Pesquisa; do Museu das
Missões, em San Miguel (Brasil); o projeto argentino da construção de três Centros de
Interpretação e Apoio nas Missões Jesuíticas de San Ignácio, Santa Ana e Loreto; cursos
capacitação (organizados pela Argentina e pelo Brasil) sobre Projetos Culturais para o
Mercosul; cursos de capacitação sobre Gestão e Administração do Mercosul;
desenvolvimento de redes nacionais de informação cultural entre os países mercosulinos e
Mercosul Cultural: caminho e perspectivas de 2003 a 2015

Nesse sentido, uma análise comparativa das pesquisas


desenvolvidas sobre as relações culturais no âmbito da integração
(LESSA: 2009; 2010) e em períodos anteriores (NEPOMUCENO:
2012) à criação do Mercosul Cultural constituem um excelente
parâmetro para se conhecer as diferenças - e constatar os avanços
- entre esses dois momentos da história das relações culturais sul-
americanas.
Por sua vez, as mudanças operadas na política externa
brasileira, a partir de 2003, aliadas à “valorização da cultura no
contexto das políticas públicas do governo federal e como um
elemento central no projeto de desenvolvimento do Brasil”
(FERREIRA, 2013) contribuíram radicalmente para a atuação da
diplomacia cultural7 brasileira nos marcos da integração, como

integradas no SICLaC (Sistema de Informação Cultural da América Latina e do Caribe);


apoio a projetos de informatização dos países Parte ante os organismos internacionais,
considerando-os de interesse comum; criação de um Centro de Documentação Musical do
Mercosul (iniciativa uruguaia); promover o avanço de estudos sobre os Direitos Autorais;
promover o funcionamento da Casa de Cultura do Mercosul em Colônia (Uruguai) e a
criação de outras similares; garantir a circulação de escritores e artistas, em prol da difusão
cultural e da formação de jovens talentos (cabendo a cada país os custos de transporte e
remuneração de seus artistas e ao país anfitrião a organização da programação, o
alojamento e a manutenção dos artistas a receber; a coedição anual (Argentina-Brasil) de
dez títulos de literatura brasileira para distribuição no Mercosul e a publicação para os
países do Bloco, de dez títulos da coleção “Gênio e figura de escritores do Mercosul”;
realização de uma exposição itinerante (proposta argentina) de cem obras de artistas
plásticos do Mercosul; realização do Programa Magallañes (proposta argentina para
1996-2005) de caráter integrador da consciência histórica dos povos do Mercosul;
instituição de prêmios (proposta argentina) para diferentes setores da área da cultura;
instituição de prêmios para jovens talentos da cultura; recomendação de inclusão de
temáticas sobre estatísticas e indicadores culturais como temas de cursos a serem
organizados pelo Mercosul cultural (com vistas à preparação de um censo cultural, com
respaldo da Aladi); adotar o Dia [17 de setembro] do Patrimônio Cultural (comum a todos
os países do Bloco); patrocinar realização de seminários sobre o imaginário cultural do
Cone Sul; produzir obras de meia-metragem da Federação de Escolas de Imagem e Som
da América Latina; incorporar a oferta brasileira de oferecimento de vagas para cursos de
curta duração em escolas de circo, de artes cênicas, e de restauro de bens culturais em
geral.
7 Por diplomacia cultural define-se não só as ações do Estado, mas também a de agentes
civis engajados em projetos do Estado ou em projetos que beneficiem o Estado, que visam
organizar, patrocinar, realizar, ou supervisionar ações no âmbito da cultura que
beneficiarão o país de origem, ou seus cidadãos, na organização, realização, difusão ou
consumo de bens ou de serviços culturais. Cf. LESSA, 2002.
Diálogos Internacionais: reflexões críticas do mundo contemporâneo

não deixaram de afirmar os formuladores de política do governo


Lula da Silva: “o Mercosul e a relação com os países da América
do Sul têm sido uma prioridade no esforço geral do governo
brasileiro para integrar a região, não apenas economicamente,
mas culturalmente.” (GIL, 2012).
Nesse contexto, aparentemente tão favorável ao
desenvolvimento das relações culturais do Bloco, e à economia
da cultura, constata-se, porém, os desafios a serem superados.
Cabe destacar que as mudanças nas diretrizes da integração
implicam, também, em mudanças de caráter institucional.
Passada a fase inicial de formação de uma estrutura
organizacional do Mercosul Cultural - que compreende a
constituição de um corpo burocrático especializado, de rotinas
de trabalho, de formulação de um estatuto do órgão, de um
orçamento anual, e de numerosos estudos técnicos sobre o tema
-, em 2010 foi aprovada a criação e instalação de uma Secretaria
Técnica, fixada na capital da República Argentina, e na XXXI
Reunião de Ministros da Cultura do Mercosul, realizada no Rio
de Janeiro, em 2010, sob a presidência pro-tempore do Brasil, foi
aprovada a criação do Fundo do Mercosul Cultural8. Em 2012
foram aprovados o documento de “Estrutura Orgânica e o
Regulamento Interno do Mercosul Cultural” 9 e a criação de um
grupo de trabalho denominado “Comitê Coordenador Regional”
– encarregado da redação do “Plano Estratégico de Integração
Cultural do Mercosul”, com a função de estabelecer os objetivos
de médio e longo prazo para respaldar as ações de integração,
cooperação e intercâmbio cultural do Bloco.

8 O orçamento foi fixado em US$ 1 milhão e cada país membro contribui


proporcionalmente de acordo com seu PIB. O Conselho do Mercado Comum, que instituiu o
Fundo, anunciou que os países contribuirão na seguinte proporção: Argentina, 27%; Brasil,
70%; Paraguai, 1%, e Uruguai, 2%. O Fundo foi aprovado inicialmente pelos Congressos
da Argentina e do Uruguai, mas somente em 2014 o Congresso brasileiro aprovou a
contribuição brasileira.
9 Com o seguinte organograma: Comité Coordenador Regional (CCR), Secretarea do
Mercosul Cultural - SMC, Comissão do Patrimônio Cultural - CPC, Comissão da Diversidade
Cultural - CDC, Comissão de Economia Criativa e Indústrias Culturais - Cecic, Fórum do
Sistema de Informação Cultural do Mercosul - Sicsur.
Mercosul Cultural: caminho e perspectivas de 2003 a 2015

É possível concordar que o avanço da institucionalidade do


Mercosul Cultural tenha contribuído tão pouco para as relações
culturais intrabloco? As avaliações negativas parecem
desconsiderar os avanços realizados e preferem registrar como
positivos os aspectos que somente se destacam nos marcos das
tradicionais políticas culturais e do mercado da economia da
cultura10. Não consideram os inéditos e inovadores esforços de
inclusão social e respeito à diversidade cultural, que norteiam as
ações do Mercosul Cultural, a partir do início do século XXI,
tampouco os desafios impostos à cultura no mundo neoliberal.
Essa visão negativa acerca do desempenho do Mercosul
Cultural ignora como eram “tratadas (ou destratadas)” as política
culturais dos países do Bloco até as eleições dos governos
progressistas? A relação entre consumo cultural e cidadania na
América Latina foi amplamente analisado por Nestor Canclini,
em obra de 1995, que destacou as características de uma política
cultural deformada por seu cunho elitista e mercadológico: a
formulação das políticas culturais dos países sul-americanos, em
sua a maioria, é composta de mensagens e bens culturais
produzidos fora dos territórios nacionais; a maioria dos
investimentos dos Estados concentra-se na tradicional tríade
artes cultas, preservação de patrimônios monumentais e
preservação do folclore, com poucos investimentos nas
indústrias culturais de massa e na diversidade cultural; o
predomínio do conglomerados comunicacionais transnacionais
dos grandes meios de comunicação de massa é determinante na
alienação cultural e política do público; as ações culturais dos
organismos internacionais, e aquelas originadas das reuniões dos
ministros da cultura, reproduzem “a concepção dos Estados que
prioriza” a tradicional tríade cultural; os circuitos independentes
e locais não são devidamente beneficiados pelos Estados,

10 “As atividades culturais mais importantes e com maior regularidade no Mercosul, têm
resultado, principalmente, de iniciativas de novos atores internacionais como artistas,
intelectuais, professores e pesquisadores universitários, alguns empresários e ONGs.”
(SOARES, 2008).
Diálogos Internacionais: reflexões críticas do mundo contemporâneo

restando-lhes o trabalho gratuito e subsídios erráticos de


universidades ou ONGs internacionais que patrocinam ações
como festivais, exposições e oficinas, programas audiovisuais
alternativos, publicações sobre o tema perfazendo um total, em
1995, de “mais de cinco mil grupos de educação, produção
cultural e comunicação independentes” na região. Resulta que
essa política cultural dos Estados sul-americanos atinge, tão
somente, 10% da população local. (CANCLINI: 1995: 233-236)
É, portanto, na natureza da política cultural que se
encontra o centro do debate sobre os avanços do Mercosul
Cultural. Diz respeito à temas mais antigos e complexos que
emergem com força, mas não são imediatamente percebidos
como essenciais na discussão nação-identidade-cultura-
comunicação-soberania-integração-globalização.
Em 2006, o então secretário executivo do Ministério da
Cultura do Brasil, Juca Ferreira, em discurso proferido no IV
Encontro Internacional sobre Diversidade Cultural, pontuou que
especialmente em relação à integração regional “duas tarefas
comuns, ao mesmo tempo complexas e instigantes” deveriam ser
cumpridas: “priorizar a cultura entre os deveres básicos do
Estado” e “valorizar a diversidade cultural”. Nesse sentido,
considerou o secretário, um passo importante havia sido a
participação dos países do Mercosul na “elaboração e aprovação”
da ratificação da “Convenção sobre a Proteção e Promoção da
Diversidade das Expressões Culturais”, aprovada em 2005 na
UNESCO, ao lado de outros países, e “mesmo diante da franca
oposição dos Estados Unidos” (FERREIRA, 2013b).
Alguns aspectos dos desafios da integração via cultura são,
portanto, evidentes. Inicialmente existe um desafio próprio do
modelo de integração intergovernamental do Mercosul que,
como analisa Ingrid Sarti, “propicia o diálogo como ferramenta
fundamental da democracia no continente” mas, em
contrapartida, “tenderia a dificultar uma plena
institucionalização que confira à integração o estatuto de política
de Estado”, ao contrário da institucionalidade supranacional da
UE que, no entanto, “tem sido apontada como um fator que
Mercosul Cultural: caminho e perspectivas de 2003 a 2015

engessa as políticas sociais e permite apagar os últimos vestígios


do pacto social original de uma Europa solidária e próspera que
inspirou o Tratado de Roma” (SARTI: 2011).
A institucionalidade da integração via cultura, porém,
ganha significado substantivo com a ascensão dos governos
progressistas. E isso porque esses governos reformulam suas
políticas culturais nacionais. No Brasil, por exemplo, para se usar
apenas uma metodologia de pesquisa, os efeitos devastadores do
status subalterno e transversal da cultura podem ser constatados
nos tristes índices do consumo cultural divulgados pelo
Ministério da Cultura, em 2009: Apenas 13% dos brasileiros
frequentarão uma vez no ano uma sala de cinema; 92% nunca
frequentaram um museu; 93,4% jamais frequentaram uma
exposição de arte; 78% nunca assistiram a um espetáculo de
dança; mais de 90% dos municípios não possuem salas de
cinema, teatros, museus ou espaços culturais multiusos; o
consumo de livros é em média 1,8 livros per capita/ano (contra
2,4 na Colômbia e 7 na França, por exemplo); 73% dos livros estão
concentrados apenas 16% da população; dos cerca de 600
municípios sem biblioteca pública ou privada, 405 estão no
Nordeste e apenas 2 no Sudeste; 56,7 % dos trabalhadores da área
da cultura não têm carteira assinada ou trabalham por conta
própria; a média brasileira de despesa mensal com a cultura, por
família, é de 4,4% do total de seus rendimentos, acima das
despesas com educação (3,5%), não variando em razão da classe
social; a cultura, ainda assim, ocupa a 6ª posição dos gastos
mensais da família brasileira.11 Por outro lado, os números de
importação/exportação dos bens culturais por região/país
reiteram a tímida participação regional no plano internacional. 12

11 www2.cultura.gov.br/.../Programa%20Mais%20Cultur.
12 Segundo dados da Unesco, por exemplo, o comércio geral de bens culturais passou de
U$ 39,3 bilhões em 1994 para U$ 59,2 bilhões em 2002, tendo em 2002, a União
Europeia continuado como principal exportador controlando 51,8% do mercado, em
decréscimo, no entanto, em relação a 1994, quando detinha 54,3%; seguida da Ásia com
20,6%; dos Estados Unidos, que caiu de 25%, em 1994, para 16,9% em 2002; da
América do Sul e do Caribe, que subiram de 0,8% em 1994 para 3% em 2002; da África
Diálogos Internacionais: reflexões críticas do mundo contemporâneo

Outro aspecto da questão diz respeito às disputas


internacionais em nome da proteção da identidade e da
diversidade cultural, das estratégias e prioridades de inserção
internacional dos países em um cenário internacional marcado
por tensões e disputas em torno do setor cultural. Segundo
pesquisa de Dênis Moraes, a revista Fortune divulgou, em 2012,
que da “[...] receita mundial de US$ 1,6 trilhão com mídia e
entretenimento em 2011, apenas sete megagrupos - Disney, News
Corporation, Time Warner, CBS, Viacom, CC Media Holdings e
Live Nation Enterteinement - acumularam juntos US$ 145
bilhões em 200 países. [...] O estudo “Global Enterteinement and
Media Outlook 2012-2016” [...] prevê que o investimento global
no setor deve saltar de US$ 1,6 trilhão em 2011 para US$ 2,1
trilhão em 2016, isto é, um crescimento de 25%.” (MORAES: 2016:
23)
Em termos da economia mundial, segundo dados da
UNCTAD, em seu relatório de 2010, as exportações de produtos
criativos do Sul alcançaram US$ 176 bilhões em 2008,
correspondendo a 43% do comércio total das indústrias criativas,
com uma taxa de crescimento anual de 13,5% durante o período
de 2002 a 2008:

Isso indica um sólido dinamismo, além do acelerado


crescimento da participação de mercado dos países em
desenvolvimento nos mercados mundiais para
indústrias criativas. O comércio Sul-Sul de produtos
criativos totalizou praticamente $ 60 bilhões, uma

e Oceania, com apenas 1%. Os mesmos números apontam ainda que do ponto de vista das
importações os países com altos índices de desenvolvimento são responsáveis por 90% do
mercado consumidor: os EUA lideram essa posição, seguidos do Reino Unido e da
Alemanha. Em 2003, 45,1% das importações brasileiras de bens culturais de base eram
provenientes dos Estados Unidos (28%), do Reino Unido (16,3%), e da América Latina e
Caribe (14%). Em 2003 os números de importação/exportação na balança brasileira
revelavam o mesmo desequilíbrio registrado em 1994, o registro anterior ao de 2003:
importação US$ 105,7 milhões e exportação US$ 56 milhões. Unesco, 2005: 10 e 33.
http://www.uis.unesco.org/Library/Documents/culture05_fr.pdf
Mercosul Cultural: caminho e perspectivas de 2003 a 2015

incrível taxa de crescimento de 20% no período. A


tendência também é confirmada no caso dos serviços
criativos, cuja participação no comércio Sul-Sul subiu
de $ 7,8 bilhões em 2002 para $ 21 bilhões em 2008.
Em face da evolução positiva, os países em
desenvolvimento se encontram intensamente
estimulados a incluir produtos criativos em sua lista de
produtos e a realizar negociações nos termos do
Sistema Global de Preferências Comerciais, a fim de
proporcionar impulso ainda maior à expansão do
comércio Sul-Sul nesse setor promissor. (UNCTAD:
2010: 254)

Dessa forma, a importância da cultura para o Mercosul


revelou-se inquestionável como perspectiva para o
desenvolvimento econômico e social da região. É, porém, a partir
da eleição de governos progressistas que se constatou uma
mudança na compreensão das possibilidades da cultura como
fator de desenvolvimento, estimulando, assim, o crescente
investimento em políticas públicas nacionais e no Bloco.
Responsável por 70% do orçamento do Fundo do Mercosul
Cultural, o Brasil passou a considerar o campo da cultura a partir
do conceito de política pública, mas, como destacou o ministro
Gilberto Gil na abertura do “Seminário Internacional de Políticas
Públicas de Cultura”, em 2005, o desafio do Ministério da
Cultura residia justamente em instituir esse entendimento e essa
prática. Assim, a cultura passou a ser entendida como “produção
e fruição de bens e serviços culturais que imprescindem de uma
perspectiva social”, como fator de desenvolvimento e de inclusão
social, como sistema de produção de bens simbólicos que
contribuem para o entendimento e para a integração. Não por
acaso, a institucionalidade do Mercosul Cultural teria se
aprofundado a partir dos anos 2000 - reflexo das mudanças em
curso nos países do Mercosul.
A despeito, contudo, dos avanços alcançados, as atribuições
e realizações do Mercosul Cultural, até 2015, ainda são
consideradas insuficientes. Em 2006, por exemplo, o Ministério
da Cultura do Brasil apontou, em documento intitulado
Diálogos Internacionais: reflexões críticas do mundo contemporâneo

Diagnóstico sobre o Desempenho do Mercosul Cultural, apresentado


durante a XXIII Reunião do Comitê Regional do Mercosul
Cultural, que “dois desafios estruturais” persistiam desde a
instituição do órgão: a descontinuidade das políticas acordadas e
as assimetrias sistêmicas inerentes ao Bloco. A esses dois desafios
acrescentamos um terceiro: os acordos globais e regionais.

Acordos globais e existências regionais

Uma breve digressão sobre o surgimento das políticas


culturais na Europa do século XX, a partir da obra de Pierre
Gaudibert (GAUDIBERT: 1972), pode ser um registro interessante
para se considerar a importância da dimensão cultural para as
políticas interna e externa dos países.
Gaudibet destaca como o primeiro ministério da Cultura
do Ocidente surgiu na França, em 1959, sob a inspiração de
André Malraux, como uma estrutura para viabilizar a difusão e
projeção da cultura francesa no exterior. No plano interno, a
“democratização da cultura” foi a principal meta fixada. Esse
projeto, denominado por uns de “revolução cultural” e por
outros de “revolução pacífica”, significou que a cultura passou a
encarnar “diferentes ideologias”: o “consenso cultural”, que
negava a luta de classes; ou “ideologias mais explícitas”:
“democratização cultural”, “populismo cultural”, “salvação
cultural”, “religião da cultura”. Firmou-se o discurso de que a
cultura deveria acompanhar as “revoluções” científica,
tecnológica e artística da época, e, nesse sentido, passou-se a
postular o fim do monopólio e do privilégio da cultura por parte
das elites, através de uma ação cultural combinada a uma ação
social que resultaria no acesso de todos a todas as formas de
expressão cultural. Todo o projeto sofreu críticas e controvérsias
que questionaram sua proposta, entretanto, ele não ficou restrito
à França pois sob a égide da UNESCO essa experiência tornou-se
modular, com adaptações segundo os países. Em 1968, a
UNESCO deu um passo importante ao declarar: “droits culturels en
tant que droits de l’homme”. Em seguida, a Agencia anunciou um
Mercosul Cultural: caminho e perspectivas de 2003 a 2015

novo paradigma de ação: “cooperação intelectual” e “conversão


ao desenvolvimento” apoiado na “assistência técnica”. A partir de
então, 2/3 de seus recursos passaram a ser empregados em ações
operacionais para a assistência técnica em prol do
desenvolvimento. Uma tendência dessa mouvance, impulsionada
pela UNESCO, teria sido o surgimento da indústria do turismo,
por exemplo. Seria, segundo Gaudibert, a partir dos anos 1960
que teria ocorrido essas extraordinárias mudanças de
perspectivas das sociedades em relação à cultura.
Por outro lado, desde sua criação, em 1945, a UNESCO
passou a determinar as políticas culturais no bojo da política
internacional. Essas passaram a ser adotadas pelos países porque
são subsidiadas pela Agencia, porque os países recebem
assistência técnica, porque conferem prestígio e visibilidade,
porque representam possibilidades de desenvolvimento, de
inserção internacional. As tensões, os conflitos e os dilemas que
envolvem esses processos que repercutem, com maior ou menor
impacto, na política cultural dos países, bem como nas demais
políticas públicas, são na maioria das vezes silenciosos. Porém,
quando essas políticas culturais envolvem interesses antagônicos
de potências mundiais, assiste-se à encarniçadas disputas
políticas, como a que envolveu a aprovação da “Convenção Sobre
a Proteção e Promoção das Diversidades das Expressões
Culturais e Artísticas”, em 2005, que ocorreu sem assinatura dos
Estados Unidos.
Em âmbito regional, a OEA congrega organismos e
políticas importantes que em grande parte das vezes disputam
lideranças ou projetos similares aos desenvolvidos com a
UNESCO e com o Mercosul. Desde 1996 existe o Programa
Interamericano de Cultura - PIC, e em 2002 foi criado o
Processo de Reuniões Interamericanas de Ministros e Máximas
Autoridades da Cultura - vinculado ao Departamento de
Educação e Cultura da OEA. Também foi criada a Comissão
Interamericana de Cultura - CIC, um organismo técnico-político
Diálogos Internacionais: reflexões críticas do mundo contemporâneo

de discussão, formado por representantes dos Ministérios da


Cultura e pelas Altas Autoridades de Cultura13. Para assegurar a
execução dos projetos elaborados e aprovados dentro do espírito
da CIC, muitos em rivalidade com as atribuições do Mercosul
Cultural, e com base nas propostas apresentadas pela Unidade do
Desenvolvimento Social, da Educação e da Cultura da OEA, foi
criado um “Fórum Virtual” para a comunicação dos delegados
dos países membros, e foi aprovada a criação de um fundo de
US$ 190,833.33.14
Esses diferentes entes, UNESCO, OEA e Mercosul,
colaboram entre si, mas também defendem posições conflitantes
em diferentes esferas. Como foi o caso do apoio do Brasil à
aprovação da Convenção Sobre a Proteção e Promoção das
Diversidades das Expressões Culturais e Artísticas, na UNESCO, em
2005, ao mesmo tempo em que já havia apoiado os Estados
Unidos, em 2001, ao ingressar para o Conselho de Serviços da
OMC. Dessa forma, o país alinhou-se à visão dos Estados Unidos
de que certos bens culturais, mais precisamente as obras
audiovisuais, são efetivamente produtos culturais
comercializáveis, e, portanto, devem ser submetidos às regras
gerais vigentes na OMC. Ao ratificar o reconhecimento da OMC
como foro privilegiado para a normatização e regulamentação do

13 A CIC foi criada para garantir a cooperação horizontal entre os Estados, de forma a
promover as relações culturais entre os países participantes, contribuir para a proteção e
desenvolvimento da diversidade cultural sustentável e informar, qualitativa e
quantitativamente, o Observatório Interamericano de Políticas Culturais de forma subsidiar
as Reuniões Interamericanas dos Ministros da Cultura e das Altas Autoridades da Cultura do
Conselho Interamericano de Desenvolvimento Integral - CIDI, bem como a Comissão
Executiva Permanente do Conselho Interamericano do Desenvolvimento Integral - Cepcidi.
Desde 2002, encontra-se também em estudo estratégias para a construção dos Sistemas de
Informação Cultural - CIS, com atividades compartilhadas entre os países. Em 2004, três
temas fundamentais de debate: a cultura como geradora de crescimento econômico,
emprego e desenvolvimento; desafios das indústrias culturais; a cultura como instrumento de
coesão social e combate contra a pobreza. Uma terceira reunião, em 2006, no Canadá,
fixou quatro temas para discussão: preservação e apresentação do patrimônio cultural;
cultura e criação de trabalho decente e superação da pobreza; cultura e realce da
dignidade e da identidade; a cultura e o papel dos povos indígenas (Unesco, 2005).
14 Unesco, 2003. http://www.sedi.oas.org/dec/espanol/.
Mercosul Cultural: caminho e perspectivas de 2003 a 2015

comércio do setor cultural, sobretudo do audiovisual, “a galinha


dos ovos de ouro” da indústria cinematográfica liderada pelos
EUA:

Desde então, o Brasil tem sido demandado por uma


série de parceiros a respeito da compatibilidade entre
duas posições vistas por muitos como distintas. De um
lado, a defesa, junto aos foros como a UNESCO, a rede
internacional dos Ministros da Cultura e a reunião de
Ministros da Cultura do Mercosul, do princípio da
diversidade cultural; e, de outro, a atuação no Conselho
de Serviços da OMC, na qual fazemos pedidos para
que países outros permitam que suas populações
tenham acesso à produção audiovisual brasileira. [...].
(SENNA, 2003)

Dessa forma, premidos por compromissos internacionais,


os países encontram mais dificuldades para robustecer a
integração ainda que os sinais enviados sejam sinceros. Entre
2010 e 2014, a institucionalização do Mercosul e o compromisso
do governo brasileiro com a integração asseguraram a
continuidade dos compromissos, o cumprimento da agenda da
integração, inclusive com participação nas atividades do Fundo
de Convergência Estrutural do Mercosul, Focem, atualmente
com 45 projetos aprovados em áreas como habitação, transporte,
energia, incentivos à microempresa, integração produtiva,
biossegurança, capacitação tecnológica, saneamento e educação.
O pleno funcionamento da Universidade Federal de
Integração Latino-Americana (Unila) é também um claro
exemplo do compromisso do Brasil com o projeto de integração
ampliada. E o ineditismo da iniciativa brasileira, inclusive em
promover o vínculo entre educação e cultura, constitui uma
resposta relevante para a fundação de uma identidade regional
“solidária” e “integradora”.15

15O desafio posto ao Brasil é duplo: cabe ao país, exclusivamente, assegurar a construção
e o funcionamento da universidade e, ao mesmo tempo, desenvolver um projeto
pedagógico que privilegie a multidisciplinariedade, promova a integração do conhecimento
Diálogos Internacionais: reflexões críticas do mundo contemporâneo

A Unila cumpre assim uma das principais propostas do


Mercosul Cultural que é promover a formação dos estudos
universitários na região, ação considerada prioritária para
incentivar e consolidar o intercâmbio entre jovens, bem como a
construção de uma cultura da cooperação. Fruto de uma política
cultural que, evidentemente, não é destituída do interesse do
Brasil em projetar sua influência na região, ela tem, no entanto, o
mérito do compromisso com as iniciativas integradoras.

Considerações finais

Grandes desafios, de naturezas distintas, estão postos ao


Mercosul Cultural. Talvez o primeiro deles seja o processamento
de dados sobre a economia da cultura da região, condição
considerada fundamental para acertos nas políticas do Mercosul
Cultural. Essa responsabilidade foi assumida pela Argentina, sede
do Mercosul Cultural. Em 2009, uma primeira publicação,
Nosotros y los Otros: el comercio exterior de bienes culturales en América
Del Sur, reunindo contribuições dos Ministérios da Cultura dos
países associados, revelou dados estatísticos inestimáveis sobre o
setor cultural da região. Por exemplo “[...] o saldo do comércio de
produtos culturais da América do Sul possui um grande déficit
de $ 3,7 bilhões; as importações totais são praticamente
exportações sobradas. De acordo com o estudo, dos sete países,
somente o Brasil possui um saldo positivo de comércio de
produtos culturais.” (UNCTAD, 2010). Outro desafio de peso diz
respeito aos direitos de propriedade intelectual e à evolução da
multimídia com seu mercado aberto para a distribuição e

e represente um “polo de ideias” e de discussões sobre a realidade latino-americana.


Projetada para atingir, na próxima década, um contingente de dez mil estudantes (entre
brasileiros e latino-americanos) e quinhentos docentes brasileiros e latino-americanos
alocados em cursos de graduação, mestrado e doutorado, a Unila é a primeira
universidade bilíngue (português/espanhol) do continente e abriga cursos planejados para
atender a temas candentes para a América Latina: Energia, Meio-Ambiente, Migração e
Trabalho, Saúde Pública, Novas Tecnologias etc., entre outros que abarcam desde as
Ciências Exatas às Ciências Humanas.
Mercosul Cultural: caminho e perspectivas de 2003 a 2015

compartilhamento de conteúdo em um ambiente competitivo no


contexto multilateral e que pode ser predatório devido às
evidentes assimetrias intra e extrabloco. Um terceiro desafio é a
conectividade de banda larga, que pode transformar-se em uma
limitação já que muitos aplicativos envolvidos na produção
criativa e no comércio eletrônico demandam largura de banda
suficiente para serem executados é outro desafio importante.
Todos esses desafios exigem várias ações concertadas.
Entre elas a diminuição das assimetrias entre os países e a
consecução de ações que promovam, efetivamente, o
intercâmbio cultural. Por exemplo, somente em 2015 foi a
realizada a II Reunião da Comissão de Economia Criativa e
Indústrias Culturais, em Brasília, no âmbito do Mercosul
Cultural, para se concertar sobre as Contas Satélites da Cultura -
Brasil, Colômbia, Chile, Uruguai e Argentina, já as possuem -
mecanismo que auxilia na sistematização para “medir o impacto
da cultura no PIB nacional e fazer um mapeamento mais
qualificado do setor”.
Dessa forma, avanços expressivos ocorreram. Mesmo iniciativas
originadas em um dos países do Bloco transformaram-se em
compartilhamento de experiências bem sucedidas na promoção
da produção cultural popular regional, como os Pontos de
Cultura, a expansão do projeto DOCTV, a criação da UNILA, ou a
criação da Tele-Sur - a rede de televisão multiestatal para
América Latina, com sede na Venezuela. Essas ações representam
um indicativo da convicção da integração pela via da cultura,
que, por sua vez, corresponde à concepção de uma política
cultural que visa “a liberação das forças criativas da sociedade”,
sem que isso represente “monitorar a atividade criativa e sim
abrir espaço para que ela floresça”, mas na qual “A política de
desenvolvimento deve ser posta a serviço do processo de
enriquecimento cultural.” (FURTADO: 1984: 32)
De todas as formas, no espaço que aqui nos cabe, o que se
pretendeu pontuar é que até a criação do Mercosul Cultural
pouco ou quase nada existia no âmbito de uma política para as
relações culturais sul-americanas, e que foi somente a partir de
Diálogos Internacionais: reflexões críticas do mundo contemporâneo

2003 que o caminho percorrido revelou-se extremamente


significativo e, sem dúvida, contribuiu para o aprofundamento e
a ampliação da integração.

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AUTONOMIA

Williams Gonçalves

Introdução

A
palavra autonomia, do ponto de vista etimológico, é
originalmente francesa – autonomie. Ela tem origem grega,
formada pelo adjetivo “autos”, que significa “de si
mesmo”, “por si mesmo”, “espontaneamente”, e pela palavra
“nomos” que significa “uso”, “lei”, “convenção”.
Etimologicamente, portanto, autonomia significa “dar-se nas
suas próprias leis” e implica propriedade constitutiva da pessoa
humana, na medida em que lhe cabe escolher as suas normas e
valores, fazer projetos, tomar decisões e agir em consequência
dessas escolhas16.
No sentido político, autonomia significa ter liberdade para
fazer escolhas, para tomar decisões, independentemente das
ideias, influências, interesses, pareceres ou intenções de outrem.


Este texto tem objetivo bem limitado. Ele responde a uma provocação feita por Ingrid
Sarti, que tive a audácia de aceitar. A provocação foi apresentar ao Seminário
Permanente reflexões sobre o conceito de autonomia na Política Externa Brasileira. Em vista
disso, não se deve aqui buscar um texto bem articulado e harmonioso. Não é isso que o
eventual leitor encontrará. Mas sim algumas ideias descosidas que, espero, cumpram a
função de estimular uma discussão sobre o assunto. Caso esse objetivo seja alcançado,
poderei me sentir recompensado.
16 CUNHA, Antônio Geraldo da. Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa. Rio de

Janeiro: Lexikon Editora Digital, 2007 (3ª edição). P. 84.


Autonomia

O conhecido e muito consultado Dicionário de Política, de


autoria de Norberto Bobbio, Nicola Matteucci e Gianfranco
Pasquino17, não apresenta verbete sobre autonomia. A palavra
está registrada, mas os autores remetem o leitor para o verbete
“autogoverno; descentralização e centralização”, que os mesmos
esclarecem ser tradução do inglês self-government, que, por sua
vez, “representava a fórmula organizativa em que se inspiravam
as relações entre o aparelho central e os poderes locais”18, na
Inglaterra, até meados do século XIX.
Pelo que se vê a palavra autonomia não tem nenhuma
carga conceitual na Ciência Política. E o mesmo se passa no
campo dos estudos de Relações Internacionais. O que não deve
constituir nenhuma surpresa, se considerarmos o fato de
Relações Internacionais ser uma disciplina que se estruturou no
mundo anglo-saxão. Isto porque as Relações Internacionais
nasceram como um ramo da Ciência Política, reproduzindo seu
mesmo sentido prático como também se apoiando nas mesmas
inspirações filosóficas, o que significa que assim como a Ciência
Política está orientada para remover os obstáculos que
comprometem a eficácia das políticas públicas promovidas pelo
Estado, as Relações Internacionais estão orientadas a remover os
obstáculos que se oferecem ao Estado nas suas relações com os
demais Estados. Isso não deve constituir surpresa, porque tanto
para o Reino Unido como para os Estados Unidos autonomia não
constitui problema prático-político. Para o mundo acadêmico de
ambos os países não faz sentido empreender esforço intelectual
para refletir sobre autonomia no meio internacional.
Enfim, o que aqui queremos mostrar é que pelo fato de os
países anglo-saxões, onde o estudo sistemático das Relações
Internacionais teve início, não sofrerem restrições à sua
autonomia, essa questão não desafiou seus estudiosos. Antes pelo

17BOBBIO, Norberto, MATTEUCCI, Nicola, PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política.


Brasília, UNB, 1986.
18 Op. Cit. P. 81.
Diálogos Internacionais: reflexões críticas do mundo contemporâneo

contrário, em virtude de sua condição de Estados imperialistas e


colonialistas até evitaram a reflexão sobre essa questão. Nunca
houve motivo nem tampouco interesse em se pensar autonomia
nas relações internacionais e no seu estudo sistemático.
Boa demonstração de que a ideia de autonomia nas
relações internacionais não faz parte do repertório conceitual do
mundo acadêmico anglo-saxão é o fato de um scholar britânico –
Andrew James Hurrell – ter iniciado sua trajetória de brasilianista
elegendo sua pesquisa de doutoramento justamente sobre a
questão da autonomia na política externa brasileira – The Quest
for Autonomy – The evolution of Brazil’s role in the international
system, 1964-198519. Hurrell buscou obter suas credenciais como
especialista em Brasil estudando uma questão tipicamente
brasileira, estranha aos doutores de Oxford.
Aliás, esse último parágrafo nos remete a certa importante
questão, que é aquela da nomeação da realidade a ser analisada e
da disciplina que analisa, ou simplesmente da ciência e de seu
objeto.
É comum aos autores de manuais fazerem menção a essa
questão, chamando a atenção de seus leitores para o fato de o
nome do objeto ser escrito com iniciais minúsculas e o nome da
disciplina ser escrito com iniciais maiúsculas. Essa distinção faz
parte, por assim dizer, da iniciação dos estudantes ao estudo das
Relações Internacionais. A princípio essa é uma questão menor,
uma vez que não se poderia conceber que no estágio de estudos
avançados alguém fosse cometer tais confusões de nomenclatura.
Porém, não é bem assim. Como poderemos ver mais adiante, há
contextos em que essa diferença não se revela com nitidez. Essa
confusão aumenta, sobretudo, quando a análise tem sentido
normativo. Há contextos em que os analistas tomam o discurso
dos formuladores de política como discurso analítico e,
consequentemente, confundem o objeto com a análise do objeto.

19 HURRELL, Andrews James. The Quest for Autonomy. The evolution of Brazil’s role in the
international system, 1964-1985. Brasília: FUNAG, 2013.
Autonomia

E o resultado disso é um discurso que se apresenta como


analítico, mas que na realidade nada mais é senão decalque do
discurso dos formuladores.
Evidentemente que essa mistura pode ocorrer em
qualquer outra Ciência Social, contudo o fato de o objeto ter o
mesmo nome da disciplina cria uma razão a mais.
Retornando à questão da autonomia, recorremos ao citado
Hurrell que, a nosso ver, define com precisão o significado que
autonomia tem tido para os pensadores brasileiros. Em primeiro
lugar, autonomia se distingue de soberania. Soberania tem
significado jurídico formal. Isto é, soberania diz respeito à
capacidade de o Estado organizar e fazer funcionar as instituições
que garantem organicidade a uma determinada sociedade. Em
segundo lugar, autonomia tem significado político. Seu
contraponto é a ideia de dependência.
A “teoria da Dependência” surge, no Brasil e na América
Latina, no final dos anos 1960. Ela surge como consequência da
questão do desenvolvimento/subdesenvolvimento, teorizada
pelos técnicos da CEPAL após a Segunda Guerra Mundial.
Como se sabe a CEPAL foi criada em 1948 como uma das
cinco comissões regionais do Conselho Econômico e Social da
ONU para explicar as razões do atraso econômico da América
Latina em face das economias industrializadas e para
recomendar as medidas necessárias para a superação dessa
desigualdade. Comandada por Raúl Prebisch20 e apresentando
Celso Furtado como grande destaque, a CEPAL inaugurou nova
perspectiva teórica ao, nas palavras de Celso Furtado, destruir o
dogma liberal “do desenvolvimento espontâneo e a mística da
estabilidade” e esclarecer que o desenvolvimento seria fruto da
vontade política21. Essa nova perspectiva teórica, denominada

20Ver: DOSMAN, Edgard J. Raúl Prebisch (1901-1986). A construção da América Latina e


do Terceiro Mundo. Rio de Janeiro: Contraponto/Centro Internacional Celso Furtado, 2011.
21FURTADO, Celso. A Fantasia Desfeita. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1989 (3ª edição). p.
167.
Diálogos Internacionais: reflexões críticas do mundo contemporâneo

Estruturalismo, que, em grande medida, dava continuidade à


crítica da teoria do comércio internacional segundo Smith,
Ricardo e Stuart Mill realizada pelo romeno Mihail Manoïlesco22
no fim da década de 1920, concebeu duas recomendações
fundamentais para o encaminhamento do desenvolvimento
industrial da América Latina: política de industrialização de
substituição de importações e integração regional.
A consecução dessas recomendações esteve na base do
crescimento econômico, da modernização e da irrupção do
nacionalismo experimentados pelo Brasil na década 1955-1964. A
interrupção do crescimento econômico, conjugada com o golpe
militar de 1964, levou a uma profunda reflexão a respeito dos
limites e das possibilidades da política de industrialização de
substituição de importações. Assim, a crise do
desenvolvimentismo abriu caminho para a volta do pensamento
neoclássico como orientador da política econômica do Estado e
para o surgimento da contestadora teoria da Dependência.
Diferentemente do Estruturalismo, que contava com as
estruturas do Estado para promover o desenvolvimento, a teoria
da Dependência, imersa no clima internacional de finais dos anos
1960, em que se destacava a Guerra do Vietnam, defendia a
reestruturação do Estado23. Para os novos teóricos da
Dependência ficava claro que, a despeito de todo o crescimento
econômico que se havia verificado, o Brasil não lograra alcançar
a modernização e a descolonização. Antes pelo contrário, se tinha
havido crescimento econômico, este havia ainda aumentado o
grau de dependência do país para com os centros de poder do
mundo industrial capitalista.
Examinar as diferentes teorias da Dependência vai muito
além do objetivo das presentes notas. Elas somente foram aqui

22Ver: MANOÏLESCIO, Mihail. Teoria do Protecionismo e da Permuta Internacional. Rio de


Janeiro: Capax Dei, 2011.
23Ver: LOVE, Joseph L. A Construção do Terceiro Mundo. Teorias do subdesenvolvimento
na Romênia e no Brasil. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1998.
Autonomia

evocadas para situar teórica e historicamente o contexto em que


se forma a questão da autonomia.
Poderíamos mesmo dizer que a questão da autonomia
nada mais é senão como se apresenta a problemática do
desenvolvimento na área restrita da política externa e da política
internacional.
A questão da autonomia está diretamente vinculada à
questão do desenvolvimento. Por isso, retornando à questão
inicial destas notas, autonomia não entra no rol dos conceitos
que traduzem as preocupações dos teóricos das Relações
Internacionais do mundo anglo-saxão. As preocupações desses
teóricos são segurança internacional, equilíbrio de poder, paz
mundial, hard power/soft power, terrorismo internacional e outros.
A perspectiva da autonomia/desenvolvimento é aquela dos que
se preocupam com as desigualdades sociais e com a injustiça
social e não com a busca da dominação e da hegemonia. É a
preocupação dos que não se conformam em permanecer na
periferia do sistema internacional.
Dois estudiosos em especial se dedicaram a pensar em
maior profundidade a questão da autonomia. O primeiro foi o
cientista político brasileiro Helio Jaguaribe. O segundo foi o
diplomata argentino Juan Carlos Puig.
Segundo Jaguaribe:

Como modelo representacional, o modelo de


autonomia latino-americano exprime um processo de
desenvolvimento caracterizado, de um lado, pelo
desenvolvimento cultural, social, econômico e político
dos países latino-americanos como sociedades
nacionais e, de outro, pela integração dessas nações
sem prejuízo da sua identidade, em um sistema
coerente e coeso que multiplique a base de recursos e
mercados de países membros e melhore a escala de
Diálogos Internacionais: reflexões críticas do mundo contemporâneo

produtos e produtividade, garantindo assim uma


visibilidade regional endógena.24

A definição de Jaguaribe demonstra como em seu


pensamento autonomia, desenvolvimento e integração regional
estão associados numa só questão.
Juan Carlos Puig foi diplomata e criou o Curso de Relações
Internacionais na Universidad Nacional de Rosario. Em 1973 foi o
Ministro das Relações Exteriores do Presidente Héctor J.
Cámpora e, em 1976, em decorrência do golpe de Estado exilou-
se na Venezuela, onde se estabeleceu como professor da
Universidad Simón Bolívar de Caracas.
Sobre Juan Puig, Emanuel Porcelli afirma:

O aparecimento do conceito de autonomia


determinou, não somente a construção de conceitos
para pensar e explicar a Política Exterior de um país
como a Argentina, senão que também construiu o
campo disciplinar da Política Exterior Argentina. Foi
um salto qualitativo frente a seus predecessores, a
História Diplomática e a Geopolítica, já que a Política
Exterior, graças ao conceito de autonomia esteve mais
próxima de uma reflexão teórica, desde a crítica dos
estudos econômicos cepalinos e da teoria da
dependência, onde se instalaram os pilares de uma
episteme para a política exterior.25

