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41ª ENCONTRO ANUAL DA ANPOCS

GT 25 – Políticas Públicas

Capacidades Políticas e Política Industrial: a experiência brasileira no


século XXI
Guilherme de Queiroz Stein1
Alfredo Alejandro Gugliano2
Resumo
Nas últimas décadas, a literatura em Ciência Política e Economia tem enfatizado o papel
dos determinantes políticos e institucionais para os resultados alcançados por políticas
de desenvolvimento. Partindo desse contexto, neste artigo, apresenta-se um estudo sobre
o arranjo institucional da política industrial brasileira, focando-se na construção de
capacidades políticas em arenas de interlocução entre governo, empresários e
trabalhadores. Objetiva-se analisar a evolução dessas capacidades políticas e a sua
relação com as transformações observadas na política industrial brasileira, entre 2003 e
2014. Para tanto, foram construídos nove indicadores qualitativos, os quais foram
aplicados em três estudos de caso de conselhos governamentais: o Conselho de
Desenvolvimento Econômico e Social da Presidência da República; o Conselho
Nacional de Desenvolvimento Industrial e os Conselhos de Competitividade do Plano
Brasil Maior. As conclusões apontam que entre 2003 e 2007 ocorre um período de
crescente estruturação dessas capacidades, refletindo-se em uma política industrial bem
delimitada, com foco estratégico, utilizando predominantemente de medidas
regulatórias horizontais para atingir seus objetivos. Após 2007, verifica-se uma
progressiva perda dessas capacidades e a política industrial perde, concomitantemente,
foco estratégico e, também, passa a utilizar predominantemente instrumentos de
desoneração tributária em sua execução.

Palavras-chave: Arranjo Institucional; Capacidades Políticas; Arenas Tripartites;


Política Industrial; Política Industrial Brasileira.

1
Mestre em Ciência Política pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). E-mail
guiqstein@yahoo.com.br
2
Professor do Departamento de Ciência Política da UFRGS. E-mail alfredogugliano@hotmail.com
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Introdução

Nas últimas décadas, a literatura sobre política industrial passou a enfatizar


como aspectos políticos e institucionais são determinantes para os resultados das
políticas industriais, especialmente no que se refere à capacidade do Estado promover e
ditar os rumos do desenvolvimento econômico no longo prazo(JOHNSON, 1982;
AMSDEN, 1989; WADE, 1990; EVANS, 1995; HAGGARD, 1994; CHANG, 1994;
HERZBERG; WRIGHT, 2005; RODRIK, 2007). Boa parte dos estudos que trouxeram
a tona essa discussão focou-se na experiência de países do Leste Asiático e da América
Latina, durante a segunda metade do século XX, quando muitas nações em
desenvolvimento apostaram em políticas de substituição de importações para
impulsionar suas economias. Frente à onda neoliberal que assolou os países em
desenvolvimento no final do último século, chama a atenção que, ao contrário do que se
poderia esperar, políticas industriais não ficaram no passado. Nações que apresentaram
robusto crescimento econômico na década de 2000, como foi o caso de China,
Argentina, Brasil e Índia, contaram com significativa atuação estatal subjacente a sua
dinâmica econômica. Assim, observa-se que, no início do século XXI, muitos países
continuam a mobilizar suas capacidades estatais para reposicionar suas indústrias na
economia globalizada, de modo que se faz necessário conhecer como as políticas
industriais têm sido formuladas e implementadas e quais são seus resultados.

Entre os casos de retomada da política industrial, merece destaque a experiência


brasileira, pois ao longo de 12 anos, apresentou significativa variabilidade. No período
em que o Partido dos Trabalhadores (PT) esteve à frente do governo brasileiro, foram
apresentadas três políticas industriais: a Política Industrial, Tecnológica e Comércio
Exterior (PITCE), a qual operou entre 2003-2008; a Política de Desenvolvimento
Produtivo (PDP), apresentada em 2008 com metas para 2010; o Plano Brasil Maior
(PBM), o qual, lançado em 2011, esteve em execução até 2014. Comparando essas
políticas, observam-se elementos de continuidade no que concerne à intencionalidade,
pois objetivavam promover o desenvolvimento econômico apostando no fomento à
inovação tecnológica como meio para elevar a competitividade da indústria nacional.
Dessa forma, pretendia-se aumentaras taxas de investimento interno e a inserção nos
mercados internacionais(QUEIROZ-STEIN; HERRLEIN JR., 2016).

