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GT 25 – Políticas Públicas
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Mestre em Ciência Política pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). E-mail
guiqstein@yahoo.com.br
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Professor do Departamento de Ciência Política da UFRGS. E-mail alfredogugliano@hotmail.com
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Introdução
Para responder essas questões, são apresentados três estudos de caso de arenas
de interlocução entre governo, empresários e trabalhadores, as quais estiveram direta ou
indiretamente ligadas à estrutura de governança das referidas políticas industriais. São
elas o Conselho Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social da Presidência da
República (CDES), o Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial (CNDI) e os
Conselhos de Competitividade do Plano Brasil Maior (CCPBM). Para analisar cada
caso sob os mesmos critérios, foram construídos indicadores qualitativos, os quais
possibilitam observar a constituição das capacidades políticas nesses espaços
governamentais. Operacionalizou-se o estudo buscando os dados necessários para
avaliação de cada indicador a partir da observação das características institucionais, das
dinâmicas das reuniões, da participação e das falas dos agentes, dos temas debatidos,
das proposições de políticas públicas e da forma como essas proposições foram
incorporadas às políticas industriais. Para tanto, utilizou-se como fonte de pesquisa
documentos de apresentação e relatórios de avaliação das políticas industriais, leis
referentes à gestão e à execução das políticas industriais e atas de reuniões dos referidos
conselhos, todos disponíveis publicamente em sites governamentais ou acessados pelo
portal de transparência do Governo Federal. Quando possível, quantificou-se os dados,
principalmente aqueles sobre a participação dos agentes nos conselhos. Utilizou-se,
também, ampla revisão bibliográfica e consulta a documentos de órgãos de classe. Outra
fonte importante de informações foram entrevistas e artigos publicados na imprensa por
agentes-chave.
Na prática, a PITCE esteve em vigor até o ano de 2008 e, no seu escopo, uma
série de ações foram executadas. Nesse período, destacam-se avanços em aspectos
regulatórios, de alcance abrangente, que objetivavam simplificar processos burocráticos
e tributários - como a Lei Geral de Micro e Pequenas Empresas - assim como
possibilitar novas modalidades de relações entre universidades, fundos governamentais
e empresas privadas, o que foi o caso, por exemplo, da Lei da Inovação. Também,
reestruturou-se a Agência Brasileira de Promoção de Exportações e criou-se a Agência
Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI). Voltadas para setores mais
específicos, destacam-se ações como a desoneração fiscal para aquisição de bens de
capital, a desoneração fiscal para empresas exportadoras de software e a elevação no
aporte de recursos no Programa Brasileiro de Atividades Espaciais e no Programa
Brasileiro de Atividades Nucleares (SUZIGAN; FURTADO, 2006; SALERNO;
DAHER, 2006; CALZOLAIO, 2011; CALZOLAIO, 2015; CANO; SILVA, 2010;
KUPFER, 2004; DE TONI, 2013; DE TONI, 2015; CUNHA; PERFEITO; PERGHER,
2014; QUEIROZ-STEIN, 2016).
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seja, são meios necessários para constituir capacidades políticas em espaços formais de
interlocução entre governo, empresários e trabalhadores, em sistemas democráticos, sob
o ponto de vista da formulação e execução de uma política industrial. O segundo tipo
são três indicadores que avaliam os objetivos das deliberações que, quando alcançados,
expressam a própria realização dessas capacidades.
Por fim, o terceiro indicador que diz respeito aos objetivos da deliberação é o de
se verificar a efetividade das deliberações no sentido de tornarem-se diretrizes ou
medidas concretas de política industrial. A capacidade política se concretiza quando o
fluxo informacional e a coordenação de interesses são incorporados nas políticas,
resultando em ações que podem ser observadas pela criação de novos instrumentos,
novas agências ou regulamentações legais (HERZBERG; WRIGHT, 2005;
SCHNEIDER, 2013).