Hurrell indica com precisão o momento e as circunstâncias


em que a questão da autonomia surge para o Brasil:

O relacionamento com os Estados Unidos forma o


inevitável ponto de partida para qualquer estudo sobre
a evolução da política externa brasileira no período do
pós-guerra. Em 1945 o maior constrangimento externo

24JAGUARIBE, Helio. “Dependência e Autonomia na América Latina”. In: JAGUARIBE, Hélio,


FERRER, Aldo, WIONEZEK, Miguel S., SANTOS, Theotonio dos. A Dependência Político-
Econômica da América Latina. São Paulo: Edições Loyola, 1976. pp. 9-64. p. 51.
25 PORCELLI, Emanuel. Juan Calos Puig (1928-1989). Disponível em:
http://redesur.org/juan-carlos-puig/
Autonomia

com que se deparava a política externa do Brasil


consistia principalmente da proximidade geográfica do
país aos Estados Unidos, da massiva assimetria de
poder entre os dois Estados, da determinação de
Washington de exercer ativamente sua influência
sobre a região e da inexistência de relacionamentos
alternativos.26

Hurrell também não pode deixar de observar que a partir


dos anos 1960 inicia-se um movimento político brasileiro no
sentido de ampliar e diversificar seus relacionamentos externos.
A Política Externa Independente, no período 1960-1964, e a
política do Pragmatismo Responsável, iniciada pelo Governo
Geisel, foram períodos em que os formuladores de política
externa brasileiros procuraram romper a camisa de força da
perspectiva ideológica Leste-Oeste e buscaram acrescentar a
perspectiva Norte-Sul, que colocava a questão do
desenvolvimento como prioridade.
É importante frisar que a mais contundente manifestação
de autonomia da política externa brasileira data de 1968. Foi no
governo militar de Costa e Silva que houve a decisão de não
assinar o Tratado de Não Proliferação Nuclear – TNP. E a recusa
em assinar esse documento estava fundamentada na ideia que a
adesão a esse regime internacional criaria limites insuportáveis
ao desenvolvimento científico-industrial do Brasil. Embora o
chanceler Magalhães Pinto se mantivesse convicto que o
comunismo internacional constituísse a maior ameaça à
segurança do país, afirmava que ao apor sua assinatura ao
documento o Brasil decretaria sua menoridade científico-
tecnológica, uma vez que o vetor nuclear apontava para
inúmeras possibilidades futuras.
A recusa brasileira nunca foi bem aceita pelos Estados
Unidos. Apesar de o Brasil ter sido o idealizador do Tratado do
México (Tlatelolco), pelo qual a América Latina devia tornar-se
área não nuclearizada, e de ter incluído na Constituição de 1988

26 HURRELL, Andrew James. Op. Cit. p. 53.


Diálogos Internacionais: reflexões críticas do mundo contemporâneo

cláusula vetando a fabricação de armas nucleares (Artigo 21 (XXII


- a, b, c) da Constituição da República Federativa do Brasil), a
diplomacia daquele país permaneceu exercendo forte pressão
sobre os governos brasileiros. Até 1998, quando o presidente
Fernando Henrique Cardoso se dispôs a assinar o TNP, a posição
brasileira era que o Brasil já tinha dado garantias suficientes de
que não pretendia fabricar armas nucleares. De modo geral, a
ideia era preservar a soberania nacional não se submetendo às
invasivas fiscalizações da Agência Internacional de Energia
Atômica. No entanto, a posição dos norte-americanos era que,
independentemente de qualquer argumento, mesmo o
argumento constitucional, era necessário que o Brasil assinasse o
tratado.
Antes de assinar o TNP, o governo Fernando Henrique
Cardoso já havia aderido ao Regime de Controle de Tecnologia
de Mísseis (MTCR, sigla em inglês) em 1995, ao Grupo de
Supridores Nucleares (NSG, sigla em inglês) em 1996 e ao
Tratado de Proibição Completa de Testes Nucleares (CTBC, sigla
em inglês) em 1996.
Talvez incomodado pelo fato de ter sido aquele que
mudou a posição brasileira depois de 30 anos de intransigência,
ou por se orgulhar das mudanças que considerava progressistas,
o governo FHC sentiu-se no dever de se justificar. A justificativa
saiu na forma de ensaio produzido pelo diplomata Gelson
Fonseca Jr. – Alguns Aspectos da Política Externa
Contemporânea -, que é parte do livro intitulado A Legitimidade
e Outras Questões Internacionais – Poder e Ética entre as
Nações, de 1998.27
Para apresentar as ideias centrais do texto de Fonseca Jr.
recorrei à síntese feita por Antônio Carlos Lessa, Leandro Freitas
Couto e Rogério de Souza Farias, que se encontra no texto
intitulado Distanciamento versus Engajamento: Alguns Aportes

27FONSECA JR., Gelson. A Legitimidade e Outras Questões Internacionais. Poder e Ética


entre as Nações. São Paulo: Paz e Terra, 1998.
Autonomia

Conceituais para a Análise da Inserção do Multilateralismo


Brasileiro (1945-1990), publicado na revista Contexto
Internacional.
Foi no texto “Alguns aspectos da política externa
brasileira contemporânea” que Gelson Fonseca Jr.
(1998, p. 353-374) formulou os conceitos de autonomia
pela participação e autonomia pela distância. O ensaio
parte da premissa de que o Brasil é um “país de
contrastes”, indicando as diversas transformações pelas
quais o país passou na segunda metade do século XX. É
nesse ambiente complexo que Fonseca Jr. aponta a
necessidade de se fugir de fórmulas simples, para
compreender a identidade e os objetivos internacionais
do Brasil. O trabalho busca, então, elucidar as bases da
política externa brasileira e como ela capta a
complexidade da sociedade brasileira e serve aos
interesses do país. Para alcançar esse objetivo, o autor
trabalha com dois modelos de política externa, que
teriam prevalecido, respectivamente, na época do
bipolarismo e no período pós-Guerra Fria.
Na Guerra Fria, o termo autonomia pela distância
sintetizaria as características comportamentais da
diplomacia brasileira. O autor afirma terem existido
duas maneiras paradigmáticas de o Brasil lidar com o
problema da disputa global por aliados entre as duas
superpotências – Estados Unidos e União Soviética. A
primeira era a aceitação do alinhamento e a tentativa
de extrair ganhos da condição de alinhado – essa
posição teria prevalecido no final da década de 1940 e
em determinados episódios na década de 1960. A
segunda era a busca de uma distância qualificada no
debate e na negociação da inserção internacional do
país no período da Guerra Fria (FONSECA JR., 1998, p.
360-361), havendo essa posição prevalecido durante a
Política Externa Independente, no início da década de
1960, e no governo Geisel (1974-1979).
A ação externa brasileira expressava, no período, a
busca por autonomia. Fonseca Jr. indica que a busca
por autonomia “é um objetivo para qualquer
diplomacia”, mas a forma pela qual essa busca se
expressa no plano estratégico e operacional é
qualificada pelas características de um determinado
país e pelo momento histórico em que se vive. Desse
modo, durante a Guerra Fria, a diplomacia brasileira
Diálogos Internacionais: reflexões críticas do mundo contemporâneo

teria se caracterizado, entre outras coisas, pela


manutenção de “uma distância em relação às ações do
Bloco Ocidental”, pela defesa de “uma atitude crítica
em relação às superpotências” e pelo “apoio às ideias
de uma nova ordem econômica internacional”. Além
disso, a política externa tinha “razoável consenso
interno”, com grande abertura a novos
relacionamentos bilaterais e com grande apoio estatal
na inserção internacional do país. Sobre o
relacionamento com os EUA, conformava-se, segundo
a argumentação, uma relação bilateral difícil e tensa. Já
a partir da década de 1990, teria se constituído um
cenário de criação de regras e de instituições que abria
“uma nova brecha para a ação dos países em
desenvolvimento, especialmente do Brasil”. “Seria um
ambiente de renovação de credenciais do país, levando
a uma “participação positiva” no sistema internacional
(FONSECA JR., 1998, p. 361-363; p. 367-368)28

Antes de examinar um pouco mais de perto essas ideias de


“autonomia pela distância” e “autonomia pela participação”
formuladas por Fonseca Jr, faz-se necessário observar que elas se
tornaram verdadeiro mantra em determinado segmento do
mundo acadêmico das Relações Internacionais. Pesquisadores,
professores e estudantes repetem ad nauseam essas ideias como se
fossem verdades inquestionáveis. Pinheiro (2204), Lima (2003),
Villa (2006) e Vigevani (2003) (2007), de acordo com os autores
do texto acima citado, escreveram livros e artigos, baseando-se
nas ideias de Fonseca Jr, que exercem grande influência junto aos
estudantes de Relações Internacionais e Política Externa
Brasileira.29

28 LESSA, Antônio Carlos; COUTO, Leandro Freitas; FARIAS, Rogério de Souza.


“Distanciamento versus Engajamento: Alguns Aportes Conceituais para a Análise da inserção
do Multilateralismo Brasileiro (1945-1990).” Contexto Internacional, vol. 32, n. 2, pp. 333-
365, julho/dezembro 2010. p. 335-336.
29 (a) LIMA, Maria Regina Soares de. Na trilha de uma política externa afirmativa.
Observatório da Cidadania (Relatório). Rio de Janeiro, v. 7, n. 1, p. 94-100, 2003; (b)
PINHEIRO, Letícia. Política Externa Brasileira. Rio de Janeiro: Zahar, 2004; (c) VILLA,
Rafael. Política externa brasileira: capital social e discurso democrático na América do Sul.
Revista Brasileira de Ciências Sociais, V. 21, n. 61, p. 63-89, 2006; (d) VIGEVANI, Tullo,
Autonomia

Não vem aqui ao caso examinar esses textos. Nossa questão


é discutir a ideia de autonomia. Portanto, o que interessa é o uso
que Fonseca Jr. faz dessa ideia. Em relação a isso, porém, há uma
questão prévia. Como enquadrar Fonseca Jr? Como diplomata
capaz de formular política externa ou como acadêmico estudioso
das Relações Internacionais? Afinal, parece que Fonseca Jr tem
dupla inscrição. Tanto é reconhecido como formulador como
acadêmico.
Nesse sentido, a primeira observação a ser feita, diria
mesmo observação indispensável, é que Fonseca Jr alcançou
pleno êxito com seu trabalho de formulador de política externa.
Seu sucesso não poderia ser mais expressivo. Afinal, conseguiu
apresentar as mudanças efetuadas na política externa brasileira
pelo Governo FHC como naturalmente muito positivas. Não
pode haver maior prêmio para um formulador de política
externa do que ver suas ideias serem chanceladas pelo mundo
acadêmico da maneira como as suas foram. Se considerarmos
que o próprio do mundo acadêmico é a postura crítica, é a
inquietação intelectual e o consequente exame exaustivo das
ideias que influenciam e condicionam outras ideias e ações
sociais, políticas e econômicas, Fonseca Jr pode ser visto como
um vitorioso, pois não somente suas ideais foram plenamente
aceitas, como também se tornaram referência obrigatória no
mundo acadêmico.
A segunda observação, que dispensa tratamento de
acadêmico a Fonseca Jr, diz respeito ao uso que faz da ideia de
autonomia. Penso que, inteligentemente, Fonseca Jr relativiza a
ideia de autonomia, pretendo demonstrar que ela pode ser
perseguida de diferentes maneiras. O que num determinado
contexto internacional é considerado como posição autônoma,
pode não o ser em outro contexto. Em termos puramente

CINTRA, Rodrigo. Política externa no período FHC: a busca da autonomia pela integração.
Tempo Social. V. 15, n. 2, p. 31-61, 2003; (e) VIGEVANI, Tullo; OLIVEIRA, Marcelo F. de.
Brazilian foreign policy in the Cardoso era: the search for autonomy through integration.
Latin American Perspectives. V. 34, n. 5, p. 58-80, 2007.
Diálogos Internacionais: reflexões críticas do mundo contemporâneo

abstratos parece perfeito. Se as condições externas mudam, por


que não mudar também a política externa? Se passarmos para o
plano objetivo, porém, as coisas já não parecem assim tão claras.
Podemos afirmar que continuamos perseguindo a autonomia
assinando todos os tratados, principalmente o TNP, como foi
feito pelo governo FHC? As razões pelas quais o Brasil se recusou
a assinar o TNP ao longo de trinta anos perderam seu sentido no
novo contexto pós-Guerra Fria? É claro que sempre é possível
dizer que não havia alternativa e que o custo de manter a posição
seria maior do que o custo de mudar de posição. Ou seja, essa é
uma questão de natureza política e que, portanto, não pode ter
resposta racional definitiva.
A terceira observação é a seguinte. Se politicamente o
argumento de Fonseca Jr pode convencer, a depender,
evidentemente, da orientação político-ideológica do leitor,
academicamente, isto é, criticamente, essas ideias de “autonomia
pela distância” e “autonomia pela participação” não podem
convencer.
Não podem convencer porque Fonseca Jr apresenta a
evolução da política externa como a evolução de uma linha
contínua, na qual os governos vão tomando as decisões que lhes
parecem as mais racionais de acordo com o que se passa num
mundo exterior ao nosso. Em conformidade com essa visão,
temos uma orientação de política exterior que não muda com o
passar do tempo e que nada mais faz senão se adaptar a
condições dadas pelo mundo exterior, do qual não nos é
facultada a participação.
Segundo essa concepção, nós não teríamos formulação de
política externa, teríamos tão somente uma ação meramente
burocrática conduzida por elementos capazes de decodificar os
sinais emitidos por esse mundo exterior. Não teríamos
formulação de política externa, porque formulação supõe
atividade política. Supõe a existência de diferentes interesses
divergentes que se traduzem em ideias que, combinadas, podem
produzir diferentes políticas externas. Assim, na concepção de
Fonseca Jr. não existem diferentes interesses econômicos
Autonomia

pertinentes aos vários setores que compõem a economia, não


existem os grupos de interesse determinados a fazer valer seus
restritos pontos de vista, não existem as ideias dos militares a
respeito da mais adequada forma de resguardar a segurança do
país e não existem as ideias veiculadas pela mídia e formadoras
da opinião pública. Enfim, segundo essa concepção a política
externa se dá em um plano acima da política e da ideologia.

Conclusão

Retornando a ideia inicial, verificamos que o efeito político


produzido em determinado segmento do mundo acadêmico por
essas ideias de “autonomia pela distância” e “autonomia pela
participação” foi o de sepultar a questão do desenvolvimento.
Ao deslocar a discussão a respeito da autonomia para a
formalidade da distância e da participação, a ideia correlata de
desenvolvimento perdeu o sentido. A autonomia, assim vista, não
tem fundamento econômico, social ou ideológico.
De acordo com essa visão liberal de um mundo plano, sem
degraus e sem contradições, as escolhas não se dão por interesses,
mas por uma racionalidade burocrática dos supostos detentores
do saber.
Diálogos sobre
Economia Política Internacional
SUPERANDO SÍSIFO?
A ÁFRICA E O SISTEMA
INTERESTATAL CAPITALISTA

Hélio Farias

R
eza a lenda grega que Sísifo foi condenado por desafiar os
deuses, teria tentado enganar a morte, coisa ingênua num
tempo em que os deuses a tudo controlavam. Sua
punição: rolar uma imensa pedra ao topo da montanha.
Eternamente. Sísifo toda vez que se aproximava de concluir a
tarefa, faltava-lhe força e a pedra tornava a descer, o que lhe
obrigava a recomeçar todo o trabalho. E sempre assim. Na
história do sistema interestatal capitalista, a dissociação entre
política e economia parece herdar uma tarefa de Sísifo aos países
da periferia.
O continente africano, depois de mais de quatro séculos de
sujeição, em diferentes graus, ao domínio europeu, começa a
redesenhar sua própria história. Sua inserção no sistema
internacional corresponde há pelo menos três grandes
momentos. O primeiro remete ao século XV, ao período de
formação e consolidação dos primeiros Estados nacionais
europeus. Portugal, Espanha, Inglaterra, Holanda e França


Publicado em 26/11/2014
Superando Sísifo? A África e o sistema interestatal capitalista

lançaram-se aos mares e incluíram a costa africana como base de


apoio aos seus poderes ultramarinos. O segundo momento
remete ao século XIX, período de forte rivalidade entre as
potências europeias e de acirramento das disputas pela
ampliação de seus territórios e áreas de influência econômica. O
continente africano, alvo da política expansionista, foi dividido e
explorado segundo os critérios e interesses dos europeus. A partir
da segunda metade do século XX, começa o processo de
descolonização e de formação dos Estados nacionais africanos,
que, mesmo com as independências políticas conquistadas,
foram sugados por formas mais sutis, porém não menos
violentas, de dominação política e econômica. E, por fim, o
terceiro momento, que, ao que tudo indica, se descortina no
início dos anos 2000, onde o crescimento econômico dos países
africanos se associa à elevada demanda por recursos minerais e
energéticos do leste asiático.
Pensar o continente africano pressupõe um
distanciamento das explicações modelares, da compreensão de
trajetórias de desenvolvimento econômico ou político dos países
hoje considerados desenvolvidos. A diversidade, as desigualdades
e a existência de escalas sobrepostas de conflitos são elementos
que dificultam a compreensão dos fenômenos políticos. É como
se na África interno e externo, estado e mercado, local e regional,
nacional e global se entrecruzassem a todo o momento, tornando
a compreensão da realidade mais complexa.
O desencontro dos tempos históricos e das escalas
geográficas dá origem a uma trama articulada de eventos
dramáticos. Philipe Hugon (2009)[I], por exemplo, comenta que
o tempo da globalização - com a competitividade, a
desregulamentação dos mercados financeiros, a abertura
econômica – não é o tempo do desenvolvimento econômico –
com a construção de instituições, do mercado interno, da criação
de complementaridades produtivas – nem o da história dos
povos, das tradições histórico-culturais, das nações. A marca da
regularidade, no tempo longo africano, é a exploração externa
que se sobrepõe às outras dinâmicas históricas.
Diálogos Internacionais: reflexões críticas do mundo contemporâneo

A descolonização africana foi um dos fenômenos políticos


mais significativos do último século. Representou um momento
de ajuste no tempo, de resgate da trajetória histórico-cultural dos
povos do continente; e no espaço, com a configuração de
fronteiras mais coerente com o passado e com a esperança de
construção de unidades nacionais no futuro. Os recém-criados
Estados apresentavam, de modo geral, frágeis laços de unidade
cultural entre os seus habitantes. A unidade estava no território,
em seu controle, e dali emergiam as amalgamas do nacionalismo.
O debate sobre a definição das fronteiras foi norteado pelo
princípio da intangibilidade das fronteiras coloniais, acatado pela
Organização da Unidade Africana em 1964, do qual se retira a
máxima “uti possidetis, ita possideatis” [II]. Entretanto, como
alerta Michel Foucher (2009)[III], ainda na primeira década do
século XXI, apenas um quarto (¼) das demarcatórias estão
definidas. Por isso, em 2007, os ministros africanos responsáveis
pela questão das fronteiras lançaram, em Adis Abeba, na Etiópia,
o Programa de Delimitação de Fronteiras, cujos objetivos são: de
um lado, prevenir dos conflitos, e, do outro, promover a
integração entre os Estados africanos. A existência de “zonas
imprecisas”- áreas nas quais o exercício da soberania nacional
não é claro – são entraves a afirmação da autoridade estatal.
Os novos Estados africanos confrontavam‑se com
estruturas econômicas desarticuladas, voltadas para a exportação
de produtos primários e assentadas em um mercado interno
bastante restrito. Com impactos mais profundos do que a escolha
do modelo econômico, esses Estados recém-independentes
foram “obrigados” ou “convidados” a acreditarem na crença
política de que o desenvolvimento econômico e social, de matriz
europeia, seria o único o sentido racional para a história
universal. O desenvolvimento, assim, se igualaria a
“modernização”, isto é, a incorporação e, por extensão, a
integração cada vez maior com as economias capitalistas.
Retirava-se da noção de desenvolvimento, patrocinada por
diversas instituições internacionais, os condicionantes do poder
Superando Sísifo? A África e o sistema interestatal capitalista

que estruturaram o sistema interestatal, assim como o conteúdo


histórico-cultural de sociedades milenares não europeias.
Considerando a dimensão da geopolítica no
desenvolvimento econômico, torna-se evidente que o processo
de transformação produtiva, bem como o de mudança dentro da
hierarquia de geração de poder e riqueza no sistema interestatal
dependem das estratégias políticas dos Estados. Não resultam do
progresso linear ou da dinâmica supostamente harmônica dos
mercados. O desenvolvimento econômico tem como norte um
projeto político de afirmação nacional que, a um só tempo, está
integrado a complexa relação entre os fundamentos internos e
externos do poder.
Nos últimos anos, o continente africano se transformou
numa área de expansão de capitais asiáticos, sobretudo chineses,
e zona privilegiada de fornecimento de recursos energéticos e
minerais. De 2001 a 2010, a taxa de crescimento econômico foi
de 5,5%, enquanto a média mundial ficou na ordem de 2,7%. No
continente, a Angola ficou com 11%, Níger com 9%, Etiópia,
Chade, Ruanda e Moçambique na ordem de 8% [IV]. Mesmo
favorável do ponto de econômico, o atual momento de inserção
africana no sistema interestatal força o acirramento das
especializações produtivas. Configura-se uma situação
geopolítica de convivência, complementaridade e rivalidades
entre as esferas de projeção de poder das “velhas” e “novas”
potências. As possibilidades de mudança socioeconômicas e de
afirmação de soberania dos países africanos dependem da
adoção de políticas sólidas, de longo prazo, voltadas para a
diversificação da estrutura produtiva e para a acumulação de
poder dissuasório.
O contexto de desajuste financeiro e de acirramento da
“pressão competitiva” [V] entre os Estados que hierarquizam o
sistema interestatal vêm trazendo formas diferentes de
relacionamento dos países. No caso dos investimentos chineses, a
ausência de condicionantes de ordem liberal para a concessão de
empréstimos, ou, principalmente, o estabelecimento de acordos
econômicos dissociados da defesa de um projeto civilizacional,
Diálogos Internacionais: reflexões críticas do mundo contemporâneo

sinaliza uma oportunidade para países africanos engendrarem


projetos políticos de afirmação nacional, com crescimento
econômico e igualdade social.

Referências

[I] HUGON, Phillipe. A Geopolítica da África. Rio de Janeiro:


Editora da FGV, 2009.
[II] “Como possuis, assim possuais”.
[III] FOUCHER, Michel. Obsessão por Fronteiras. São Paulo:
Radical Livros, 2009.
[IV] L’Afrique: Zones de Croissance. Le Dessous des Cartes.
http://ddc.arte.tv/emission/l-afrique-zones-de-croissance
Novembre 2014.
[V] FIORI, José L. “O sistema interestatal capitalista no início do
século XXI” In: FIORI, José L.; MEDEIROS, Carlos; SERRANO,
Franklin. O mito do colapso do poder americano. Rio de
Janeiro: Editora Record, 2008.
REFLEXÕES SOBRE A
RECUPERAÇÃO DA MAIS
RECENTE GREAT RECESSION DA
ECONOMIA NORTE-AMERICANA

Patrícia Nasser de Carvalho

D
ados mais recentes sobre o desempenho da economia
dos Estados Unidos mostram que ela está se
recuperando, embora a um ritmo bem mais lento do que
o esperado, desde o fim da Great Recession, – como os norte-
americanos designam a sua última crise econômica, que
aconteceu do fim de 2007 até a metade de 2009, – e cujas
consequências ainda não foram totalmente revertidas quase
cinco anos depois. Desde então, muitas pesquisas e análises
tentam fazer uma leitura dessas informações para pensar quais
serão as suas repercussões no curto e médio prazo. Embora
muito se discuta sobre isso e diversas opiniões positivas sejam
apresentadas, grande parte delas atualmente repercutem
prognósticos bastante pessimistas sobre as reais possibilidades de
retomada do crescimento da economia norte-americana para os
próximos anos.


Publicado em 27/08/2014
Reflexões sobre a recuperação da mais recente Great Recession...

Em junho deste ano, o secretário do Tesouro, Jacob J. Lew,


citando a percepção do Congressional Budget Office (CBO) sobre
o tema, afirmou que o próprio governo norte-americano reviu a
expectativa para a taxa de crescimento médio do PIB em 2014
para 2,1%, o que significa de 2/3 do previsto anteriormente,
exatamente a média pós-recessão. Desde 2007, o CBO também
cortou a sua previsão de crescimento da produção para 2017, que
agora gira em torno de 7%, de acordo com a publicação do jornal
The New York Times. Neste sentido, de acordo com Mr. Lew,
diferentemente das crises anteriores, quando a economia norte-
americana se mostrou muito resiliente e com grande capacidade
de recuperação – incluindo a própria Crise dos anos 1930 –,
agora não parece acontecer o mesmo. Em discurso no Economic
Club of New York, um think tank que representa a elite financeira
e industrial norte-americana no último mês de junho, Mr. Lew
mostrou ceticismo, enfatizando as dificuldades e afirmando que
ainda há dúvidas acerca da possibilidade do compartilhamento
dos benefícios da inovação tecnológica e da prosperidade por
toda a população dos Estados Unidos.
“A mais recente recessão irá passar devagar e deixará
cicatrizes na economia”, concluiu, do mesmo modo, o
Departamento de Empregos em um relatório divulgado no fim
do ano passado, no qual também se admitiu ritmo de
crescimento mais lento para a economia norte-americana para os
próximos anos. A menor oferta de crédito e a aversão ao alto
risco inibiram consumidores e empresários de agirem de modo
mais afirmativo, além de que as soluções aplicadas com relação à
elevação do teto da dívida pública em 2011, a fim de evitar
calotes, conferiram ainda mais incertezas às condições de
recuperação da economia para além dos efeitos dos cortes dos
gastos. Mesmo o Federal Reserve (Fed), que é tradicionalmente
uma instituição otimista em suas previsões, sustentou em
publicação de março de 2014 que não espera uma completa
retomada do crescimento da economia no futuro mais próximo,
apesar de continuar com os programas de compras de títulos e
segurar a taxa de juros em um nível próximo a zero desde 2008
Diálogos Internacionais: reflexões críticas do mundo contemporâneo

em resposta à baixa inflação e ao alto nível de desemprego.


Segundo o Fed, baseado em parâmetros históricos, a atual
condição da economia mostra que ela está, de fato, bem menos
robusta do que o esperado depois do fim da recessão.
John G. Fernald, economista do Fed de San Francisco,
explica em um artigo publicado em 2012, que o crescimento da
produtividade norte-americana caiu assim que as companhias
completaram o seu ciclo de investimento tecnológico. Segundo
Fernald, houve forte aceleração da produtividade na metade dos
anos 1990, seguida de queda no início dos anos 2000 até meados
da crise. Após a Great Recession, os investimentos retornaram
aos baixos níveis do período anterior, indicando uma tendência
de manutenção do nível de produtividade durante e após a
recessão. Segundo o mesmo estudo, a redução na formação bruta
de capital fixo, que é cíclica, deve ser retomada só quando a
economia finalmente se recobrar. Dado que os investimentos
públicos caíram em torno de 8% desde 2007, o maior declínio em
mais de meio século, ainda que o consumo das famílias e o
comércio internacional do país venham crescendo, o cenário não
estimula otimismo.
Gauti Eggertsson e Neil Mehrotra, professores e
economistas da Brown University, argumentaram em um
recente paper que essa crise financeira trouxe desigualdades de
renda, o que pode deixar a economia norte-americana em estado
de “permanente de recessão”, caso não sejam aplicadas novas
medidas mais encorajadoras, como, por exemplo, através do
aumento nos gastos do governo. Esse também é o ponto de vista
de Lawrence H. Summers, ex-secretário do Tesouro norte-
americano durante o governo Bill Clinton, que alertou em abril
deste ano para o fato de que o crescimento da economia dos
Estados Unidos deve ficar abaixo das expectativas, a menos que o
governo federal aumente os seus gastos como, por exemplo, por
meio de investimentos em infraestrutura e em novas tecnologias.
Christine Lagarde, diretora-geral do Fundo Monetário
Internacional (FMI), é outra representante de uma importante
instituição que se mostrou pessimista sobre a performance da
Reflexões sobre a recuperação da mais recente Great Recession...

economia dos Estados Unidos. De acordo com ela, os problemas


da área do euro têm acobertado as reais dificuldades norte-
americanas. Do ponto de vista do FMI, os Estados Unidos
entraram uma recessão estrutural, que só vem sendo agravada.
O pessimismo não vem apenas das instituições. A
CNNMoney divulgou recentemente uma pesquisa de opinião da
população, que mostra que ela espera que uma verdadeira
retomada da economia aconteça somente em 2017. Esse
resultado não é surpreendente, visto que a restauração do nível
de emprego é o mais baixo de suas séries estatísticas. Em grande
medida, isso se explica pelo fato de que a renda familiar média
continua estagnada e milhões de norte-americanos não
conseguiram readquirir os seus empregos. A participação de
adultos no mercado de trabalho, que caiu muito durante a
recessão, só se recuperou um pouco mais recentemente porque
muitas pessoas pararam de procurar emprego. Como a
população dos Estados Unidos ainda cresce, embora a taxa de
natalidade tenha declinado a cada ano entre 2007 a 2012, esses
fatos não são positivos.
Neste fluxo, Paul Craig Roberts, professor do Institute for
Political Economy (IPE) do Global Research Institute defende a
tese de que somente os salários de 1% da população aumentaram
depois da crise. Em razão disso, o aumento do crédito disponível
no mercado destinado a estudantes é um sinal das dificuldades
dos jovens no mercado de trabalho, uma vez que muitos dos que
não conseguiram emprego voltaram aos “estudos como uma
solução” temporária, tendência que ocorre em outras partes do
mundo desenvolvido em recessão. As dificuldades no mercado
de trabalho significam ainda que é mais difícil para os
trabalhadores assegurarem o aumento dos seus salários no
processo de barganha. Como o estilo do welfare state nos Estados
Unidos é de longe similar ao europeu, é bem provável que os
desempregados permaneçam na linha da pobreza.
Em resumo, espalham-se dúvidas gerais sobre as condições
que os Estados Unidos alcançarão para a retomada de suas taxas
de crescimento entre vários destacados analistas. Mesmo que
Diálogos Internacionais: reflexões críticas do mundo contemporâneo

financeirização da riqueza conceda a ela características que a


descolam dos elementos da economia real, elas repercutem nas
expectativas dos atores políticos e econômicos, que entendem ser
bem provável que a economia norte-americana continuará
demonstrando poucos sinais de recuperação dinâmica de sua
economia no curto e médio prazos.

Referências

CNNMONEY. Americans think economy won't recover until


2017. Disponível em:
http://money.cnn.com/2014/06/06/news/economy/american-
dream-poll-recovery/
CONGRESSIONAL BUDGET OFFICE. Disponível em:
http://www.cbo.gov/
BUREAU OF LABOR STATISTICS. Disponível em:
http://www.bls.gov/
Eggertsson, G. B. Mehrotra, N. R. A Model of Secular Stagnation.
In: TEULINGS C. BALDWIN, R. Secular Stagnation: Facts,
Causes, and Cures. London: CEPR Press, 2014. Disponível em:
http://www.voxeu.org/sites/default/files/Vox_secular_stagnation
.pdf
FERNALD, J. Productivity and Potential Output before, during,
and after the Great Recession. Federal Reserve Bank of San
Francisco Working Paper SERIES, no 18, September 2012.
Disponível em: http://www.frbsf.org/economic-
research/publications/working-papers/2012/wp12-18bk.pdf
THE NEW YORK TIMES. U.S. Economic Recovery Looks
Distant as Growth Stalls. 11th June, 2014. Disponível em:
http://www.nytimes.com/2014/06/12/business/economy/us-
economic-recovery-looks-distant-as-growth-lingers.html
ROBERTS, P. C. Crescimento econômico negativo: Uma nova
recessão e um novo mundo sem a arrogância de Washington?
Global Research Institute. Disponível em:
http://www.globalresearch.ca/crescimento-economico-negativo-
uma-nova-recessao-e-um-novo-mundo-sem-a-arrogancia-de-
washington/5389070
DESEQUILÍBRIOS GLOBAIS,
MOEDA ESTATAL E DEMANDA
EFETIVA

André Saboya

O
fenômeno dos desequilíbrios globais refere-se ao
aumento dos superávits e dos déficits em conta corrente
em nível mundial. No período anterior à crise de 2008,
esse desequilíbrio aumentou com o aumento dos déficits dos
grandes países importadores e dos superávits dos grandes países
exportadores. A suscetibilidade da economia mundial à crise
aumenta caso os gastos relacionados a essas trocas internacionais
não sejam sustentados. Esse fenômeno pode ser explicado pelos
conceitos de moeda estatal e demanda efetiva.
Sob a perspectiva dos desequilíbrios globais, o crescimento
da economia mundial nos últimos anos, principalmente no
período anterior à crise de 2008, tem sido acompanhado por um
aumento do desequilíbrio entre as contas correntes dos países.
Em períodos de crescimento econômico, os grandes países
exportadores (Alemanha, Japão, China,) exportam (ofertam)
mais, enquanto os grandes países importadores (Estados Unidos e
outros países europeus) importam (demandam) mais. Ao mesmo


Publicado em 01/08/2016
Desequilíbrios globais, moeda estatal e demanda efetiva

tempo, os Estados Unidos, responsável por garantir a liquidez


internacional, garante o crescimento econômico ao ofertar mais
moeda do que demanda.

Gráfico 1: Desequilíbrios globais de países selecionados

Fonte: <https://www.imf.org/external/pubs/ft/weo/2014/02/pdf/c4.pdf>

Dentro do conceito da Moeda Estatal ou perspectiva


chartalista da moeda, defendida por Knapp[1], a moeda não é
uma mercadoria, mas uma unidade de conta definida pelo
Estado. A moeda não precisa de uma reserva de ouro ou prata
para se sustentar, como se defende na teoria clássica sobre
moeda. A demanda por moeda é garantida pela cobrança de
impostos (o Estado viabiliza o pagamento de impostos por meio
da violência), de modo que todos os setores da sociedade
Diálogos Internacionais: reflexões críticas do mundo contemporâneo

submetidos ao controle estatal são obrigados a aceitar a moeda


emitida pelo Estado. O Estado, portanto, possui mais liquidez do
qualquer outro agente intra-estatal para saldar suas dívidas e
gerar gastos, pois controla a moeda aceita por todos. Além disso,
para o sistema monetário funcionar, o Estado não pode
demandar recorrentemente mais moeda do que o setor privado,
para não acabar com a liquidez na economia (como afirmado
anteriormente, os impostos servem para gerar demanda por
moeda e, não, para financiar o Estado)[2].
No sistema interestatal contemporâneo, a moeda
internacional aceita por quase todos os Estados é o dólar
americano, de modo que os Estados Unidos possuem mais
liquidez do que todos os outros Estados e precisam ofertar mais
moeda do que demandam para que o sistema monetário
internacional funcione com crescimento. Em larga medida, a
aceitação do dólar também depende do poder de coerção norte-
americano, exercido pela capacidade de mobilização militar em
qualquer ponto no planeta. A demanda global por títulos e
moeda americanos é, assim, consequência da imposição da
dívida estadunidense sobre os demais países do mundo[3].
Dentro da zona do euro também há uma moeda aceita por
todos os Estados europeus e a liquidez é garantida por meio de
uma expansão do crédito, porém, a moeda não é controlada por
um ente estatal, o que prejudica a autonomia de gasto europeu e
torna a economia da zona do euro mais suscetível a crises
quando comparada à estadunidense[4].
Dentro do conceito de demanda efetiva, em que se propõe
que o crescimento econômico depende de um crescimento da
demanda, o crescimento mundial depende do aumento da
demanda e, em grande medida, da demanda dos maiores
importadores mundiais, Estados Unidos e Europa. O aumento do
consumo gera um aumento mais do que proporcional na
economia mundial, devido ao efeito multiplicador do consumo,
como defendido por Kalecki[5] e Keynes[6].
Sob a perspectiva de ambos os conceitos, se percebe que
há uma relação direta entre liquidez e demanda, de modo que o
Desequilíbrios globais, moeda estatal e demanda efetiva

Estado que possuir mais liquidez – ou seja, que controla a moeda


aceita por todos – pode gerar mais renda, mais gastos e, portanto,
maior demanda. Quando os Estados Unidos expandem seus
gastos, há um aumento do crescimento mundial, pois há maior
liquidez no sistema; quando eles retraem esses gastos, há uma
diminuição do crescimento mundial. A demanda mundial por
moeda americana resulta na dependência dos demais países do
mundo por maiores gastos estadunidenses, de modo que o
crescimento mundial tende a gerar maiores desequilíbrios
globais e maiores perspectivas de crises, caso esses gastos não
sejam sustentados.
Na Europa, a capacidade dos Estados importadores
voltarem ao patamar anterior de consumo ainda não foi
restabelecida devido à diminuição do crédito e aos planos de
austeridade que prejudicam a renda, a demanda desses países, e,
portanto, o crescimento de todo o continente. O problema da
moeda supranacional como instrumento do Estado encontra-se
mal resolvido, portanto, pois a falta de expansão monetária
representa, na prática, uma restrição externa aos países
endividados. A posição europeia como importadora líquida
mundial pode tornar-se um problema maior, caso a capacidade
europeia de gerar gastos não seja modificada.
Esse padrão de crescimento a partir dos gastos dos Estados
Unidos e da Europa poderia se transformar com a aceitação de
outras moedas e a imposição de outros sistemas de dívida no
mundo que pudessem rivalizar com o dólar e com os Estados
Unidos. Essa perspectiva de mudança, contudo, continua
distante.

Referências

[1] KNAPP, J.F. The State Theory of Money. Londres: MacMillan


1924.
[2] Cf. GRAEBER, D. Debt: the First 5000 Years. Nova Iorque:
Melville, 2011; e WRAY, L.R. Modern Monetary Theory: A
Diálogos Internacionais: reflexões críticas do mundo contemporâneo

primer on Macroeconomics for Sovereign Monetary Systems,


Nova Iorque: Palgrave MacMillan, 2015.
[3] FIORI, J.L. O poder americano. Petrópolis: Vozes, 2007
[4] LUCARELLI, B. The Euro: A Chartalist Critique.
International Journal of Political Economy, n. 44, v. 1, 2015.
[5] KALECKI, M. Teoria da dinâmica econômica. São Paulo:
Nova Cultural, 1977.
[6] KEYNES, J.M. Teoria geral do emprego, do juro e da moeda.
São Paulo: Nova Cultural, 1996.
Diálogos sobre Desenvolvimento
CELSO FURTADO (1920-2004):
DEZ ANOS SEM O
INTERNACIONALISTA

Glauber Cardoso Carvalho

O
ntem, 20 de novembro de 2014, fez dez anos que Celso
Furtado nos deixou. Seu pensamento, porém, guardado
e divulgado com excepcionalidade por Rosa Freire
d’Aguiar, continua vivo. Via Centro Celso Furtado, do qual tenho
a honra de ser o primeiro funcionário e a colaborar desde seu
princípio, ela mandou uma linda nota com lembranças que nos
transportam no tempo e trouxe palavras do mestre que as novas
e antigas gerações precisam refletir.
Destaco de imediato um trecho de “Os desafios da nova
geração”:

[…] o crescimento se metamorfoseia em


desenvolvimento. Ora, essa metamorfose não se dá
espontaneamente. Ela é fruto da realização de um
projeto, expressão de uma vontade política. As
estruturas dos países que lideram o processo de
desenvolvimento econômico e social não resultaram
de uma evolução automática, inercial, mas de opção


Publicado em 21/11/2014
Celso Furtado (1920-2004): dez anos sem o internacionalista

política orientada para formar uma sociedade apta a


assumir um papel dinâmico nesse processo.