Contudo, mais instigantes são as transformações que se verificam nos


instrumentos utilizados. Enquanto na PITCE observava-se uma predominância de
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medidas regulatórias, de reformas institucionais e de rearticulação de fundos de


financiamento à Ciência e à Tecnologia, progressivamente passa a se fazer um intenso
uso de isenções tributárias para fomentar a geração de empregos e o investimento.
Também, é possível identificar claramente uma perda de direcionamento estratégico. Na
formulação da primeira política, a PITCE, elencava-se quatro setores e quatro atividades
produtivas como prioritários. Já na PDP buscou-se fomentar 33 complexos produtivos e
no PBM chegou-se a conceder isenções fiscais para mais de 55 setores da economia
nacional (QUEIROZ-STEIN; HERRLEIN JR., 2016).

Para compreender essas transformações no perfil da política industrial brasileira,


neste artigo pretende-se analisá-las a partir do conceito de arranjo institucional de
políticas públicas. Esse conceito designa “o conjunto de regras, mecanismos e processos
que definem a forma particular como se coordenam atores e interesses na
implementação de uma política pública específica (GOMIDE; PIRES, 2014, p. 20-21)”.
A partir dessa definição,delimita-se duas dimensões de análise sobre as capacidades
estatais. A primeira é a dimensão das capacidades técnica-administrativa, focada na
capacidade de a burocracia produzir ações coordenadas para executar as diretrizes
políticas e alcançar os resultados almejados. A segunda é a dimensão das capacidades
políticas que diz respeito à capacidade de a burocracia pública expandir os canais de
interlocução com os atores sociais, de modo a processar conflitos e evitar capturas por
atores específicos, tanto no processo de formulação, quanto de execução de uma política
pública (GOMIDE; PIRES, 2014).

Como foco de análise, no presente trabalho, debruça-se sobre a evolução das


capacidades políticas, mais especificamente na forma como essas capacidades se
concretizaram em espaços formais de interlocução direta entre atores governamentais,
representantes de setores empresariais e representantes de sindicatos de trabalhadores.
Essa escolha se justifica pela ênfase dada pela literatura em como as relações
público/privadas são determinantes para delimitar o perfil das políticas industriais e seus
resultados(JOHNSON, 1982; HAGGARD, 1994; EVANS, 1995; LEFTWICH, 1995;
HERZBERG; WRIGHT, 2005; RODRIK, 2007; SCHNEIDER, 2013; SCHNEIDER,
2015; FERNÁNDEZ-ARIAS et al., 2016). Assim, busca-se responder as seguintes
questões: como evoluíram as capacidades políticas subjacentes às políticas industriais
brasileiras no período 2003-2014? Como essa evolução se relaciona com as mudanças
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no caráter das políticas industriais, no que se refere à sua abrangência e aos


instrumentos mobilizados em sua execução?

Para responder essas questões, são apresentados três estudos de caso de arenas
de interlocução entre governo, empresários e trabalhadores, as quais estiveram direta ou
indiretamente ligadas à estrutura de governança das referidas políticas industriais. São
elas o Conselho Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social da Presidência da
República (CDES), o Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial (CNDI) e os
Conselhos de Competitividade do Plano Brasil Maior (CCPBM). Para analisar cada
caso sob os mesmos critérios, foram construídos indicadores qualitativos, os quais
possibilitam observar a constituição das capacidades políticas nesses espaços
governamentais. Operacionalizou-se o estudo buscando os dados necessários para
avaliação de cada indicador a partir da observação das características institucionais, das
dinâmicas das reuniões, da participação e das falas dos agentes, dos temas debatidos,
das proposições de políticas públicas e da forma como essas proposições foram
incorporadas às políticas industriais. Para tanto, utilizou-se como fonte de pesquisa
documentos de apresentação e relatórios de avaliação das políticas industriais, leis
referentes à gestão e à execução das políticas industriais e atas de reuniões dos referidos
conselhos, todos disponíveis publicamente em sites governamentais ou acessados pelo
portal de transparência do Governo Federal. Quando possível, quantificou-se os dados,
principalmente aqueles sobre a participação dos agentes nos conselhos. Utilizou-se,
também, ampla revisão bibliográfica e consulta a documentos de órgãos de classe. Outra
fonte importante de informações foram entrevistas e artigos publicados na imprensa por
agentes-chave.