O CDES foi criado ainda nos primeiros meses em que Luiz Inácio Lula da Silva
assumiu a presidência do Brasil, no ano de 2003. O objetivo de sua criação era
constituir um espaço direto de interlocução entre o Presidente da República, Ministros
de Estado e representantes da sociedade civil. Formalmente, sua função na estrutura
governamental era a de aconselhar a Presidência da República no que diz respeito a
políticas e diretrizes de desenvolvimento social e econômico de longo prazo, assim
como apresentar proposições normativas e recomendações sobre reformas e políticas
públicas que seriam implementadas pelo novo governo. Para tanto, buscou-se
consolidar uma lógica de funcionamento pautada na busca pelo consenso, em que cada
deliberação do conselho era classificada como consensual; recomendada pela maioria
ou sugerida por uma minoria. Desse conselho, participavam 96 representantes da
sociedade civil e 18 ministros de Estado3. Não raro, o próprio presidente da República
se fazia presente nas reuniões. Dessa maneira, a participação de altos escalões
governamentais era marcante, fato que pode ser verificado ao longo de toda a existência
do CDES. Os representantes da sociedade civil eram líderes de destaque em seus
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Incluindo 17 ministros, além do secretário executivo que era o Ministro Chefe da Secretaria de Relações
Institucionais, a saber: Ministros do Trabalho e Emprego; Casa Civil; Comunicação Social; Meio
Ambiente; Políticas de Promoção da Igualdade Racial; Direitos Humanos; Assuntos Estratégicos da
Presidência da República; Relações Exteriores; Políticas para as Mulheres; Secretaria Geral da
Presidência; Ministério da Fazenda; Secretaria de Relações Institucionais; Gabinete de Segurança
Institucional; Pesca e Aquicultura; Planejamento, Orçamento e Gestão; Desenvolvimento Social e
Presidente do Banco Central (SANTOS, 2012, p.27). Em 2011, o Ministro de Estado Chefe da Secretaria
de Assuntos Estratégicos passa a ser o secretário executivo do CDES. Na composição de 2014, seriam
listados 24 conselheiros representando o Governo e 96 representantes da sociedade civil; nesse ano, o
cargo de secretário executivo seria ocupado pelo Ministro Chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante.
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CDES, abrindo maior espaço para negociação (FLEURY, 2006). Isso se refletiu no
processo de elaboração da chamada Agenda Nacional de Desenvolvimento (AND),
durante os anos de 2004 e 2005 (BRASIL, 2010).
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O Plano Plurianual é um instrumento de planejamento governamental, exigido pela Constituição
Brasileira, em que cada governo deve estabelecer diretrizes, objetivos e metas de políticas públicas para
os três anos subsequente.
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O Programa de Aceleração do Crescimento foi um amplo conjunto de investimentos coordenados em
infraestrutura, lançado pelo Governo Federal no ano de 2007. Após a crise de 2008, tornou-se o principal
instrumento de política econômica anticíclica.
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econômica mundial que trazia riscos não desprezáveis para a economia brasileira. Nesse
período, a adesão governamental ao CDES fica expressa pelo governo buscar nesse
conselho a construção de bases de legitimidade para as políticas anticíclicas que seriam
executadas como resposta à crise internacional. O conselho foi mobilizado e os
representantes da sociedade civil também aderiram formulando uma série de
proposições em relação às políticas que seriam realizadas. Isso fica visível na elevação
do número de reuniões de pleno realizadas em 2009 (Gráfico 1).
4 Reuniões de Pleno
(Ordinárias e
Extraordinárias)
3
0
2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014
Novo Ciclo de Desenvolvimento” (ANC). Como 2010 foi o último ano de Lula na
Presidência da República, as proposições da ANC só foram incorporadas nas políticas
elaboradas no governo Dilma Rousseff. Uma das políticas em que essa incorporação
ficou mais clara foi no Plano Brasil Maior, lançado em 2011, o qual teve suas metas
formuladas com base nas diretrizes da ANC.
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Uma das causas da baixa participação dos ministros é o constante rearranjo de coalização para garantir
apoio no legislativo, o que implica em constantes trocas de indicações ministeriais. Por exemplo, somente
pelo Ministério de Minas e Energia, entre 2003 e 2007, passaram quatro ministros diferentes. Assim, com
exceção dos seis ministros anteriormente citados, os quais participaram em mais de 50% das reuniões,
observou-se a presença em reuniões de mais 20 pessoas que ocuparam o cargo de ministro ou ministro-
interino e, assim, possuíam assento no CNDI, mas que não frequentaram mais do 41,67% das reuniões.