É redundante, e esse post não se propõe parcial, dizer que


Celso Monteiro Furtado foi, sem dúvida, um dos expoentes do
pensamento econômico brasileiro, reconhecido mundialmente.
Além de ter sido atuante no executivo brasileiro, sobretudo na
área do planejamento e cultura, teve grande produção acadêmica
no exterior, onde foi professor de algumas universidades norte-
americanas e europeias durante o período da ditadura no Brasil.
Sua trajetória foi marcada pelo profundo desejo de
compreender os problemas nordestinos, brasileiros, latino-
americanos e mundiais. Sua enorme capacidade de absorver a
realidade e traduzi-la guardava estreita relação com sua
inquietude para atuar neste cenário e modificá-lo. Assim foi que
seus estudos sempre tiveram expressão no executivo e se
manifestaram de forma a contemplar as possibilidades de um
efetivo planejamento nacional.
Fora essa capacidade de avaliação do espectro econômico,
das teorias do desenvolvimento, do planejamento econômico e
da evolução das estruturas nacionais na formação do Brasil, Celso
Furtado contribuiu de forma ativa para a análise das relações
econômicas internacionais e para os estudos do cenário
internacional. Devemos lembrar que as forças externas, o fluxo
de capital, a empresa transnacional, a estrutura de poder, as
hegemonias, sempre fizeram parte do método analítico de Celso
Furtado.
Suas reflexões maduras sobre as relações internacionais
contemporâneas e a integração regional não tem sido, entretanto,
utilizadas nas academias nacionais de RI como pensamento
brasileiro, com algumas exceções. Talvez porque seus estudiosos,
economistas em maioria, não tenham se debruçado sobre seus
escritos de forma a capturar esse viés específico. Talvez porque
nossa academia de RI tende, desde seu nascedouro, a olhar com
mais apreço para fora (de preferência de todo o continente sul-
americano)
Diálogos Internacionais: reflexões críticas do mundo contemporâneo

E, assim, as características da análise das relações


internacionais em Celso Furtado se perdem em meio aos
importantes estudos sobre a formação econômica do Brasil –
ainda que impensável sem o viés externo - ou permanecem em
segundo plano, coadjuvantes nos estudos sobre sua produção
intelectual. Diz Luiz Felipe de Alencastro, na introdução da
edição definitiva do livro “A economia latino-americana” que:

Boa parte da reflexão mais ampla de Celso Furtado, em


particular sua obra produzida na França, onde em
plena maturidade intelectual, ele se investiu na vida
universitária, ficou meio ensombrecida em nosso país
pela enorme influência que Formação econômica do
Brasil granjeia desde sua publicação, em 1959.[1]

A atualidade do pensamento furtadiano e


desenvolvimentista guarda profunda relação, claro, com o
cenário internacional, ressaltadas as contribuições da Cepal,
sobretudo nas análises dos processos de integração econômica
que se desenrolam no continente americano, pensando o
subdesenvolvimento e as questões da dependência.
A aproximação entre o pensamento de Celso Furtado e às
relações internacionais e à economia política internacional pode
ser realizada de diversas maneiras e partir de distintos temas.
Enfocamos rapidamente um pensamento sobre integração
regional, percebendo como ela não saiu do foco do autor durante
toda a sua produção intelectual. Diz Furtado, em texto de 1969:

Essa ideia-força (formação de mercados comuns


regionais) que seguramente desempenhará papel
fundamental no desenvolvimento da região nos
próximos decênios, difundiu-se rapidamente no
passado recente como reflexo da percepção de que
pequenos países isolados não poderão fazer face aos
crescentes problemas colocados pelo
subdesenvolvimento. A experiência recente já
demonstrou, entretanto, a enorme complexidade da
Celso Furtado (1920-2004): dez anos sem o internacionalista

tarefa e a esterilidade dos estereótipos convencionais


na abordagem do problema. [2]

Na atualidade tem crescido a importância dos estudos


sobre os processos de integração regional, influenciados pela
experiência, dita positiva, da história europeia e, ao contrário,
pela estagnação ou malogro de outras. Guardadas as
especificidades regionais também faz parte da redescoberta desse
campo de estudo a tentativa de gerar um olhar mais crítico sobre
o fenômeno da “globalização”, que levou a uma homogeneidade
de interpretação, de uniformização das tendências e a vitória do
poder dos mercados. Tida como um debate contemporâneo,
entender a interação da força econômica com a política entre os
Estados e o mercado, a percepção da estrutura do sistema
internacional, as transformações na ordem econômica mundial e
a influência do quadro regional no desenvolvimento regional,
são itens que devem ser analisados com profundidade.
Finalmente, Celso Furtado teve grande produção
acadêmica, com grande qualidade, ao longo de sua vida, no Brasil
e no exterior. Manteve sempre grande preocupação nas relações
globais, que permeava toda a sua análise, sobretudo as relações
econômicas, que possibilitava a ele uma análise mais completa da
conjuntura. É ele mesmo quem explica no prefácio do livro
Formação econômica da América Latina, de 1969, que os
estudantes sobre o desenvolvimento econômico nacional
deveriam de forma crescente levar em consideração as
referências regionais. Também que o próprio estudo da
formação econômica do Brasil requeria sua inserção regional e a
compreensão do comportamento do que chama dos “polos
dinâmicos da economia mundial”.[3]
De forma geral, vemos o contrário: pouca produção e de
pouca qualidade é um mal que nossa academia hoje sofre. Todos
sabem tudo de tudo e adoram se expor, e há uma tendência
grande de ultrapassar os do “passado”. Alguns em renomadas
universidades ousam, por exemplo, julgar a obra de Furtado sem
terem escrito um livro sequer, sem ter servido ao Brasil ou
Diálogos Internacionais: reflexões críticas do mundo contemporâneo

qualquer outro país em nenhum posto de relevância e sem


conseguir fazer uma reflexão autônoma...
Perdemos Celso e, desde então, alguns outros que nos
eram referência. Em breve a maioria terá ido e as futuras
gerações terão que inventar novos ídolos em tempo de facebook.
Temo que não passem dos 15 minutos.

Referências

[1] ALENCASTRO, Luiz Felipe de. Celso Furtado e a América


Latina. In: FURTADO, Celso A economia latino-americana:
formação histórica e problemas contemporâneos. 4. ed. São
Paulo: Companhia das Letras, 2007. p. 21.
[2] FURTADO, Celso A economia latino-americana. Op. Cit. p.
369.
[3] Idem. p. 26.
"POBRE MÉXICO. TÃO LONGE DE
DEUS E TÃO PERTO DOS
ESTADOS UNIDOS."

Glauber Cardoso Carvalho

“Pobre México. Tão longe de Deus e tão perto


dos Estados Unidos." Porfírio Díaz (presidente
mexicano no século XIX)

C
om o clima da disputa eleitoral que segue ainda até o
domingo, parece que falar de outra coisa é fugir de nossa
realidade, mas claro que não é. Basta que façamos os links
necessários e conseguiremos aproveitar para tirar conclusões
sobre o futuro do Brasil.
Me refiro, mais especificamente, à oportunidade que
acabei de ter de participar de uma aula com Jorge Máttar, diretor
do Ilpes – Instituto Latinoamericano y del Caribe de
Planificación Económica y Social, da Cepal, em videoconferência
direta do Chile para uma turma de interessados alunos da UFRJ a
cargo dos professores Ricardo Bielschowsky e Lena Lavinas. A
proposta era que ele falasse sobre o México, como estudioso
mexicano que é, mas com foco a partir da década de 90, sem
retornar aos contornos do outro país que foi antes desse período.
O tema não poderia ser mais relevante e guarda profunda
relação com a comoção internacional (sim, há vida fora das


Publicado em 24/10/2014
"Pobre México. Tão longe de Deus e tão perto dos Estados Unidos."

eleições brasileiras) do desaparecimento de 43 jovens estudantes


no Estado de Guerrero, sul do México, antecedidos pela
brutalidade e matança de outras pessoas durante uma
manifestação do qual todos participavam por melhorias na
educação, no município de Iguala. Com suposto envolvimento
nos crimes, o prefeito de Iguala fugiu, o governador de Guerrero
renunciou ontem, 23 de outubro. [Leia reportagem no El País e
da Anistia]
Qual a relação entre falar do desenvolvimento mexicano e
dos desaparecidos de Guerrero? Total. A pauperização social e a
fragilidade institucional estão diretamente relacionadas ao que
Máttar chama de “estabilidade sem desenvolvimento”. São motes
do espraiamento dos carteis de tráfico de drogas e do espiral de
violência que tem marcado o povo mexicano.
Explica-se mais. O sul do México, onde fica Guerrero é de
longe mais pobre que o Norte. A assimetria se intensificou nas
últimas décadas fruto de escolhas políticas e econômicas que
remontam à assinatura do Tratado do Nafta e ao processo
subsequente de descuido governamental, que perdeu o rumo do
resto da América Latina, sobretudo no impulso que esta teve
depois da virada do século XXI.
Explica o especialista que a aproximação do presidente
mexicano Salinas de Gortari (1988-94) com os EUA teve uma
concepção extremamente particular das forças que representava.
Para Salinas, esse era o caminho da modernidade, da alteração de
uma agenda que caducava. Naquele momento, com o fim da
“década perdida”, com o fim da Guerra Fria, a atração norte-
americana assolou a elite mexicana a oficializar um comércio que
já existia e tinha grande importância. Concorreu, claramente, o
desenvolvimento do que se convencionou chamar de
neoliberalismo, puxados por Thatcher e Reagan. Qualquer
semelhança com o Brasil de Collor não é mera coincidência.
A entrada em vigor do acordo Nafta no último ano de
governo de Salinas, em 1 de janeiro de 1994, “coincidiu” com a
revolta de Chiapas, um estado do sul, pelo Exército Zapatista de
Libertação Nacional, em reivindicação de direitos indígenas. A
Diálogos Internacionais: reflexões críticas do mundo contemporâneo

convulsão e a instabilidade foram seguidas de dois anos (1994-


1995) de estrangulamento e adaptação, que antecederam outros
cinco (1996-2001) de auge econômico. O auge é pensado sob três
efeitos: o do Nafta, que deu acesso “livre” ao mercado norte-
americano e canadense; o da competitividade, com alterações
estruturais nas exportações; e, o do crescimento dos EUA, que
experimentou um período excepcional. O período subsequente
se arrasta até hoje, que combina estabilidade inflacionária com
recessão, crise, pauperização, fome, vulnerabilidade interna e
externa...
A ideia de modernidade que seguiu o desencadear do
Nafta estava assentado em bases percebidas como equivocadas
desde então por críticos do caminho que seguia o México. A
percepção de que não havia vantagens na política agrícola fez
com que o país importasse milho, um dos pilares de sua comida.
A crença de que não seria necessária uma política industrial e que
o comércio exterior baseado nas “maquiladoras” seria propulsor
único do desenvolvimento, com efeito de encadeamento interno,
e que a prosperidade se derramaria para todas as regiões
tampouco se mostrou verdadeiro. Pelo contrário, o efeito
marcante da implementação dos acordos foi o aumento das
desigualdades regionais, sobretudo da assimetria entre o norte e
o sul do país. A vulnerabilidade mexicana é descrita por Máttar
nos termos “se os EUA pegarem uma gripe, o México tem
pneumonia”.
Dos fatores chaves para o desenrolar do período de
estabilidade com estagnação, o especialista destaca as crises nos
EUA, a irrupção da China, a perda de competitividade e a
produtividade insuficiente, mas, sobretudo, a atonia da política,
com a máxima “a melhor política é não fazer política”. O
comparativo com o resto da América Latina, em termos gerais, é
de um grande descolamento dos rumos no novo século, e das
políticas que buscaram autonomia e rompimento com uma
vulnerabilidade crescente dos países. Em números, a abertura
comercial, ou seja, a participação das exportações e importações
"Pobre México. Tão longe de Deus e tão perto dos Estados Unidos."

no PIB, em porcentagem, é de 65 para o México e quase 30 para


o Brasil.
Se na década de 80 o México começou a experimentar
uma alteração nas estruturas de suas exportações para uma feição
mais manufatureira ainda que simples, passando dos 60%. Esse
processo foi dominado na década seguinte pelo processo das
maquiladoras que contam 50% e que são contadas no rol das
manufaturas por uma questão política apesar de ter mais feição
de serviço do que de indústria. Esse fato, ainda que tomado no
agregado possa parecer positivo, não foi acompanhado de
políticas de desenvolvimento de bens intermediários, não foi
acompanhado de políticas de produtividade, ou de estímulo ao
crescimento da demanda interna, de consumo das massas, de
real formação de um mercado para seus produtos.
Caminho distinto seguiu o Brasil e outros países sul-
americanos, assim foi que o impacto da crise de 2008 teve um
menor efeito e uma aplicação mais positiva das políticas
contracíclicas adotadas. Nas palavras de Máttar “o que importa
que o México seja a 7ª potência exportadora, se não há efeitos na
economia doméstica e no bem-estar da população? Há que se
começar pelas políticas sociais para que possa ser feita uma
política contracíclica que funcione”. A valorização do salário
mínimo foi um ponto crucial para o enfrentamento da crise sem
queda acentuada do consumo. O México, ao contrário, apesar do
grande debate interno que possui sobre o assunto, conforme o
diretor do Ilpes, não avança na questão e o salário está em cerca
de 150 dólares, estando o salário real abaixo dos 100, dados de
2013.
A pobreza mexicana não cede, permanece em uma
faixa de 45,5%, sendo 9,8% de pobreza extrema e um cinturão de
pessoas não-pobres, mas vulneráveis, que com as crises flutuam
de um lado a outro. Esses dados se completam ainda, para o
negativo, com a constatação de que mais de 7 milhões de
mexicanos passam fome. Nesse cenário uma série de reformas
estão em curso nas áreas trabalhistas, de comunicações, energia,
financeira, entre outras. No “Pacto pelo México” feito em 2012
Diálogos Internacionais: reflexões críticas do mundo contemporâneo

pelos partidos políticos, há um compromisso de resguardar e


aprimorar a governabilidade, a ampliação dos direitos sociais, a
segurança e justiça, e, claro, o enfrentamento ao crescimento,
desemprego e competitividade.
Agora, você está se perguntando: e o Brasil com isso? O
Brasil está prestes a decidir entre dois modelos políticos, até
muito marcadamente diferentes. O projeto de Aécio Neves,
como destacamos em posts sobre as propostas de política
externa, se relaciona com a abertura comercial, com a ampliação
de acordos de livre-comércio e com a retomada de um
alinhamento automático (para usar palavras dos textos de política
externa) com o mundo desenvolvido, a saber EUA e Europa. Esse
foi o caminho do México (esse foi o nosso por um bom tempo,
do qual não gostaríamos de retornar) esse é o caminho do qual o
México (não todo ele, pois é claro que sempre há quem tire
vantagem e, em geral, esses “alguém's” estão no poder nesses
governos) precisa sair com uma ampla reforma social, econômica
e política.
O outro caminho está sendo perseguido, com relativo
sucesso, pelo Brasil nos últimos anos entre Lula e Dilma, inegável
a estabilidade dada pelo Plano Real, mas as pessoas foram
relegadas, e como não comem o próprio dinheiro (ou não
comem PIB, como relembrou em bom tom a professora
Conceição Tavares dada a preocupação excessiva com o tamanho
do PIB) precisam progredir, estudar, trabalhar, ter saúde e ser
feliz, pontos importantes e destacados no governo em turno. Em
termos de política externa, a resistência à crise, as articulações em
torno de projetos de consolidação de foros multilaterais, a
projeção de autonomia conjunta da região sul-americana com a
Unasul, e outros tantos projetos que destaca o Embaixador Celso
Amorim, são escolhas e caminhos, como o México traçou os dele,
como o Brasil vai fazer no próximo domingo.
Enquanto as autoridades mexicanas não dão conta dos seus
Amarildos (sem querer comparar motivações de estudantes
normalistas que reivindicavam melhoria da educação com ele,
mas pelo seu desaparecimento enquanto “pessoa humana” – eu
"Pobre México. Tão longe de Deus e tão perto dos Estados Unidos."

não gosto dessa expressão, mas uso aqui...) e o mundo e suas


famílias os reclamam vivos, o Brasil avança no aprofundamento
de sua democracia e no passo adiante, não no retrocesso.
Em tempo: Publico essa matéria e encontro o artigo do
prof. Ricardo Carneiro e de Marcos Vinicius Chiliatto Leite: NÃO
HÁ VAGAS (O Brasil e a globalização produtiva), no Blog Brasil
Debate. Leiam também!
NOTAS SOBRE A RETÓRICA DO
DESENVOLVIMENTO E A
COOPERAÇÃO INTERNACIONAL
DESDE 1945

Túlio Sene

Assim como sugere Immanuel Wallerstein, a construção da


economia-mundo capitalista se materializou através de um
processo de expansão dos Estados e povos europeus posto em
prática por meio de inúmeras conquistas militares, constante
exploração econômica e massivas injustiças sociais na maior
parte do mundo. Por isso, ao mesmo tempo que lucravam com
essa dinâmica expansiva do capitalismo, os mais poderosos
sempre sentiram a necessidade de adquirir determinado grau de
legitimidade para justificar as vantagens e privilégios inerentes
ao exercício do seu poder. Em geral, os instrumentos mais
utilizados para legitimação de suas políticas de dominação
costumam apelar para uma retórica universalista que apresenta a
expansão do sistema como provedora de múltiplos benefícios
para todas as populações do mundo e não apenas para os Estados
e classes dominantes. Neste sentido, o argumento mais comum
utilizado pelas principais potências mundiais para legitimar o


Publicado em 03/09/2014
Notas sobre a retórica do desenvolvimento e a cooperação internacional desde 1945

exercício do poder costuma relacionar a expansão do sistema


capitalista com a irradiação de benefícios econômicos e sociais
geralmente associados às ideias de civilização, crescimento
econômico e, sobretudo nos tempos mais recentes,
desenvolvimento, que juntas são interpretadas como expressões
de valor universal. Contudo, falar em desenvolvimento sempre
foi uma tarefa complexa que requer análise cuidadosa para se
evitar as armadilhas provenientes de interpretações
demasiadamente enviesadas. Exemplo disso é a forma como a
retórica universalista do desenvolvimento passou a ser
disseminada a partir de meados do século XX em conjunto com
um discurso global de cooperação internacional para legitimar
uma ordem política e econômica mundial que favorece
desproporcionalmente os interesses dos países desenvolvidos.
O termo desenvolvimento começou a ganhar expressão
conceitual a partir da década de 1940 com as teorias explicativas
da modernização que evoluíram na forma de um campo de
estudo particular conhecido dentro da ciência econômica como
Economia do Desenvolvimento. O problema fundamental que
movia os trabalhos era o acentuado quadro de assimetrias
internacionais e o objetivo central proposto era descobrir as
causas e possíveis remédios para reverter o enorme
distanciamento que separava as distintas realidades econômicas
nacionais. De uma forma geral, os chamados pioneiros do
desenvolvimento (MEIER, 1985) apoiavam-se numa perspectiva
de longo prazo que apontava para o progresso de todos os países
por meio de trajetórias particulares que convergiriam para níveis
similares de renda no futuro. De acordo com esses teóricos, os
Estados capitalistas mais desenvolvidos poderiam servir de
modelo para os menos desenvolvidos, de forma que seria
perfeitamente possível definir um receituário de caráter
universal que conduzisse todos os países ao caminho da
prosperidade econômica. Para isso bastava seguir as leis e
princípios gerais de funcionamento da ciência econômica tal
como enunciados pela corrente dominante do pensamento
liberal.
Diálogos Internacionais: reflexões críticas do mundo contemporâneo

Essas teorias da modernização, orientadas por uma


percepção linear e convergente do progresso social e econômico,
assumiam de forma equivocada que a unidade básica de análise a
ser investigada era de fato o Estado nacional e suas
particularidades, lócus principal de aplicação dos receituários
liberais que pregavam o desenvolvimento. De acordo com esta
perspectiva, as economias nacionais se desenvolveriam em
trajetórias fundamentalmente semelhantes, mas em ritmos
variados, o que explicava a coexistência de distintas etapas do
desenvolvimento nas diferentes regiões do globo. Os pioneiros
do desenvolvimento afirmavam que com paciência mesmo em
economias atrasadas, caracterizadas por baixa renda e baixos
níveis de investimento, seria possível dar continuidade a um
processo de acumulação que levasse à elevação dos seus níveis de
renda até patamares compatíveis aos observados nas economias
consideradas desenvolvidas. Especialização produtiva, promoção
das exportações, abertura aos investimentos externos e aceitação
do sistema de preços de mercado eram algumas estratégias
econômicas de validade supostamente universal defendidas pelos
pioneiros do desenvolvimento como caminhos certos para a
replicação do modelo de desenvolvimento das economias mais
avançadas no restante do mundo.
A disseminação dessa ideia pelo mainstream do pensamento
econômico foi favorecida pelo empenho dos americanos em
torno da afirmação de sua hegemonia no contexto geopolítico do
imediato pós guerra, o que fez com que rapidamente o conceito
de desenvolvimento se tornasse objetivo principal da maioria das
políticas nacionais. Como resultado, além de desencadear um
processo de homogeneização de culturas e tradições em favor de
um modelo de crescimento econômico e estilo de vida típicos
das economias industriais avançadas, foi arquitetada uma
estrutura básica de governança política global cujo propósito
principal era a cooperação para o desenvolvimento de todas as
nações. Cooperar neste sentido significava concordar e respeitar
os princípios básicos do regime de acumulação capitalista tal
como enunciados pelos economistas mais ortodoxos da tradição
Notas sobre a retórica do desenvolvimento e a cooperação internacional desde 1945

liberal. Para compor a base dessa estrutura de governança


política e econômica global foi criado o Sistema das Nações
Unidas e foram estabelecidos os Acordos de Bretton Woods e o
Acordo Geral de Tarifas e Comércio, os três mecanismos de
coordenação internacional mais importantes do pós-guerra.
Reafirmar a fé nos direitos fundamentais do homem, praticar a
tolerância para um convívio em paz e promover o progresso
econômico e social de todos os povos foram os três objetivos
básicos de caráter universal estabelecidos no preâmbulo da carta
fundadora das Nações Unidas, única organização internacional
que se ocupou dessas três dimensões do desenvolvimento.
Com base na tríade paz, direitos humanos e progresso
econômico, a ideia de desenvolvimento passou a assumir dois
significados complementares, um relacionado com o
desenvolvimento dos países e outro relacionado com o
desenvolvimento das sociedades, que, somados à crescente
interdependência das nações, leva à diferenciação de três
objetivos básicos que compõem o discurso global da cooperação
para o desenvolvimento: i) gerenciar a interdependência entre
nações; ii) estimular o desenvolvimento das sociedades; e iii)
eliminar gradualmente as assimetrias que caracterizam o sistema
econômico mundial (OCAMPO, 2010). Contudo, na prática o
distanciamento entre as distintas realidades econômicas
nacionais aumentou ao invés de diminuir nas décadas que se
seguiram ao final da II Guerra Mundial, o que aparentemente
comprova que houve pouca disposição de fazer da cooperação
internacional um instrumento de efetiva aproximação do grau de
desenvolvimento das sociedades nacionais. Apesar do discurso
global da cooperação para o progresso econômico e social de
todos os países, os acordos internacionais acabaram priorizando
apenas a interdependência das nações sob um regime liberal com
níveis crescentes de regulação.
A ordem política e econômica que vigorou no pós guerra,
e que em grande medida se mantem até os dias atuais, se baseava
essencialmente sobre dois princípios básicos: a cooperação entre
Estados para criar e implementar instituições que facilitassem a
Diálogos Internacionais: reflexões críticas do mundo contemporâneo

integração do mercado internacional e a manutenção da


autonomia dos Estados para a busca de seus objetivos
econômicos e sociais. Essa era em essência a ordem internacional
que John Ruggie (1982) chamou de embedded liberalism. Em outras
palavras, embora de forma não revelada, a cooperação
internacional para o desenvolvimento acabou se mostrando
muito mais eficaz para nivelar o campo de jogo e criar condições
de igualdade para uma livre operacionalização das forças
assimétricas de mercado em âmbito global do que para fomentar
o desenvolvimento das sociedades e eliminar as assimetrias
econômicas entre os países. Como resultado, chegamos a uma
era de globalização neoliberal caracterizada ao mesmo tempo
por um elevado grau de integração dos mercados e altas taxas de
desigualdade econômica internacional.
O problema é que, assim como afirma Ocampo (2010), as
crescentes desigualdades históricas nos níveis de
desenvolvimento entre as nações indicam que, apesar das
iniciativas domésticas de cada país em particular serem
obviamente importantes na busca pelo desenvolvimento, as
oportunidades econômicas são determinadas fundamentalmente
pela posição que os países ocupam na hierarquia de poder global.
Neste sentido, embora as principais instituições de governança
global reforcem a ideia de cooperação internacional para o
desenvolvimento de todos os povos e nações, na prática o que
impera são acertos que definem condições sociais e econômicas
que tendem a favorecer desproporcionalmente a prosperidade
de uma parcela privilegiada do sistema internacional. Por isso,
fica cada vez mais evidente que a retórica do desenvolvimento
universal, essência do discurso global em favor da cooperação
internacional, é na verdade apenas um instrumento de
legitimação do exercício de poder por parte das nações mais
desenvolvidas. Resta aos países em desenvolvimento da periferia
e semi-periferia do sistema continuar lutando por espaços que os
permitam uma projeção cada vez maior de seu poder em escala
global, mas sem depositar suas fichas nas promessas de
Notas sobre a retórica do desenvolvimento e a cooperação internacional desde 1945

desenvolvimento supostamente originadas de uma ampla


cooperação internacional.

Referências

MEIER, G. The formative period. In: MEIER, G. & SEERS, D.


(Orgs.). Pioneers in Development. Oxford University & World
Bank, 1985.
OCAMPO, J. A. Rethinking global economic and social
governance. Journal of Globalization and Development, v. 1, n.
1, 2010.
RUGGIE, John Gerard. International regimes, transactions, and
change: embedded liberalism in the postwar economic order.
International organization, v. 36, n. 02, p. 379-415, 1982.
WALLERSTEIN, I. M. European Universalism: The Rhetoric of
Power. New Press, 2006.
A AJUDA EXTERNA SOB A
PERSPECTIVA DA TEORIA DA
DEPENDÊNCIA: O CASO DE
MOÇAMBIQUE

Luiza Bizzo Affonso

E
m 1960, o Comitê de Ajuda ao Desenvolvimento (CAD) foi
criado pela Organização para a Cooperação e
Desenvolvimento Econômico (OCDE) com o objetivo de
coordenar e promover a ajuda internacional entre os principais
Estados doadores (RIDDELL, 2007, p. 18). Segundo o CAD, a
definição de Assistência Oficial para o Desenvolvimento (ODA)
consiste em:
Flows of official financing administered with the promotion
of the economic development and welfare of developing
countries as the main objective, and which are concessional
in character with a grant element of at least 25 percent
(using a fixed 10 percent rate of discount). By convention,
ODA flows comprise contributions of donor government
agencies, at all levels, to developing countries (“bilateral
ODA”) and to multilateral institutions. (OCDE, 2003).

O termo Assistência Oficial para o Desenvolvimento


(ODA) também pode ser sinônimo de “ajuda externa”, que é “a


Publicado em 05/04/2016
A ajuda externa sob a perspectiva da Teoria da Dependência: o caso de Moçambique

transferência de recursos de um país para outro a fim de


promover o desenvolvimento do país receptor. Ela envolve um
conjunto de recursos humanos, financeiros e materiais que, sob a
forma de donativos ou empréstimos, são transferidos para os
países necessitados” (NIPASSA, 2009, p. 7). Essa transferência
pode ser dar de forma direta, através de instituições e
organismos nacionais do país doador, ou indiretamente, por
meio de organismos multilaterais financiados pelos Estados
doadores, como o Banco Mundial e a ONU. Infere-se, portanto,
que a principal justificativa da ajuda externa é o desenvolvimento
do Estado receptor, que apenas com os recursos domésticos não
seria capaz de alcançar esse objetivo.
Segundo o CAD, a Assistência Oficial para o
Desenvolvimento (ODA) para Moçambique, em 2004, foi de US$
1.2 bilhões, o que correspondia a 23% da renda nacional – a
média de 2005 a 2010 esteve em 22% – fazendo de Moçambique
o oitavo país mais dependente da ajuda externa no mundo
(OCDE).
Moçambique é visto pelos seus doadores como um caso de
sucesso, dado sua estabilidade desde o fim da guerra civil, em
1992, além de ser considerado um modelo pelo FMI e pelo Banco
Mundial, pelo fato de atender a quase todas às suas demandas.
Seus principais doadores são o Banco Mundial, a Comissão
Europeia, os Estados Unidos, o Reino Unido, a Dinamarca, a
Suécia, a Noruega, a Holanda e o Banco Africano de
Desenvolvimento. Moçambique é um Estado em que os
doadores querem ajudar pelo fato do governo acatar com as
prescrições das instituições financeiras internacionais e pelos
fortes laços com doadores bilaterais, principalmente os países
nórdicos (DE RENZIO, P. & HANLON, J. 2007).
Apesar da ajuda externa, Moçambique ainda é um dos
Estados mais pobres do mundo, cuja população prevalece sendo
majoritariamente rural, dependente da agricultura de
subsistência. Moçambique apresenta baixos índices de
desenvolvimento, como demonstra o Relatório do PNUD sobre o
Diálogos Internacionais: reflexões críticas do mundo contemporâneo

Desenvolvimento Humano de 2015, ocupando a 180ª posição de


188 países avaliados (PNUD, 2015).
Como Nipassa (2009) afirma: “sua economia é
caracterizada como, na melhor das hipóteses, um incipiente
sector privado de negócios (...) há uma limitada penetração no
mercado mundial e as importações são altamente financiadas
pela ajuda externa” (NIPASSA, 2009, p. 15). A dependência da
ajuda internacional de Moçambique é acentuada pela dificuldade
de se obter recursos domesticamente e pelo fato de que qualquer
corte orçamental pode afetar áreas cruciais do país, como
educação, saúde, transportes, que são financiadas pela ajuda
externa.
Com o fim do socialismo moçambicano, o governo acatou
o Consenso de Washington proposto pelos seus doadores, com o
objetivo de manter o fluxo de ajuda externa, ao invés de se
preocupar em elaborar um projeto nacional de desenvolvimento.
Dessa forma, a maior parte das discussões sobre a política
acontece entre o Executivo e seus doadores, sem passar pelo
parlamento ou pela sociedade civil. (DE RENZIO, P. & HANLON,
J. 2007).
O papel da Frente de Libertação de Moçambique
(FRELIMO) em garantir que a ajuda internacional seja mantida
deve ser destacado. A FRELIMO tem uma longa história de
negociação com um grupo diverso de aliados internacionais,
essenciais para a sua sobrevivência política. Um exemplo disso
está na rápida mudança de modelo econômico – de socialista a
capitalista – e a continuação do apoio dos principais doadores.
Apesar das divergências internas dentro do partido, a FRELIMO
busca passar a imagem de união partidária para os doadores, a
fim de mostrar-se como garantidora da estabilidade política e,
assim, manter a ajuda externa. As consequências são que a
FRELIMO é forçada a manter seus membros corruptos e aceitar
as decisões dos seus doadores. Sobre as relações entre a
FRELIMO e os doadores, e a consequente pouca participação da
sociedade civil nos processos decisórios, De Renzio, P. & Hanlon,
J. afirmam:
A ajuda externa sob a perspectiva da Teoria da Dependência: o caso de Moçambique

The nature of government-donor relations is therefore


shaped by an environment where high aid dependence is
coupled with limited pressure for accountability from civil
society, parliament or the media, who lack political clout and
technical capacity, and with substantial rewards for going
along with donor demands. In such as situation, there are
clearly few incentives for the political leadership to take
strong positions against donor policies, or to engage in
debates about policy alternatives which could call into
question the predominant development paradigm. (DE
RENZIO, P. & HANLON, J., 2007, p.10)

Para Nipassa, (2009) a tentativa de criar um programa


econômico e social bienal pelo Ministério do Plano e Finanças,
em 1998, sem envolvimento do Banco Mundial e do FMI, foi
superficial e não difere em nada dos projetos anteriores criados
pelos Estados doadores. Não há em Moçambique um projeto
nacional preocupado com uma estratégia de desenvolvimento
autônoma. Faltam políticas alternativas, que não as impostas
pelos Estados doadores. O governo dedica mais tempo e atenção
ao processo de gerenciar a ajuda externa, do que a criar debates
internos, com participação da sociedade civil, da mídia ou do
Parlamento, – os que enfrentam os maiores problemas da
dependência – para criar projetos de desenvolvimento próprios.
(DE RENZIO, P. & HANLON, J. 2007).
Desse modo, é possível perceber a grande relação de
dependência entre Moçambique e os Estados doadores, que se
estabelece por meio da ajuda externa. Estes, por sua vez,
possuem o interesse de manter o fluxo de ajuda para o país, pelo
fato do governo moçambicano acatar com todas as suas
prescrições, o que significa influência política, econômica e
cultural dos doadores em Moçambique. Por outro lado, não há
interesse da FRELIMO em modificar a situação, que se beneficia
da ajuda externa, deixando à sociedade civil à margem do
processo. O resultado pode ser visto pelos altos índices de
pobreza da população.
Diálogos Internacionais: reflexões críticas do mundo contemporâneo

Aplicando a Teoria da Dependência de Fernando


Henrique Cardoso e de Enzo Faletto ao caso de Moçambique,
pode-se afirmar que é possível alcançar o desenvolvimento
nacional sem romper com o mundo externo, e sem abandonar o
capitalismo, desde que haja um projeto autônomo e nacional de
desenvolvimento. Além disso, para esses autores, é do conflito
das classes sociais e grupos nacionais “que se dará à expansão ou
diminuição da dependência da periferia em relação ao centro”
(DUARTE & GRACIOLLI, p. 4). Desse modo, as relações entre a
FRELIMO – partido político que está à frente do Governo – e os
Estados doadores contribuem para a manutenção das relações de
dependência de Moçambique com o mundo externo.
Não é o objetivo aqui afirmar que qualquer ajuda externa é
prejudicial ao país que a recebe. O problema está na forma como
essa é conduzida pelas elites e na necessidade de se formular um
projeto autônomo de desenvolvimento nacional, paralelo ao
fluxo de doações externas. Como Fernando Henrique Cardoso e
Enzo Faletto (1979) argumentam, é possível alcançar o
desenvolvimento, desde que haja iniciativa das classes e dos
grupos nacionais para tal.
As relações de dependência não são estabelecidas apenas
por fatores exógenos, isto é, não é apenas o Sistema Internacional
que implica no subdesenvolvimento das nações, como afirmava
os teóricos mais radicais da dependência. Os processos internos,
juntamente com os externos, explicam o processo de
desenvolvimento nacional. No caso de Moçambique, a FRELIMO
preocupa-se mais em manter a ajuda externa, do que com a
criação de processos domésticos que discutam sobre o
desenvolvimento, com a participação da sociedade civil, da mídia
e do Parlamento.
Com base no pensamento de alguns teóricos da
dependência, como Fernando Henrique Cardoso e Enzo Faletto
(1979), pode-se afirmar que o desenvolvimento econômico dos
países periféricos, sem romper com mundo externo, é possível,
desde que tenha um caráter nacional e envolva a participação de
grupos domésticos. Dessa forma, com a diminuição gradual das
A ajuda externa sob a perspectiva da Teoria da Dependência: o caso de Moçambique

relações de dependência, um desenvolvimento nacional


autônomo poderia ser alcançado.

Referências

CARDOSO, F.He Faletto, E. Dependency and Development in


Latin America. Berkeley: University of California Press, 1979.
DE RENZIO, P. e HANLON, J. Contested Sovereignty in
Mozambique: The Dilemmas of Aid Dependence. University
College, Oxford, 2007.
DUARTE, P. H. E. & GRACIOLLI, E. J. A Teoria da Dependência:
Interpretações sobre o (Sub) Desenvolvimento na América
Latina. Disponível em
<http://www.unicamp.br/cemarx/anais_v_coloquio_arquivos/ar
quivos/comunicacoes/gt3/sessao4/Pedro_Duarte.pdf>. Acesso
em 30 de nov. de 2013.
JACKSON, R. e SORENSEN, G. Introdução às Relações
Internacionais. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2007.
NIPASSA, O. Ajuda Externa e Desenvolvimento em
Moçambique: Uma Perspectiva Crítica. Conference Paper Nº36,
2009. Disponível em
<http://www.iese.ac.mz/lib/publication/II_conf/CP36_2009_Ni
passa.pdf>. Acesso em 08 de jul. de 2013.
ORGANIZAÇÃO PARA A COOPERAÇÃO E
DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO (OCDE). Glossary of
Statistical Terms. 2003. Disponível em:
<http://stats.oecd.org/glossary/detail.asp?ID=6043> Acesso em 07
de jul. de 2013.
PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O
DESENVOLVIMENTO. (PNUD) Relatório de Desenvolvimento
Humano 2015. Disponível em:
http://www.pnud.org.br/HDR/Relatorios-Desenvolvimento-
Humano-Globais.aspx?indiceAccordion=2&li=li_RDHGlobais.
Acesso em 29 de mar. de 2016.
RIDDEL, R. C. Does Foreing Aid Really Work? Oxford, Oxford
University Press, 2007.
Diálogos sobre Política Externa
PARADIPLOMACIA E RELAÇÕES
INTERNACIONAIS: BREVE
ABORDAGEM TEÓRICA

Leonardo Granato

A
s cidades e regiões têm, atualmente, um crescente
protagonismo no âmbito da teoria das relações
internacionais e da política externa. As origens desse
protagonismo podem ser encontradas nas perspectivas teóricas
transnacionalistas da década de 70, representadas por autores
como Keohane e Nye (1977). Estes autores reconheceram a
presença de novos atores na arena internacional e a
diversificação dos canais a partir dos quais se transmitam tais
relações, em um contexto definido em termos de
interdependência complexa, entendida esta como o conjunto de
situações caracterizadas por efeitos recíprocos entre países ou
entre atores em diferentes países.
Por sua vez, Cox (1986), crítico da ideia de um sistema
internacional governado por uma lógica que privilegia um
pequeno número de Estados poderosos que limitam as
possibilidades de mudança, desenvolveu um modelo com três
dimensões básicas a fim de compreender a dinâmica da política


Publicado em 13/08/2014
Paradiplomacia e relações internacionais: breve abordagem teórica

mundial (a dimensão vertical das relações internacionais; a


relação entre Estado e sociedade civil; e a dinâmica do processo
produtivo), permitindo incorporar novos atores ao estudo das
relações internacionais.
Embora Keohane, Nye e Cox não tenham abordado o tema
da natureza da ação internacional das unidades subnacionais,
seus estudos contribuíram para a abertura da perspectiva
disciplinar rumo a novos capítulos e problemas resultantes da
interação de atores de distinta natureza, em um cenário
internacional em transformação.
Será a partir dos anos 80 que o fenômeno subnacional será
tratado nos estudos internacionais, apresentando as burocracias
locais como marginalmente afetadas pela política mundial. Na
época da globalização dos anos 90, surgia a ideia do poder
político “de baixo para cima”, em direção a instâncias
supranacionais (regionalismos), e “de cima para baixo”, até os
níveis regionais e locais (por meio de processos de
descentralização do poder no território), e “fora do âmbito do
Estado”, rumo à sociedade civil.
Observa-se, assim, a valorização de novas escalas
geográficas supranacionais e subnacionais, como âmbitos de
interação e de relações de poder (sobre a ruptura generalizada e
exclusiva da ideia de Estado e de sociedade nacional), a partir dos
novos conflitos que surgem do entrecruzamento e da
superposição de atores, espaços, situações e processos, tanto
transnacionais quanto locais, o que daria lugar à definição de
uma nova problemática que alguns autores identificam como
‘interméstica’.
Sob o termo ‘paradiplomacia’, encontra-se o marco teórico
para analisar, enquadrar e explicar o fenômeno da participação
das cidades e de outras unidades subnacionais no sistema
internacional. Aguirre Zabala (2001) acentua que a origem da
paradiplomacia pode ser encontrada nos escritos de Duchacek
(1986) e Soldatos (1990), que, conscientes da necessidade de
novos desenvolvimentos teóricos, dedicam seus esforços
Diálogos Internacionais: reflexões críticas do mundo contemporâneo

metodológicos a construir tal conceito, baseando-se nos estudos


de Keohane e Nye sobre a interdependência complexa.
Neste contexto, Duchacek et al. (1988) expressam que no
âmbito internacional não somente se escuta a voz dos governos
centrais, sobretudo no caso dos Estados federais, mas também a
voz de outros protagonistas da vida política nacional, tais como a
oposição, as comunidades etnoterritoriais, os grupos de interesse
e as partes componentes dos Estados (prefeituras ou municípios,
departamentos, províncias ou estados, regiões ou seus
equivalentes). De tal maneira, a política internacional resultava
em uma espécie de ‘polifonia’. Já em seus primeiros estudos,
Duchacek prestava particular atenção aos atores governamentais
subnacionais, os quais consideraria como entes que erosionam o
controle e a autonomia estatal central.
O certo é que o conceito de paradiplomacia, em termos de
participação dos governos não centrais nas relações
internacionais, foi um dos que mais se generalizou para dar conta
dessa nova realidade. Caberá aos pesquisadores discutir, em
debates futuros, de que modo tal conceito é capaz de abordar
plenamente o fenômeno complexo da atuação internacional das
unidades subnacionais, que continuará cada vez sendo difundido
e aprofundado.

Referências

AGUIRRE ZABALA, Iñaki. ¿Qué sentido tiene hablar de


paradiplomacia? Una encuesta intertextual entorno a un
neologismo polisémico. In: ALDECOA LUZARRAGA, F.;
KEATING, M. Paradiplomacia: las relaciones internacionales de
las regiones. Madrid: Marcial Pons, 2001.
COX, Robert (1986). Social Forces, States and World Orders:
Beyond International Relations Theory. In: KEOHANE, R. (Ed.),
Neorealism and its critics. Nova York: Columbia University
Press, 1986.
Paradiplomacia e relações internacionais: breve abordagem teórica

DUCHACEK, Ivo. The Territorial Dimension of Politics: Within,


Among and Across Nations. London: Westview Press, 1986.
DUCHACEK, Ivo (et al). Perforated Sovereignties and
International Relations: Trans-Sovereign Contacts of
Subnational Governments. New York: Greenwood Press, 1988.
KEOHANE, Robert; NYE, Joseph Power and Interdependence:
World Politics in Transition. Nova York: Longman, [1977], 2001.
SOLDATOS, Panayotis. An Explanatory Framework of the Study
of Federal States as Foreign-Policy Actors. In: MICHELMAN, H.
J., Soldatos, P. Federalism and International Relations: The Role
of Subnational Units. New York: Oxford University Press, 1990.
O OUTRO LADO DA
DIPLOMACIA

Suellen Lannes

comum entre os estudantes de Relações Internacionais o

É desejo de seguir a carreira diplomática. Esse desejo é


nutrido, principalmente, entre os estudantes dos períodos
iniciais. Com o tempo, o graduando passa a ter um contato maior
com o incrível mundo das Relações Internacionais e descobre
novas áreas de atuação e o sonho diplomático vai perdendo
espaço.
Muito desse apreço pela diplomacia tem relação com o
glamour que envolve essa profissão, além das benesses do cargo,
como um bom salário, passaporte diplomático, “passar a vida
viajando” e poder, de alguma forma, estar nos centros de poder
internacional. Todavia, existe um outro lado da diplomacia não
tão glamoroso, mas tão importante, o cargo de cônsul honorário.
O perfil do Cônsul Honorário é definido na Convenção de
Viena sobre Relações Consulares. Nesse documento estão
expostos as funções, categorias, privilégios, imunidades, normas
e condições dessa função. O problema é que essa Convenção
engloba as questões jurídicas e não as questões políticas e
culturais que englobam o cargo [LUPI, 2014, p.21]. Muitos países,


Publicado em 10/10/2014
O outro lado da diplomacia

como Estados Unidos e Nova Zelândia não nomeiam Cônsules


Honorários, mas aceitam a presença de Cônsules de outros
Estados em seus territórios. Normalmente se opta pelo Cônsul
Honorário por medida de economia do Estado, que considera
importante manter repartições consulares, mas não o suficiente
para manter diplomatas de carreira e toda a estrutura que
envolve a formação de um consulado [LUPI, 2014, p.22].
Em linhas gerais, pode-se dizer que o cargo de Cônsul
honorário representa um cidadão(ã) de um país, nele residente e
que exerce as funções de Cônsul representando os interesses de
uma outra nação. No Brasil, normalmente, eles são descendentes
de estrangeiro ou de um naturalizado ou, então, pode ser, ele
próprio, um naturalizado. Diferente do Cônsul de carreira, ele
não ganha um salário[1], o que não surpreende o fato de muitos
Cônsules serem empresários. Seu trabalho é como se fosse uma
filantropia. Além disso, ele não tem um passaporte diplomático,
nem recebe ajuda em viagens. Ele possui imunidade diplomática
somente quando está a serviço do país que representa, já o
Cônsul de carreira tem imunidade permanente.
De acordo com a Associação dos Cônsules no Brasil
(ACONBRAS) a nomeação de um Cônsul honorário acontece por
meio da nomeação do Ministério das Relações Exteriores do seu
país. Na prática, esse processo é mais simples. Em decorrência
das dificuldades do cargo e da ausência de salário, não existem
muitos pleiteantes ao cargo. Sendo assim, normalmente o
escolhido é uma indicação do Cônsul anterior, podendo ser seu
filho, sobrinho, amigo, conhecido ou algum indicado pela
comunidade. O Cônsul titular encaminha uma carta ao
Ministério que ratifica sem maiores problemas.
As principais funções de um Cônsul Honorário é emitir
visto e passaporte, consularizar documentos, formalizar
casamentos, liberar navios, emitir certificados comerciais,
promover o comércio e intercâmbio cultural entre o país que
reside e o que representa, acompanhar as autoridades do país
que representa. Na prática, as funções principais do Cônsul é
apagar incêndios e fomentar o diálogo entre os dois países.
Diálogos Internacionais: reflexões críticas do mundo contemporâneo

O grande mérito desse Cônsules são as suas inserções na


comunidade local, o que consegue ser feito por meio de uma
atuação eficiente com uso de poucos recursos materiais e
pessoais. Isso acontece pelo fato da maior parte dos Cônsules
serem moradores da região onde tem jurisdição. Muitos
nasceram na cidade onde exercem a sua função ou vivem nela há
muitos anos. A escolha de um Cônsul, normalmente, tem relação
com essa atuação na região em que ele vive. Assim, por meio de
suas relações pessoais e profissionais, ele tem maior facilidade de
resolver os problemas, em outras palavras, “para resolver um
problema basta às vezes um telefonema, ou uma visita, à pessoa
certa.” [LUPI, 2014, p. 29]. Além disso, a pouca formalidade em
volta dos Cônsules ajudam no acesso das pessoas.
Nesse sentido, o Cônsul surge para “apagar incêndios”.
Sempre que alguém precisa de um documento, instruções ou
uma indicação, ele recorre ao Cônsul que pode resolver ou
encaminhar para alguém que resolva. Sua proximidade da
comunidade torna o seu trabalho mais eficiente, afinal, sua
jurisdição é menor do que um diplomata de carreira, que atua
em um Estado, enquanto o Cônsul Honorário vai fomentar a
relação entre dois países, focando no estado e na cidade em que
atua.
O Cônsul Honorário foge, um pouco, do glamour e das
benesses do cargo do diplomata de carreira, mas não da sua
importância. Ao atuar na comunidade local, incentivando a
relação entre os países e facilitando a vida das pessoas em
momentos de necessidade, o Cônsul se torna uma figura
importante na sociedade. Se qualquer aluno de Relações
Internacionais quiser conhecer um pouco mais desse trabalho, as
portas dos Consulados Honorários estão abertas.