Assim, divide-se este artigo em quatro partes, além desta introdução. Na


primeira parte, apresentam-se brevemente as políticas industriais implementadas entre
2003 e 2014, focando em suas diferenças. Na segunda parte, discutem-se os indicadores
utilizados para analisar as capacidades políticas nas arenas estudadas. Na terceira parte,
são analisados os três casos objeto deste estudo, enfatizando o seu comportamento nos
indicadores propostos. Por fim, na quarta parte, são apresentadas as conclusões do
artigo, comparando a evolução das capacidades políticas ao longo do tempo com as
transformações na política industrial.
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As Políticas Industriais Brasileiras no Século XXI e suas


Transformações
Após longo período de agravamento da desindustrialização e de perda nas
capacidades de implementar políticas industriais (DE TONI, 2013), em 2003, no
primeiro ano de governo petista, foi formulada a Política Industrial, Tecnológica e de
Comércio Exterior (PITCE). Seu principal objetivo era elevar a competitividade e a
eficiência da economia brasileira, apostando no fomento à inovação e à difusão
tecnológica como principais meios de se atingir esse objetivo. Para tanto, escolheram-se
setores que foram considerados estratégicos, com potencial para desenvolver vantagens
comparativas e elevar o nível de inserção nos mercados internacionais, o que deveria
ficar expresso no aumento nas exportações industriais. Assim, elencaram-se quatro
setores como prioritários: fármacos e medicamentos; softwares; semicondutores; bens
de capital. Além desses quatro setores, definiram-se quatro atividades produtivas e
tecnológicas como estratégicas: nanotecnologia; biomassa; energias renováveis e
atividades relativas ao protocolo de Quioto (BRASIL, 2003; SALERNO; DAHER,
2006).

Na prática, a PITCE esteve em vigor até o ano de 2008 e, no seu escopo, uma
série de ações foram executadas. Nesse período, destacam-se avanços em aspectos
regulatórios, de alcance abrangente, que objetivavam simplificar processos burocráticos
e tributários - como a Lei Geral de Micro e Pequenas Empresas - assim como
possibilitar novas modalidades de relações entre universidades, fundos governamentais
e empresas privadas, o que foi o caso, por exemplo, da Lei da Inovação. Também,
reestruturou-se a Agência Brasileira de Promoção de Exportações e criou-se a Agência
Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI). Voltadas para setores mais
específicos, destacam-se ações como a desoneração fiscal para aquisição de bens de
capital, a desoneração fiscal para empresas exportadoras de software e a elevação no
aporte de recursos no Programa Brasileiro de Atividades Espaciais e no Programa
Brasileiro de Atividades Nucleares (SUZIGAN; FURTADO, 2006; SALERNO;
DAHER, 2006; CALZOLAIO, 2011; CALZOLAIO, 2015; CANO; SILVA, 2010;
KUPFER, 2004; DE TONI, 2013; DE TONI, 2015; CUNHA; PERFEITO; PERGHER,
2014; QUEIROZ-STEIN, 2016).
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Em 2008, é lançada uma segunda política industrial chamada “Política de


Desenvolvimento Produtivo” (PDP) (BRASIL, 2008b). Sua formulação foi realizada
antes da crise financeira mundial, pautada por um ambiente econômico otimista, o que
se refletia em estabelecer metas ambiciosas para se alcançar até 2010. Essas metas
eram:

1. Promover um crescimento médio anual de 11,3% da formação bruta de


capital fixo, fazendo com que a relação Investimento/PIB passasse de
17,6% (2008) para 21% (2010).
2. Promover um crescimento médio anual de 9,8% no gasto privado em
P&D, passando de 0,51% do PIB (2005) para 0,65% (2010).
3. Ampliar a Participação das Exportações Brasileiras de 1,18% (2007) para
1,25% (2010), representando um crescimento médio anual de 9,1%.
4. Elevar em 10% o número de Micro e Pequenas Empresas exportadoras.