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entre si, favorecia ao controle direto das relações entre governo e capital pelos
trabalhadores.
Assim, pode ser afirmado que as relações diretas entre governo e sociedade civil,
em uma arena pública e institucionalizada, contando com a presença de atores
heterogêneos, favorecia o controle social sobre a política industrial, evitando a captura
por interesses particulares. Contudo, é preciso ressaltar que o CNDI não apresentava
veículos de comunicação e difusão de informações para um público mais amplo. Por
exemplo, ao contrário do CDES, não possuía um site na web em que os cidadãos
pudessem acessar facilmente todas as atas de reuniões, notícias e outros documentos.
Mesmo para esta pesquisa, só foi possível acessar as atas de reuniões do CNDI
realizando uma solicitação via portal da transparência do Governo Federal.
Analisando as trocas informacionais desse conselho, percebe-se que essas trocas
operavam em múltiplos sentidos, de modo que os diversos atores que o compunham
tiveram espaço para apresentar estudos, visões e posicionamentos nas reuniões do
CNDI e nos grupos de trabalho, em que conselheiros participavam ativamente, junto aos
técnicos estatais. O CNDI, entre 2004 e 2007, não era um espaço em que simplesmente
o governo anunciava suas políticas. Pelo contrário, havia participação ativa dos
conselheiros da sociedade civil e, em praticamente todas as reuniões, verificava-se a
presença de consultores técnicos ou funcionários da burocracia pública que traziam
informações e análises para subsidiar os debates. Também, não raro, ocorria a
apresentação e a discussão de estudos realizados pelas entidades participantes, inclusive
chegando a se realizar reuniões exclusivas para este fim.
O CNDI também foi um espaço importante para promover a coordenação de
ações e interesses entre as partes interessadas na política industrial brasileira, no período
entre os anos de 2004 e 2007. Nesse sentido, um primeiro elemento, já ressaltado
anteriormente, foi a coordenação governamental. A política industrial brasileira não tem
por característica ser executada por uma agência central com amplos poderes, como
seria o caso, por exemplo, do MITI japonês (JOHNSON, 1982). Pelo contrário, os
instrumentos mobilizados para atingir suas diretrizes estão dispersos em uma gama
significativa de ministérios, agências e empresas públicas, os quais possuem autonomia
entre si e distintas lógicas de organização burocrática e de relacionamento com setores
da sociedade brasileira. O CNDI, dessa forma, passou a ser um espaço de contato
constante entre ministros e burocratas sendo que, a partir das reuniões, se criavam
grupos interministeriais para avançar na construção das políticas (DE TONI, 2013).
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0
2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014
Fonte 1 - Elaboração próprias com base nas atas do CNDI, em notícias vinculadas por agências governamentais e em
análises apresentadas por De Toni (2013).
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Na análise das atas das reuniões desses conselhos não se verificou a participação
de Ministros de Estado ou de presidentes de empresas ou bancos públicos. A
participação de altos escalões governamentais ocorreu, no máximo, com a presença de
burocratas que ocupavam o cargo de diretores em seus órgãos ou, no caso do CCDAE,
de oficiais militares com patente de Coronel e General. Portanto, nesse critério, os
arranjos setoriais apresentavam menor capacidade política do que as outras arenas
estudadas.
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2013, em que o principal objetivo era monitorar o andamento das agendas setoriais,
dividiram-se os participantes em grupos de trabalho. Muitas vezes, esses grupos foram
liderados por representantes da sociedade civil. Por sinal, tendo em vista que o principal
objetivo dos conselhos de competitividade era delimitar as agendas estratégicas
setoriais, nesse ponto houve coordenação dos atores no sentido realizar uma série de
tarefas, das quais participaram inclusive representantes da sociedade civil. Entre essas
tarefas estava melhorar o detalhamento de ações, rever a redação, consultar terceiros
sobre informações pertinentes e construir cronogramas.