[1] No Brasil muitos Cônsules arcam com todo o custo que a sua
atuação exige, como contas de telefone, correio, deslocamento.
Em alguns casos, o governo dos estados e municípios ajudam na
manutenção das atividades consulares.
O outro lado da diplomacia

Referências

ACONBRAS:
http://www.aconbras.com.br/internas.php?menu=0001&interna=
27045
LUPI, João. Cônsul Honorário: A Experiência do estado de Santa
Catarina. Florianópolis: Insular, 2014.
POLÍTICA EXTERNA COMO
POLÍTICA PÚBLICA: PRIMEIRAS
APROXIMAÇÕES A PARTIR DO
CASO BRASILEIRO

Victor Tibau

A
o longo do século XX, as Relações Internacionais se
firmaram como disciplina e campo de estudos e análises
sobre os eventos internacionais. Contribuiu muito para
isto a tradição do Realismo político, que teve grande influência
sobre o desenvolvimento do campo de estudos e logo conseguiu
firmar-se como mainstream. Grosso modo, o Realismo entende
o sistema internacional como um ambiente anárquico, no qual os
atores eram os Estados que agiam racionalmente para garantir
sua sobrevivência e maximizar seus benefícios. Os Estados, para
o Realismo, eram tal qual uma bola de bilhar, hermética e sólida,
portanto, sem que importasse sua política doméstica.
Estabeleceu-se, então, logo de início, uma clara separação entre
política externa (também considerada “alta política”) – a ação dos
Estados no sistema internacional – e política pública (“baixa
política”), que, segundo Jobert e Muller [1987], pode ser
entendida como “o Estado em ação” no plano doméstico.
Embora esta dicotomia tenha sobrevivido por muito tempo –


Publicado em 05/11/2014
Política Externa como Política Pública: primeiras aproximações a partir do caso brasileiro

está presente, inclusive, em estudos atuais –, recentes análises


têm adotado uma perspectiva diferente.
Encontrado na justificativa da maioria dos estudos
contemporâneos a este respeito está o fato de que a globalização
teve grande impacto sobre a condução da política externa,
trazendo novos temas e atores para o debate e borrando a linha
divisória entre o doméstico e o internacional. Em 1988, Robert
Putnam produziu um artigo que se tornou seminal, no qual
defendia que todo negociador internacional operava
simultaneamente nos níveis doméstico e internacional, levando
sempre em consideração as pressões, limites e interesses de cada
um e como acomodá-los. No mesmo ano, Ingram e Fiederlein
[1988] defenderam explicitamente “cruzar a fronteira” e abordar
política externa como política pública. A proposta das autoras
incluía utilizar o modelo clássico de análise de política pública (o
ciclo das políticas) para estudar a política externa, além de ver
como cada uma das duas apresentava uma dimensão mais
próxima da outra.
É interessante notar como este tema tem sido tratado no
Brasil. Celso Lafer [2001], por exemplo, em estudo que não tem
esta colocação como objetivo último, defende que política
externa é “uma importante política pública” ao apresentar
Estados e governos como “indispensáveis instâncias públicas de
intermediação” interna e externa [pp. 18-19]. Segundo este
raciocínio, a política externa tem por objetivo “traduzir
necessidades internas em possibilidades externas para ampliar o
poder de controle de uma sociedade sobre o seu destino” [p. 16].
Já o trabalho de Michelle Sanchez et. al [2006] tem como
objetivo primordial defender a posição de que política externa é
política pública. Para isto, as autoras, defendendo haver um
“continuum do processo decisório” (doméstico-externo-
internacional), apresentam uma perspectiva constitucional,
segundo a qual “as Constituições de 1967 e 1988 não designam
literalmente o poder competente para a formulação da política
externa brasileira, embora possuam mecanismos que distribuem
a competência para sua condução entre os três poderes” [p. 129].
Diálogos Internacionais: reflexões críticas do mundo contemporâneo

Embora demonstrem que a política externa é atribuída a diversos


atores, as autoras relembram o Decreto n. 5.032/2004, segundo o
qual “cabe ao Ministério [das Relações Exteriores] auxiliar o
presidente da República na formulação da política exterior do
Brasil, assegurar sua execução e manter relações com estados
estrangeiros, organismos e organizações internacionais”.
O papel do Itamaraty é fundamental quando se discute
política externa brasileira e, neste sentido, o trabalho de Cheibub
[1990] é referência inescapável. O argumento principal é o de
que tanto o Ministério das Relações Exteriores (MRE) quanto os
diplomatas obtiveram um fortalecimento crescente ao longo da
formação do Estado nacional brasileiro, o que aumentou sua
capacidade de controle na condução e formulação da política
externa. Cheibub denomina este processo de “autonomia
crescente” e “lenta e gradual racionalização e burocratização do
Itamaraty e da carreira diplomática no Brasil” [p. 114]. É
interessante notarmos que, embora este trabalho seja
amplamente citado para justificar o insulamento e a relativa
autonomia do MRE, em sua conclusão, o autor, escrevendo no
fim da década de 1980, aponta um fato então novo, e importante
para nossa visão sobre a política externa: um processo de
“expansão do Itamaraty, isto é, a existência de um amplo
movimento externo de diplomatas para outras agências
governamentais” [p. 130].
Este “êxodo” de diplomatas, por sua vez, é mencionado
por Milani e Pinheiro [2013] como um dos elementos que os
fazem entender política externa como política pública. Ao se
espalharem pela administração pública, diplomatas brasileiros
impulsionaram a internacionalização das agendas de outras
pastas. Somado a estes dois processos há também o aumento da
participação da sociedade civil, como, por exemplo, durante as
conferências da ONU na década de 1990 e com relação ao
Mercosul, e o surgimento de novos temas e novos atores. Milani
e Pinheiro, portanto, defendem que se considere política externa
como política pública, mas afirmam que ainda falta “construir
um arranjo político e jurídico que reflita essa realidade empírica
Política Externa como Política Pública: primeiras aproximações a partir do caso brasileiro

e que assegure o caminho institucional mais democrático


(sujeito, inclusive, a controles pela própria sociedade)” [p. 22].
Uma observação semelhante é feita por Lafer [2001, p. 17] que, ao
apresentar esta visão, defende que ela “pressupõe processos de
consulta e mecanismos de representação”.
É justamente neste sentido que o Grupo de Reflexão sobre
Relações Internacionais (GR-RI) vem propondo a criação de um
“Conselho permanente de consulta, participação e diálogo da
sociedade com o poder Executivo sobre a política externa”
(CONPEB). Esta deve ser uma preocupação constante de todos
aqueles que se interessam pelos rumos do Brasil, de forma a
aperfeiçoar a política externa como um instrumento para o
desenvolvimento nacional.

Referências

CHEIBUB, Z. Diplomacia e Construção Institucional: O


Itamaraty em uma perspectiva histórica. DADOS – Revista de
Ciências Sociais, 28(1), 1990, pp. 113-131.
INGRAM, H., FIEDERLEIN, S. A Public Policy Approach to the
Analysis of Foreign Policy. The Western Political Quarterly,
41(4), 1988, pp. 725-745.
JOBERT, B., MULLER, P. L’Etat em Action: Politiques publiques
e corporatismes. Paris, PUF : 1987.
LAFER, C. A Identidade Internacional do Brasil e a Política
Externa Brasileira: Passado, presente e futuro. São Paulo:
Perspectiva, 2001.
MILANI, C., PINHEIRO, L. Política Externa Brasileira : Os
desafios de sua caracterização como política pública. Contexto
Internacional, 35(1), 2013, pp. 11-41.
PUTNAM, R. Diplomacy and Domestic Politics: The logic of
two-level games. International Organization, 42, 1988, pp. 427-
460.
SANCHEZ, M., et. al. Política Externa como Política Pública: Uma
análise pela regulamentação constitucional brasileira (1967-1988).
Revista de Sociologia e Política, 27, 2006, pp. 125-143.
Diálogos sobre Segurança e Defesa
PERSPECTIVA TRADICIONAL DE
SEGURANÇA INTERNACIONAL E A
AMÉRICA DO SUL

Larissa Rosevics

N
as duas últimas décadas, a capacidade explicativa das
abordagens teóricas tradicionais de Segurança
Internacional oscilou da ineficiência à renovação com os
eventos que sucederam a fragmentação da União Soviética, em
1989, e os ataques terroristas nos Estados Unidos em 2001. Isso se
deve, de maneira geral, à centralidade do Estado, da guerra
interestatal e da defesa militar como fundamentos das
abordagens tradicionais.
Para a América do Sul, o quadro explicativo tradicional da
Segurança Internacional teve sua complexidade ampliada já na
década de 1980. A posição norte-americana em relação à Guerra
das Malvinas provocou nas Forças Armadas sul-americanas,
especialmente na argentina e na brasileira, o descrédito em
relação ao sistema de segurança coletiva continental
institucionalizado pelo TIAR e ao apoio militar dos Estados
Unidos à região. O novo contexto fez com que Brasil e Argentina
fossem da rivalidade em relação aos seus projetos de


Publicado em 18/05/2015
Perspectiva tradicional de Segurança Internacional e a América do Sul

desenvolvimento de tecnologia nuclear à cooperação que,


expandida para áreas políticas e econômicas com a
redemocratização nos dois países, culminou com a criação do
Mercosul.
Ao longo da década de 1990, a definitiva adesão de ambos
os países ao regime internacional de não proliferação de armas
nucleares proporcionou à região o status de zona livre de armas
nucleares. O restabelecimento das democracias na América do
Sul consolidou o uso do diálogo como instrumento de superação
das rivalidades e disputas entre os Estados, o que tornou cada vez
mais remota a possibilidade do uso da força como meio de
solução das controvérsias e viabilizou o título de Zona de Paz
para a região. Contribui para esse contexto os esforços da
diplomacia brasileira que, ainda no início do século XX,
procuraram consolidar as fronteiras do país com os demais
vizinhos sul-americanos pela via diplomática.
É interessante notar que, mesmo com a retomada dos
gastos militares para reequipamento das Forças Armadas e o
restabelecimento das indústrias de defesa nos países da região
neste início de século XXI, não há qualquer indício de uma
corrida armamentista na América do Sul (BARTOLOMÉ, 2013).
Pelo contrário, a cooperação crescente entre os Estados e o
projeto de integração regional em curso, com destaque para a
Unasul, têm estimulado parcerias importantes na área de defesa
(SOARES, 2015).
Se por um lado a ameaça de guerra entre os Estados da
América do Sul é improvável em um futuro próximo, por outro,
a possibilidade de ataques aos Estados da região por outros
Estados do sistema internacional exige uma reflexão mais
apurada.
De fato, desde a inauguração do Canal do Panamá, em
1914, a América do Sul vem perdendo sua importância
geopolítica enquanto rota de navegação, o que tende a afastar o
Atlântico Sul e o Pacífico Sul das disputas por pontos estratégicos
em alto mar. As Malvinas são um dos últimos resquícios desse
tipo de domínio na América do Sul, relevante, sem dúvida,
Diálogos Internacionais: reflexões críticas do mundo contemporâneo

quando colocamos as ilhas na rota rumo ao continente gelado da


Antártica.
Contudo, prevalece a sua importância como fornecedora
de matérias-primas para as grandes potências e como mercado
consumidor de produtos industrializados. Enquanto a maior
parte dos Estados da região seguir cumprindo com este papel
secundário e subalterno dentro da economia global, é pouco
provável que qualquer potência tenha o interesse em
empreender uma guerra contra um país sul-americano. Também
é pouco provável que qualquer potência tenha o interesse em
atacar uma nação sul-americana em que a democracia, o livre
comércio, a defesa dos direitos humanos e do meio ambiente
prevaleçam. Ou seja, enquanto jogarem o jogo das grandes
potências e seguirem a cartilha dos valores universais/ocidentais,
poucas serão as chances de guerra (no sentido tradicional do
termo) na América do Sul.
O problema é que dentro deste jogo as possibilidades reais
de desenvolvimento também são restritas. Conforme aponta Ha
Joo Chang, o protecionismo foi um instrumento largamente
utilizado pelas grandes potências em seus processos de
desenvolvimento econômico e expansão comercial. A China, o
grande motor atual do crescimento mundial, não é exatamente
um país democrático e a postura dos Estados Unidos em relação
ao Protocolo de Quioto, por exemplo, não foi das mais
ecológicas.
Isso não quer dizer que os países sul-americanos devam
abandonar as conquistas alcançadas nas últimas décadas, como a
democracia ou o projeto de desenvolvimento sustentável. Essa
reflexão evidencia as contradições do mundo capitalista atual e
por isso se faz necessário pensar a questão da Segurança
Internacional a partir de outra ótica que não seja a das grandes
potências.
Perspectiva tradicional de Segurança Internacional e a América do Sul

Referências

BARTOLOMÉ, Mariano César. Una visión de América Latina


desde la perspectiva de la agenda de la Seguridad Internacional
Contemporánea. Relaciones Internacionales, n.23, Madri,
set.2013.p.35-64.
CHANG, Ha Joo. Chutando a escada: a estratégia do
desenvolvimento em perspectiva histórica. São Paulo: Ed. Unesp,
2004.
SARFATI, Gilberto. Estudos de Segurança Internacional: de
Tucídides aos novos conceitos. In: BRIGAGÃO, Clóvis;
PROENÇA JR. Domício. Panorama Brasileiro de paz e
segurança. São Paulo: Hucitec, 2004.p.153-189.
SOARES, Rodrigo de Lima Baena. A base industrial de defesa
brasileira e a política externa. Cadernos de Política Exterior, v.,
n.1, Rio de Janeiro, p.47-62, 2015.
A ASCENSÃO DO ISIS E O JOGO
GEOPOLÍTICO GLOBAL

Ricardo Zortéa Vieira

E
m junho desse ano, o mundo se surpreendeu com a
tomada da segunda maior cidade do Iraque, Mossul, uma
metrópole de 1,8 milhões de habitantes, pelos insurgentes
sunitas do Estado Islâmico do Iraque e do Levante, conhecido
pela sigla em inglês ISIS. Em seguida, os militantes do ISIS
proclamaram um novo califado islâmico, e tentaram avançar
sobre a capital iraquiana, Bagdá, movimento que até agora foi
frustrado pelas forças aéreas anglo-americanas e pelo apoio
iraniano ao governo iraquiano.
Apesar do ISIS ter sido entendido na mídia estrangeira e
nacional como um movimento terrorista, ou um exemplo da
barbárie religiosa, sua ascensão na realidade reflete diversos
elementos da disputa geopolítica regional e global atualmente
em curso.
O surgimento do ISIS é parte da instabilidade no Oriente
Médio que se seguiu a invasão do Iraque pelas forças americanas
em 2003. Até aquele momento, boa parte da estabilidade
regional era garantida por regimes laicos baseados ou derivados
do Nacionalismo Árabe, com Kadafi na Líbia, o regime militar no


Publicado em 29/10/2014
A ascensão do ISIS e o jogo geopolítico global

Egito e o Partido Baath na Síria e no Iraque. Nesse último país, os


baatistas de Saddam Hussein, apesar de majoritariamente sunitas,
haviam mantido a paz através de uma política que misturava
violência e conciliação, entre essa etnia e os árabes xiitas, bem
como com os curdos. O regime laico e conciliatório de Saddam
também funcionava no plano regional como uma espécie de
tampão entre as duas principais potências do Golfo, a teocracia
sunita da Arábia Saudita e a xiita do Irã.
Depois da Guerra do Golfo, Washington começou a
procurar alternativas a esse equilíbrio, eventualmente optando,
com a ascensão dos neoconservadores à presidência em 2001,
por um sistema baseado em regimes diretamente implantados e
mantidos pelo poder militar estadunidense. O primeiro alvo foi
o Iraque, mas estava claro que Síria e Irã também sofreriam
intervenções caso a guerra contra Hussein atingisse seus
objetivos. Entretanto, não foi isso que ocorreu. Após a invasão, ao
invés de uma democracia estável administrada da embaixada
americana em Bagdá, os EUA tiveram que lidar com uma
insurgência xiita apoiada pelo Irã que absorveu os recursos
militares do país e esgotou o capital político do presidente Bush,
com isso inviabilizando a reorganização geral do Oriente Médio
projetada pelos neocons. Em outras palavras, no lugar de
transformar o Iraque em uma plataforma para intervir no Irã, o
que a invasão logrou foi uma ampliação da influência iraniana na
região, situação que ficou clara com a chegada ao poder em
Bagdá de um governo xiita próximo de Teerã. Para complicar
ainda mais as coisas, os EUA foram confrontados durante os
governos Bush e Obama no plano global com uma Rússia
ressurgente sob Putin e uma China em ascensão. Nessa situação,
do ponto de vista de Washington, um Irã hostil aos EUA poderia
muito bem se aliar a Moscou e Pequim, garantindo a essa última
acesso a energia por terra, o que livraria os chineses da
dependência das importações marítimas de petróleo que estão
sob constante ameaça da marinha estadunidense.
O fracasso em conter pela força a insurgência xiita,
juntamente com a ascensão chinesa, deixou claro para a nova
Diálogos Internacionais: reflexões críticas do mundo contemporâneo

administração Obama que a paz regional e os interesses globais


dos EUA só poderiam ser alcançados com alguma espécie de
entendimento com o Irã. É isso que Obama tenta fazer desde
2009, ofertando a retirada das sanções em troca da paralisação
do programa nuclear iraniano. Ocorre, todavia, que uma
aproximação entre Teerã e Washington necessariamente é vista
como ameaça pela Arábia Saudita, sempre temerosa de ter que
lidar com o rival regional central sem apoio americano.
Simultaneamente à détente iraniano-americana surge,
então, uma série de insurgências sunitas na Síria e no Iraque,
contra os governos Assad e Maliki, ambos aliados de Teerã. No
primeiro caso, a Arábia Saudita apoiou abertamente os
insurgentes, e pressionou pela intervenção militar americana no
país que o governo Obama, sofrendo oposição russa, mas
também não querendo arruinar as negociações com os iranianos,
se recusou a realizar. A insurgência síria é ligada diretamente ao
Iraque, sobretudo pelo próprio ISIS, que tem divisões em ambos
os países, e que foi recentemente repudiado pela Al-Qaeda,
tradicional inimiga do governo saudita. E o próprio governo
iraquiano, apoiado pelo Irã, não tem dúvidas sobre quem está
por trás dos militantes do ISIS, fornecendo a eles dinheiro e
armas: A Arábia Saudita.
Se de fato, como parece, o ISIS representar um
instrumento saudita (ou de uma fração do governo saudita) para
sabotar a distensão Irã-EUA, até agora ele foi mal-sucedido,
estando Washington e Teerã efetivamente colaborando contra a
insurgência. Ou seja, estão agindo como aliados apesar de
oficialmente não o serem, do mesmo modo que China e EUA
cooperaram nos anos 1970 contra vietnamitas e soviéticos, seus
aliados da véspera. As chances de continuidade da parceria entre
Irã e EUA é ainda facilitada por ser esse o último elemento que
poderia salvar a política externa de Obama, até o momento
considerada um fracasso em praticamente todas as frentes.
Entretanto, é igualmente possível que a insurgência sunita,
somada com a pressão política que Arábia Saudita e Israel são
capazes de exercer em Washington, e a atuação da Rússia, que
A ascensão do ISIS e o jogo geopolítico global

com a crise ucraniana tem todos os motivos para descarrilar a


política americana para o Oriente Médio, impeçam que a relação
entre EUA e Irã se consolide. Nesse caso, estaria aberta, com a
recente aproximação entre China e Rússia, a possibilidade de
uma articulação tríplice entre essas potências e o Irã de modo a
controlar completamente a Ásia Central, com suas vias de
comunicação terrestres e recursos energéticos. E em um cenário
como esse, a balança de poder na Eurásia estaria em vias de
pender fortemente para uma aliança contrária aos EUA, o
pesadelo de todo geopolítico americano desde a II Guerra
Mundial.
A ÁREA DE DEFESA NO BRASIL:
AVANÇOS E LIMITAÇÕES

Larissa Rosevics

C
om a redemocratização no Brasil, as políticas públicas
passaram por um período de revisão, redefinição e
readaptação ao novo contexto nacional. Em democracias
representativas, as políticas públicas devem (em tese) resultar de
intensa interação entre os diferentes atores políticos e sociais, que
buscam estabelecer princípios norteadores para a implantação de
ações e medidas de combate à problemas específicos da vida
nacional. A área da Defesa foi aquela que mais tardiamente
retomou seus rumos a partir dos princípios da participação
democrática. Por Política de Defesa, entende-se como sendo toda
política pública, com ênfase na expressão militar, que busca
defender o território, a soberania e os interesses nacionais contra
ameaças preponderantemente externas, potenciais ou manifestas
(ALMEIDA, 2010; LIMA, 2010).
O processo de redefinição e revisão da área de Defesa
deve-se a três contextos: o contexto nacional de
redemocratização, de perda da preponderância política das
classes militares e da necessidade crescente de ampliação da
participação dos diferentes atores políticos e sociais nos
processos decisórios das políticas públicas nacionais; o contexto


Publicado em 03/08/2015
A área de Defesa no Brasil: avanços e limitações

regional, com as consequências da Guerra das Malvinas e do


descrédito por parte dos militares e políticos brasileiros para com
o esquema de solidariedade hemisférica defendida pelos norte-
americanos; e o contexto internacional do fim da Guerra Fria e a
prevalência econômica, política e militar dos Estados Unidos no
sistema internacional. Tais contextos influenciaram a
institucionalização e normatização contemporânea da área de
Defesa no Brasil, especialmente a partir do final da década de
1990.

Mudanças conceituais e históricas

Durante os anos de Ditadura Militar, prevaleceu no Brasil


como norteadora das políticas de defesa a “Doutrina de
Segurança Nacional”, que tinha por princípios: a) o foco na
ameaça interna, com o estabelecimento de uma agenda de
combate aos considerados “subversivos” e aos comunistas e; b) a
confiança na solidariedade hemisférica, relegando aos Estados
Unidos e ao Sistema Hemisférico de Segurança (tendo o TIAR
como expressão máxima) a proteção às ameaças externas. Essa
Doutrina foi desenvolvida por uma elite intelectual ligada e/ou
parte das Forças Armadas (especificamente da ESG), sem que se
estabelecesse um amplo debate nacional sobre o tema com os
diferentes grupos políticos e sociais.
No início da década de 1980, a posição dos Estados Unidos
de não apoiar a Argentina no confronto contra os ingleses na
Guerra das Malvinas gerou, segundo Francisco Carlos Teixeira
(2012), uma sensação de descrédito por parte da elite militar
nacional em relação ao Sistema Hemisférico de Segurança. Tal
fato levou os militares brasileiros no governo a perceber a
importância de um pensamento estratégico de defesa nacional
autônomo e centrado na América do Sul.
Na busca por novas estratégias de defesa nacional, os
militares brasileiros procuraram: aproximações entre Brasil e
Argentina em busca da superação das rivalidades regionais;
priorizar o controle e a preservação da região amazônica, através
Diálogos Internacionais: reflexões críticas do mundo contemporâneo

da construção de arranjos cooperativos regionais com os demais


países da região; estabelecer formas alternativas de acesso à
tecnologia de ponta, especialmente nas áreas de informática; e
reivindicar a ampliação do mar territorial brasileiro junto à
sociedade internacional. Com a redemocratização no país no
final dos anos de 80 e início dos anos 90, tais estratégias foram
revisadas e aprofundadas, ainda que não tenha sido estabelecida
uma política clara em relação a Defesa no país.
Nos primeiros anos pós-Guerra Fria, a euforia provocada
pela “vitória” do capitalismo, promoveu uma visão de mundo em
que as ameaças tradicionais à Segurança Internacional haviam
sido superadas, provocando uma significativa diminuição dos
gastos militares pelos Estados e, consequentemente uma
diminuição da importância das Forças Armadas. Na América
Latina, a pressão internacional, especialmente por parte dos
Estados Unidos, era para que os países da região repensassem o
papel de suas Forças Armadas, especialmente no combate as
novas ameaças à Segurança Internacional, como o narcotráfico, o
crime organizado e o terrorismo. Apesar de fragilizadas, as
instituições militares nacionais mobilizaram-se para evitar o que
consideravam ser a transformação dos exércitos em policiais.
As tensões geradas pelas mudanças nos contextos nacional,
regional e internacional influenciaram a tardia retomada dos
debates da área da Defesa na década de 1990. A partir de Alsina Jr
(2008) e Eliezer Rizzo Oliveira (2009), é possível destacar três
outros motivos que dificultaram o debate nacional em relação a
área: 1) a grande autonomia que as Forças Armadas adquiriram
em relação ao processo decisório da área de Defesa, resultante
dos anos de ditadura militar e reforçada pelo não
estabelecimento pela constituinte de um Ministério único,
subordinado ao poder civil; 2) o baixo interesse da opinião
pública nacional sobre os temas de defesa, tradicionalmente
associados aos militares e vistos com desconfiança, bem como a
baixa relevância dada aos gastos da área, entendidos como
desnecessários frente às necessidades de outras áreas, como de
saúde e educação; 3) a sensação de otimismo pós Guerra Fria
A área de Defesa no Brasil: avanços e limitações

através da visão de mundo de desaparecimento das


possibilidades de grandes conflitos entre Estados, em que
América do Sul caminhava rumo a ser considerada uma Zona de
Paz e o sistema internacional a uma governança global.

Eixos normativos e institucionais da Defesa no Brasil

Em 1994, a Secretaria de Assuntos Estratégicos do Governo


de Itamar Franco lançou o documento “Bases para uma política
de Defesa”. O documento, de caráter declaratório, tinha o
objetivo de estimular o debate nacional sobre a temática, sendo o
primeiro documento oficial produzido pelo governo brasileiro
pós-democratização sobre a área da Defesa.
O documento teve repercussão suficiente para que o
candidato governista à presidência da República, Fernando
Henrique Cardoso, se comprometesse com a criação do
Ministério da Defesa. O primeiro documento normativo
denominado Política Nacional de Defesa (PND), foi publicado em
1996 durante o governo de FHC, como parte das negociações
para a constituição do Ministério da Defesa. A pedido da
presidência, o documento foi elaborado em conjunto pelas
lideranças das Forças Armadas, do Itamaraty e do poder
executivo, tendo sido pensado como um documento público
com objetivo de proporcionar um quadro de referência comum
as três forças armadas, que desenvolviam até então suas
atividades de maneira isolada e desconexa.
A concepção de Defesa face ao novo contexto pós-Guerra
Fria era uma das preocupações do Governo de FHC. A política
externa e a política de defesa, como duas políticas públicas
voltadas para a área internacional, deveriam compartilhar a
mesma visão de mundo e os mesmos princípios na elaboração de
suas estratégias externas. Para Alsina Jr (2003), o PND de 1996
representou uma síntese imperfeita entre a política externa e a
política de defesa no Brasil, tendo como resultado uma
concepção de política de defesa de caráter dissuasório, defensiva
e que descarta a guerra de conquista.
Diálogos Internacionais: reflexões críticas do mundo contemporâneo

A criação do Ministério da Defesa, em 1999, não alterou


substancialmente a estrutura das relações de poder entre as
Forças Armadas e a sociedade brasileira, ainda que este tenha
sido um dos principais motivos para a sua criação e um dos
objetivos do PND de 1996. A modificação institucional também
não resultou na elaboração de uma política de defesa renovada,
mesmo com a ênfase na necessidade de proteção e
monitoramento da Amazônia e do Atlântico Sul, bem como a
participação das Forças Armadas brasileiras nas Missões de Paz
das Nações Unidas (ZAVERUCHA, 2005).
A Política de Defesa Nacional (PDN) de 2005 é resultado
de uma proposta elaborada pelo poder executivo do Governo de
Lula da Silva em que os eixos temáticos da política de defesa
anterior foram reforçados, bem como o conceito de dissuasão
para as ameaças externas e a subordinação das Forças Armadas
ao poder civil. A principal inovação do Governo Lula foi a
aprovação da Estratégia Nacional de Defesa (END) em 2008.
Com a função de estabelecer ações e medidas concretas para a
aplicação da PDN, a END é composta por três eixos centrais: 1) a
organização das Forças Armadas em território nacional; 2) o
reequipamento militar e a reestruturação da indústria de defesa;
3) a composição das tropas e a mobilização das Forças Armadas.
A ênfase principal do documento é em associar as estratégias de
defesa nacional às estratégias de desenvolvimento do país, com
destaque aos setores aeroespacial, cibernético e nuclear.
No ano de 2012, o Governo de Dilma Rousseff sancionou a
lei 12.598, que estabelece o “Regime especial tributário para a
indústria de defesa”, um marco regulatório importante para as
empresas do ramo, com incentivos fiscais temporariamente
estabelecidos para a promoção da indústria de defesa nacional.
Em busca de maior transparência para a área, em 2013 o governo
brasileiro publicou o Livro Branco da Defesa, que contém toda a
estrutura militar brasileira, tanto de pessoal quanto de
armamento, bases militares e projeções de aquisições.
A área de Defesa no Brasil: avanços e limitações

Avanços e limitações da área de Defesa no Brasil

A redemocratização não deve se restringir ao processo


eleitoral, devendo ser franqueada a sociedade o debate em
relação a todos os setores da vida política nacional. Contudo, na
primeira metade da década de 1990, o governo brasileiro foi
apático e inoperante com relação à área da Defesa. Os principais
avanços para a superação da visão limitada da área da Defesa
como de domínio quase que exclusivo dos militares, só
ocorreram a partir da segunda metade da década de 1990. Além
da criação do Ministério da Defesa e dos documentos citados, a
criação da graduação em Defesa e Gestão Estratégica
Internacional pela UFRJ em 2010, também exerce papel
fundamental para a ampliação dos debates dos temas da área,
através da formação de profissionais civis especializados.
Em relação a questão da democratização da área de Defesa,
ainda persistem certas limitações. Os documentos e medidas
elaborados até o momento tiveram suas origens a partir de
iniciativas do poder executivo, sem que houvesse um amplo
debate nacional promovido pela sociedade e pelo Congresso
nacional. O baixo interesse pelos temas da área, ainda vistos
como pertencentes exclusivamente aos militares por alguns
setores da opinião pública, tende a induzir os parlamentares a
não conferirem a devida atenção aos debates sobre Defesa,
considerados pouco eficientes para angariar votos.
Por estarem relacionadas ao mesmo espaço, o
internacional, as políticas externa e de defesa precisam
necessariamente manter um diálogo constante. Contudo, tanto
no Itamaraty e quanto na Caserna determinados grupos ainda
são resistentes ao diálogo e a adoção de uma visão de mundo em
comum.
As normas brasileiras ligadas à área tendem a confundir
Defesa com conceitos ligados a Segurança como
desenvolvimento, combate a pobreza, proteção ao meio
ambiente, dentre outros. Falta ao Brasil uma definição renovada
e democrática de Segurança Nacional, que supere
Diálogos Internacionais: reflexões críticas do mundo contemporâneo

definitivamente a Doutrina de Segurança Nacional editada pelos


militares e contribua para a consolidação da democracia no país.
O estabelecimento de uma nova concepção de Segurança
Nacional poderia diminuir as ambiguidades presentes na Política
e na Estratégia de Defesa, bem como ampliar o interesse da
sociedade pelos temas da área.

Referências

ALMEIDA, Carlos Wellington de. Política de defesa no Brasil:


considerações do ponto de vista das políticas públicas. Opinião
Pública, Campinas, vol.16, n.1, jun.2010.p.220-250.
ALSINA JR, João Paulo S. A síntese imperfeita: articulação entre
política externa e política de defesa na era Cardoso. RBPI, vol.46,
n.2, Brasília, 2003. Pp.53-86.
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Revista Interesse Nacional, v. 1, n. 3, 2008, pp. 68-77.
LIMA, Maria Regina Soares de. Diplomacia, defesa e a definição
política dos objetivos internacionais: o caso brasileiro. In: JOBIM,
Nelson; ETCHEGOYEN, Sergio; ALSINA, João Paulo (org).
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OLIVEIRA, Eliezer Rizzo. A Estratégia Nacional de Defesa e a
reorganização e transformação das Forças Armadas. Interesse
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TEIXEIRA DA SILVA, Francisco Carlos. Política de defesa e
segurança do Brasil no século XXI: um esboço histórico. In:
SILVA FILHO, Edilson da; MORAES, Rodrigo Fracalossi de (org.)
Defesa Nacional para o século XXI: política internacional,
estratégia e tecnologia militar. Rio de Janeiro: Ipea, 2012.p.49-81.
ZAVERUCHA, Jorge. A fragilidade do Ministério da Defesa
brasileiro. Revista de Sociologia Política, Curitiba, n.25, p.107-
121, nov.2005.
Defesa e Gestão Estratégica Internacional (UFRJ).
http://www.dgei.ufrj.br
Diálogos sobre Geopolítica
O RETORNO DA GEOPOLÍTICA
NO ORDENAMENTO DAS
FINANÇAS GLOBAIS

Hélio Farias

S
etenta anos depois dos acordos de Bretton Woods, a cidade
de Fortaleza transformou-se numa espécie de epicentro da
geopolítica e das finanças globais. Palco da sexta cúpula dos
BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), a capital
cearense assistiu a criação de um acordo de cooperação
financeira e monetária de fortes impactos no redesenho
estratégico das finanças globais. Surgiram deste encontro um
fundo de estabilização e um banco de desenvolvimento.
O fundo, denominado Arranjo Contingente de Reservas,
conta, de início, com recursos na ordem de US$ 100 bilhões, uma
garantia de socorro que poderá ser utilizada para evitar os efeitos
deletérios de uma crise no balanço de pagamentos, um
mecanismo para se prevenir das pressões por liquidez de curto
prazo. A China proverá a maior parte do fundo, com US$ 41
bilhões, seguido por US$ 18 bilhões de Brasil, Índia e Rússia, e
US$ 5 bilhões da África do Sul.


Publicado em 06/08/2014
O retorno da geopolítica no ordenamento das finanças globais

O banco dos BRICS, com capital inicial de US$ 50 bilhões,


será uma instituição voltada ao financiamento de infraestruturas
nos países membros e em países emergentes, sobretudo da África
e da América Latina. Estima-se que, em breve, o montante
alcance os US$ 100 bilhões, valor inclusive já autorizado. O
Banco terá sede em Xangai, China, e o centro regional será
estabelecido na África do Sul. A Rússia cuidará do primeiro
conselho de governadores; o Brasil, do conselho de
administração. A Índia ficará com a primeira presidência do
Banco, que será rotativa. O pêndulo aponta para a China, com
reservas internacionais estimadas em US$ 3,8 trilhões que é, de
longe, o país com a maior capacidade de disponibilizar recursos e
sustentar a aliança. Para efeitos de comparação, o Brasil, em 2013,
detinha US$ 358 bilhões em reservas; a Rússia US$ 473 bilhões; a
Índia US$ 292 bilhões e a África do Sul US$ 51 bilhões, para os
três últimos o ano de referência foi o de 2012.
Cada país detém instituições próprias, bancos ou agências
de fomento, voltadas à expansão externa. No caso do Brasil, o
BNDES vem - com limitações financeiras e, sobretudo, político-
estratégicas - cumprindo essa função. O banco brasileiro, em
2013, desembolsou um total aproximado de US$ 87 bilhões,
sendo que deste US$ 7,1 destinaram-se ao financiamento à
exportação de bens produzidos no país e apenas US$ 1,3 bilhão
ao financiamento de obras de infraestrutura no exterior, algo que
não ultrapassa 2% do total das aplicações. O Banco dos BRICS
origina-se, portanto, como um arranjo político-financeiro
complementar, entretanto, com uma ampla capacidade de
potencializar as estratégias de internacionalização já existentes.
Em Bretton Woods como em Fortaleza, a necessidade de
se criar instituições financeiras e monetárias como respostas às
crises internacionais e aos projetos de desenvolvimento das
nações pobres ou destruídas pelas guerras exigiram consistentes
planos econômicos e de regulação internacional. O que se viu,
entretanto, lá e aqui, foi a primazia da geopolítica. John Keynes,
em 1944, formulou uma proposta ousada de criação e gestão de
uma moeda internacional, previa-se a existência de uma
Diálogos Internacionais: reflexões críticas do mundo contemporâneo

entidade supranacional responsável por zelar o sistema


internacional de pagamentos e de provimento de liquidez aos
países que apresentassem déficit. O pressuposto básico era a
insubordinação da moeda internacional às idiossincrasias da
política econômica de um só país emissor. Keynes e suas
propostas sucumbiram frente às argumentações de Harry White,
mas principalmente ao poder norte-americano, inaugurava-se
um período de hegemonia inconteste dos Estados Unidos.
Resultado: dólar como moeda internacional, FMI e Banco
Mundial com sede em Washington. A geopolítica, e não a
sofisticação teórica de Keynes, deu os contornos fundamentais da
ordenação monetário-financeira do pós-guerra. Um padrão que
perdurou com relativo sucesso até os anos 1970. De lá para cá, o
que viu foi descolamento do dólar de sua referência metálica, o
ouro. A decisão unilateral dos Estados Unidos de romperem a
conversibilidade do dólar exacerbou o caráter político-nacional
da moeda de curso internacional. O que alguns analistas
anteviam, na década de 1970, como debilidade econômica, fora
na verdade o resultado de decisões políticas que fortaleceram a
hegemonia norte-americana. Os países com reservas em dólares
passaram a ter, desde então, uma representação simbólica com
lastro tão somente no poder norte-americano.
Os BRICS hoje representam cerca de 20% do PIB mundial,
algo em torno de US$ 15,7 trilhões; 42% da população mundial e
26% do território do globo. Trata-se, portanto, de um importante
fórum de discussão e de tomada de decisões com forte impacto
na dinâmica de acumulação de riqueza e na hierarquia de poder
do sistema interestatal. Da última cúpula, os modestos recursos
destinados ao fundo de estabilização e, principalmente, ao banco
de desenvolvimento não diminuem, por ora, o peso da dimensão
econômica, mas invertem a lógica nascida em Bretton Woods, da
qual FMI e Banco Mundial tornaram-se os porta-vozes de
políticas econômicas restritivas à autonomia nacional dos países
periféricos.
O legado de Fortaleza é geopolítico. É a sinalização
concreta de que é possível repensar o papel dos países da
O retorno da geopolítica no ordenamento das finanças globais

periferia na ordem monetário-financeira global, e tudo isso fora


de Londres, Nova Iorque e Washington.

Referência

IBGE. BRICS: Joint Statistical Publication 2014. Brazil Russia,


India, China, South Africa/ IBGE. Rio de Janeiro: IBGE, 2014.
NOVA GEOPOLÍTICA DO
PETRÓLEO NA AMÉRICA DO SUL:
QUEM TEM MEDO DA
PETROBRAS?

Bernardo Salgado Rodrigues

A
estrutura produtiva mundial de energia oriunda dos
recursos naturais energéticos se encontra num processo
de permanente reorganização. A competição e o controle
por parte das grandes economias sobre as reservas de petróleo e
gás se tornam, assim, essenciais para a reprodução dos padrões
de desenvolvimento capitalista, tornando-os bens estratégicos
por excelência. Neste contexto, a América do Sul, principalmente
no atual contexto mundial de hidrocarbonetos, tende a se
constituir como um player decisivo no mercado mundial no
século XXI “com as descobertas dos campos do pré-sal brasileiro,
de óleo ultrapesado na bacia do Orenoco na Venezuela e as
possibilidades de aproveitamento de gás de xisto na Patagônia
argentina.” (MONIÉ, BINSZTOK, 2012, p.83)
A região possui um grande peso das reservas mundiais de
petróleo, com 19,5%, mais ainda não proporcional com a sua
produção, de apenas 8,8%. Pode-se verificar um horizonte médio


Publicado em 03/06/2015
Nova geopolítica do petróleo na América do Sul: quem tem medo da Petrobras?

de 128 anos de produção de petróleo e 52,5 anos de gás no ritmo


atual, desconsiderando prospecções mais atuais que não foram,
todavia, contabilizadas. Se comparado com os Estados Unidos
(12,1 anos para petróleo e 13,6 anos para gás), China (11,9 anos
para petróleo e 28 anos para gás) e no mundo (53,3 anos para
petróleo e 55,1 anos para gás), a região possui um poder relativo
muito superior. A relação reservas/produção de petróleo da
América do Sul com o mundo apresenta um grande salto
absoluto e relativo no indicador do grau de exploração dos
reservatórios, obtendo o maior índice na comparação com todas
as regiões do mundo e o maior aumento na série histórica. A
relação produção/consumo constata que a América do Sul possui
autossuficiência petrolífera quando analisada sua produção e
consumo interno no conjunto. Ou, quando considerada sua
relação histórica, principalmente do petróleo, os níveis de
produção e consumo permanecem praticamente constantes,
enquanto os de reservas aumentam em grande medida nos
últimos 15 anos[1].
Tal fato realoca a América do Sul como centro
gravitacional da geopolítica do petróleo no mundo, cada vez com
maior participação nas decisões globais de recursos energéticos.
Neste contexto, a Petrobras – como uma das maiores empresas
estatais do mundo e maior produtora de petróleo entre empresas
de capital aberto – torna-se o paradigma mais elucidativo da
nova geopolítica do petróleo na América do Sul.
Atualmente, a empresa encontra o foco de suas atenções
nos escândalos de corrupção da operação Lava Jato, um esquema
de lavagem de dinheiro que engloba a Petrobras, empresas
privadas e partidos políticos. Ainda que a corrupção tenha de ser
combatida, ela deve ser considerada como um dado endêmico e
endógeno do capitalismo em todas as partes do mundo, seja na
esfera pública ou privada, no plano individual ou social. Ou seja,
essa dramatização da corrupção tem claramente efeitos políticos,
que permeia o interesse de certos grupos nacionais e
internacionais em alinhar o Estado como maculado, indecoroso e
ineficiente.
Diálogos Internacionais: reflexões críticas do mundo contemporâneo

Há uma falsa percepção de quebra da Petrobras a partir da


queda de seu valor de mercado – ainda que desconsiderando
uma análise entre os preços do barril de petróleo na análise dos
anos, o que claramente influencia seu valor comparativamente –,
perda de grau de investimento e exclusão do índice Dow Jones de
sustentabilidade, além dos ataques midiáticos e partidários.
Todos esses fatores locais e internacionais devem ser visualizados
num plano geopolítico mais amplo.
Por exemplo, desconsidera-se o recorde diário, mensal e
anual de produção de petróleo e gás natural, no final de 2014,
chegando a produção histórica de 2,863 milhões de barris de óleo
equivalente por dia[2]. Não foi veiculado pela imprensa o prêmio
Offshore Technology Conference 2015, o maior prêmio da indústria
de petróleo e gás offshore mundial, recebido pela Petrobras[3];
ou sua colocação como nona maior companhia de energia do
mundo, com base no valor de mercado, segundo a IHS
Energy[4]; ou o prêmio de Melhor Empresa do Setor de Petróleo
e Gás, na 14ª edição do anuário Valor 1000, que escolhe as
empresas com melhor desempenho de 26 setores da economia
brasileira[5]; ou a primeira das 50 maiores indústrias que operam
no Brasil, de acordo com o ranking anual Melhores & Maiores
2014, da revista Exame[6]; ou a eleição da quinta marca brasileira
mais valiosa de 2013[7][8].
Essa estratégia deliberada de ataque à estatal brasileira
possui motivações político-econômicas internacionais. Inserem-
se no mesmo plano geopolítico das guerras do Oriente Médio,
das tentativas de desestabilização do governo da Venezuela e da
Argentina, do isolamento europeu frente à Rússia e do novo
imperialismo na África perpetrado por chineses e
estadunidenses.
Da perspectiva do Estado, um adequado contrato
petrolífero é aquele que facilita o desenvolvimento dos recursos,
gerando benefícios econômicos em função da apropriação da
renda econômica, do financiamento com capital de risco e da
transferência tecnológica proporcionada pela parte privada. O
modelo de partilha utilizado pela Petrobras no pré-sal agrega
Nova geopolítica do petróleo na América do Sul: quem tem medo da Petrobras?

esses elementos, além de favorecer e proteger os interesses da


empresa em detrimento das empresas estrangeiras, que devem se
adequar ao fato da Petrobras ser a operadora única dos blocos.
Ou seja, no escopo da nova geopolítica do petróleo da
América do Sul, a desqualificação e ojeriza ao setor público e suas
empresas tem objetivos mercantis, políticos e geopolíticos; uma
vez que se considere somente o mercado como virtuoso e, em
contrapartida, tudo o que o Estado realiza sendo estereotipado
como ineficiente, o que se lê nas entrelinhas e que esse campo
pode ser mercantilizado e transformado em apropriação privada
para poucos, em detrimento de maiores recursos públicos para
toda a população. Ou ainda, como afirma Ladislau Dowbor,

Se, com todo o ataque, conseguirem mudar a situação


política do país, com a troca de presidente ou o que
seja, e conseguirem privatizar a Petrobras, as ações vão
explodir e quem tiver comprado na baixa vai ganhar.
São os mesmos especuladores. O ataque é esse, é um
ataque nacional e internacional. Estão fazendo isso
com a Argentina, com a Venezuela, com os países que
não se dobraram aos interesses do ‘mercado’.[9]

Em uma análise da geopolítica do petróleo na América do


Sul, agregado à análise da quantidade e da qualidade das reservas
regionais, o escopo da pesquisa deve abranger os distintos
espaços geográficos mundiais que possuem poder relativo de
influenciar a produção e o preço dos recursos energéticos, sejam
eles petróleo e gás dos mais variados tipos. Uma vez que a
geopolítica do petróleo não se estabelece num ambiente
autárquico e nem controlado pura e simplesmente pelas regras
de mercado, sua análise regional deve ser simultaneamente
global.
A decisão da OPEP – que comercializa cerca de 40% do
petróleo vendido no mundo e possui de 80% das reservas
mundiais[10] – de manter o volume de produção em um nível
acima da capacidade de consumo mundial foi o maior
desestabilizador do preço da commodity. O atual aumento da
oferta mundial e queda nos preços do barril trata-se de uma
Diálogos Internacionais: reflexões críticas do mundo contemporâneo

manobra dos países exportadores de petróleo com baixos custos


de exploração – tendo como testa de ferro a Arábia Saudita,
responsável por 32% da produção da OPEP[11] e menor custo de
produção do mundo – como estratégia de dumping visando
prejudicar e afetar a concorrência tanto do óleo e gás de xisto
norte-americano como de produtores de petróleo e gás com altos
custos de produção – como é o caso do Brasil – e/ou com alta
concentração da renda nacional concentrada nas receitas das
exportações – como é o caso da Venezuela, Irã e Rússia.
Os maiores beneficiados com esta jogada geopolítica
foram os grandes importadores de petróleo do mundo e
ajudando na recuperação da economia dos Estados Unidos e
mundial, apesar de que os efeitos da crise sejam presentes e
grande parte das economias do mundo ainda passará por um
período prolongado de crescimento baixo, segundo o FMI[12].
Nesta geometria global, as potências mundiais aumentam seu
poderio a nível internacional, da mesma forma que as oligarquias
dominantes, principalmente dos países do Oriente Médio.
A China é atualmente o maior consumidor de energia do
mundo, com 19% da demanda mundial e importações de 59%.
Para sua segurança energética, a China busca relativa
independência dos países produtores de petróleo do Oriente
Médio, devido à instabilidade interna destes países e alinhamento
com a política norte-americana. Assim, realiza grandes
investimentos em várias partes do mundo, onde na América do
Sul inclui-se Brasil, Equador, Venezuela, via estatais chinesas,
joinventures ou participações em empresas locais ou
estrangeiras[13].
Neste terreno de volatilidade dos preços internacionais do
petróleo, o pré-sal e a Petrobrás acabam sendo afetadas. Segundo
Paulo Metri, conselheiro do Clube de Engenharia, o custo médio
da produção nacional é de US$45, podendo variar de acordo com
as condições de cada reservatório, os tributos (royalties,
participação especial, contribuição para o Fundo Social e outros),
dependem se a área foi concedida, cedida onerosamente ou
entregue através de contratos de partilha. Nos campos da bacia
Nova geopolítica do petróleo na América do Sul: quem tem medo da Petrobras?

de Campos, o custo médio do barril está em US$ 15[14]. Ou seja,


em ambos os casos, os projetos são economicamente viáveis com
o barril a US$60, aumentando-se as receitas com a possibilidade
de crescimento do preço do barril.
A Petrobrás é uma vítima direta desse reordenamento
geopolítico do petróleo. Há ainda quem argumente o porquê dos
escândalos de corrupção serem protagonizados no momento
atual, em que a exploração das reservas do pré-sal se iniciam,
alertando que não seria mera casualidade, uma vez que há
interesses econômicos e geopolíticos acompanhando o
desenrolar dos acontecimentos. A campanha de desmoralização
da Petrobras prejudica a empresa e o setor em escala muito
superior à dos desvios investigados, uma vez que reflete
diretamente sobre a cadeia produtiva do setor de petróleo e gás,
responsável por investimentos e geração de empregos em todo o
país, impactando negativamente seus negócios, sua credibilidade
e sua cotação em bolsa[15].
No dia 08/04/2015, a Shell anunciou a compra da gigante
britânica BG por 70 bilhões de dólares. O Brasil se insere nesta
negociação na medida em que a Shell passa a ser a detentora de
grandes reservas e investidora no Brasil, com potencial de
aumentar a sua produção, uma vez que a BG opera em parceria
com a Petrobras na Bacia de Campos e visa um potencial projeto
de longo prazo para o campo de Libra. Além disso, a Shell
pretende incorporar, acumular e transferir conhecimento de
tecnologia da perfuração em águas profundas realizadas pela
Petrobras, líder global no ramo, a fim de garantir uma presença
mais forte neste segmento.[16]
Ou seja, respondendo a pergunta: os que têm medo da
Petrobras são aqueles contrários à soberania nacional e regional,
aqueles alinhados com os interesses das grandes transnacionais,
das grandes potências mundiais e do capital internacional,
aqueles no qual o lucro a qualquer custo é o objetivo a ser
alcançado e que, porventura haja um fortalecimento da estatal,
perderão seus privilégios e não conseguirão se apoderar da
empresa, de seu mercado, suas encomendas e das imensas jazidas
Diálogos Internacionais: reflexões críticas do mundo contemporâneo

de petróleo e gás do Brasil. Segundo a Federação Única dos


Petroleiros, esses setores teriam três objetivos principais: 1)
imobilizar a Petrobras e depreciar a empresa para facilitar sua
captura por interesses privados, nacionais e estrangeiros; 2)
fragilizar o setor brasileiro de Óleo e Gás e a política de conteúdo
local, favorecendo fornecedores estrangeiros; 3) revogar a nova
Lei do Petróleo, o sistema de partilha e a soberania brasileira
sobre as imensas jazidas do pré-sal[17].
As elites nacionais e internacionais, ao não encontrar uma
adequada resistência por parte dos Estados periféricos, provocam
a sua subordinação, dominação e alienação, uma espécie de
síndrome de imunodeficiência geopolítica, no qual os próprios
Estados dependentes perdem a capacidade de estabelecer sua
imunidade soberana. Assim, o antídoto da América do Sul é a
realização de sua insubordinação fundadora[18] baseada no
impulso estatal regional, na insubordinação ideológica e no
nacionalismo dos recursos naturais.

[1] Fonte: BP Statistical review of world energy 2014.


[2] http://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2015-
01/petrobras-bate-recorde-de-producao-de-petroleo-e-gas-
natural
[3] http://www.petrobras.com.br/fatos-e-dados/recebemos-o-
premio-offshore-technology-conference-2015.htm
[4] https://www.ihs.com/info/en/a/energy50/index.html
[5] http://revistavalor.com.br/home.aspx?pub=18&edicao=7
[6] http://exame.abril.com.br/negocios/melhores-e-maiores/
[7] http://www.rankingmarcas.com.br/
[8] Site oficial da Petrobras.
[9] http://www.redebrasilatual.com.br/economia/2015/03/para-
economista-petrobras-esta-sob-ataque-internacional-apoiado-
em-forcas-locais-2099.html
[10] http://www.opec.org/opec_web/en/
Nova geopolítica do petróleo na América do Sul: quem tem medo da Petrobras?

[11]
http://www.opec.org/opec_web/static_files_project/media/dow
nloads/publications/MOMR_March_2015.pdf
[12] http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2015/04/1613596-
pib-global-pode-ter-anos-de-fraqueza-afirma-fmi.shtml
[13] http://cartamaior.com.br/?%2FEditoria%2FPolitica%2FA-
importancia-do-Pre-Sal-na-geopolitica-do-
petroleo%2F4%2F32497
[14] http://cartamaior.com.br/?/Editoria/Politica/O-petroleo-a-
Petrobras-e-a-geopolitica-Entrevista-com-Paulo-Metri-/4/32822
[15] http://www.extraclasse.org.br/edicoes/2015/03/a-petrobras-
e-os-interesses-em-jogo-na-geopolitica-do-petroleo/
[16] http://www.brasil247.com/pt/247/economia/176389/US$-70-
bi-da-Shell-mostram-o-valor-real-do-pr%C3%A9-sal.htm
[17] http://brasildebate.com.br/defender-a-petrobras-e-
defender-o-brasil-leia-e-assine-o-manifesto/
[18] Este esplêndido estudo de Gullo culmina com reflexões
extremamente pertinentes acerca das possibilidades que a
América do Sul tem de realizar essa “insubordinação fundadora”
e, com o apoio do Estado, sair de sua condição periférica para se
converter, desse modo, em um importante interlocutor
internacional independente. (GULLO, 2014, p.16)

Referências

GULLO, Marcelo. A insubordinação fundadora: Breve história


da construção do poder pelas nações. Florianópolis: Insular, 2014.
MONIÉ, Frédéric; BINSZTOK, Jacob (orgs.). Geografia e
geopolítica do petróleo. Rio de Janeiro: Mauad X, 2012.
A ECOLOGIA COMO QUESTÃO
GEOPOLÍTICA NA ATUAL
CONJUNTURA DO SISTEMA
INTERESTATAL CAPITALISTA

Marcelo Campello

"Se o novo padrão técnico-econômico e os movimentos


políticos são indicativos da desordem global, as relações
Norte-Sul atestam a tentativa de manter a ordem, a
ecologia constitui um vetor desse movimento. Na raiz
do conflito, jaz a desigual distribuição mundial da
natureza e da tecnologia" Berta Becker (2007, p. 293)

O
campo de pesquisa em Economia Política Internacional
nasceu juntamente com a ciência moderna, ainda no
século XVII, a partir de um movimento histórico no qual
aparecem os primeiros Estados nacionais e a afirmação do
capitalismo como sistema socioeconômico. Esta área do saber
tem como propósito a elaboração de respostas a uma agenda de
desafios e problemas concretos que se mantém, em alguns casos,
até hoje. Entretanto, o debate ecológico no sistema interestatal
capitalista como um paradigma geopolítico é um tema
relativamente novo e carece de questionamentos teóricos e
análise crítica


Publicado em 20/08/2014
A ecologia como questão geopolítica na atual conjuntura do sistema interestatal capitalista

Por séculos desconsiderada no debate político-econômico


e também em outros campos da ciência e do conhecimento, a
questão ambiental tornou-se, a partir dos anos 1960, um tema
fundamental de discussão não só de movimentos sociais e da
própria ciência, como no sistema interestatal capitalista a partir
de olhares, perturbações e interesses distintos. Além da
consciência-ecológica legítima, isto é, os ideais promulgados por
movimentos organizados nos quais seus objetivos têm como foco
reivindicações em prol da redução dos impactos antrópicos ao
planeta Terra e dos questionamentos e estudos científicos para
esclarecer os mitos e verdades nessa área, a temática também
envolve atores geopolíticos com influência global.
A problemática ultrapassou a questão de uma consciência-
ecológica legítima e a constatação geofísica de que inauguramos a
era geológica do Antropoceno. A questão ambiental é tão
relevante e, ao mesmo tempo, paradoxal, que ultrapassou os
limites de discussão dos movimentos sociais e da ciência.
Atualmente, a ecologia é um tema fundamental nas relações
interestatais e não pode ser negligenciada na agenda dos Estados
nacionais e na discussão no seio da própria ONU.
O que chamamos de ‘ambientalismo político’, estratégia
difundida também pelas organizações multilaterais, deve ser
analisado como um elemento inerente ao próprio sistema
capitalista para a abertura de novas fronteiras econômicas e
frentes de negócios financeiros, além de consolidar modelos de
desenvolvimento hierárquicos e autoritários que,
necessariamente, alimentam-se das disparidades tecnológicas e
socioeconômicas entre as nações e, até mesmo, dentro das
nações.
Frente a esta realidade, que envolve a expansão desse
debate permeando a geopolítica global, é que se colocam as
seguintes indagações: i) caberia o campo da Economia Política
Internacional ficar alheio a esta discussão? ii) Como a questão
ambiental se caracteriza como um novo paradigma geopolítico
no sistema interestatal capitalista?
Diálogos Internacionais: reflexões críticas do mundo contemporâneo

Através de uma aliança entre a ‘geometria do poder’ com a


‘geometria da riqueza’ e de uma característica inicial já
expansionista e anárquica, Fiori (2007) esclarece a construção do
sistema interestatal capitalista.
O verdadeiro ponto de partida do ‘sistema mundial
moderno’ é os ‘Estados-economias nacionais’ que
foram ‘inventados’ pelos europeus e que se
transformaram em ‘máquina de acumulação de poder
e riqueza’, dotadas de uma ‘compulsão expansiva’
maior do que a dos primeiros poderes e capitais que se
formaram na Europa durante o ‘longo século XIII’. Os
‘Estados-economias nacionais’ foram o produto final
da acumulação de poder e riqueza que ocorreu antes
da chegada do século XVI. Mas, depois disso, a ‘pressão
competitiva’, a ‘conquista’ e a ‘acumulação de poder’
seguiram sendo ‘necessidades imperativas’ desse novo
sistema (FIORI, 2007, p. 27).

O sistema interestatal capitalista nasce, assim, como


produto singular da fusão entre o poder de Estado centralizado
com a acumulação de riqueza interna. Desde a sua gênese até os
dias de hoje, a burguesia e a autoridade central possuem seus
interesses político-econômicos alinhados sobre o interesse de
expansão e internacionalização de seu capital nacional.
A mercantilização da natureza e o controle de patentes
tecnológicas que poderiam funcionar, na verdade, como
mecanismos tecno(eco)lógicos cabem perfeitamente na análise
da relação entre os Estados e as economias nacionais feita por
Hilferding em outro contexto histórico. Por detrás de interesses
‘pseudo-humanitários’ e ‘ambientalmente sustentáveis’ existe a
necessidade de expansão do capital. Isto é, o interesse privado é
salvaguardado e expandido pelos Estados nacionais.

Daí a exigência de todos os capitalistas interessados em


países estrangeiros para que o poder estatal seja forte,
cuja autoridade proteja seus interesses também no
mais longínquo rincão do mundo, daí a exigência que
se levante uma bandeira de guerra que precisa ser vista
por toda parte, para que a bandeira do comércio possa
ser plantada por toda a parte. Mas o capital de
A ecologia como questão geopolítica na atual conjuntura do sistema interestatal capitalista

exportação sente-se melhor quando o poder estatal do


seu país domina completamente a nova região, pois
então é excluída a exportação de capital de outros
países, o referido capital goza de uma posição
privilegiada e seus lucros contam ainda com a eventual
garantia do Estado (HILFERDING, 1985, p. 302).

Ao longo da construção do sistema interestatal capitalista, a


ajuda mútua e a solidariedade socioeconômica entre as nações, o
respeito e a tolerância às minorias religiosas, étnicas e políticas, o
desenvolvimento baseado em pressupostos de universalização do
bem-estar e da qualidade de vida aos mais diversos povos, e a
preocupação com a biodiversidade do planeta nunca foram
levados em consideração. Por que, justamente quando a periferia
do sistema capitalista apresenta considerável crescimento
econômico e os países centrais uma significativa estagnação e,
em alguns casos, recessão econômica, que a ‘ambientalização’
toma força? A resposta dessa questão pode ser inserida no
discurso neoliberal dentro da atual conjuntura do sistema
interestatal capitalista.
Desde a sua gênese, o desenvolvimento do capitalismo é
desigual e combinado, apoiando-se em uma divisão do trabalho
em escala mundial. Os Estados nacionais, as corporações
econômicas e as organizações multilaterais acabam por se
constituírem em articulações contraditórias, particulares, de
classes, tornando-se elementos de uma configuração imperialista
mundial. Atualmente, como pretende-se colocar, tal
configuração se baseia em um falso ambientalismo, isto é, a
ecologia como palavra de ordem na geopolítica global deve ser
entendida sob uma perspectiva capitalista.
Portanto, percebe-se na atual conjuntura do sistema
interestatal capitalista uma clara imposição de agenda dos países
centrais e suas organizações aos países periféricos. Becker (1992)
afirma que a questão ecológica vem sendo imposta aos países
periféricos como um projeto nacional, quando, na verdade, essa
não é a prioridade no projeto de nação desses países que,
necessariamente, precisam erradicar a fome e a pobreza.
Diálogos Internacionais: reflexões críticas do mundo contemporâneo

Não há, contudo, críticas e tampouco mudanças estruturais


no modelo de desenvolvimento ocidental. O capitalismo se
mantém forte e se reinventa através de um neoliberalismo
‘esverdeado’ ou por um ‘global new green deal’.[1] A atual fase do
sistema capitalista, a da globalização financeira, busca afirmar
modelos de desenvolvimento capitalistas de realidades alheias –
o desenvolvimento sustentável repaginado de economia verde
exige necessariamente domínio de tecno(eco)logias – e implantá-
los na periferia mundial como forma de mercantilizar os
elementos da natureza[2], perdurar as perversidades e os ganhos
exorbitantes da especulação do capital financeiro, controlar
recursos estratégicos e se apropriar da biodiversidade dos países
menos desenvolvidos, e, por fim, manter as disparidades da
divisão internacional do trabalho.

[1] Segundo o Programa das Nações Unidas para o Meio


Ambiente – PNUMA (2008), a iniciativa Green Economy
(Economia Verde) tem como objetivo mobilizar e reorientar a
economia para investimentos em tecnologias verdes e
infraestrutura natural, podendo ajudar mercados a acelerar a
transição rumo a uma economia verde e ao estabelecimento de
um Novo Plano Global Verde.
[2] Milton Santos, a partir de uma perspectiva de valoração da
natureza, afirma que, na era da ecologia triunfante, é o homem
quem fabrica a natureza, ou lhe atribui valor e sentido, por meio
de suas ações já realizadas, em curso ou meramente imaginadas
(SANTOS, 2000, p. 82).

Referências

BECKER, B. Repensando a Questão Ambiental no Brasil a partir


da Geografia Política. In: LEAL, M; SABROZA, P; RODRIGUEZ,
R; BUSS, P. (Orgs.). Saúde, Ambiente e Desenvolvimento. Uma
Análise Interdisciplinar. São Paulo: HUCITEC/ABRASCO, 1992,
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A ecologia como questão geopolítica na atual conjuntura do sistema interestatal capitalista

_______. A geopolítica na virada do milênio: logística e


desenvolvimento sustentável. In: CASTRO, Iná; GOMES, Paulo;
CORRÊA, Roberto. (Orgs.). Geografia: conceitos e temas. 10ª ed.
Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2007, p. 271-308.
FIORI, J. O poder global e a nova geopolítica das nações. São
Paulo: Boitempo Editorial, 2007.
HILFERDING, R. O capital financeiro. São Paulo: Nova cultural,
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PNUMA. Green economy report. ONU, 2008.
SANTOS, M. Por uma outra globalização - do pensamento único
à consciência universal. São Paulo: Editora Record, 2000.
Diálogos sobre Integração Regional
REFLEXÕES SOBRE A
INTEGRAÇÃO REGIONAL VIA
UNIÃO EUROPEIA PELA
INTERFACE ENTRE DIRETO E
RELAÇÕES INTERNACIONAIS.

Luiz Felipe Brandão Osório

A
integração regional promovida por países de históricos e
condições sociais e político-econômicas distintas precisa
de um elemento unificador. A forma jurídica é o
amálgama desta dinâmica, visto que é sob a forma de
organização internacional que a tendência integracionista
desenrola-se e consolida-se. Muito distante dos ideais europeístas
de outrora, a cooperação estruturou-se pragmaticamente,
conforme as condicionalidades do panorama internacional. O
regionalismo europeu, inserido no contexto de hegemonia
estadunidense e constituído na interação entre a geopolítica dos
capitais e dos Estados (POULANTZAS, 1975), foi pautado nos
fundamentos político-econômicos da ideologia capitalista liberal.
Esta dualidade permeou o soerguimento de uma engrenagem
inédita, porém, repleta de fraturas. O Direito é o arcabouço que


Publicado em 10/09/2014
Reflexões sobre a Integração Regional via União Europeia...

consolida a economia política da União Europeia. A incorporação


da economia política liberal materializou-se em sua arquitetura.
Não foi fortuito o fato de o incremento institucional ter
ocorrido no panorama de agudização da teoria liberal via o
consenso neoliberal que predominou durante o momento de
inflexão da integração, nas décadas de 1980 e 1990.
Diferentemente das vertentes funcionalistas que embasam a
retórica do regionalismo, verifica-se que é no avanço deste
formato, que aprofunda a ideologia capitalista liberal, que reside
o seio das contradições do fenômeno integracionista. Houve,
neste diapasão, uma estratégia dual patrocinada pelo capitalismo
liberal, difundido pelo centro hegemônico em direção ao sistema
interestatal (HIRSCH, 2010). Por um lado, encetou-se o processo
de desmonte do modelo de bem-estar social. Em outras palavras,
os controles estatais sobre os capitais e o dirigismo dos
investimentos econômicos passaram a ser demonizados. Os
limites legais ao trabalho e à circulação da mão de obra eram,
contudo, bem-vindos. Por outro lado, advogou-se o tratamento
de temas específicos, como o econômico, em foros regionais ou
multilaterais, promovendo uma expansão da regulação e das
organizações internacionais, mediante maior transferência de
competências estatais.
O exemplo exitoso de cooperação e governança, para o
consenso liberal-institucionalista, que já serviu de modelo para
outras iniciativas congêneres, amarga retrocessos em suas
conquistas sociais e democráticas que explicitam suas
contradições. Deste cenário é possível extrair algumas reflexões.
Em primeiro lugar, a internacionalização do Estado não
significou seu definhamento, mas o redirecionamento de suas
intervenções, que abandonaram o caminho do bem-estar social
em favor da promoção dos capitais monopolistas, o que o torna
vulnerável às oscilações do mercado.
Em segundo lugar, a internacionalização do Direito
fortaleceu os foros e as regras regionais em detrimento do
controle governamental e popular, transferindo a instâncias
externas e de evidentes deficiências institucionais a competência
Diálogos Internacionais: reflexões críticas do mundo contemporâneo

para tratar de assuntos estratégicos para a nação, como os


econômicos.
Em terceiro lugar, esta dualidade deságua na estrutura
vigente do direito comunitário, fruto da adaptação (e
incorporação) da União Europeia ao contexto neoliberal. A teoria
da forma mercantil (PACHUKANIS, 1988) permite extrair do
Direito sua essência capitalista, o que explica as diversas
aparentes aporias que tocam o projeto comunitário. Neste
sentido, a intensificação dos laços formais acentuou dois efeitos
deletérios do processo de globalização.
O primeiro é a contradição do desenvolvimento
normativo (MIÉVILLE, 2006). Como ele ocorre na direção dos
ditames da economia política neoliberal, seu incremento não
significa proteção, mas o enfraquecimento do poder público no
controle da economia, o que impacta na formulação de políticas
sociais, subordinando os governos aos sabores dos mercados. O
Direito da União Europeia, ao invés de paz e prosperidade,
agravou assimetrias latentes no projeto europeu, ao priorizar a
racionalidade econômica, as liberdades fundamentais ao capital,
livre circulação de bens, serviços e capitais, em detrimento das
garantias trabalhistas e sociais.
O segundo é a contradição do direito burguês que
proclama autodeterminação democrática, mas essa encontra seu
limite nas relações de propriedade e de classe. Verifica-se a
deterioração democrática em que se funda a integração europeia,
norteada por órgãos comandados por uma elite avessa a
princípios democráticos, defensora de interesses mercadológicos
(PISARELLO, 2011).
A compreensão do formato da integração pela interface
entre Direito e Relações Internacionais aclara os aparentes
enigmas que contidos na conjunção da prática com a teoria
dominante, dinâmica que esconde o real caráter capitalista do
direito comunitário (MASCARO, 2013). Portanto, a razão da crise
atual expõe a contradição que cerca seu aparente êxito: na forma
da União Europeia, que legaliza a economia política liberal,
acentuada pós-Maastricht, privilegiando o capital monopolista
Reflexões sobre a Integração Regional via União Europeia...

em detrimento das conquistas sociais e garantias democráticas,


tornando os indivíduos e as nações periféricas reféns da
integração regional voltada ao interesse dos mercados e dos
países centrais.

Referências

HIRSCH, Joachim. Teoria Materialista do Estado: processo de


transformação do sistema capitalista de Estados. Rio de Janeiro:
Editora Revan, 2010.
MASCARO, Alysson Leandro. Estado e Forma Política. São
Paulo: Boitempo Editorial, 2013.
MIÉVILLE, China. Between equal rights: a Marxist theory of
international law. Leiden, Boston: Brill, 2005.
PACHUKANIS, Evgeny. Teoria Geral do Direito e Marxismo.
São Paulo: Editora Acadêmica, 1988.
PISARELLO. Gerardo. Un Largo Termidor. La ofensiva del
constitucionalismo antidemocrático. Madri: Editorial Trotta,
2011.
POULANTZAS, Nicos. A Internacionalização das Relações
Capitalistas e o Estado-Nação. IN: POULANTZAS, Nicos. As
Classes Sociais no Capitalismo de Hoje. Rio de Janeiro: Zahar
Editores, 1975, p. 45-96.
EM TERRA SEM TEORIA, QUEM
TEM UM DITADO FAZ LEI

Glauber Cardoso Carvalho

“In front of the conqueror and close to his enemy, there


happen to be situated kings such as the conqueror's
friend, next to him, the enemy's friend, and next to the
last, the conqueror's friend's friend, and next, the
enemy's friend's friend.” Kautilya (321 e 296 a.c)

A
implicação do uso de conceitos criados desde fora para
analisar situações específicas em matérias próprias de
outras realidades políticas, sociais e econômicas pode
encontrar muita resistência no meio acadêmico. É próprio das
teorias, entretanto, o papel de sintetizadoras de ideias e
ideologias de seus formuladores, mas uma vez misturadas
podem confundir ou, raras vezes, podem jogar novas luzes em
velhas análises.
Uma recente leitura do livro “Checkerboards and Shatterbelts:
the geopolitics of South America”, escrito por Philip Kelly em 1997,
me conduziu a duas indagações. A primeira está sinteticamente
indicada no parágrafo acima, ou seja, como é atrativo separar e
qualificar fatos e números, agrupando-os por afinidade,
encontrar uma lógica estatística e colocar no mesmo balaio,
assim, alhos e bugalhos. Depois disso, usa-se para testar qualquer


Publicado em 01/08/2014
Em terra sem teoria, quem tem um ditado faz lei

coisa e concluir que foge do padrão. Se isso faz parte do “ser


ciência” e funciona para os estudos da natureza, o mesmo é
complicado de ser feito com as ciências sociais (apesar de
largamente realizado e aprovado pelos círculos mais avançados
do pensamento humano). Como agrupar ações e expectativas
esperar encontrar uma fórmula mágica de comportamento?
Assim é nossa vida. Deixarei essa discussão para outro momento.
A segunda indagação é da “reutilização de teorias” em
outros contextos. Apesar de não deixar claro, Kelly usa a Teoria
da Mandala para explicar seu checkerboard. Então, me perguntei o
que seria? Comecemos com os conceitos de Kelly.
Para Kelly, na América do Sul foi importante a atuação do
conceito de balança de poder, onde se tem que no momento em
que um Estado decida se expandir, os outros Estados vão se
rearrumar para manter o equilíbrio da balança. Isso teria sido o
maior motivo para que neste subcontinente não tenha ocorrido
uma guerra hegemônica regional. Assim, na história, o que
marcou a América do Sul teriam sido conflitos pequenos, de
curta duração, baseados em fronteira e em recursos naturais, em
geral com ingerência de potência externa para sua finalização.
Esse quadro foi conceituado de Checkerboard, que se revela como
uma estrutura de balança de poder multipolar, na qual alianças
estratégicas são formadas seguindo um padrão no qual prevalece
o ditado “Meu vizinho é meu inimigo, mas o vizinho do meu
vizinho é meu amigo”. É um modelo de equilíbrio no qual
nenhuma força preponderante individualmente, de dentro da
região, ou nenhum alinhamento teria a capacidade de controlar
os outros países. O mapa do checkerboard acompanha o post.
Com relação ao termo shatterbelts, são regiões onde as
rivalidades militares entre potências estrangeiras se vinculam às
disputas locais e trazem a possibilidade de uma escalada de
conflitos. Kelly aplica o conceito na região e explica seu uso
quando visualiza momentos específicos da história da região,
como o shatterbelt dos estuários do Amazonas e da Prata durante
o período colonial e após a independência, que ajudou a prevenir
que Brasil e Argentina estendessem seus territórios para o
Diálogos Internacionais: reflexões críticas do mundo contemporâneo

Pacífico, e que gerou um desenho de checkerboard, ou seja,

impediu a expansão de ambos.


Ao que tudo indica, Kelly reuniu e aplicou diversos
conceitos geopolíticos na América do Sul. Até aí, ok. Mas e a
Mandala que ele não fala, mas coloca no mapa? Bandyopadhyaya
(1993) explicando modelos de controle e conflito no sistema
interestatal, nomeia cinco deles: a balança de poder e os modelos
de “detenção”, que para o autor foram amplamente discutidos
em todos os livros de teoria das Relações Internacionais; um
modelo de corrida armamentista, de Lewis Richardson, que não
é amplamente conhecido; o que chama de modelo gandhiano,
não conhecido fora da Índia; e, o modelo da Mandala, conhecido
apenas por especialistas. Kelly certamente conhece.
Kautilya, indiano, pode ter escrito muitas outras coisas,
mas é dada a ele a autoria do Arthashastra (link para o livro) feito,
provavelmente, entre 321 e 296 a.c., teve como objetivo o
aconselhamento ao seu rei, Chandragupta Máuria, para a
construção do Império Máuria, traçando um modelo no qual um
rei conquistador teria que operar, utilizando todos os seus
recursos ao seu favor. Pois é, o “ditado” grifado acima está no
Em terra sem teoria, quem tem um ditado faz lei

Arthashastra. Weber (2002, p.118) escreveu que “em comparação


com esse documento (Arthashastra), O Príncipe, de Maquiavel, é
um livro inofensivo”.
Seu pressuposto básico é que dois reis com territórios
contíguos são inimigos naturais. Seguindo a lógica, o próximo
rei, inimigo do anterior, é amigo do primeiro. Outros desígnios,
inclusive geopolíticos e de condução de política externa, são
retirados de seus ensinamentos, mas o ponto principal é que todo
reinado é um poder expansivo por natureza e por isso é
importante a preparação constante para a guerra (constata-se que
isso foi amplamente revitalizado por outros pensadores
ocidentais, com muito mais difusão).
Segundo Boesche (2003), “Kautilya assumed that he lived
in a world of foreign relations in which one either conquered or
suffered conquest. He did not say to himself, ‘prepare for war,
but hope for peace’, but instead, ‘prepare for war, and plan to
conquer’.” Ele continua explicando que o indiano:

[...] was not offering a modern balance of power argument.


In the twentieth century, international relations theorists
have defended the doctrine of the balance of power, because
equally armed nations will supposedly deter each other, and
therefore no war will result. One does find this argument
occasionally in Kautilya: “In case the gains [of two allies of
equal strength] are equal, there should be peace; if unequal,
fight” or “the conqueror should march if superior in strength,
otherwise stay quiet”. Whereas these balance of power
theorists suggest that a nation arm itself so that it can ensure
peace, Kautilya wanted his king to arm the nation in order to
find or create a weakness in the enemy and conquer, even to
conquer the world, or at least the subcontinent of India.

Assim, é possível criticar não somente o uso da Mandala


incorporada à conceituação de Kelly, como também, a aplicação
da teoria da Mandala para o caso da América do Sul, ou inserida
em uma conceituação do tipo balança de poder, é que aquela
teoria não se baseia no equilíbrio multipolar que leva à paz. Se na
nossa região a manutenção da paz é dada pela constante da
contenção de poderes, então, o espectro do tabuleiro conforme a
Diálogos Internacionais: reflexões críticas do mundo contemporâneo

Mandala não explica a ausência de conflitos contínuos de


conquista, uma vez que nossos países não têm igual poderio.
Igualmente, a ausência de shatterbelts atualmente tende a
demonstrar que o ímpeto da aproximação entre Brasil e
Argentina, associado aos constrangimentos internos e externos e,
com base no cenário internacional, dos regimes internacionais,
tende à gestação de uma zona de subcontinental que se bem
guarda aproximação com os desejos regionais de manutenção de
status quo, revela duas características principais: a primeira é a
impossibilidade concreta de um conflito apenas entre membros
da região, tanto por suas características militares, quanto pelas
suas capacidades industriais e produtivas; a segunda é o interesse
das políticas da potência continental em não existir zonas de alta
tensão na sua periferia imediata, lidando com essas tensões em
outros lados do planeta.
Kelly ainda vai dizer outras coisas, próprias de seu tempo,
como a inevitabilidade da Alca, dada a incontestável atração
norte-americana, e a constatação do caminho de fortalecimento
que surgiu da aproximação de Brasil e Argentina, que, para ele,
cambiaria a feição do checkerboard pelo regionalismo. Ou seja, ele
faz e desfaz sua própria teoria... Para corroborar com tudo ele
ainda explica vários autores geopolíticos da região e fala de todos
os países e conflitos que já surgiram por aqui.
Se a configuração de checkerboard for, de fato, aplicada à
região, e a Mandala for pendurada na parede de enfeite, há que
se considerar que o cenário das idas e vindas das políticas sul-
americanas foi marcado mais pelos debates sobre
desenvolvimento, autonomia e vulnerabilidade econômica,
integração, desarmamento, direitos humanos, meio-ambiente e
tantos outros, do que pelos problemas militares diretos.
Embora seja certo analisar que foi essa conjuntura
renovada do momento político que fez predominar entre os
diversos governos da América do Sul a perspectiva de que em
grupo as reivindicações e ações ficam mais fortes e com mais
efetividade, é também preciso notar nela a vulnerabilidade de
projetos de governos com mandatos estipulados.
Em terra sem teoria, quem tem um ditado faz lei

A prática política de aproximação da região na última


década não perdeu, contudo, o cerne da diversidade, ao manter
relações estratégicas com diversos centros econômicos, além do
engajamento efetivo nas questões Sul-Sul. Portanto, quando se
pensa em direção à projeção e ao fortalecimento das posições
negociadoras sul-americanas no cenário regional e internacional,
se está traduzindo, ao mesmo tempo, o desejo de revisão da
estrutura de poder imposta desde cima, denunciando a formação
injusta e antidemocrática do velho sistema tal como concebido
pelas grandes potências.
Quanto ao livro do Kelly (esse post não é uma resenha), é
bom e vale a leitura de qualquer forma, mas uma leitura sem
muitos questionamentos. Algo do tipo “aceita que dói menos”...
tal como os países desenvolvidos gostariam de falar para os
atrasados... ou será que esta frase está mudando de boca?

Referências

BANDYOPADHYAYA, Jayantanuja. A General Theory of


International Relations. New Delhi: Allied Publishers Limited,
1993.
BOESCHE, Roger. Kautilya’s Arthasastra on War and Diplomacy
in Ancient India. Defence Jounal. 2003. Disponível em:
http://www.defencejournal.com/2003/mar/kautilya.htm Acesso
em: 28/05/2014.
KELLY, Philip. Checkerboards and Shatterbelts: The Geopolitics
of South America. Austin: University of Texas Press, 1997.
WEBER, Max. Ciência e Política. Duas vocações. Tradução: Jean
Melville. São Paulo: Martin Claret, 2002.
INTEGRAÇÃO REGIONAL:
REFLEXÕES TEÓRICAS E
PRÁTICAS A PARTIR DA EUROPA
E DA AMÉRICA DO SUL

Larissa Rosevics

D
o ponto de vista histórico, as integrações regionais
inserem-se no que comumente denomina-se como
regionalismo, característico do século XX, fortalecido no
pós-Guerra Fria (HURRELL, 1995) e questionado atualmente.
Dois fatos apontam para singularidade do momento
contemporâneo nas integrações regionais da Europa e da
América do Sul: 1) a aprovação via referendo popular da saída do
Reino Unido da União Europeia (Brexit) e; 2) a decisão dos
demais sócios do Mercosul de impedir a presidência pró-
tempore do bloco pela Venezuela. Dada a excepcionalidade
política dos dois acontecimentos e o contexto econômico de crise
que persiste em ambos os projetos, diversos questionamentos
surgiram quanto efetividade e o futuro da União Europeia e do
Mercosul.