Considerações Finais
A análise dos três casos possibilita descrever a evolução das capacidades
políticas da política industrial brasileira. Pode-se considerar que o período entre 2003 e
2007 abrange um processo de estruturação dessas capacidades. Isso se expressa na
criação do CDES e do CNDI, os quais, por sua vez, operam no sentido de consolidar
bases de apoio político e legitimidade para a PITCE e formular proposições sobre a
estrutura administrativa, as diretrizes norteadoras, os instrumentos mobilizados e as
ações regulatórias do governo, dentro de um projeto mais amplo de desenvolvimento
produtivo e social. Alguns fatores foram críticos para potencializar as capacidades
políticas desses espaços, com especial destaque para o peso que tiveram na estratégia de
governo e para a presença de ministros de Estado nas reuniões; também, foi
fundamental a efetiva adesão dos agentes da sociedade civil, o que em boa medida
refletia uma cuidadosa escolha no que se refere ao critério de representatividade. Dessa
maneira, essas arenas passaram a operar trocas informacionais e a coordenar os agentes,
resultando em proposições criativas na busca de realizar políticas com o objetivo de
dinamizar a indústria brasileira.
Após esse período ocorre uma progressiva perda de capacidades. Se por um lado
o CDES continua a ser um espaço importante na formulação de diretrizes de
desenvolvimento econômico e ganha peso político com a opção de se realizar políticas
anticíclicas frente à crise econômica de 2008; por outro lado, ainda em 2007, o CNDI
deixa de se reunir. A desativação desse conselho significou a perda de um canal direto e
público de interlocução com empresários e representantes dos trabalhadores, o qual
possuía a finalidade exclusiva de debater o desenvolvimento industrial. Perde-se
sobretudo uma dinâmica política de deliberação em que a presença de agentes com
interesses distintos possibilitava a busca de coordenar interesses e ações no longo prazo,
deixando de lado o imediatismo dos interesses particulares.
institucional que esse conselho ocupa dentro da estrutura de governo. O resultado é uma
baixa efetividade no que se refere a proposições de diretrizes e ações importantes para o
desenvolvimento produtivo nacional. Destaca-se, ainda, nesse período que a tentativa de
reativar o CNDI não obtém sucesso e as reuniões realizadas tiveram mais a função de
ser um espaço de anúncio governamental do que de troca de informações e coordenação
de interesses.
Por fim, a experiência, entre 2011 e 2014, dos conselhos de competividade foi
bastante limitada, de maneira que não foi capaz de contrabalancear as capacidades
políticas perdidas no CDES e no CNDI. Essas arenas setoriais tenderam a reproduzir
um histórico de baixa institucionalização de experiências passadas, implicando em
reduzidas expectativas dos agentes da sociedade civil sobre sua efetividade, afetando,
assim, a confiança em seu funcionamento. Por sua vez, isso é reflexo da não
participação de funcionários com poder e capacidade decisória, como seria o caso de
ministros de Estado e presidentes de empresas públicas. Outro fator determinante foi a
própria precariedade do funcionamento dessas instâncias, que não se reuniam como
deveriam, predominando a realização de reuniões na fase de formulação, sem
continuidade na fase de monitoramento e avaliação das políticas. Ainda, como no caso
do CCDAE, problemas de representatividade podem ter levado a baixa efetividade das
ações discutidas nesses âmbitos.
Essa realidade muda quando, a partir de 2008, inicia-se o processo de queda nas
capacidades políticas. Mesmo que outros fatores - como a crise econômica internacional
de 2008 ou a ampliação da coalizão governante em 2007 - possam ter influenciado
significativamente na mudança de direcionamento das políticas, torna-se claro que a
progressiva perda de capacidades políticas afetou os rumos tomados. A PDP, que
abrangeu 33 setores da economia e passou a usar com maior robustez instrumentos de
desoneração tributária sobre investimento e consumo, é executada no mesmo período
em que o CNDI é desativado. No período posterior, entre 2011 e 2014, entra em
vigência o PBM, em que o uso de desonerações sobre consumo e folha de pagamentos
foi ainda maior, abrangendo mais de 55 setores da economia e sendo um fator decisivo
para que, ao final daquele governo, o Estado brasileiro se deparasse com sérios
problemas fiscais.
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