Publicado em 22/11/2016. Parte do artigo apresentado no VII SIMPORI -
UERJ/Santiago Dantas.
Integração Regional: reflexões teóricas e práticas a partir da Europa e da América do Sul

O objetivo aqui não é reafirmar retoricamente a


importância ou a solidez da União Europeia ou do Mercosul, mas
desconstruir algumas concepções que embasam as incertezas do
tempo presente.
A primeira concepção é a de que os projetos de integração
regional são puramente processos econômicos e que, a
dificuldade no aprofundamento da integração econômica
significa necessariamente o fracasso de todo o projeto.
Projetos de integração regional não se restringem ao
processo de integração econômica, abarcando outros processos
como a integração educacional, integração sociocultural, a
cooperação em segurança, a formação de uma política externa
comum e etc. (ROSEVICS, 2015; CARVALHO, 2013).
A segunda concepção é a de que, para que um projeto de
integração regional seja considerado como tal, e para que seja
bem-sucedido, é necessária a existência de uma instituição
internacional forte e com poderes supranacionais. O modelo
baseado na supranacionalidade, adotado pelos europeus, não é o
único possível para os arranjos integracionistas e tampouco pode
ser tributário de maior ou menor sucesso dos projetos (SARTI,
2011). Avaliar o sucesso de um projeto de integração regional
depende dos vários sentidos estratégicos que o abrangem e não
apenas do modelo de construção da governança adotado.
A terceira concepção é a de que os projetos de integração
regional são imutáveis e irreversíveis. Enquanto projetos
estratégicos, as integrações regionais estão sujeitas as mudanças
governamentais nos Estados e à avaliação dos processos em
curso, podendo sofrer interrupções, retrocessos, ampliações ou
transformações (CARVALHO, 2016).
Os projetos de integração regional da Europa e da América
do Sul estão pautados em três pilares: econômico, político-social
e de segurança. No caso europeu, a integração regional procurou,
desde a década de 1950, dirimir as controvérsias internas e os
elementos que poderiam promover a desconfiança e a
insegurança entre os Estados, especialmente entre França e
Alemanha, proporcionando melhores condições para a retomada
Diálogos Internacionais: reflexões críticas do mundo contemporâneo

da estrutura produtiva e comercial da região (OSÓRIO, 2013). No


caso sul-americano, o interesse pela integração regional está
historicamente vinculado ao projeto de desenvolvimento
econômico e social dos Estados, mas só foi possível no Cone Sul a
partir da década de 1980 com os entendimentos entre Brasil e
Argentina em relação aos seus projetos nucleares (CERVO, 2013).
A consciência da importância dos fatores político-sociais e
de segurança para a existência dos projetos de integração
regional são, por vezes, esquecidos em relação ao destaque que o
processo de integração econômica ganhou, especialmente pós-
Guerra Fria, bem como o papel de avaliação do projeto conferido
ao modelo de integração econômica por etapas elaborado por,
dentre outros, Bela Balassa (1961).
O modelo de integração econômica por etapas é um norte
importante dentro de um projeto de integração regional, como é
possível observar na União Europeia e no Mercosul, mas a sua
operacionalidade é muito mais flexível e está vinculada a
maneira como a tomada de decisões e a governança são
processadas dentro dos projetos de integração regional.
No caso Europeu, a escolha do modelo supranacional
permitiu maior capacidade decisória à instituição regional, com a
cessão de autonomias decisórias a determinadas áreas
estratégicas, conferindo assim maior capacidade de ação à
instituição União Europeia. Os países do Cone Sul optaram pelo
sistema intergovernamental como central no processo de tomada
de decisões dentro do projeto de integração regional. Tal escolha
implicou na criação de Reuniões Ministeriais para cada uma das
áreas estratégicas estabelecida pelos Estados, responsáveis pelos
debates, pelas regras estabelecidas e pela cessão limitada à
instituição regional em relação à tomada de decisão, com foco
específico na implantação de medidas (LESSA; OLIVEIRA, 2013).
Em ambos os casos é preservado o direito soberano dos
Estados de deixar de participar, parcial ou plenamente, de
qualquer um dos arranjos estabelecidos dentro do projeto de
integração regional. A Inglaterra era, até a iniciativa de saída do
Reino Unido, um exemplo de país que não participava
Integração Regional: reflexões teóricas e práticas a partir da Europa e da América do Sul

plenamente de todos os acordos da União Europeia, como por


exemplo a Zona do Euro ou a Zona Schengen (LIMA, 2009).
Portanto, se é equivocada a eleição da integração econômica
como balizadora da qualidade da integração regional, tampouco
o é o modelo de governança supranacional, conforme destaca
Sarti (2011, p.185):

[...] as contradições inerentes à integração podem


atenuar a polêmica no debate entre os modelos
supranacional e intergovernamental. Basta lembrar
que a supranacionalidade da UE tem sido apontada
como um fator que engessa as políticas sociais (...) O
que aumenta a complexidade da questão é o fato de
que a integração, assim como as relações
internacionais de cooperação, não é e nunca será uma
questão meramente técnica, nem restrita aos desígnio
macroeconômicos, mas está sempre sujeita às
determinações das disputas de poder e condicionada
às variações das vontades políticas representadas nos
governos.

Sarti (2011) conclui sua argumentação destacando a


importância de instituições sólidas na integração regional sul-
americana, para que elas sejam capazes de superar as mudanças
proporcionadas pelo tempo e aprofundar as demandas existentes
dentro do projeto de integração.
Percepção semelhante pode ser observada sob outro
ângulo, a partir dos estudos da União Europeia de Ernst Haas
(1961). Defensor do modelo supranacional e da operacionalidade
que ele proporciona para a instituição regional, para Haas a
integração regional prescinde de um processo de integração
política, responsável pela constituição de uma Comunidade
Política, composta por grupos de interesses, partidos políticos e
governos nacionais dos Estados membros. A coesão das ideias
das elites dentro da Comunidade Política proporciona a
construção de crenças coletivas, institucionalizadas pela
instituição regional.
A partir de Haas é possível afirmar que a legitimidade da
instituição regional (seja ela supranacional ou
Diálogos Internacionais: reflexões críticas do mundo contemporâneo

intergovernamental) dependente da coesão social proporcionada


pelo processo de integração política, que tem ao centro os
Estados e as sociedades.
Os projetos de integração regional da União Europeia e do
Mercosul não se restringem aos processos de união econômica e
de mercado comum que nomeiam as suas instituições, e mesmo
o processo de integração econômica não se limita ao modelo de
“integração por etapas”, elaborado nos anos 1950. Os históricos
das integrações, europeia e mercosulina, revelam os vários níveis
e nuances do processo de integração econômica, que não
descaracterizam todo o projeto de integração regional
estabelecido pelas sociedades.
A dinâmica integracionista é mais profunda e envolve
transformações estruturais de todas as sociedades. A
complexidade do momento atual está na descaracterização do
processo de integração político-social em prol da perspectiva
econômica liberal, responsável pelo ressurgimento reativo dos
nacionalismos, pela diminuição da coesão social da Comunidade
Política regional e, consequente perda de legitimidade por parte
da instituição regional, dando margem para que as disputas
internas de poder e do capital enfraqueçam a integração.
A saída do Reino Unido, no caso europeu, e o isolamento
da Venezuela, no caso mercosulino, são afrontas às propostas
político-sociais estabelecidas nos Tratados de Roma (1957) e a
Declaração do Iguaçu (1985), documentos fundadores de ambos
os projetos de integração regional. Por outro lado, a superação
dos desafios contemporâneos que assolam ambas as
Comunidades Políticas, como as crises econômicas, políticas e
humanitárias, necessitam de respostas coletivas que apenas a
integração político-social é capaz de fornecer.
As ainda frágeis integrações regionais, que poderiam
promover solo fértil para a germinação de ideias inovadoras e
transformadoras, são estigmatizadas como as culpadas por todos
os males que assolam as sociedades nacionais dos Estados. Sob a
égide econômica liberal, a integração regional é reduzida a uma
Integração Regional: reflexões teóricas e práticas a partir da Europa e da América do Sul

iniciativa que, por hora, é tida como ineficaz e ineficiente para a


superação das contradições do mundo contemporâneo.

Referências

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Livraria Clássica, 1961.
CARVALHO, Glauber Cardoso. South American foreign policy:
the double movement between attraction vs. detachment
towards integration In: XXXIV Congress of the Latin American
Studies Association, LASA 2016 CONGRESS PAPERS. New
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CERVO, Amado Luiz. Relações Internacionais da América
Latina: de 1930 aos nossos dias. 3.ed.rev.ampl. São Paulo: Saraiva
& IRBI, 2013
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universal process. International Organization, vol.15, n.3, p.366-
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política mundial. Contexto Internacional, v.17, n.1, Rio de
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LESSA, Antônio Carlos; OLIVEIRA, Henrique A. (coord.).
Integração Regional: uma introdução. São Paulo: Saraiva, 2013
LIMA, Mário Afonso. Um fardo aceitável: A relação entre o
Reino Unido e a União Europeia. Monografia, Unilassale-RJ,
Niterói, 2009.
ROSEVICS, Larissa. Por uma integração via educação: o novo
marco do Mercosul Educacional no século XXI. Revista NEIBA,
vol.4, n.1, p.116-128, ago.2015.
SARTI, Ingrid. A arquitetura política e os desafios da
institucionalidade na integração Sulamericana. In: CERQUEIRA
FILHO, Gisálio. (org.). Sulamérica: comunidade imaginada,
emancipação e integração. Niterói: EdUFF, 2011. p.177-191.
INTEGRAÇÃO ENERGÉTICA: MAIS
DO QUE APENAS UM TEMA
ECONÔMICO E TÉCNICO, UM
TEMA POLÍTICO

Thauan dos Santos

A
integração regional é frequentemente associada aos mais
diversos temas, como, por exemplo, economia, política,
sociedade, cultura, infraestrutura, instituições, entre
outros. Muito embora essa riqueza de abordagens seja
extremamente importante e fundamental para o debate da área,
o que ocorre frequentemente é a abordagem da questão
exclusivamente baseada em um desses temas.
Como consequência direta disso, diversos trabalhos e
diferentes pesquisas, ainda que tratem de uma mesma questão,
não dialogam entre si. Pegando-se o caso do Mercado Comum
do Sul (MERCOSUL), a abordagem econômica avalia o aumento
do fluxo de comércio e investimento “intra-bloco”, por exemplo,
evidenciando o aumento das variáveis como o produto interno
bruto (PIB) ou mesmo a inflação na região. A abordagem física
avaliaria a evolução do investimento em infraestrutura de


Publicado em 09/01/2017
Integração Energética: mais do que apenas um tema econômico e técnico, um tema político

transporte, energia e/ou telecomunicações na região, por


exemplo, enquanto a abordagem institucional focaria no poder (e
nas limitações) das instituições, como o Fundo para a
Convergência Estrutural do MERCOSUL (FOCEM) ou o
Parlamento do MERCOSUL (PARLASUL).
Japiassu (1976) evidencia a necessidade de existir a
interdisciplinaridade e a integração dos saberes, sobretudo
porque elas enriquecem a análise do objeto a ser avaliado. Nesse
sentido, não nos limitaríamos a pensar nas fragmentadas
“caixinhas” pré-estabelecidas pela influência positivista no fazer
científico. É justamente essa a abordagem que se propõe nesse
breve artigo, especialmente pela natureza transversal do objeto
analisado.
Discutir integração energética é muito mais do que apenas
avaliar o aumento da geração energética a partir das usinas
binacionais e/ou multinacionais que foram construídas, o
montante de capital investido na harmonização regulatória
energética, ou investimento em interconexões energéticas; é
também isso, mas, inclusive, uma diversidade de outras questões
que precisam ser levadas em conta. No entanto, a Iniciativa para
a Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana (IIRSA)[1],
primeira referência que se vem à mente quando se pensa na
integração da infraestrutura física regional, trata da questão da
integração energética olhando apenas essas variáveis
apresentadas, por exemplo.
Nesse sentido, é necessário desconstruir uma série de
mitos e mal-entendidos acerca do conceito de integração
energética, em particular quando se leva em consideração o caso
dos países da América do Sul (SANTOS, 2014a; QUEIROZ,
SANTOS, PEREIRA JÚNIOR, 2015). Mais do que tratar a
integração energética exclusiva e unicamente à luz das
abordagens econômica e técnica, é necessário perceber que ela é
imbricada de fatores políticos, que ora favorecem seu
desenvolvimento, ora dificultam-no.
Resumidamente, Padula (2010) e Oxilia e Fagá (2008)
destacam que houve dois grandes momentos da integração
Diálogos Internacionais: reflexões críticas do mundo contemporâneo

energética da América do Sul: um primeiro período, entre 1970 e


1980, com maior participação estatal nos projetos (com foco nas
usinas binacionais, como é o caso da Itaipu Binacional[2]); e o
período seguinte, a partir dos anos 1990, em que os projetos
eram caracterizados pela maior participação dos investimentos
privados.
O perfil da maioria dos projetos pode ser criticado por
várias razões, particularmente por não haver uma integração
efetiva do território sul-americano. Diversos são os estudos e
projetos que sugerem uma integração energética da América do
Sul dividida entre países do Cone Sul e países andinos devido às
diferenças institucionais e regulatórias, como destacado por
Santos (2014b), Rodrigues (2013), CIER (2011) e Vélez (2005).
Outra crítica, que muitas vezes aparece como sugestão de
política, é a necessidade de se promover o protagonismo do
Brasil para garantir de desenvolvimento da integração energética
regional (CASTRO, 2010; DE OLIVEIRA, 2010), em particular
devido à sua expertise em integrar o próprio território nacional.
Fuser (2010), por outro lado, alerta para o perigo desse tipo de
proposta, precisamente se levarmos em conta questões como
soberania e autonomia dos demais estados na formulação das
políticas comuns regionais.
Quando se trata especificamente da integração energética
do MERCOSUL, é necessário levar em conta as mudanças
políticas recentes para explicá-la com mais clareza. Desde
meados de 2012, por exemplo, temos a Venezuela com status de
membro pleno e, mais recentemente, em particular a partir de
2015, os esforços para a adesão efetiva da Bolívia[3].
Dessa forma, Santos e Varela (2016) destacam que o
sistema energético de cada Estado influencia na sua estratégia de
política externa, ratificando a hipótese de que a Política Externa
Brasileira (PEB) de aproximação com a Bolívia e a Venezuela é
resultado do interesse nacional no tocante à integração
energética com ambos os países. Reforçam, assim, as relações
intrínsecas entre integração física e variáveis políticas e, de modo
Integração Energética: mais do que apenas um tema econômico e técnico, um tema político

mais amplo, a interface existente entre integração regional e


políticas externas.
Tais relações entre os países originários do MERCOSUL
com Bolívia e Venezuela se tornam mais complexas e
complicadas com os eventos recentes, especificamente com a
instrumentalização do MERCOSUL como meio de pressão
unilateral dos países (com destaque para o Brasil) nos interesses
regionais. Cabe destacar, nesse contexto, a recente suspensão da
Venezuela do MERCOSUL, em 2 de dezembro de 2016, que
retira um ator significativo do bloco, seja em termos econômicos,
territoriais, populacionais e, particularmente, energéticos[4].
É interessante destacar como a variável energética é
importante, muito embora ela seja frequentemente ignorada nos
estudos de integração regional. O Paraguai sempre foi o país que
inviabilizou a adesão efetiva da Venezuela no MERCOSUL e,
devido ao impeachment (juicio político) do ex-presidente
Fernando Lugo, houve a brecha para que o país tivesse sua
adesão aprovada. Embora essa estratégia seja criticada por
diversas razões, de fato, a entrada da Venezuela no MERCOSUL
viria a retirar o peso (geo)político do Paraguai enquanto ator
relevante no cenário energético, devido à sua dotação do recurso
natural água. Hoje, contudo, com os preços do petróleo cerca de
50% inferior àqueles dos anos 2012, o país perde o papel
estratégico de outrora[5].
Portanto, fica clara a necessidade de se avaliar diversas
questões quando se trata de investigar a integração energética
(não apenas no MERCOSUL, ou mesmo na América do Sul). Por
isso, é fundamental perceber que o tema é muito mais do que
um problema a ser pensado, problematizado e planejado por
economistas e/ou engenheiros, mas deve sempre considerar as
questões (geo)políticas que conduzem tais processos.
Justamente por isso, é fundamental estar atento à política
doméstica e à política externa dos países envolvidos na iniciativa,
de modo a identificar momentos de maior ou menor propensão
ao desenvolvimento da integração energética regional, seja ela
onde for. Evitando incorrer em análises de regionalismo
Diálogos Internacionais: reflexões críticas do mundo contemporâneo

comparado que “pecam” em considerar a gama particular de


variáveis relevantes em cada um dos casos, mesmo na União
Europeia (UE) o desenvolvimento das iniciativas de integração
energética regional se deu por motivações políticas quando do
pós-IIGM, com a criação da Comunidade Europeia do Carvão e
do Aço (CECA) e da Comunidade Europeia da Energia Atómica
(CEEA), mais conhecida como Euratom.

[1] Hoje incorporada ao Conselho Sul-Americano de


Infraestrutura e Planejamento (COSIPLAN) como foro técnico da
União das Nações Sul-americanas (UNASUL).
[2] Em 17 de dezembro de 2016, a usina quebrou o recorde
mundial em geração anual de energia e voltou a ser maior
produtora de energia elétrica do mundo, superando os 98,8
milhões de MWh produzidos pela usina chinesa de Três
Gargantas. Ver: https://www.itaipu.gov.br/sala-de-
imprensa/noticia/itaipu-ultrapassa-tres-gargantas-e-reassume-
lideranca-mundial-de-producao-d.
[3] Ainda que em determinada parte do próprio site oficial do
MERCOSUL, a Bolívia já seja incluída como Estado Parte
(membro efetivo). Em outras partes, destaca-se que o país ainda
está em processo de adesão formal – apesar de a Assinatura do
Protocolo de Adesão da Bolívia ao MERCOSUL ter ocorrido em
07 de dezembro de 2012 e ter sido ratificada por todos os Estados
Partes, agora se encontra em vias de incorporação pelos
congressos dos mesmos.
[4] Vale mencionar que a Venezuela apresenta forte potencial em
termos hidrelétricos, bem como a maior reserva de petróleo do
mundo – com base em dados de 2015.
[5] Certamente, há outras variáveis que justificam essa suspensão
efetiva do país, a saber: o cenário democrático no país, foco de
muita crítica, bem como o fato de ter completado quatro anos de
adesão ao bloco, prazo máximo para que cumprisse todas as
normas de adesão, sem fazê-lo.
Integração Energética: mais do que apenas um tema econômico e técnico, um tema político

Referências

CASTRO, N. J. O Papel do Brasil no Processo de Integração do


Setor Elétrico da América do Sul. Rio de Janeiro. Texto de
Discussão do Setor Elétrico TDSE 23, GESEL – Instituto de
Economia-UFRJ, 2010.
CIER – COMISSIÓN DE INTEGRACIÓN ENERGÉTICA
REGIONAL. Proyecto CIER 15 - Fase II, Informe Final. CIER,
Montevideo, Uruguay, 2011.
OLIVEIRA, Adilson de. Energy security in South America: The
role of Brazil. TKN series on trade and energy security. Geneva:
TKN, 2010.
FUSER, I. A (des)integração energética na América do Sul: uma
crítica ao Brasil-centrismo. IV Simpósio Lutas Sociais na
América Latina: Imperialismo, nacionalismo e militarismo no
Século XXI, Londrina: UEL, 2010, pp.115-124.
JAPIASSU, Hilton. Interdisciplinaridade e Patologia do Saber.
Rio de janeiro: Imago Editora LTDA, 1976.
OXILIA, Victorio Enrique; FAGÁ, Murilo Tadeu Werneck. As
motivações para a integração energética na América do Sul com
base no gás natural. Petro & Química, Ano XXX, nº 289, 2010,
pp. 70-74.
PADULA, Raphael. Integração regional de infraestrutura e
comércio na América do Sul nos anos 2000: Uma análise
político-estratégica. Tese (doutorado), Rio de Janeiro:
UFRJ/COPPE, 2010
QUEIROZ, Renato; SANTOS, Thauan; PEREIRA JÚNIOR,
Amaro Olímpio. Para além da desconstrução de mitos e mal-
entendidos a respeitos da Integração Energética da América do
Sul, 5th Latin American Energy Economics Meeting, Medellín-
Colômbia, 2015.
RODRIGUES, Bernardo Salgado. A integração da infraestrutura
de transportes, energia e comunicações no Mercosul. Anais do
Fórum Universitário Mercosul – FoMerco, 2013, pp. 31-42.
Diálogos Internacionais: reflexões críticas do mundo contemporâneo

SANTOS, Thauan. A Critical Deconstruction of Myths and


Misunderstandings about Energy Integration in South America.
V SimpoRI-UERJ, Rio de Janeiro-Brasil, 2014a.
_______. Integração Energética na América do Sul:
desdobramentos do desenvolvimento institucional. Dissertação
de Mestrado – Instituto de Relações Internacionais, Pontifícia
Universidade Católica do Rio de Janeiro, 2014b.
_______; VARELA, Ian. A Diplomacia Brasileira a Serviço da
Segurança Energética. V Congresso Internacional do Núcleo de
Estudos das Américas (V NUCLEAS), Rio de Janeiro: UERJ, 2016.
VÉLEZ, Jaime Alfonso Orjuela. Condições Econômicas e
Institucionais para a Integração Energética na América do Sul.
Dissertação de Mestrado em Economia: IE/UFRJ, 2005.
Diálogos sobre a América Latina
DO PÓS-COLONIAL
À DECOLONIALIDADE

Larissa Rosevics

Como dizem os zapatistas, [é preciso] “luchar por un


mundo donde otros mundos sean posibles”. Ramón
Grosfoguel

O
declínio da capacidade europeia em manter seu poder
direto sobre as suas colônias asiáticas e africanas após a
Segunda Guerra Mundial, bem como as mudanças nas
estruturas do poder internacional a favor dos Estados Unidos
possibilitaram uma nova onda de independências ao sul do globo
e o surgimento de reflexões teóricas denominadas de pós-
coloniais.
O projeto pós-colonial é aquele que, ao identificar a
relação antagônica entre colonizador e colonizando, busca
denunciar as diferentes formas de dominação e opressão dos
povos. Como uma escola de pensamento, o pós-colonialismo não
tem uma matriz teórica única, sendo associado aos trabalhos de
teóricos como Franz Fanon, Albert Memmi, Aimé Césaire,
Edward Said, Stuart Hall e ao Grupo de Estudos Subalternos,
criado na década de 1970 pelo indiano Ranajit Guha.
Dentre as influências que inspiraram os estudos pós-
coloniais, Sérgio Costa (2006) destaca três: a formação do


Publicado em 28/11/2014
Do pós-colonial à decolonialidade

discurso social, a partir dos pós-estruturalistas Michael Foucault e


Jacques Derrida; a descentralização das narrativas e dos sujeitos
contemporâneos, do pós-modernismo de Jean-François Lyotard;
e os estudos culturais britânicos desenvolvidos na Birmingham
University’s Center for Contemporary Studies.
A maior parte das pesquisas pós-coloniais seguiu a
trajetória dos estudos literários e culturais, através da crítica a
modernidade eurocentrada, da análise da construção discursiva e
representacional do ocidente e do oriente, e das suas
consequências para a construção das identidades pós-
independência. A preocupação dos estudos pós-coloniais esteve
centrada nas décadas de 1970 e 1980 em entender como o mundo
colonizado é construído discursivamente a partir do olhar do
colonizador, e como o colonizado se constrói tendo por base o
discurso do colonizador.
A noção de orientalismo discutida por Edward Said
exemplifica o tipo de estudo proposto pelos pós-coloniais, como
aponta Sergio Costa (2006, p.86):

O orientalismo caracteriza, assim, um modo


estabelecido e institucionalizado de produção de
representações sobre uma determinada região do
mundo, o qual se alimenta, se confirma e se atualiza
por meio das próprias imagens e conhecimentos que
(re) cria. O oriente do orientalismo, ainda que remeta,
vagamente, a um lugar geográfico, expressa mais
propriamente uma fronteira cultural e definidora de
sentido entre um nós e um eles, no interior de uma
relação que produz e reproduz o outro como inferior,
ao mesmo tempo que permite definir o nós, o si
mesmo, em oposição a este outro, ora representado
como caricatura, ora como estereótipo, e sempre como
uma síntese aglutinadora de tudo aquilo que o nós não
é e nem quer ser.

Na década de 1990, um grupo de intelectuais latino-


americanos que vivia nos Estados Unidos, inspirados pelos
processos de redemocratização dos países da região e pelo debate
pós-colonial que chegara às universidades estadunidenses nas
Diálogos Internacionais: reflexões críticas do mundo contemporâneo

décadas anteriores, decidiram fundar o Grupo Latino-Americano


de Estudos Subalternos, que teve como primeiro documento
oficial o “Manifesto Inaugural do Grupo Latino-Americano de
Estudos Subalternos”, de 1993[i].
Segundo Ramon Grosfoguel (2008), a desagregação do
Grupo Latino-Americano de Estudos Subalternos se deve a dois
motivos. O primeiro ao fato de que os pesquisadores, apesar de
serem latino-americanos, viviam nos Estados Unidos e
reproduziam em suas pesquisas a epistemologia dos estudos
regionais estadunidenses. Em segundo lugar, assim como os
subalternos asiáticos, as principais referências teóricas eram de
autores europeus, tais como Foucault, Derrida e Gramsci, além
do indiano Ranajit Guha.
O uso de epistemologias advindas majoritariamente de
autores europeus passou a ser vista como uma traição ao objetivo
principal dos estudos subalternos de rompimento com a tradição
eurocêntrica de pensamento. É neste sentido que surge a crítica
decolonial [ii], trazendo a necessidade de decolonizar a
epistemologia latino-americana e os seus cânones, na maior
parte de origem ocidental. Como aponta Grosfoguel, é preciso
decolonizar não apenas os estudos subalternos como também os
pós-coloniais.
Enquanto os pós-coloniais se aproximavam das correntes
pós-modernas e pós-estruturalistas, os decoloniais voltaram-se
para um projeto semelhante aos dos teóricos críticos de
esquerda. Isso significa que, assim como os teóricos críticos de
esquerda, os decoloniais buscam a emancipação de todos os tipos
de dominação e opressão, em um diálogo interdisciplinar entre a
economia, a política e a cultura.
É neste contexto que Aníbal Quijano apresenta seu
conceito de colonialidade de poder, entendida como a maneira
como a dominação das potencias centrais em relação às
periféricas está estruturada, através de uma diferença
étnica/racial/de gênero/de classe, que hierarquiza o dominador
em relação ao dominado, com o objetivo de controlar o trabalho,
os recursos e os produtos em prol do capital e do mercado
Do pós-colonial à decolonialidade

mundial. É uma dominação política e econômica que se justifica


através do conceito de raça, acompanhado de uma dominação
epistêmica/filosófica/científica/linguística ocidental.
Dentre as principais diferenças entre os pós-coloniais
asiáticos e os decoloniais latino-americanos, está o tipo de
experiência colonialista que cada uma das regiões conheceu e as
suas consequências para as reflexões teóricas posteriores. O
colonialismo na Ásia e na África esteve ligado aos anglo-saxões e
franceses majoritariamente e se distingue no tempo e no espaço,
da ação dos portugueses e espanhóis na América Latina.
No caso indiano, por exemplo, houve a preservação de
certos princípios filosóficos e epistemológicos das sociedades
anteriores à ocupação, o que permite um resgate das raízes pré-
coloniais. Na América os espanhóis e os portugueses destruíram
quase que completamente a memória do período anterior à
ocupação através da desintegração dos padrões de poder e das
civilizações existentes na região, do extermínio de comunidades
inteiras e de seus portadores de cultura e poder, tais como os
intelectuais, os artistas, os cientistas e os líderes. Como aponta
Anibal Quijano (2005), os sobreviventes do massacre promovido
pelos ibéricos foram submetidos a uma repressão material e
subjetiva durante séculos, até que desaparecesse qualquer relação
imaginária com o passado pré-colonial. A esta condição, somam-
se as experiências distintas dos milhares de imigrantes europeus
e traficados africanos que passaram a fazer parte destas
sociedades.
Os argumentos pós-coloniais e mesmos os decoloniais já
estavam presentes em intelectuais latino-americanos do século
XIX, como aponta Luciana Ballestrin. O que diferencia o
pensamento anterior e o atual são o contexto em que foram
elaborados e as possibilidades desses contextos.
Para Grosfoguel, o conceito de colonialidade do poder
conseguiu exprimir os avanços conquistados pelos estudos
culturais realizados pelos pós-coloniais e as análises econômicas
do Sistema Mundo. Para ele, a colonialidade do poder traz por
Diálogos Internacionais: reflexões críticas do mundo contemporâneo

terra um dos falsos dilemas do liberalismo do século XIX, a


dicotomia entre cultura e economia.
A superação completa do modelo epistemológico
eurocentrado não se processará de maneira imediata,
especialmente na América Latino onde ele tão profundamente
está arraigado. Por isso Grosfoguel aponta para o caminho do
pensamento crítico de fronteira, capaz de trazer respostas
epistemológicas do subalterno ao projeto eurocêntrico da
modernidade para a superação das relações de opressão,
exploração e pobreza, perpetuadas nas relações de poder
internacionais.

[i] O texto foi publicado na revista Boundary 2, e reeditado no


livro Teoria sin disciplina: latinoamericanismo, poscolonialismo
y globalización en debate, organizado por Eduardo Mendieta e
Santiago Castro-Gómes.

[ii] O uso do termo “decolonial” ao invés de “descolonial” é uma


indicação de Walter Mignolo para diferenciar os propósitos do
Grupo Modernidade/Colonialidade e da luta por descolonização
do pós-Guerra Fria, bem como dos estudos pós-coloniais
asiáticos.

Referências

BALLESTRIN, Luciana . América Latina e o giro decolonial.


Revista Brasileira de Ciência Política (Impresso), v. 2, p. 89-117,
2013
COSTA, Sergio. Pós-colonialismo e différance. In: __________.
Dois Atlânticos: teoria social, anti-racismo, cosmopolitismo. Belo
Horizonte: UFMG, 2006.
GROSFOGUEL, Ramon. Para descolonizar os estudos de
economia política e os estudos pós-coloniais: transmodernidade,
pensamento de fronteira e colonialidade global. Revista Crítica
de Ciências Sociais, n. 80, Coimbra, 2008, p. 115-147.
Do pós-colonial à decolonialidade

QUIJANO, Aníbal. Dom Quixote e os moinhos de vento na


América Latina. Estudos Avançados, v.19, n.55, São Paulo,
set./dez. 2005.
QUIJANO, Aníbal. Colonialidad del poder, eurocentrismo y
América Latina. In: LANDER, Edgardo (org). La colonialidade
del saber: eurocentrismo y ciencias sociales, perspectivas
latinoamericanas. Buenos Aires: CLACSO, 2000. (pp.193-238)
LIDERANÇA CARISMÁTICA NA
AMÉRICA LATINA

Bernardo Salgado Rodrigues

N
o último dia 21/02/2016, o presidente Evo Morales foi
derrotado no plebiscito de reforma constitucional,
inviabilizando que dispute mais um mandato na eleição
de 2019, após ter sido eleito presidente em 2006, reeleito em
2010 e novamente em 2014.
Apesar do resultado desfavorável, a popularidade do
presidente segue em alta, explicado pelos dados econômicos e
sociais: uma revolução política e econômica num país que, até
sua chegada ao governo, era recordista na região em quantidade
de golpes de Estado e dos mais pobres de toda a América Latina.
Iniciado em 2006, seu governo lançou políticas ousadas de
redistribuição de renda com políticas sociais, em especial,
aumento das aposentadorias e uma versão local do Bolsa Família;
o percentual da população vivendo em extrema pobreza caiu de
38% para 24%, em seis anos[1]; nacionalizou setores estratégicos,
como o gás e o lítio; possui uma média de crescimento de 5,5%
a.a. nos seus dois primeiros mandatos, além do investimento
estatal ter aumentado em 75%.


Publicado em 22/02/2016
Liderança carismática na América Latina

Entretanto, esse consiste em mais um exemplo da


encruzilhada que os governos progressistas na América Latina se
encontram (agregando-se a dependência do extrativismo como
ferramenta de crescimento econômico, a dependência financeira
de organismos multilaterais, a superexploração de trabalhadores,
etc): o atrelamento da liderança carismática para sustentar a
continuidade de tais processos é uma característica presente
historicamente na América Latina.
A dominação carismática foi um termo utilizado pelo
sociólogo Max Weber, em seu clássico texto "Os três tipos puros
de dominação legítima", onde a partir dos conceitos de
dominação racional-legal, tradicional e carismática define as
diretrizes do poder, da dominação e da legitimação. A
dominação carismática é relacionada em virtude de devoção
afetiva à pessoa do senhor, do seu carisma e suas vocações
pessoais; é uma relação social especificamente extracotidiana e
puramente pessoal, que se pauta na presença de um líder
carismático.
Não que a relação entre um líder carismático e um
processo revolucionário sejam dois fatores excludentes ou
incompatíveis; pelo contrário, são parte de um mesmo processo,
segundo Laclau, de ruptura de uma ordem liberal estabelecida. O
problema se encontra quando o processo em si se vincula, única
e exclusivamente, com a figura do líder carismático, onde a
própria figura do líder se sobressai ao processo no qual se buscou
implementar. Na América Latina, muitos são os exemplos de
líder carismáticos que não conseguiram desvincular essa
liderança e se encontram dependentes das mesmas para
sustentar a continuidade de tais processos. A figura do líder
carismático que assegure a voz das massas é imprescindível; mas
essa liderança não deveria se sobressair ao processo que busca
implementar, correndo o risco do processo se desgastar quando a
figura da liderança não se torna mais presente, seja pela
impopularidade ou ausência física, tendo como exemplo o
processo venezuelano após a morte de Hugo Chávez.
Diálogos Internacionais: reflexões críticas do mundo contemporâneo

No atual contexto boliviano, com o resultado adverso, o


nome imediato para uma possível troca de poder no campo da
esquerda seria o do Vice-presidente Alvaro Garcia Linera.
Entretanto, dois empecilhos aparecem a sua candidatura: apesar
de ser um grande intelectual boliviano, Linera não é indígena,
em que num contexto onde 55% da população é indígena e 30%
mestiça, tal fato possui um peso considerável. Em segundo lugar
- e ainda mais importante - um verdadeiro líder, de dimensão
nacional, é um fator que não se pode "preparar". Todas as
lideranças populares que realizaram uma contribuição individual
decisiva para a História foram pessoas que construíram uma
trajetória de luta, de uma oposição a ordem estabelecida de
maneira criativa e original, lutando não só contra os poderes
instituídos, as classes dominantes, mas também em luta contra
ideias pré-estabelecidas e práticas inerciais no próprio campo
popular.
O "desgaste" das lideranças carismáticas na América Latina
ganha mais um protagonista. Entretanto, é inegável o papel
central dos líderes carismáticos em alguns dos movimentos
revolucionários mais bem-sucedidos e radicais; líderes que
possuem um perfil ideológico heterodoxo, isto é, que mostram
algumas das características típicas de populismo[2]: populismo
entendido a partir dos termos utilizados por Ernesto Laclau, na
obra A Razão Populista, num processo de demanda democrática
numa operação de construção do populismo, entendido como
um momento histórico de ruptura popular. É necessário
examinar seriamente o porquê desse papel nos processos
revolucionários, sem aceitar necessariamente as conotações
negativas convencionais, e propondo alternativas na sucessão
desses líderes.

[1] http://www.cartacapital.com.br/blogs/outras-
palavras/economia-o-notavel-exemplo-da-bolivia-6693.html
Liderança carismática na América Latina

[2]
http://www.scielo.org.ve/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1012
-25082006000200004

Referências

LACLAU, Ernesto. A Razão Populista. Rio de Janeiro: EdUERJ,


2013.
WEBER, M. Sociologia. Coleção grandes cientistas sociais, n. 13.
São Paulo: Ática, 1979.
POR UMA DISCUSSÃO DO BANCO
DO SUL, O “BANCO DOS BRICS
LATINO-AMERICANO”

Bernardo Salgado Rodrigues

E
m julho de 2014, na VI Cúpula dos Brics, foi estabelecida a
criação de um acordo de cooperação financeira e
monetária com impactos no redesenho estratégico das
finanças globais, com o surgimento de um fundo de estabilização
e um banco de desenvolvimento. Ambos são expressão da
assimetria e do déficit democrático na governança global, em que
os países dos Brics demandam a democratização da arquitetura
financeira internacional e a reforma das instituições oriundas de
Bretton Woods, visando tornar realidade seus anseios de uma
ordem internacional mais inclusiva, democrática e multilateral,
assim como na construção de um novo polo de liderança global.
Uma rota semelhante tem o Banco do Sul no contexto
latino-americano, podendo ser atualmente – ainda que surgido
anteriormente – considerado um "Banco dos Brics latino-
americano". Criado em 2007, é composto por um fundo
monetário e uma organização financeira da Unasul, destinado a
promover o desenvolvimento com o objetivo de conceder


Publicado em 01/10/2014
Por uma discussão do Banco do Sul, o “Banco dos Brics latino-americano”

empréstimos e recursos para os países da América Latina, cujos


eixos principais são voltados para a criação de programas sociais
e de infraestrutura.
O Banco conta com uma reserva inicial de US$10 bilhões e
um total de capital global autorizado de US$20 bilhões, onde este
aporte inicial se divide em grupos de países: o primeiro,
Argentina, Brasil e Venezuela, com um capital de US$ 2 bilhões
cada; o segundo, com Uruguai e Equador, com US$400 milhões
cada; o terceiro, com Paraguai e Bolívia, com US$100 milhões
cada; e os 3 bilhões restantes seriam obtidos através de
contribuições de US$970 milhões do Chile, Colômbia e Peru, e
US$45 milhões da Guiana e Suriname. (SEVERO, 2011, P.342)
Apesar das diferenças de aportes iniciais, há uma
flexibilidade maior para os países de menor desenvolvimento,
em que se propõe que a cota de crédito não seja proporcional ao
aporte de capital, de forma a apoiar um processo de redução das
assimetrias. Assim,

[...] la diferencia del FMI o el Banco Mundial cuyo modo de


funcionamiento y toma de decisiones es a través del voto
ponderado (siendo las potencias mundiales las mayores
tenedoras de votos), la nueva institución financiera de
América del Sur (…) busca mantener una representación
igualitaria para cada uno de los socios que la integran y
funcionar bajo un sistema democrático. (VALENCIA;
RUVALCABA, 2013, p.101)

Logo, a importância da operacionalização do Banco do Sul


seria como um primeiro pilar de transformação dos bancos de
desenvolvimento para financiar prioridades das soberanias
continentais.
Os que se situam a favor do banco constatam que

[...] gran parte de las reservas internacionales de los países


sudamericano está depositada en bancos europeos o de
Estados Unidos. Teniendo en cuenta el carácter de la nueva
institución en beneficio de los países de la región, una de las
propuestas es que el banco concentre parte de estos recursos y
Diálogos Internacionais: reflexões críticas do mundo contemporâneo

los utilice para el desarrollo de América del Sur.(SEVERO,


2011, p.342)

Portanto, o banco demonstra um esforço de cooperação


entre os países para superar um problema histórico de suas
economias: o financiamento de longo prazo. Ele também inclui a
ideia de um fundo de estabilização, um importante instrumento
para a defesa de ataques especulativos de capital e de crises
internacionais.
Entretanto, Biancareli (apud SEVERO, 2011, p.344)
apresenta três questionamentos em relação ao Banco do Sul:
quanto ao formato institucional e os poderes de voto e veto;
quanto à capilaridade e institucionalização para os
financiamentos e repasse de recursos em condições de prazo e de
custos determinadas; e quanto à função que pode desempenhar
na formação de um mercado regional de títulos da dívida.
Um dos maiores empecilhos para a plena
instrumentalização do Banco na região advém do Congresso
brasileiro. Para que comece a operar, é necessário que o
Congresso de cada país-membro aprove seu estatuto. Até 2011,
apenas os legisladores venezuelanos, bolivianos, equatorianos e
argentinos votaram favoravelmente à proposta. Constata-se que
qualquer projeto de Banco do Sul passa por uma posição de
compromisso pelo Brasil, devido a sua importância e peso na
região. O Brasil retira o apoio na articulação da formação do
Banco do Sul a partir do momento que limita os recursos para a
sua formação.
Para alguns estudiosos, o Brasil parece cético em relação a
uma efetiva integração, prevalecendo a ilusão de que o Brasil se
viabiliza sozinho. Muitas vezes, a integração tem sido usada
como justificativa para a expansão das grandes empresas
privadas de capital brasileiro com base em vultosos
financiamentos do BNDES. Assim, acaba sendo instaurado um
conceito dominante de que “a integração significa expansão e
domínio de novos mercados e nada mais.” (FATTORELLI, 2012,
p.71)
Por uma discussão do Banco do Sul, o “Banco dos Brics latino-americano”

Vale frisar que a proposta inicial da instituição “busca


converter o Banco do Sul no coração, centro de um esforço para
transformar a constelação já existente de instituições de
desenvolvimentos nacionais, subnacionais e supranacionais
(como BID e Bird)” (PAEZ, 2007, p.13). Ou seja, atuando no
âmbito da complementaridade ao invés da competição. Assim, o
BNDES se configuraria como banco do desenvolvimento
brasileiro, enquanto que o Banco do Sul como banco do
desenvolvimento e integração regional.
Neste contexto, o Banco do Sul emerge como um
instrumento financeiro aos países da América do Sul visando a
unificação de suas nações, tentando construir uma nova
arquitetura financeira regional que não reproduza os
mecanismos institucionais que perpetuem a dependência, mas
que contribuam para a liberdade, soberania e independência das
economias regionais. Como afirmam Valencia e Ruvalcaba (2013,
p.102), “esta nueva institución financiera podría consolidarse
como el principal órgano de financiamiento para la integración
económica y social de la Unasur.”
Em suma, a partir do momento em que a criação do Banco
dos Brics foi tida como grande vitória da política externa
brasileira, a retomada da discussão do Banco do Sul e o reforço
da integração e cooperação Sul-Sul devem ser estimulados a fim
de que a América Latina se torne um novo pólo de poder
mundial, pautado na redução das desigualdades, na inclusão
social e na elaboração de uma nova arquitetura financeira para o
benefício dos povos, e não do grande capital.

Referências

FATTORELLI, Maria Lucia (org.). Alternativas de


enfrentamento à crise. Brasília: Inove Editora, 2012.
PAEZ, Pedro. Por um banco de um novo tipo. Jornal dos
Economistas. Rio de Janeiro, p. 11-13. nov. 2007. Disponível em:
Diálogos Internacionais: reflexões críticas do mundo contemporâneo

<http://www.corecon-rj.org.br/pdf/je_novembro_2007.pdf>.
Acesso em: 25 jul. 2014
SEVERO, Luciano Wexell. Mecanismos regionales para el
financiamiento de la integración de América del Sur. In: COSTA,
Darc (Org.). América del Sur: Integración e infraestructura. Rio
de Janeiro: Capax Dei, 2011. p. 289-347
VALENCIA, Alberto Rocha; RUVALCABA, Daniel Efrén Morales.
Desafíos en la construcción de la Unión de Naciones de
Suramérica. In: GADELHA, Regina Maria A. F. (Org.). Mercosul a
Unasul - avanços do processo de integração. São Paulo: Educ,
2013. p. 69-117
NARCOS E A RETÓRICA
CONSERVADORA NA NARRATIVA
DA GUERRA ÀS DROGAS

Licio Caetano do Rego Monteiro

A
série Narcos é como um caminhão cheio de mercadorias
importadas dos EUA para o público latino-americano que
tenta passar a fronteira no sentido norte-sul. Mas entre
mercadorias lícitas e de qualidade, o motorista escondeu a carga
mais valiosa: substâncias que prometem entorpecer o público
para aceitar uma versão enlatada da história da guerra às drogas
na América Latina.
A sinopse diz que é sobre Pablo Escobar. Mas é sobre a
guerra às drogas. E a julgar pelo fato de que alguns meses depois
de seu lançamento o governo do Estado do Rio de Janeiro
solicitou à DEA que abrisse uma representação na cidade do Rio
de Janeiro em 2015, parece que o filme é parte ativa na
propagação dos mecanismos que mantêm a falida guerra às
drogas ainda ativa na América Latina, alimentando os clichês que
inibem qualquer reflexão mais crítica sobre a questão das drogas
na América Latina.


Publicado em 05/09/2016
NARCOS e a retórica conservadora na narrativa da guerra às drogas

O presente artigo enfoca a narrativa anticomunista típica


da Guerra Fria inserida na narrativa da Guerra às Drogas e
atualizada pela série Narcos, em exibição no Netflix.

A narrativa do narco-comunismo e a soma de todos os medos

Na década de 1980, a Guerra às Drogas ultrapassou as


fronteiras dos EUA, mas a preparação para atravessar a fronteira
se inicia na década anterior, no governo Nixon. Nos anos 1970 o
objetivo da guerra ainda era interno, para defender a “família
americana” da contracultura hippie associada também ao
pacifismo contrário à guerra do Vietnã. O principal vilão era a
heroína. O aumento significativo do consumo e aprovação de
severas leis antidrogas engendram a criação do Drug Enforcement
Administration (DEA) em 1973. A exportação do discurso jurídico-
político e do estereótipo político-criminoso da droga dá seus
primeiros passos nos anos 1970, com efeitos em praticamente
toda a América Latina, onde ocorrem mudanças de legislação
para controle de drogas.
Na década de 1980 o combate às drogas ganha ares de
cruzada internacional, deslocando-se o combate para os países de
produtores de drogas de origem orgânica, principalmente a
cocaína, cujo consumo é incrementado nos EUA a partir da
metade da década anterior. É o que Rosa Del Olmo chamou de
discurso jurídico transnacional sobre as drogas. A Guerra Fria
ainda estava quente na América Latina, com guerrilhas ativas nos
Andes e na América Central e ditaduras apoiadas pelo governo
norte-americano. O degelo, no entanto, era eminente. A política
externa dos EUA no período Carter havia começado a lançar
sinais de que a estratégia de sustentação das ditaduras estava se
desgastando. O recurso a retóricas nacionalistas exacerbadas de
alguns generais, como no Peru e na Argentina, poderia levar a
efeitos não-desejados pelos EUA, como ocorrera com a Guerra
das Malvinas, em 1982. E se a crise do bloco socialista ainda não
estava evidente, já era possível notar a perda de fôlego da URSS
Diálogos Internacionais: reflexões críticas do mundo contemporâneo

em fomentar uma revolução internacional no quintal norte-


americano. Portanto, o prosseguimento da guerra suja contra os
comunistas na América Latina cada vez mais se mostrava como
uma operação imperial de controle político e militar dos súditos
revoltosos, e não como uma defesa do hemisfério ocidental
contra o avanço do comunismo e muito menos uma aliança para
o progresso, formulações típicas dos anos 1960 pós-Revolução
Cubana.
Nesse contexto, a Guerra às Drogas se beneficia da
legitimidade da cruzada anticomunista diante da opinião pública
norte-americana, mas ao mesmo tempo renova a retórica
anticomunista predominante atribuindo às guerrilhas e governos
socialista o rótulo de serem narcotraficantes. Essa fusão
discursiva pode ter ocorrido ora de forma intencional e
estratégica, ora de forma meramente oportunista. Mas não
precisamos recorrer a uma “teoria da conspiração” para dizer que
essa vinculação foi conveniente para alimentar uma razão de
Estado que justificasse a presença militar e a manipulação
política do países latino-americanos mesmo após o fim da
Guerra Fria. Desde a Doutrina Monroe, em 1823, sucessivas
ameaças foram utilizadas para legitimar a ação “protetora” e
“benevolente” dos norte-americanos na América Latina através
da deposição de governos legítimos, operações e invasões
militares, assassinatos, conspirações, bloqueios econômicos,
instalação de bases, espionagem, corrupção de governantes,
financiamento de grupos armados, etc. A Guerra às Drogas é só
mais uma a fazer parte da soma de todos os medos. E dentro
dessa soma, não se pode negar que a Guerra às Drogas tenha se
tornado um dos principais elementos do discurso de ameaça
nessas últimas três décadas.
Essa construção artificial promovida pela política norte-
americana é citada no filme nas cenas dos bastidores na
Embaixada norte-americana na Colômbia, em que três agências,
o DEA, a CIA e o grupo militar (Comando Sul) trocam
informações, cooperando ou disputando prioridades. O
momento chave ocorre no episódio em que a embaixadora
NARCOS e a retórica conservadora na narrativa da guerra às drogas

norte-americana parabeniza os agentes do DEA por terem


descoberto a “conexão narco-comunista”, ao apreenderem, com
um ex-agente da CIA que estava trabalhando para Pablo Escobar,
fotografias dos traficantes carregando drogas numa pista de
pouso da Nicarágua, então governada pela Frente Sandinista de
Libertação Nacional. Os sandinistas haviam chegado ao poder
em 1979 e governo era formado por uma frente de nove
organizações de diferentes matizes ideológicos, que convergiam
numa política nacionalista e popular. O fato de um assessor de
um membro de uma das organizações que compunham o
governo sandinista ter sido identificado na foto apreendida foi
levado por Reagan à televisão como uma comprovação do
vínculo entre traficantes de drogas e os sandinistas.
Embora a fusão entre a retórica anticomunista e antidrogas
possa ter funcionado para alguns objetivos norte-americanos, sua
importância não foi tão grande no fim da Guerra Fria. A Guerra
às Drogas já começava a andar com as próprias pernas, enquanto
as guerrilhas socialistas eram derrotadas militarmente ou abriam
mão da luta armada para se inserirem nas disputas eleitorais,
perdendo assim o apelo emocional para mobilizar uma razão
intervencionista. Mas a retórica da ameaça narco-comunista
ganha especial importância nas décadas de 1990 e 2000
justamente para rotular as guerrilhas ainda ativas nos Andes,
casos do Partido Comunista do Peru (Sendero Luminoso), no
Peru, e das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia –
Exército do Povo (FARC-EP) na Colômbia.
A série Narcos não problematiza a versão norte-americana
da “conexão narco-comunista”. Pelo contrário, agrega à fala do
narrador-personagem a descrição de fatos fictícios ou
descontextualizados que conduzem a uma narrativa para
reforçar a retórica anticomunista com base nas acusações de
vinculação com o tráfico de drogas. Ao mesmo tempo, não
mencionam em nenhum momento o papel da CIA no estímulo
ao tráfico de drogas na América Central como fonte de
financiamento dos contras que combatiam os sandinistas na
Nicarágua nem o chamado Baile Rojo, que resultou na morte de
Diálogos Internacionais: reflexões críticas do mundo contemporâneo

5 mil militantes de esquerda na mão de narcos e paramilitares


colombianos na década de 1980, nem tampouco a proteção da
CIA a Montesinos no Peru na década de 1990, homem forte do
governo Fujimori comprovadamente envolvido com o tráfico de
drogas.

Chile à beira do caos em 1973?

A estratégia discursiva anticomunista do filme se inicia


logo na primeira cena após os créditos do primeiro episódio. O
narrador-personagem Steve Murphy, agente norte-americano do
DEA, conta sobre uma operação policial em que ele fornece
informações que permitem à polícia colombiana atacar um
sicário de Escobar chamado Poison. A cena violenta mostra uma
chacina numa boate, com muitos mortos. Murphy então pede
que não o julguem como vilão, pois o bem e o mal se confundem
numa guerra como aquela em que ele estava metido. E então
começa a narrar a história do Cartel de Medellín dizendo que
vilões podem fazer coisas boas. A cena se desloca então para um
deserto chileno onde se dá a seguinte narração:
Nixon achou que um general chileno era um dos
mocinhos, porque ele odiava os comunistas. Então, nós ajudamos
Pinochet a tomar o poder. Depois Pinochet acabou matando
milhares de pessoas. Talvez ele não seja um dos mocinhos. Mas,
às vezes, os vilões fazem coisas boas. Ninguém sabe, mas em 1973
o Chile estava a caminho de se tornar o maior centro processador
e exportador de cocaína do mundo. Havia desertos para esconder
laboratórios e quilômetros de litoral não patrulhado para
despachar o produto. Mas Pinochet estragou a festa. Ele fechou
33 laboratórios e prendeu 346 traficantes. Depois, sendo
Pinochet, mandou matar todos eles.
Esse pequeno trecho inicial já guarda em si o mote
anticomunista da narrativa de Murphy. Um fato ou
acontecimento – a existência de laboratórios de refino de cocaína
no Chile no início da década de 1970 – é superdimensionado
para caracterizar a essência de uma situação: o vínculo entre
NARCOS e a retórica conservadora na narrativa da guerra às drogas

narcotráfico e comunistas. O Chile, então governado pelo


socialista Allende, estava a caminho do caos (argumento usado
pelos direitistas chilenos para justificar o golpe em 1973), que era
se “tornar o maior centro processador e exportador de cocaína
do mundo”, pois tinha desertos (!) para esconder laboratórios e
um litoral não patrulhado (considerando que a droga deveria sair
principalmente por embarcações).
A construção carece de sentido. Em primeiro lugar, o
consumo de cocaína em 1973 ainda era muito baixo em seu
principal mercado consumidor, os EUA, para engendrar a criação
de um grande “centro processador e exportador de cocaína”. Em
segundo lugar, desertos nunca foram os melhores lugares para se
esconder nada, muito menos laboratórios de cocaína. Em
terceiro lugar, o próprio filme demonstra posteriormente a
importância das rotas aéreas do Cartel de Medellín para o litoral
norte-americano para a consolidação do “império” de Escobar.
As vantagens logísticas da Colômbia em relação à produção de
coca e à exportação via rotas aéreas e marítimas para o principal
mercado consumidor são extremamente superiores às do Chile,
com a estreita e militarizada fronteira com Peru e Bolívia e a
distância física em relação aos EUA. Portanto, a ideia de que o
Chile pudesse estar chegando na década de 1970 a uma situação
caótica similar à Colômbia dos anos 1980 só se justifica como
uma reinvenção do passado à luz dos medos presentes, esse
procedimento recorrente no filme de Padilha que podemos
chamar de intrusão de medos externos ao tempo diegético da
narrativa.
Mas a narrativa ainda nos brinda com o elogio das “coisas
boas” que o vilão Pinochet fez ao “acabar com a festa” (como se o
Chile de Allende fosse o Club Medellín de Escobar), fechando 33
laboratórios e matando 346 traficantes chilenos (logo depois de
dizer que Pinochet havia matado milhares de pessoas,
implicitamente socialistas e comunistas). Além do recurso à
“conta de mentiroso”, citando números exatos para dar
credibilidade ao fato, a narrativa deixa no ar a possível associação
entre o massacre perpetrado por Pinochet contra milhares de
Diálogos Internacionais: reflexões críticas do mundo contemporâneo

militantes de esquerda, a execução sumária extrajudicial de


traficantes de drogas no deserto chileno e a operação policial
colombiana contra um sicário de Escobar que resulta numa
chacina dentro de uma boate. É esse o convite do narrador-
personagem para deixar de lado as distinções entre o bem e o
mal e reconhecer as coisas boas que os vilões fazem.
Na intenção de mostrar o “lado bom” de Pinochet,
esqueceram de colocar no roteiro as graves denúncias, feitas por
um general chileno ex-comandante da DINA, de que o filho de
Pinochet, sob sua proteção, havia organizado um laboratório
para a produção de cocaína que era exportada para a Europa
durante meados dos anos 1980.

M-19 e o Escobar bolivariano

O relatório final da Comissão da Verdade sobre os


Acontecimentos do Palácio de Justiça, publicado em 2010, indica
a confirmação de um possível pacto entre Cartel e M-19 para a
tomada do Palácio, ocorrida em novembro de 1985. Em 1979, o
M-19 havia iniciado sequestros dos chefes do tráfico. Como
resposta, os narcos criaram o MAS, Morte aos Sequestradores,
grupo que serviu basicamente para promover assassinatos de
guerrilheiros. Em 1982, o M-19 aceita liberar a irmã de Uchoa.
Dali em diante é que se especula possíveis acordos do M-19 com
o Cartel de Medellín, como indicam os depoimentos de ex-
traficantes colhidos por ocasião da Comissão da Verdade iniciada
em 2008. O acordo entre o M-19 e o Cartel de Medellín pode ter
ocorrido no período entre 1982 e 1985, ou se estendido até depois
disso. A aliança é conjuntural e específica com uma das
organizações armadas de esquerda existentes na Colômbia.
Mesmo após a desmobilização do M-19, em 1989, os narcos,
através do MAS, continuaram perseguindo lideranças do M-19,
tendo assassinado o candidato a presidente Carlos Pizarro
Leóngomez em 1991. Isso depois de o M-19 ter tentado negociar
diretamente com o MAS o fim dos assassinatos. A mesma
trajetória de hostilidade e aproximação entre o Cartel e o M-19
NARCOS e a retórica conservadora na narrativa da guerra às drogas

não se aplica a outras guerrilhas colombianas e aos partidos de


esquerda, que foram sistematicamente combatidas pelos narcos
na década de 1980.
O episódio da espada de Bolívar doada a Escobar parece
fictício. De fato, o M-19 havia assaltado o museu e roubado a
espada, que foi devolvida ao governo em 1989, no processo de
desmobilização. Mas não há qualquer registro histórico que
aponte essa entrega da espada de Bolívar a Pablo Escobar, numa
cena de capitulação em que o líder guerrilheiro se ajoelha diante
do chefe do Cartel de Medellín. Os roteiristas devem ter catado a
ideia na autobiografia do filho de Escobar, em que consta que ele
brincava com a espada de Bolívar quando era criança, donde se
deduz que a espada esteve sob a posse de Escobar. Faltou explicar
como a espada foi parar novamente nas mãos do M-19 para que
o grupo a devolvesse ao museu em 1989.
O exagero da cena está dentro da linha narrativa da série
que busca em vários momentos vincular a imagem do tráfico à
dos guerrilheiros e governos de esquerda na América Latina. A
própria simbologia da espada de Bolívar, à qual o próprio
narrador-personagem faz referência, passa a funcionar como
uma intrusão do passado (a libertação da América Espanhola) e
do futuro (o bolivarianismo propagado por Hugo Chávez na
Venezuela) num contexto do tempo presente diegético do filme,
que simbolicamente “rouba” a espada de Bolívar como signo de
libertação, associando-a ao “maior criminoso” da história recente
da América Latina.
A questão do M-19 não se encerra por aí. A guerrilheira
Elisa, namorada do líder do M-19, fica tão horrorizada com o
acordo entre a guerrilha e Pablo Escobar que resolve desertar do
grupo, buscar proteção com uma colega de trabalho norte-
americana (esposa do agente do DEA, que havia dito à Elisa que
seu marido era chefe de limpeza da Embaixada norte-
americana), denunciar o perigo eminente (que ela ainda não
sabia, mas seria a tomada do Palácio da Justiça) e ainda se
apaixonar pelo outro agente do DEA (no melhor estilo bondgirl).
Quando a colega a confronta por ter mentido ao não dizer que
Diálogos Internacionais: reflexões críticas do mundo contemporâneo

era uma comunista, Elisa responde (sem nem questionar a


mentira da colega de que o marido faxineiro da Embaixada era
agente do DEA): “Eu não sou uma comunista. Eu luto contra as
injustiças, a corrupção, as desigualdades. Eu me apaixonei por
um homem”. Ou seja, a mulher guerrilheira não é comunista, ela
luta contra injustiças, desigualdades (como se isso estivesse em
oposição ao comunismo), mas também não por vontade própria,
mas por ter se apaixonado pelo guerrilheiro. Faltou pouco para o
filme não acusar o M-19 de aliciamento de mulheres vulneráveis.
Mas a benevolência dos americanos é tão grande que os agentes
arriscam a própria reputação (o agente Peña nega ter transado
com a comunista, pois, em suas palavras, seria “antiamericano”) e
o emprego (darem abrigo a uma fugitiva comunista sem
autorização) para proteger a única prova que ligaria Escobar ao
ataque do M-19 no Palácio da Justiça.
O acordo entre Escobar e uma guerrilha socialista e a
carinhosa proteção dos americanos à guerrilheira desertora
devem ser vistas em contraste com o massacre promovido pelos
narcotraficantes e forças paramilitares a eles ligado contra os
militantes de esquerda de diversas organizações durante toda a
década de 1980. A Colômbia estava à beira de se tornar o Chile de
Pinochet, dado o alto grau de repressão política que resultou na
morte de cinco mil militantes de esquerda, incluindo dois
candidatos à presidência, senadores, deputados, sindicalistas,
professores, advogados, jornalistas e toda a sorte de pessoas. Para
a narrativa ficar coerente, o confronto do Cartel de Medellín se
dá unicamente com os candidatos liberais Galán e Gaviria,
apoiados e protegidos pelos norte-americanos enquanto a guerra
suja contra os comunistas prosseguia.

Noriega comprado pela esquerda para traficar cocaína?

A passagem mais nonsense da série ocorre no episódio em


que os agentes do DEA acusam o ditador panamenho Manuel
Noriega de ser narcotraficante. Estamos em 1989, no período que
precede o assassinato do candidato liberal Luiz Carlos Galán. A
NARCOS e a retórica conservadora na narrativa da guerra às drogas

essa altura, Noriega já havia sido descartado pelos norte-


americanos e, apesar dos serviços prestados à CIA, assim como
Saddan Hussein, Bin Laden e Montesinos, deixou de ser caçador
para virar a caça. A acusação de narcotráfico foi a causa belli da
invasão do Panamá em dezembro de 1989, que resultou na prisão
e deportação de Noriega para os EUA. O diálogo entre os agentes
do DEA e da CIA na Colômbia não pode ter acontecido em 1989,
quando Noriega já era formalmente acusado de tráfico de drogas
pelos EUA desde 1988 e isso não seria nenhuma novidade trazida
pelo DEA. Mas tirando esse detalhe, relevado pela necessidade de
condensar o tempo na narrativa cinematográfica, o choque entre
o DEA e a CIA é algo recorrente nessas décadas de 1980 e 1990,
quando a Guerra às Drogas se fundia com as ações de contra-
insurgência. Então quando os agentes do DEA acusam Noriega de
ser traficante, a reação do comandante militar e do agente da CIA
é de surpresa. Afinal, sendo ele um aliado norte-americano,
conclui-se que não era metido com o tráfico. A falácia vem então
na seguinte lógica: Noriega é “meu amigo”, mas se foi pego com
drogas, então é, na verdade, “amigo do meu inimigo”. Para o
espectador desatento que já aceitou todas os absurdos anteriores,
entubar mais essa não é difícil, mesmo com o seguinte diálogo
(Episódio 5, minuto 5:40 a 7:15):

MURPHY (agente do DEA) – Embaixadora, isso é


informação de escuta não oficial. Nós interceptamos uma
conversa entre traficantes.
EMBAIXADORA – O quê? Quais traficantes?
MURPHY - “Parecia Pablo Escobar”
PEÑA (outro agente do DEA) – “Temos quase certeza. Era
difícil saber. A ligação estava ruim. Estavam ligando do Panamá”
EMBAIXADORA - “Do Panamá?” (surpresa)
MURPHY - “Eles [os traficantes] sabem que Galán
[candidato a presidente da Colômbia] vai vencer, sabem que ele
apoia a extradição e não vão ficar parados, esperando serem
mandados de volta aos EUA”
Diálogos Internacionais: reflexões críticas do mundo contemporâneo

PEÑA - “Embaixadora, dizem que Manuel Noriega está


dando refúgio aos traficantes e possivelmente pontos de remessa
para cocaína”.
GENERAL – “Estão transferindo as operações para o
Panamá?” (riso de deboche) “Isso é bobagem, Peña... Desculpe,
Embaixadora. Por um lado, você diz que Escobar está
negociando com comunistas. Agora diz que ele negocia com
Manuel Noriega. Não pode afirmar as duas coisas”.
OWEN (agente da CIA) – “Manuel Noriega nos ajudou a
lutar contra o comunismo em toda a América Latina nas últimas
duas décadas. Considero uma ofensa a tentativa do DEA de sujar
o nome dele”.
Narração do Steve Murphy: “Eu não podia deixar de rir.
Direita, esquerda... Para Manuel Noriega, o importante era o
dinheiro. Quando Bush [pai] era chefe da CIA, Noriega fingia
odiar o comunismo para que os EUA ignorassem o fato de que
ele estava envolvido com o tráfico. Quando Noriega percebeu
que poderia ganhar mais dinheiro transportando drogas com a
ajuda dos comunistas, ele mudou de time. Então, invadimos o
Panamá e prendemos o ‘Cara de Abacaxi’. Mas isso foi só depois
[dezembro de 1989]. Por enquanto, o amigo de confiança e aliado
era um agente da CIA de direita que estava ganhando dinheiro
com Bush e com os traficantes”.

Não dá para deixar de rir mesmo, mas é de chorar. Como


alguém consegue escrever uma narração destas? Não bastasse
desconsiderar a comprovada ligação da CIA com o tráfico de
drogas, denunciada pelo senador John Kerry em 1986, na
triangulação para financiar armas para os Contras (grupos que
lutavam contra a guerrilha sandinista na Nicarágua), o narrador
ainda inverte a acusação, dizendo que Noriega, agente da CIA
durante duas décadas, “transportava drogas com a ajuda dos
comunistas”. Aí o narrador já chega ao ponto de considerar o
Cartel de Medellín como sendo sinônimo de comunistas.
Para ser coerente com a narrativa que busca transcender o
bem e o mal, o roteiro poderia incluir esses dados que
NARCOS e a retórica conservadora na narrativa da guerra às drogas

evidenciam as contradições da guerra às drogas e da contra-


insurgência comandadas pelos EUA na América Latina. Mas não
há transcendência alguma, o bem ou é americano, ou não é o
bem.

O fardo do homem branco

A trajetória do narrador-personagem Steve Murphy é


bastante significativa a respeito da autoimagem que os artífices
da Guerra às Drogas buscam criar.
Uma série televisiva não é feita para o espectador refletir
racionalmente sobre cada fato histórico narrado. O espectador
deve ser capturado pela emoção. Os personagens despertam
empatia do público, empatia cujo radical se origina no grego
pathos, tem a ver com a paixão, ou seja, algo que prende,
comove, mas geralmente também cega – e pode, como no
sentido do termo inglês “pathetic”, nos tornar um tanto patéticos.
Quando pegamos detalhadamente os fatos históricos e suas
inserções na trama de Narcos, numa leitura mais atenta do
roteiro, algumas informações aparecem mais claras, algo que o
ritmo acelerado que conduz o espectador envolvido com o filme
não permite fazer.
Outro fator também contribui para aceitação imediata do
discurso que entremeia a saga do DEA na América Latina: o
narrador-personagem e a maneira como ele é caracterizado.
Steve Murphy é o narrador, e ele fala em nome da visão norte-
americana sobre a Guerra às Drogas, mais até do que a visão do
DEA, que talvez revelasse algumas fissuras mais profundas na
relação entre as agências dos EUA, principalmente no que se
refere ao papel da CIA no tráfico de drogas. Cada palavra do que
diz é dita como verdade. Como ele é bom, logo representa o bem
e diz a verdade. Veja a cena em que ele se apresenta. A narração
diz “Meu nome é Steve Murphy, agente do DEA. Como pode ver,
estou profundamente envolvido na Colômbia”, enquanto aparece
a imagem de Steve abraçando uma criança ao lado de sua esposa.
Compare por exemplo com o narrador-personagem de House of
Diálogos Internacionais: reflexões críticas do mundo contemporâneo

Cards, Frank Underwood. A primeira cena apresenta Frank


matando à sangue frio um cachorro com suas próprias mãos. É a
senha para o espectador entender que se trata de um cara mau e
aceitar sua narração cínica – o que não impede de gostarmos do
protagonista. Já Murphy não migra para Colômbia sem o seu
gatinho de estimação, que por pouco não é retido no aeroporto
pelos malvados burocratas colombianos. Ou seja, o cara é o bem,
toda hora, em todos os sentidos. A cena do gatinho é a mais
apelativa nesse sentido.
Para dar credibilidade à sua narração, Murphy é
apresentado como um sujeito íntegro. Nenhum detalhe permite
ao espectador pensá-lo de forma diferente. Ninguém sente
empatia por uma instituição como o DEA, ou por um Estado,
como os Estados Unidos. Mas o espectador deve sentir empatia
por Steve Murphy, que ali funciona como a correia de
transmissão de valores morais superiores, conectando os atos
mais íntimos do personagem à política externa norte-americana.
O roteirista é de uma fidelidade canina à narrativa da
benevolência norte-americana, comparável àquela que o sicário
Poison dedica a Pablo Escobar.
Steve Murphy não é só o agente do DEA mais íntegro,
incorruptível, inteligente e corajoso, mas é também um cara que
o espectador médio gostaria de apresentar à própria filha, ele é
belo, recatado e do lar. Steve Murphy fica se sentindo mal por ter
atirado e matado um traficante em fuga quando ainda atuava em
Miami. Steve age por um dever maior, enfrentar a cocaína que
invade os EUA, como outrora seu pai fez na II Guerra quando
invadiram Pearl Harbor. Steve salva um bebê que seria morto
por um sicário e o adota. Steve recrimina o policial que tortura.
Até a mulher de Steve é uma santa. Não é cleptomaníaca como a
mulher do também agente da DEA Hank Schrader, de Breaking
Bad. A mulher de Steve vai para a Colômbia trabalhar como
enfermeira num serviço médico para a população pobre. Ela
aceita a adoção da criança encontrada numa favela de Medellín.
Ela protege a guerrilheira desertora.
NARCOS e a retórica conservadora na narrativa da guerra às drogas

Vamos então demonstrar essa construção do agente


Murphy como o mito da benevolência norte-americana. Os EUA
são atacados em seu território, o narrador diz que a cocaína de
Pablo invadiu o país (talvez tenham criado um dispositivo para
obrigarem compulsoriamente os americanos a cheirarem o pó),
que entre 1979 e 1984 foram 3.245 pessoas assassinadas em Miami
(donde se presume que foram todos homicídios causados pelo
tráfico de drogas e, mais ainda, por colombianos). “Os cretinos
pisaram em nossa terra”, diria o pai de Steve sobre Pearl Harbor.
A frase é citada para justificar que a guerra contra a cocaína da
Colômbia era a sua guerra, seu dever. Interessante formulação, o
pai de Steve teve que ir à guerra no Pacífico para defender sua
pátria, Steve teve que ir à Colômbia, pois o consumo de drogas
nos EUA seria o equivalente a uma invasão japonesa.
Então o americano sai do seu conforto para vingar a
violação da qual foi vítima. Ele vai até o quinto dos infernos, que
no caso fica em algum país da América Latina, para cumprir sua
missão. Mas essa defesa dos EUA se transforma num valor a ser
difundido, ele vai também salvar a Colômbia de si mesma.
Porque a guerra às drogas é uma forma de livrar a Colômbia de
sua sina.
Essa narrativa é a reedição do fardo do homem branco,
aquele poema criado na passagem do século XIX para o século
XX para mostrar o quanto é trabalhoso para os heróis homens
brancos civilizados terem que dominar e explorar os malditos
selvagens para o bem dos próprios selvagens, sem nem mesmo
esperar destes um agradecimento pelo ato civilizatório que
representa o exercício do poder imperial. “Tomai o fardo do
Homem Branco - Envia teus melhores filhos / Vão, condenem
seus filhos ao exílio / Para servirem aos seus cativos (...)” Aliás, a
narrativa central da guerra às drogas pressupõe essa atualização
do discurso neocolonial.
Em sua primeira temporada a série já conseguiu uma
indicação para o Globo de Ouro. A caixa de ressonância dos
senhores da guerra às drogas está muito bem avaliada pelos
próprios senhores. A segunda temporada começou em 2 de
Diálogos Internacionais: reflexões críticas do mundo contemporâneo

setembro de 2016, aguardemos o festival de besteira que ainda


teremos que assistir. Mas pior mesmo é ter que assistir ao vivo à
abertura do escritório da DEA no Rio de Janeiro, a convite do
próprio secretário de segurança, dois meses depois da estreia da
série no Netflix e do enorme sucesso obtido no Brasil. Nenhuma
campanha publicitária seria tão eficiente para a DEA quanto a
série Narcos.
Diálogos com a
História Contemporânea
13 ANOS DE BOLSA FAMÍLIA: A
CONTEMPORANEIDADE DA
TRANSFERÊNCIA DE RENDA E
DOS “SISTEMAS DE ABONOS”

Edilson Nunes dos Santos Junior

E
m outubro completaram-se treze anos do Programa Bolsa
Família (PBF). Lançado em 2003 pelo presidente Luís
Inácio Lula da Silva, o programa tem sido responsável pela
inclusão social de famílias que vivem em situação de pobreza e
de extrema pobreza. Com forte inspiração na Speenhamland, ou
“sistemas de abonos”, inglesa de 1795, o PBF é um programa de
transferência de renda para famílias que vivem abaixo da linha
da pobreza. Segundo dados do Ministério do Desenvolvimento
Agrário e Social, somente em outubro deste ano já foram pagos
mais de 20 milhões dos chamados Benefícios Variáveis, ou seja,
“concedido às famílias com renda mensal de até R$ 154,00 per
capita, desde que tenham crianças, adolescentes de até 15 anos,
gestantes e/ou nutrizes”[1].
A data é importante e merece ser comemorada. No
entanto, as perspectivas futuras dos diversos programas sociais
criados nos últimos anos e os avanços conquistados através deles


Publicado em 08/11/2016
13 anos de Bolsa Família: a contemporaneidade da transferência de renda...

merecem atenção. A recente aprovação em dois turnos da


Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 241/2016 na Câmara
dos Deputados (e que tramita no Senado como PEC 55) prevê um
limite de gastos para todos os poderes da União, incluindo
aqueles com saúde, educação e programas de assistência social.
Segundo defende Laura Carvalho, professora de economia da
USP e colunista da Folha de São Paulo, o problema fiscal do país
não reside nas despesas primárias federais, que se mantiveram
estáveis entre 2011 e 2014 e recuaram em 2015. A proposta não
ataca as reais causas do aumento da dívida pública, quais sejam, a
falta de crescimento econômico, a queda da arrecadação
tributária e o pagamento de juros. Para a economista “[...] Trata-
se de um projeto de longo prazo de desmonte do Estado de bem-
estar social brasileiro”.[2]
Este assunto já está sendo profundamente debatido nas
redes sociais e nas mídias de oposição ao atual governo. Portanto,
não aprofundarei a análise das consequências futuras da proposta
para o futuro do Estado de bem-estar social brasileiro. Interessa-
me aqui a reflexão da expansão do discurso neoliberal de classe
média que propiciou uma inflexão que pode ser pensada em dois
eixos: o desvinculação entre a ascensão social e econômica e
programas de transferência de renda por parte daqueles que se
beneficiaram com as conquistas proporcionadas pelas últimas
administrações progressistas e a percepção pela classe média de
que a disponibilidade da mão de obra em diversas categorias
ficou prejudicada por esses programas sociais – e aí estou
falando, principalmente, do PBF, o representante mais famoso e
mais importante dos programas sociais do período Lula-Dilma.
Dessa forma, visitarei os efeitos do “sistema de abonos” inglês no
início do século XIX a partir da análise de Karl Polanyi e daí
tentar traçar um paralelo. Resguardando os devidos processos
históricos, podemos (o autor e os leitores) acrescentar mais um
elemento à análise da atual conjuntura política, social e
econômica[3].
A Speenhamland vigorou de 1795 a 1834 e teria sido
responsável por impedir um mercado de trabalho formal na
Diálogos Internacionais: reflexões críticas do mundo contemporâneo

Inglaterra desse período.[4] O sistema foi proposto por juízes do


condado de Berkshire que decidiram conceder abonos salariais
de acordo com o preço do pão, assegurando, assim, uma renda
mínima aos trabalhadores, independentemente do que
recebessem por pagamento. Segundo os magistrados ingleses,
quando o preço do quilo do pão alcançasse “X” shillings, qualquer
pessoa pobre teria direito a “3X” shillings por semana, fosse por
trabalho, fosse pelo imposto dos pobres.[5] A ideia era que o
indivíduo recebesse uma assistência, mesmo quando estivesse
empregado, se sua renda familiar não alcançasse o que estava
estabelecido na tabela oficial.[6]
Para Polanyi, o sistema de abonos salariais derrubou os
salários a níveis baixíssimos, fazendo com que os trabalhadores
se vissem forçados a recorrer ao sistema. Ao mesmo tempo, a
lógica se inverte, pois os indivíduos reduziam sua capacidade
produtiva uma vez que os valores dos pagamentos caíram
substancialmente e recorriam aos abonos. O biscoito vende mais
porque é fresquinho ou é fresquinho porque vende mais? Criou-
se um círculo vicioso que contribuiu somente para a
pauperização do trabalhador rural e para a conclusão de que os
abonos serviam para a dominação dos latifundiários e
embaraçavam a formação de um mercado de trabalho
estabilizado tanto no campo quanto na cidade.
A Speenhamland foi criada no mesmo ano em que o Act of
Settlement era extinguido. Este decreto, de 1662, determinava que
um “pobre” só podia buscar trabalho dentro da sua própria
paróquia, assim impedindo a migração indiscriminada de
trabalhadores de paróquias mais pobres para paróquias mais
ricas. Isso imobilizou o mercado de trabalho durante muito
tempo, impedindo que os capitalistas ascendentes encontrassem
mão de obra mais barata em outras regiões. De acordo com
Polanyi a contradição estava posta:

[...] o Act of Settlement estava sendo abolido porque a


Revolução Industrial exigia um suprimento nacional
de trabalhadores que poderiam trabalhar em troca de
13 anos de Bolsa Família: a contemporaneidade da transferência de renda...

salários, enquanto a Speenhamland proclamava o


princípio de que nenhum homem precisava temer a
fome porque a paróquia o sustentaria e à sua família,
por menos que ele ganhasse”.[7]

Um dos principais objetivos da Speenhamland foi criar uma


barreira na zona rural contra a onda ascendente dos salários na
cidade. Era preciso impedir a desarticulação dos trabalhadores
no campo, bem como reforçar o poder tradicional, não permitir
o êxodo rural e aumentar os valores pagos sem sobrecarregar os
fazendeiros.[8] No geral, Polanyi assevera que o sistema de
abonos foi eficiente, pois beneficiou os empregados, subsidiando
os empregadores através dos fundos públicos. O resultado final
foi a redução dos salários a níveis inferiores à subsistência.[9]
Em 1834 a Speenhamland foi extinta através Poor Law
Reform, que extinguia o sistema de abonos e qualquer outro tipo
de assistência pública aos trabalhadores. Fruto da nascente classe
média inglesa, a revogação desse sistema tinha como objetivo a
transformação definitiva da sociedade em uma economia de
mercado.[10] A reforma foi posta em prática rapidamente, desde
que começou a ser discutida em 1832 e esse processo teria se
dado pela “profunda convicção de amplos estratos da população,
inclusive os próprios trabalhadores, de que o sistema que
pretendia auxiliá-los, na aparência, estava de fato espoliando-os,
e que o “direito de viver” era uma enfermidade que os levaria à
morte”.[11]
Após um longo período de assistência aos mais pobres, os
ingleses estavam convictos de que o laissez-faire era a última
instância que poderia garantir a sobrevivência dos trabalhadores.
Polanyi identificou na classe média urbana a responsável por um
discurso que abrisse caminho para a liberação da exploração da
mão de obra disponível. A importância do “mercado” também
não passou despercebida por Edward P. Thompson quando
refletiu sobre a teoria de autorregulação do mercado de cereais
proposto por Adam Smith ao analisar os protestos populares
contra o aumento do pão na Inglaterra setecentista. Segundo o
autor, Smith acreditava que “a operação natural da oferta e
Diálogos Internacionais: reflexões críticas do mundo contemporâneo

demanda no mercado livre maximizaria a satisfação de todos os


grupos e estabeleceria o bem comum. O mercado nunca era mais
bem regulado de que quando deixavam que se regulasse por si
mesmo.”[12] Entretanto, para Thompson, o discurso liberal
smithiano era vazio de comprovação real, não havendo como
estabelecer provas que preços altos são formas eficazes de
regular a produção. Afirma, ainda, que a ausência de regulação
do Estado na economia impressiona “menos como um ensaio de
investigação empírica do que um excelente ensaio de lógica que
se autovalida.”[13]
Hoje, com a demonização das políticas públicas de
transferência de renda, presenciamos a força da autorregulação,
do livre mercado e da meritocracia na pauta do discurso da classe
média brasileira, principalmente, em contraposição ao discurso
anteriormente dominante de um Estado desenvolvimentista e
promotor da inclusão social da população em situação precária.
Lá na Inglaterra do XIX, como cá no Brasil do XXI, após
um determinado período de políticas assistenciais, disseminou-se
a certeza de que ao Estado não cabe a proteção extensiva da
população e que cada um é capaz de conquistar e defender seus
direitos num mercado livre e meritocrático. O resultado das
recentes eleições municipais atesta o poder desse senso comum,
potencializado pela mídia doméstica dominante. Para os ingleses,
o desfecho da ausência da proteção estatal para os trabalhadores
foi a destruição das condições mínimas de sobrevivência, como
esclareceu Friedrich Engels em 1844 sobre Londres, ao atestar tal
deterioração afirmando saber “muito bem que por cada homem
que vive esmagado sem piedade pela sociedade, 10 vivem
melhor, mas afirmo que milhares de corajosas e laboriosas
famílias — muito mais corajosas e honradas que todos os ricos de
Londres — se encontram nesta situação indigna de um homem e
que todo o proletário, sem qualquer exceção, sem que a culpa
seja sua e apesar de todos os esforços, pode vir a ter a mesma
sorte”.[14]
Felizmente, cerca de 170 anos nos separam dessa Inglaterra
precária e pré-sindicalista. Os trabalhadores e a população mais
13 anos de Bolsa Família: a contemporaneidade da transferência de renda...

carente têm, hoje, diferentes canais que possibilitam o resguardo


das suas condições mínimas de sobrevivência. No entanto, o
discurso dominante de criminalização da pobreza e das políticas
públicas de transferência de renda e a aversão à ascensão social e
econômica dessa população já mostra indícios de estar bem
pavimentado o caminho em sentido de “flexibilizar” as
conquistas recentes em prol de interesses privados,
“flexibilizando” a qualidade de vida dos trabalhadores e
trabalhadoras brasileiros.
A gente sabe que a História se repete primeiro como
tragédia e depois como farsa. Oxalá escapemos de uma forma ou
da outra.

[1] BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Agrário e Social.


Matriz de Informação Social. Disponível em:
http://aplicacoes.mds.gov.br/sagi-
data/misocial/tabelas/mi_social.php. Acessado em: 29/10/2016.
[2] CARVALHO, Laura. PEC 241 pode prolongar a crise. Folha de
S. Paulo. Disponível em:
http://www1.folha.uol.com.br/colunas/laura-
carvalho/2016/10/1822278-pec-241-pode-prolongar-a-
crise.shtml. Acessado em: 29/10/2016.
[3] Essa proposta pode ser lida em uma perspectiva econômica
na análise proposta em: RIBEIRO, V. C. M.; TEIXEIRA, Daniela.
Política Pública de Transferência de Renda: Uma análise sobre a
Speenhmland e o Programa Bolsa Família. In: V CONGRESSO
EM DESENVOLVIMENTO SOCIAL: Estado, Meio Ambiente e
Desenvolvimento, 2016, Montes Claros. Anais do V Congresso
em Desenvolvimento Social: Estado, Meio Ambiente e
Desenvolvimento, 2016. Disponível em: http://bit.ly/2ftDiyc.
Acessado em: 06/11/2016.
[4] Polanyi, Karl. A grande transformação: as origens de nossa
época. Tradução de Fanny Wrabel. 2ª ed. Rio de Janeiro:
Campus, 2000. p. 99.
[5] Idem. p. 100.
[6] Idem. p. 101.
Diálogos Internacionais: reflexões críticas do mundo contemporâneo

[7] Idem. p. 111-112.


[8] Idem. p. 118.
[9] Idem. p. 121.
[10] Idem. p. 125.
[11] Idem. p. 126.
[12] THOMPSON, E. P. Costumes em Comum: estudos sobre a
cultura popular tradicional. Revisão técnica: Antonio Negro,
Cristina Meneguello, Paulo Fontes. São Paulo: Editora
Companhia das Letras, 1998. p. 161.
[13] Idem. p. 162.
[14] ENGELS, Friedrich. A situação da classe trabalhadora em
Inglaterra. Tradução: Analia C. Torres. Porto: Editora
Afrontamento, 1975. p. 64.

Referências

BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Agrário e Social. Matriz


de Informação Social. Disponível em:
http://aplicacoes.mds.gov.br/sagi-data/misocial/tabelas/mi_
social.php . Acessado em: 29/10/2016.
CARVALHO, Laura. PEC 241 pode prolongar a crise. Folha de S.
Paulo. Disponível em:
http://www1.folha.uol.com.br/colunas/laura-
carvalho/2016/10/1822278-pec-241-pode-prolongar-a-crise.shtml
. Acessado em: 29/10/2016.
ENGELS, Friedrich. A situação da classe trabalhadora em
Inglaterra. Tradução: Analia C. Torres. Porto: Editora
Afrontamento, 1975.
POLANYI, Karl. A grande transformação: as origens de nossa
época. Tradução de Fanny Wrabel. 2ª ed. Rio de Janeiro:
Campus, 2000.
RIBEIRO, V. C. M.; TEIXEIRA, Daniela. Política Pública de
Transferência de Renda: Uma análise sobre a Speenhmland e o
13 anos de Bolsa Família: a contemporaneidade da transferência de renda...

Programa Bolsa Família. In: V CONGRESSO EM


DESENVOLVIMENTO SOCIAL: Estado, Meio Ambiente e
Desenvolvimento, 2016, Montes Claros. Anais do V Congresso
em Desenvolvimento Social: Estado, Meio Ambiente e
Desenvolvimento, 2016. Disponível em: http://bit.ly/2ftDiyc .
Acessado em: 06/11/2016.
THOMPSON, E. P. Costumes em Comum: estudos sobre a
cultura popular tradicional. Revisão técnica: Antonio Negro,
Cristina Meneguello, Paulo Fontes. São Paulo: Editora
Companhia das Letras, 1998.
HÁ MUITO MAIS ENTRE O CÉU E
A TERRA DO QUE POSSA
IMAGINAR NOSSA VÃ POLÍTICA

Suellen Lannes

"É aqui onde começarão nossos problemas se não formos


cuidadosos" Harry Truman, apontando o mapa do Irã,
em 1952

O
início de março foi marcado por declarações
importantes sobre a questão nuclear iraniana. Os cinco
membros permanentes do Conselho de Segurança e a
Alemanha se prontificaram a chegar a um acordo com o governo
de Teerã, com previsão de conclusão para o final de março e
seria seguido por um acordo mais geral até final de junho. Em
linhas gerais, o acordo prevê a autorização do desenvolvimento
de algumas atividades nucleares civis e visa impedir,
definitivamente, o acesso a bomba atômica. Em troca, as sanções
contra o Irã seriam suspensas. Apesar dos esforços, um possível
acordo já apresenta grande oposição impulsionada pelo discurso
do primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu no
Congresso dos Estados Unidos. Independentemente da posição
israelense, ou talvez, por causa dela, um possível acordo se


Publicado em 13/03/2015
Há muito mais entre o céu e a terra do que possa imaginar nossa vã política

apresenta como a melhor, se não a única, saída para um possível


diálogo dos países com o Irã.
A organização administrativa do Irã tem relação direta
com o processo revolucionário que ocorreu ao final da década de
1970. A Revolução iraniana marcou o estabelecimento de uma
nova constituição democrática com algumas características
teocráticas, como a existência de um Conselho de Anciões que
apresentam cargos vitalícios e influência sobre os representantes
dos poderes executivos. Como em qualquer processo político, a
elaboração da Constituição desse novo sistema de governo foi
fortemente influenciada pelo contexto internacional vigente, no
caso, a Guerra Fria.
O advento da Guerra Fria foi marcado pela eclosão das
bombas atômicas em Hiroshima e Nagasaki e o estabelecimento
de uma nova revolução nos assuntos militares. A obtenção de
uma bomba atômica significa a obtenção do que há de mais
moderno e mortífero, chegando próximo a “guerra total” de
Clausewitz. O detentor da bomba atômica teria um poder de
rendição do adversário imprescindível. Essa necessidade por esse
novo artefato guiou diversos Estados e, ao longo do século XX,
alguns países conseguiram participar do seleto grupo de
detentores dessa tecnologia. Assim, a bomba atômica simboliza a
soberania per excellence.
No final do século XIX, início do XX, a Inglaterra começa
um processo de troca da base energética de suas forças armadas
do carvão para o petróleo. Carente desse mineral, a Inglaterra vai
expandir o seu domínio para aquisição desse mineral em outros
Estados e nesse contexto o Irã passa a ter um papel de destaque,
principalmente após a descoberta do campo de petróleo em
Masjed Soleiman. O resultado foi a fundação, em 1909, da Anglo-
Persian Oil Company. Essa empresa foi a primeira a explorar o
petróleo no Oriente Médio e ao mesmo tempo gerará riqueza
para os Xás iranianos, o qual empreenderá um processo forte de
modernização aos moldes ocidentais. Esse contexto vai mudar
com o advento da Segunda Guerra Mundial e a invasão por
soviéticos e ingleses do território do Irã. Os Aliados vão obrigar o
Diálogos Internacionais: reflexões críticas do mundo contemporâneo

Xá Reza Pahlavi a renunciar em prol do seu filho, Mohammad


Reza Pahlavi.
No governo de Mohammad acontecerá uma crise que será
um divisor de águas para a história iraniana, a nacionalização do
petróleo. A grande figura desse movimento será o primeiro-
ministro Mohammad Mossadegh. Nacionalista secular, ele
orquestrará a aprovação do projeto de nacionalização do
petróleo, o que será aprovado pelo parlamento iraniano, em
primeiro de maio de 1951. O resultado dessa medida foi a
exclusão da Anglo-Iranian Oil Company[1] do território iraniano,
onde ela “reinava” desde 1909. A atuação de Mossadegh inspirou
movimentos nacionalistas e acirrou um processo interno de
afirmação da sua soberania por meio do controle de suas
riquezas e território. A resposta ocidental veio no ano seguinte
por meio da Operação Ajax. Em linhas gerais, os Estados Unidos
patrocinaram o general Fazlullah Zahedi, o qual, por meio de
passeatas “populares”, iria depor Mossadegh.
Com a volta de Reza Pahlavi, a Anglo-Iranian volta ao Irã
acompanhada de Shell e outras petrolíferas estadunidenses e o
movimento nacionalista ganha apoio nas mesquitas iranianas,
onde se fortalecerá. A contínua repressão que marcou o governo
de Pahlavi e a dominação crescente das potências ocidentais
levou ao estopim da Revolução de 1979. A chegada do aiatolá
Khomeini, do exílio, a crescente insatisfação popular, o
fortalecimento dos movimentos nacionais pelo mundo, a crise
do petróleo, a Guerra do Vietnã, os conflitos árabes-israelenses
fizeram com que o movimento em prol de mudanças no Irã
tomasse corpo e ganhasse espaço.
O resultado foi a deflagração da Revolução Iraniana em
1979 e a formação de um governo teocrático fortemente
nacionalista. A Constituição iraniana[2] desse momento é um
exemplo desse contexto.
Como observamos previamente, a Guerra Fria foi marcada
pelo advento da bomba atômica e sua relação com a soberania
foi um passo. Esse contexto teve grande reflexo no que virá a ser
a Constituição iraniana. Uma importante característica desse
Há muito mais entre o céu e a terra do que possa imaginar nossa vã política

documento é a preocupação com a consolidação da soberania


iraniana e uma oposição forte a qualquer tipo de hegemonia e
intervenção nos assuntos iranianos. Essas características já se
apresentam no longo preâmbulo, o qual vai identificar os valores
que estão por trás dos princípios constitucionais. Nele, a história
do Irã é apresentada sob a ótica das intervenções de poderes
hegemônicos em sua política interna. Primeiro a Grã-Bretanha,
depois os Estados Unidos, que atuavam por meio da instalação de
governos “fantoches”. Por trás desse cenário estava o interesse
desses poderes no petróleo e gás iraniano e na posição estratégica
do Irã, interligando a Ásia a Europa e tendo o Mar Cáspio ao
norte e o Golfo Pérsico ao sul, importantes rotas para o tráfego
de pessoas e mercadorias. O exemplo desse pensamento reside
em seu terceiro artigo, onde a Constituição apresenta uma
proposta anti-hegemônica. Nele o dever do governo é voltado
para direcionar todos os seus recursos para atingir diversos
objetivos, dentre eles “a completa eliminação do imperialismo e
a prevenção da influência estrangeira”.[3] [Iran Constitution,
Capítulo I, Artigo 3, § 5]
No capítulo X, destinado a política externa, a postura
contrária a formação de hegemonias se torna mais explícita. De
acordo com o artigo 152, a política externa do Irã é baseada na
rejeição de todas as formas de dominação e na preservação da
independência do país e de sua integridade territorial, a defesa
dos direitos de todos os muçulmanos e o não alinhamento aos
superpoderes hegemônicos. O artigo seguinte proíbe que todo
acordo que resulte no controle estrangeiro sobre os recursos
naturais, economia, exército ou cultura do país, assim como
outros aspectos da vida nacional, seja firmado [Iran Constitution,
Capítulo 10, Artigo 153].
Nesse contexto constitucional e externo o domínio sobre
as atividades nucleares se torna imprescindível. A questão
nuclear é algo atrelado a soberania iraniana e respaldado por sua
constituição nacionalista. Ir de encontro a isso é acirrar o debate
e não proporcionar abertura para um diálogo. Compreender a
forma como os iranianos entendem a sua posição no mundo é
Diálogos Internacionais: reflexões críticas do mundo contemporâneo

demonstrar algum interesse nos grandes impasses que envolvem


a questão nuclear iraniana.

[1] Em 1935 a Anglo-Persian muda de nome estimulada pelo


interesse dos governantes iranianos em adotar o nome “Irã” para
o território persa.
[2] A Constituição foi elaborada por uma Assembleia de Notáveis
e tem como características principais o forte cunho religioso,
trazendo à tona a formação de um Estado teocrático. O papel do
presidente foi reduzido, ficando subalterno ao Líder Supremo.
Este cargo, atualmente ocupado por Ali Khamenei, foi criado
para evitar influências seculares e manter a Revolução no
caminho do islamismo. O poder ficou dividido entre legislativo,
executivo e judiciário, mas para cada cargo foi criado outro com
poderes equivalentes, mas controlado por um clérigo. No
Legislativo, os duzentos e setenta membros do parlamento
estavam sujeitos ao poder de veto do Conselho dos Guardiões.
[TRAUMANN, 2010: 10]
[3] Tradução livre do inglês: Article 3: In order to attain the
objectives specified in Article 2, the government of the Islamic Republic
of Iran has the duty of directing all its resources to the following
goals:(...) 5. the complete elimination of imperialism and the prevention
of foreign influence.

Referências

IRAN Constitution. Extraída do site www.salamiran.org, da


Embaixada da República do Irã no Canadá.
TRAUMANN, Andrew Patrick. O Irã entre o Ocidente e a sua
Autoderteminação. Revista de Sociologia e Política, Curitiba, v.
Jun/05, p. 257-260, 2005.
A ÉTICA DOS DIREITOS
HUMANOS E O “ESPÍRITO DE
CARTAGENA”

Julia Monteath de França

Los Zapatos Viejos (Luis Carlos López)

Noble rincón de mis abuelos: nada


como evocar, cruzando callejuelas,
los tiempos de la cruz y la espada,
del ahumado candil y las pajuelas...

Pues ya pasó, ciudad amurallada,


tu edad de folletín... Las carabelas
se fueron para siempre de tu rada...
¡Ya no viene el aceite en botijuelas!

Fuiste heroica en los tiempos coloniales,


cuando tus hijos, águilas caudales,
no eran una caterva de vencejos.

Mas hoy, plena de rancio desaliño,


bien puedes inspirar ese cariño
que uno le tiene a sus zapatos viejos...


Publicado em 14/11/2014
A ética dos Direitos Humanos e o “Espírito de Cartagena”

A
s décadas de 1970 e 1980 foram especialmente duras para
a América Latina e toda sua população, com uma série de
golpes e conflitos em diversos países e, como geralmente
acontece, esses eventos históricos geraram grandes e
significativos fluxos de pessoas procurando a proteção que seus
próprios países não estavam oferecendo.
Conflitos como os da Nicarágua, de El Salvador e da
Guatemala, dentre outros, geraram uma movimentação de mais
de dois milhões de pessoas nessa situação. Destas, no entanto,
apenas 150 mil poderiam ser reconhecidas como refugiadas
propriamente ditas naquele momento, isto é, dentro dos termos
definidos pela Convenção de 1951 Relativa ao Estatuto dos
Refugiados e alargada pelo Protocolo de 1967, a saber: pessoas
que

[...] temendo ser perseguida por motivos de raça,


religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões
políticas, se encontra fora do país de sua nacionalidade
e que não pode ou, em virtude desse temor, não quer
valer-se da proteção desse país, ou que, se não tem
nacionalidade e se encontra fora do país no qual tinha
sua residência habitual” e “não pode ou, devido ao
referido temor, não quer voltar a ele. [art. 1]

Em resposta a este problema, representantes


governamentais e especialistas latino-americanos se reuniram
em Cartagena das Índias para elaborar um documento, assinado
em 22 de novembro de 1984 – há (quase) exatos 30 anos. Este
documento, que ficou conhecido como a Declaração de
Cartagena, foi um marco no que se refere à proteção regional dos
refugiados. Seu principal feito foi o alargamento da interpretação
do conceito de refugiado, ao entender violações generalizadas de
direitos humanos e perturbações de ordem pública como parte
de sua definição. Em termos jurídicos, o documento dá um passo
enorme ao unir as três correntes de proteção internacional: o
Direito Internacional dos Direitos Humanos, o Direito
Internacional Humanitário e o Direito Internacional dos
Diálogos Internacionais: reflexões críticas do mundo contemporâneo

Refugiados. A pedra fundamental de Cartagena, essência de seu


espírito, é a ampliação da proteção e garantia dos direitos
humanos.
Dez anos após o encontro na Colômbia, foi a vez da Costa
Rica receber representantes de países da região no intuito de
reforçar o compromisso do subcontinente com esse tema. Deste
encontro saiu mais um documento de extrema importância
regional, a Declaração de San José sobre Refugiados e Pessoas
Deslocadas. Como já é indicado pelo seu nome, o passo dado
dessa vez foi o de reconhecimento de que as violações em massa
dos direitos humanos é também a principal causa de
deslocamentos internos – problema que até hoje representa uma
grande preocupação para a região. Reconhece-se, assim, mais
uma vez o direito à proteção e segue-se na caminhada em
direção ao fortalecimento dos direitos humanos.
No aniversário de vinte anos da Declaração, mais uma vez
foi realizada uma reunião, dessa vez na Cidade do México, da
qual saiu a Declaração e Plano de Ação do México para Fortalecer
a Proteção Internacional dos Refugiados na América Latina. Mais
uma vez se atualizando e se ajustando aos desafios que se
colocavam à realidade latino americana no início do século XXI.
Este momento foi marcado pela incorporação por todos os países
de mecanismos de proteção internacional dos refugiados,
deslocados internos e apátridas, seja em nível constitucional ou
em suas legislações internas. Esse encontro foi o marco da
construção de projetos que reforçam a tradição de solidariedade
regional: as cidades solidárias, as fronteiras solidárias e os
reassentamentos solidários.
Nas vésperas do trigésimo aniversário da Declaração,
conflitos, graves crises humanitárias, dentre outras formas de
graves violações de direitos continuam a levar milhões de
pessoas à condição de refugiadas e novos padrões desses fluxos já
têm levado a graves crises humanitárias – como é podem
exemplificar os casos do Haiti e da Síria. Novos desafios se
apresentam neste novo momento da realidade latino-americana:
deslocamentos relacionados às mudanças climáticas se às
A ética dos Direitos Humanos e o “Espírito de Cartagena”

questões relacionadas ao desenvolvimento e somam a questões


igualmente relevantes como, por exemplo, a necessidade de se
aprimorar as estratégias de reassentamento e de integração local
bem como de se buscar novas soluções duradouras, o
reconhecimento e exercício da igualdade de direitos, reforçar a
proteção às mulheres e crianças, bem como incorporar a estes
processos a perspectiva LGBTI e de proteção a grupos
vulneráveis específicos.
De maneira geral, os fluxos migratórios que envolvem e
impactam a América Latina e Caribe – sejam aqueles que já
existiam e permanecem, ou os mais recentes que vêm se
apresentando como novos desafios ao subcontinente – vêm se
intensificando e se diversificando. Novas agendas surgem a cada
dia e demandam esforços contínuos de todos os países da região
para dar conta das lacunas de proteção que já existem e que
possam vir a surgir. Neste sentido, soluções deveriam ser
pensadas também em conjunto, como já vem sendo feito a partir
da integração regional. É fundamental que os próximos passos
também tenham como base o “espírito de Cartagena”,
carregando também o caráter inovador e flexível que faz da
Declaração um instrumento de reconhecida efetividade para dar
continuidade ao processo de fortalecimento e garantia dos
direitos humanos.
No próximo mês, os países planejam manter a tradição e se
reunirão, dessa vez em Brasília, para o evento Cartagena +30. O
evento terá como proposta realizar um amplo processo
consultivo nos países da América Latina e Caribe, abrindo espaço
para a participação de todos os atores envolvidos. É necessário
analisar profundamente os desafios que vêm se apresentando à
região no que diz respeito à proteção dos refugiados, deslocados
internos e apátridas. É uma oportunidade singular de consolidar
a região como um espaço humanitário aprofundar e fortalecer o
sistema democrático e de proteção aos direitos humanos. E o
mais importante, esses avanços têm sempre que ser seguidos de
esforços conjuntos para saírem do papel. E que venha a quarta
década!
Diálogos Internacionais: reflexões críticas do mundo contemporâneo

Referência

ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Convenção Relativa


ao Estatuto dos Refugiados, 1951.
ESPAÇOS SOBRE A MEMÓRIA

Julia Monteath de França

N
ação não é tema fácil de se tratar ou mesmo definir.
Consciente ou inconscientemente, a formação da nação
geralmente implica a formulação de um ideário nacional
que precisa ser permanentemente reformulado e adaptado às
vivências e experiências do grupo a que se reporta. Um elemento
fundamental para esta a imagem que a nação faz de si mesma é a
memória nacional, associada à autoimagem dominante em cada
período da história nacional. A noção de memória, que muitas
vezes nos remeta à ideia de lembrança, passa necessariamente
pela construção do esquecimento – esquecimento este que
recorrentemente recai sobre o campo político.
Toda e qualquer sociedade, ao selecionar aquilo que
acredita valer a pena lembrar-se e, ao mesmo tempo, aquilo de
que acredita ser melhor esquecer, estabelece uma relação com
seu passado a partir da qual este se reconstrói e passa a afetar
ativamente o processo de (re)formulação de sua identidade, bem
como as formas de conduta da população. Assim, a construção da
memória coletiva, ou memória social, de certa forma também
influencia a relação da sociedade com o futuro. No entanto, este
processo de construção não pode ser visto como uma repetição
exata do passado, mas sim como uma permanente reconstrução


Publicado em 07/03/2016
Espaços sobre a memória

de experiências vividas que se dá a partir da interação dos atores


sociais envolvidos e que depende de diversos fatores para
acontecer. A criação de uma memória social é uma importante
parte do processo de construção da identidade nacional, é ela que
determina a percepção da política nacional e dos objetivos
políticos a longo prazo e os atores sociais, no seu conjunto,
aprendem com essas recordações (DUSSEL, FINOCCHIO e
GOJMAN, 2006).
Um momento na história das experiências de algumas
nações em que este ponto é facilmente percebido é o da transição
de regimes autoritários para a democracia. Um dos temas mais
importantes neste momento específico, que envolve não apenas
questões políticas, mas também éticas, é o de como lidar com
violações dos direitos humanos cometidas por governos
autoritários. As soluções para este impasse variam de Estado para
Estado: podem ser encontradas na anistia e nos perdões, em
tribunais de conciliação ou, ainda, no julgamento dos acusados e
das instituições estatais envolvidas na repressão.
Deste modo, é crucial entender como a população vai lidar
com a elite do regime anterior, especificamente no que diz
respeito às violações dos direitos humanos cometidas durante
este regime. Neste sentido, é importante perceber, por exemplo,
se a transição resultou da derrubada do regime, como foi o caso
da Argentina, ou se ela foi negociada entre uma elite democrática
e as forças do antigo regime, como no caso da África do Sul [1]. A
partir da relação de força entre os agentes sociais a transição
começa a ganhar forma e a de fato se concretizar. Para perceber
tal mudança, também é necessário analisar em que medida as
políticas de “verdade e justiça” se converteram em elementos
centrais das transições democráticas.
Muitos são os fatores que devem ser levados em
consideração ao se analisar a construção da memória nacional. A
forma com que cada país resolve lidar com o seu passado é
condicionada em grande medida por suas experiências e
memórias de acontecimentos passados, tanto de um passado
recente como de um passado mais longínquo. Além destes,
Diálogos Internacionais: reflexões críticas do mundo contemporâneo

outros elementos também determinam a forma como as novas


democracias enfrentam seus passados autoritários e, mais
concretamente, as violações de direitos humanos como, por
exemplo, o contexto internacional em que a transição se insere. É
justamente por ser tão peculiar de um país tais experiências que
cada qual acha sua própria solução, sendo a transição
característica de cada sociedade.
Tanto a Argentina quanto a África do Sul possuem
características históricas e sociais bastante distintas, o que levou a
processos também distintos de transição. Mas, em ambos os
casos, a forma como esta construção é feita, influencia
diretamente na forma como a democracia vai ser construída em
cada país. Da mesma forma, ela também determina o processo
de construção de identidade nacional que, por sua vez, influencia
diretamente a forma como a sociedade vai lidar com política
nacional no futuro. Por isso é de fundamental importância se
pensar na memória nacional de uma sociedade e na maneira
como ela foi construída para se entender a relação deste povo
com seu passado e com seu presente, bem como as suas relações
políticas presentes e futuras. Neste sentido, pensar em “transição”
e “democratização” é importante para entender como se
constituem as diferentes tentativas de dar sentido ao passado a
partir do presente, reelaborando-o constantemente, com uma
inevitável projeção para o futuro.
Nestes casos, é justamente por ser uma situação de
mudança, de ruptura com seu passado, que a sociedade se vê
obrigada a lidar com a realidade autoritária do momento
anterior de modo que esta possa auxiliar na construção de um
novo regime, um regime democrático. No entanto, não devemos
esquecer, a memória social é construída todo dia e não é
exclusivo de novas democracias.

[1] Os exemplos da Argentina e da África do Sul são aqui


mencionados por representarem duas formas distintas de lidar
com a memória de um passado autoritário e repressivo na
Espaços sobre a memória

transição para um regime democrático. Tanto em um quanto no


outro caso, apesar de servir a propósitos diferentes, a verdade é
tida como uma condição fundamental para a transição política.

Referência

DUSSEL, I.; FINOCCHIO, S.; GOJMAN, S. Haciendo memoria


en el país de nunca más. 2ª ed. Buenos Aires: Eudeba, 2006.
SOBRE OS AUTORES

ORGANIZADORES

Glauber Cardoso Carvalho. Doutorando em Economia Política


Internacional (PEPI/IE) na Universidade Federal do Rio de
Janeiro (UFRJ). Mestre em Economia Política Internacional
(UFRJ-2013). Graduado em Relações Internacionais (2005).
Possui especialização em Comércio Exterior (2007), com
extensão em Didática do Ensino Superior, e em Análise
Internacional (2010). É um dos coordenadores do Blog Diálogos
Internacionais e membro do Grupo de Pesquisa/CNPq
Integração Sul: Autonomia e Desenvolvimento (UFRJ), assim
como do GT sobre Desenvolvimento Regional e Atores Sociais,
do Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais (CLACSO)
(2016-2019). Atualmente é coordenador executivo do Centro
Internacional Celso Furtado de Políticas para o Desenvolvimento
– CICEF, onde trabalha desde 2006. Tem experiência nas áreas
de Integração Regional, Organizações Internacionais, Política
Externa Brasileira e Comércio Exterior.

Larissa Rosevics. Professora de Relações Internacionais. Doutora


em Economia Política Internacional pela Universidade Federal
do Rio de Janeiro. Possui graduação em Relações Internacionais
(2005) pela UniCuritiba e mestrado em Sociologia (2009) pela
Universidade Federal do Paraná. É uma das coordenadoras do
Blog Diálogos Internacionais. Desenvolve pesquisas sobre:
política externa brasileira contemporânea; integração regional;
economia política internacional; e segurança e defesa. É membro
do Grupo de Pesquisa "Integração Sul: autonomia e
desenvolvimento", na linha de pesquisa: "Produção do
Conhecimento, Ciência & Tecnologias".
Sobre os autores

AUTORES

André Saboya. Pesquisador bolsista na ENSP-Fiocruz, mestre em


Economia Política Internacional pela UFRJ e bacharel em
Relações Internacionais pela PUC-Rio.

Bernardo Salgado Rodrigues. Doutorando em Economia Política


Internacional pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, UFRJ-
PEPI. Mestre em Economia Política Internacional pela
Universidade Federal do Rio de Janeiro, UFRJ-PEPI (2015). Possui
graduação em Ciências Econômicas pela Faculdade de Ciências
Econômicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, UERJ-
FCE (2015). Possui graduação em Ciências Sociais pelo Instituto
de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de
Janeiro, UFRJ-IFCS (2012). É autor do livro Geopolítica dos
recursos naturais estratégicos sul-americanos (2016). Atualmente
é integrante do Laboratório de Estudos de Hegemonia e
Contrahegemonia (LEHC-UFRJ) e membro do Grupo de
Trabalho de Integración y Unidad Latinoamericana y Caribeña
do CLACSO (Conselho Latino-americano de Ciências Sociais).

Edilson Nunes dos Santos Junior. Doutorando em História


Social pelo Programa de Pós-Graduação em História da
Universidade Federal Fluminense. Mestre em História Social e
Especialista em História do Rio de Janeiro pelo mesmo
programa. Possui licenciatura em História pela Universidade
Estácio de Sá. Desenvolve pesquisa sobre navegação e os
trabalhadores remadores, barqueiros e marinheiros do litoral do
Rio de Janeiro, suas relações de trabalho, bem como o
entrelaçamento de negros, pardos e brancos; escravizados,
libertos e livres. Tem experiência na área de História, com ênfase
em História do Rio de Janeiro e História do Brasil Império no
longo Oitocentos. Primeiro lugar no Concurso de Monografia
Arquivo da Cidade/Prêmio Afonso Carlos Marques dos Santos,
Diálogos Internacionais: reflexões críticas do mundo contemporâneo

do Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro. É associado da


Sociedade Brasileira de Estudos dos Oitocentos (SEO) e
pesquisador do Núcleo de Estudos de Migrações, Identidades e
Cidadania (NEMIC) e do Centro de Estudos do Oitocentos,
ambos da Universidade Federal Fluminense.

Hélio Caetano Farias. Doutor em Economia Política


Internacional pelo Programa de Pós Graduação em Economia
Política Internacional (PEPI) do Instituto de Economia da
Universidade Federal do Rio de Janeiro (IE/UFRJ). Mestre em
Geografia (2008) pela Universidade Estadual de Campinas
(UNICAMP) e graduado em Geografia, bacharelado (2005) e
licenciatura (2005), pela mesma universidade. Professor do curso
de Relações Internacionais do Centro Universitário La Salle-RJ.
Tem interesse de pesquisa nas áreas de Economia Política
Internacional, Geopolítica, Geografia Política e Geografia
Econômica, com ênfase nas seguintes temáticas: Geopolítica do
Desenvolvimento, Sistema Interestatal Capitalista, Cooperação
Sul-Sul e Relações Brasil-África.

Ingrid Sarti. Professora da Universidade Federal do Rio de


Janeiro no Programa de Pós-graduação em Economia Política
Internacional - PEPI e no departamento de Ciência Política do
Instituto de Filosofia e Ciências Sociais - IFCS. Presidente do
Fórum Universitário Mercosul - FoMerco (2011-2015) e
professora visitante no Instituto Mercosul de Estudos Avançados
- IMEA da Universidade Federal da Integração da América Latina
- Unila, de cuja Comissão de Implantação fez parte (2008-2010).
Atualmente coordena o Grupo de Pesquisa CNPq - Integração
Sul: Autonomia e Desenvolvimento - e participa das seguintes
redes e Grupos de Pesquisa: Grupo de Reflexão de Relações
Internacionais - GR-RI; CIELO Laboral (Work Research and
Studies Community); Grupo de Trabalho Clacso - Geopolítica,
Sistema Global e Integração Regional; Rede Celso Furtado -
Sobre os autores

Comunicação, Cultura e Desenvolvimento – ComCEDE- e


Laboratório de Estudos de Mídia e Relações Internacionais -
LEMRI/UFRJ. Foi colaboradora da Sociedade Brasileira para o
Progresso da Ciência - SBPC (2003-2007) e membro do
Conselho Latino-americano de Ciências Sociais - Clacso (Comitê
Diretivo 2010-2012). Áreas de pesquisa: política externa
brasileira; integração regional da América do Sul; cooperação Sul
teoria política. Doutora (Iuperj) e Mestre em Ciência Política
(Universidade de São Paulo e (Stanford University), bacharel em
Ciências Sociais (Universidade de São Paulo). Publicou artigos
sobre teoria política moderna e sobre o processo de integração
Sul no século XXI. Dentre os livros, “Por uma integração
ampliada da América do Sul no Século XXI” (org.), “Da outra
margem do rio: os partidos políticos em busca da utopia”, “Porto
Vermelho, estudo sobre os estivadores no porto de Santos” e
“Comunicação e dependência: um equívoco”.

Julia Monteath de França. Bacharelado e licenciatura em


Ciências Sociais (2009 e 2010, respectivamente) e mestrado em
Economia Política Internacional (2013) pela Universidade Federal
do Rio de Janeiro. Pesquisadora colaboradora do Laboratório de
Direitos Humanos da UFRJ (LADIH/UFRJ). Atuou como
pesquisadora do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas
(IPEA), no projeto "Acompanhamento e análise da política de
imigração no Brasil" e como Gerente de Projeto no Gabinete da
Subsecretaria de Ações Estratégicas da Secretaria de Assuntos
Estratégicos da Presidência da República (SAE/PR), entre abril de
2014 e dezembro de 2015.

Leonardo Granato.
Possui graduação em Direito pela
Universidad de Belgrano (Argentina), mestrado em Direito da
Integração Econômica pela Universidad del Salvador (Argentina)
e pela Université Paris 1 Panthéon-Sorbonne (França) e
doutorado em Economia Política Internacional pela
Diálogos Internacionais: reflexões críticas do mundo contemporâneo

Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Professor adjunto


do Departamento de Ciências Administrativas da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e coordenador do Grupo
de Pesquisa/CNPq Núcleo de Estudos Políticos e Administrativos
(NEPA). Realizou estágio de pós-doutorado junto ao Programa de
Pós-Graduação em Direito e ao Centro Integrado de Estudos e
Pesquisas em Políticas Públicas da Universidade de Santa Cruz
do Sul (UNISC). Colaborador dos Grupos de Pesquisa/CNPq
Integração Sul: autonomia e desenvolvimento (UFRJ) e
Geopolítica e Mercosul: a Integração Regional no Sistema-
Mundo Contemporâneo (UFPel). Membro do GT sobre
Desenvolvimento Regional e Atores Sociais, do Conselho Latino-
Americano de Ciências Sociais (CLACSO) (2016-2019), e do GT
sobre Desafios Teóricos da Integração Regional, do Fórum
Universitário Mercosul (FoMerco) (2016-). Docente convidado da
Área de Estado e Políticas Públicas da Faculdade Latino-
Americana de Ciências Sociais (FLACSO), Sede Argentina. Atua
principalmente nos seguintes temas: instituições políticas,
estratégias de desenvolvimento e políticas públicas, integração
regional e sistema internacional.

Licio Caetano do Rego Monteiro. Professor Adjunto de


Geografia Humana da Universidade Federal Fluminense /
Instituto de Educação de Angra dos Reis (IEAR). Possui
Graduação, Mestrado e Doutorado em Geografia pela
Universidade Federal do Rio de Janeiro. É membro do Grupo
Retis/UFRJ, onde foi bolsista de iniciação científica (2005-2006)
e desenvolveu pesquisa de mestrado (2007-2009) e doutorado
(2009-2013), sob orientação da Profa. Lia Osorio Machado.
Atualmente pesquisa os temas: limites e fronteiras internacionais
na América do Sul; zona de fronteira Brasil-Colômbia; geografia
política e geopolítica; integração e segurança na América do Sul.
Atuou entre 2012 e 2014 como pesquisador do Diagnóstico
Socioeconômico e Demográfico da Faixa de Fronteira, no
Sobre os autores

projeto Pesquisa sobre Segurança Pública nas Fronteira


(SENASP/NECVU/Retis).

Luiza Bizzo Affonso. Possui graduação em Relações


Internacionais pelo Grupo Ibmec-RJ (2010). Fez Mestrado em
Relações Internacionais no Programa de Pós-Graduação em
Relações Internacionais da UERJ (2015). Atualmente é professora
da Universidade Católica de Petrópolis (UCP). Tem experiência
na área de Ciência Política e Relações Internacionais, com ênfase
em Teoria das Relações Internacionais, Política Externa,
Integração Internacional, Conflito, Guerra e Paz.

Luiz Felipe Brandao Osorio. Atualmente é Professor Adjunto de


Direito e Relações Internacionais, com ênfase em Organizações
Internacionais e Processos de Integração Regional na
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. Pesquisador
vinculado ao Laboratório de Direitos Humanos da Universidade
Federal do Rio de Janeiro (LADIH/UFRJ) e ao Grupo de Pesquisa
Teoria Crítica dos Direitos Humanos (CNPq). Pós-Doutor em
Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana
Mackenzie. Doutor em Economia Política Internacional pela
Universidade Federal do Rio de Janeiro- UFRJ (2015). Mestre em
Economia Política Internacional pela Universidade Federal do
Rio de Janeiro- UFRJ (2011). Possui graduação em Direito pela
Universidade Federal de Juiz de Fora- UFJF (2008). Advogado.
Tem experiência nas áreas de Direito e de Relações
Internacionais e Direito e Economia Política. Atua em pesquisas
relacionadas aos seguintes temas: Direito Internacional Público,
Direitos Humanos, Teoria do Direito, Instituições Jurídicas,
Direito da Integração, Teoria das Organizações Internacionais,
Política Internacional, Economia Política e Direito, e Economia
Política Internacional.
Diálogos Internacionais: reflexões críticas do mundo contemporâneo

Marcelo de Moura Carneiro Campello. Bacharel e Licenciado


em Geografia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro
(2009), Especialista em Engenharia Sanitária e Ambiental pela
ENSP/FIOCRUZ (2011), Mestre em Economia Política
Internacional pelo PEPI/IE/UFRJ e doutorando pelo mesmo
programa. Durante a graduação foi bolsista PIBIC/CNPq do
Laboratório de Gestão do Território (LAGET) do Departamento
de Geografia da UFRJ. Foi bolsista de Apoio Técnico CNPq do
LAGET/UFRJ e orientando da Professora Emérita Bertha
Koiffmann Becker (In Memoriam) durante sete anos,
participando de projetos científicos voltados para a Amazônia
brasileira. É professor e coordenador do Setor Curricular de
Geografia do Colégio de Aplicação da UFRJ em regime de
dedicação exclusiva, atuando em projetos voltados para a
Geografia Política, Economia Política Internacional, Geopolítica
e Ensino de Geografia.

Mônica Leite Lessa. Graduação em História pela Universidade


Federal Fluminense (1983), mestrado (1991) e doutorado em
História do Mundo Contemporâneo pela Université de Paris X
(1997). Professora Associada do Departamento de Relações
Internacionais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro
(UERJ). Área de atuação: Relações Internacionais. Professora dos
Programas de Pós-Graduação em História (1999-2013) e de
Relações Internacionais (2009). Principais temas de pesquisa:
Política Internacional, História das Relações Internacionais,
Cultura e comunicação nas relações internacionais. Atuou como
coordenadora-adjunta do Programa de Pós-Graduação em
História (2001-2004), participou da elaboração de projeto e da
implantação do Doutorado em História na UERJ (2003) tendo
sido Coordenadora-geral do Programa entre 2004-2006.
Coordenadora do Curso de Especialização em História das
Relações Internacionais de agosto de 2009 a 2011, reeleita para os
biênios de 2011-2013 e 2013-2015. Eleita coordenadora do
Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais para o
Sobre os autores

biênio de 2015-2016. Procientista desde 2002. Professora-


visitante da Université Paris II (2006).

Patrícia Nasser de Carvalho. Graduada em Ciências Econômicas


pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Mestre em
Relações Internacionais pela Universidade Federal Fluminense
(UFF). Doutora em Economia Política Internacional pela
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Atualmente é
Professora Adjunta da Faculdade de Ciências Econômicas (FACE)
da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Tem interesse
e experiência nas seguintes áreas: Economia Política
Internacional, Comércio Internacional e Integração Regional
com ênfase em Integração Regional Europeia.

Ricardo Zortéa Vieira. Doutor e mestre em Economia Política


Internacional pela UFRJ. Trabalha com a perspectiva do poder
global e outras associadas à visão histórica e integrada da
dinâmica macrossocial e do sistema internacional. Tem como
foco a relação de longo prazo entre rivalidades e alinhamentos
interestatais, a geopolítica, a guerra e a preparação para a guerra
com os processos internos de centralização política e
desenvolvimento econômico, bem como a trajetória de inserção
externa dos países. Conduz pesquisa sobre essas relações no Cone
Sul no século XX, e especialmente o caso do
“Desenvolvimentismo” Brasileiro. Membro do grupo de pesquisa
poder global e geopolítica do capitalismo. Áreas de Atuação:
Economia Política Internacional; Macrossociologia Histórica;
Teoria das Relações Internacionais; Geopolítica;
Desenvolvimento Econômico; Política Internacional; Política
Externa Brasileira; Política Brasileira Contemporânea; Economia
Brasileira Contemporânea.
Diálogos Internacionais: reflexões críticas do mundo contemporâneo

Suellen Borges de Lannes. Possui bacharelado em Ciências


Sociais, licenciatura em Sociologia pela Universidade Federal do
Rio de Janeiro, mestrado em Ciência Política pela Universidade
Federal Fluminense na área de defesa e política externa e
doutora em Economia Política Internacional pelo Programa de
Pós-Graduação em Economia Política Internacional (PEPI / IE)
na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Realizou Pós-
Doutorado em Relações Internacionais na Universidade Federal
de Santa Catarina. Tem experiências nas áreas de História
Militar, Direito Internacional Humanitário e Teoria Política e de
Relações Internacionais.

Thauan dos Santos. Professor da graduação do Instituto de


Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica do
Rio de Janeiro (IRI/PUC-Rio), é pesquisador do Consejo Latino-
Americano de Ciencias Sociales (CLACSO), do Centro de Estudos
Integrados sobre Meio Ambiente e Mudanças Climáticas
(CentroClima/COPPE/UFRJ) e do Laboratório de Estudos
Estratégicos e Institucionais (LEEI/UFRJ). Atualmente, faz
doutorado em Planejamento Energético do Instituto Alberto Luiz
Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia
(PPE/COPPE/UFRJ) com bolsa da Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), é mestre
em Relações Internacionais (IRI/PUC-Rio) e bacharel em
Ciências Econômicas (IE/UFRJ). Possui extensão acadêmica pela
Faculdade de Economia da Universidade do Porto (FEP),
Portugal, com bolsa Euro Brazilian Windows II (Erasmus
Mundus Programme), e apresenta especial interesse pelas áreas
de Integração Regional, Segurança Energética e
Desenvolvimento Sustentável. Pesquisa os Objetivos do
Desenvolvimento Sustentável (SDGs), tendo participado e falado
em diferentes eventos na Organização das Nações Unidas (ONU),
NY-EUA. É atualmente membro da Red Iberoamericana de
Cooperación Internacional, da Unión Iberoamericana de
Sobre os autores

Municipalistas (UIM), Espanha, revisor da Revista Wolfius


(IE/UFRJ) e da Revista Contexto Internacional (IRI/PUC-Rio).

Túlio Sene. Doutor em Economia Política Internacional pela


Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Possui graduação
em Ciências Sociais, com habilitação em Sociologia e Política,
pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP).
Atualmente é professor substituto no curso de Bacharelado em
Relações Internacionais da Universidade Federal de Uberlândia
(UFU), onde pesquisa as relações internacionais de poder e o
sistema interestatal, com ênfase nos desafios e limites do
intercâmbio global de ciência e tecnologia. Em 2013/14 foi
pesquisador visitante na Universidade de Columbia em Nova
Iorque e, no último trimestre de 2012, completou, com êxito, o
Programa de Capacitação Acadêmica e Pesquisa da Missão
Permanente do Brasil junto às Nações Unidas, também na cidade
de Nova Iorque. Completou ainda, em 2010, o Programa
Avançado para Repensar a Macroeconomia e o Desenvolvimento
Latino Americano (LAPORDE), oferecido pela Escola de
Economia da Fundação Getúlio Vargas em São Paulo (EESP-
FGV). Foi indicado duas vezes, no mestrado e no doutorado, para
receber a Bolsa Nota 10 da Fundação de Amparo à Pesquisa do
Estado do Rio de Janeiro, concedida apenas a alunos de pós-
graduação stricto sensu com destacado desempenho acadêmico.
Foi professor no Centro Universitário do Sul de Minas e
coordenador do Polo Varginha de Educação a Distância da
Universidade de Franca.

Victor Tibau. Mestre em Relações Internacionais (IRI-USP).


Possui graduação em Relações Internacionais pela Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo (2012).
Diálogos Internacionais: reflexões críticas do mundo contemporâneo

Williams Gonçalves. Graduou-se em História pela Universidade


Federal Fluminense-UFF (1978), tornou-se Mestre em Filosofia
pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro-PUC/RJ
(1984) e Doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo-
USP (1994). Atualmente é Professor Associado da Universidade
do Estado do Rio de Janeiro-UERJ, Professor do Curso de
Doutorado em Relações Internacionais da Universidad Nacional
de Rosario-UNR (Argentina), Professor Convidado do Instituto
Coppead de Administração (MBA em Gestão Internacional) da
Universidade Federal do Rio de Janeiro-UFRJ, e aposentado
como Professor Associado da Universidade Federal Fluminense-
UFF. Tem experiência na área de História, com ênfase em
História das Relações Internacionais, e Política Externa do Brasil,
atuando principalmente nos seguintes temas: Brasil, Estados
Unidos, América do Sul, Política Externa Brasileira e Relações
Internacionais. É Pesquisador-CAPES.
Livro produzido com fontes

Cambria (títulos), Libre Baskerville (corpo) e

Tw Cen MT (cab. e rod).

Formato 17 x 24 cm.
A iniciativa Diálogos Internacionais surgiu
para discutir temas da atualidade e da história,
com foco na cena internacional, na política, na
economia e na sociedade. Nossa motivação
inicial foi o debate, o exercício da escrita, da
reflexão e da crítica. Nosso objetivo não foi ser
estritamente acadêmico, mas compartilhar
opiniões, pesquisas e experiências, dados e
informações.
A palavra sempre esteve aberta a quem
estivesse disposto a dialogar. A palavra
continuará aberta. Com a consolidação do
livro, pretendemos atingir um público maior.
O nosso desejo é continuar mobilizando,
dividindo, compartilhando e multiplicando as
ideias e o conhecimento.

www.dialogosinternacionais.com.br

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