Comparando a PDP com a PITCE, é possível enfatizar algumas diferenças


importantes. A primeira é que sua abrangência, em termos de número de setores alvo,
foi muito maior, prevendo ações para 33 setores. Mantinha-se o padrão de focar em
setores de alta tecnologia com potencial para desenvolver vantagens comparativas.
Contudo, incluíram-se, também, setores que já possuíam comprovada competitividade,
como é o caso da extração de petróleo, siderurgia e produção aeronáutica. Ainda,
incorporaram-se setores de baixa complexidade tecnológica que estavam sofrendo
perdas consideráveis frente à competição de produtos importados, como é o caso da
indústria têxtil e da indústria de produção de brinquedos.

Com o advento da crise financeira, a PDP assumiu um caráter de política


anticíclica, sendo incorporada ao que se denominou “Plano de Sustentação do
Investimento” e, no que se refere aos instrumentos mobilizados, passou a ter um padrão
de ação que se aproxima mais do perfil encontrado nas experiências
desenvolvimentistas do passado. Nesse sentido, destaca-se um crescimento significativo
no aporte de recursos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
(BNDES), prevendo um montante de R$ 210 bilhões entre 2008 e 2010, os quais seriam
destinados às mais diversas finalidades, desde financiar a compra de máquinas e
equipamentos em empresas de pequeno e médio porte, até viabilizar a
internacionalização de empresas líderes nacionais. Também, foi nesse período que se
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anunciou a descoberta da Camada Pré-Sal, acompanhado do anúncio de pesados


investimentos da Petrobrás em exploração de petróleo em águas profundas. Esses
investimentos haviam de ser mobilizados para fomentar cadeias produtivas nacionais
ligadas à produção e extração de petróleo, com destaque para um ambicioso programa
de reativação da indústria naval. Junto com a utilização das empresas e bancos públicos,
o governo manteve políticas de desoneração fiscal focadas em bens de capital e em
produtos de exportação. Ainda, como medida para combater a crise econômica, passou-
se a aplicar desonerações tributárias sobre consumo e renda, visando fomentar a
demanda por consumo final (GUERRIERO, 2012; ALMEIDA, 2009; PIRES;
GOMIDE; AMARAL, 2014; QUEIROZ-STEIN, 2016; QUEIROZ-STEIN;
HERRLEIN JR., 2016).

Em 2011, já sob a presidência de Dilma, o governo apresenta uma nova política


industrial, chamada “Plano Brasil Maior” (PBM). Subjacente à formulação dessa
política estava a preocupação com a crise internacional, com a ampliação da
participação de produtos importados no consumo nacional e com a crescente
dependência brasileira da exportação de commodities. Esses fatores, combinados com a
tendência de queda nos preços das commodities, significavam riscos à sustentabilidade
das contas externas e do crescimento econômico. Dessa forma, compreende-se que os
instrumentos mobilizados pelo PBM possuíam claramente um sentido defensivo e
emergencial, quase como uma tentativa de salvar a indústria nacional. Destaca-se a
significativa ampliação das desonerações tributárias, as quais chegaram a contemplar 55
setores da economia brasileira, predominando a desoneração em impostos que incidiam
sobre consumo e sobre folha de pagamentos. No conjunto, as perdas fiscais causadas
pelas isenções tributárias teriam passado de R$ 3,36 bilhões, em 2011, para R$ 100,60
bilhões, em 2014 (SOUZA; BÔAS, 2015).

Construindo Indicadores de Capacidades Políticas


Para se analisar as capacidades políticas subjacentes à política industrial,
construíram-se indicadores, os quais foram sistematizados a partir de outros estudos
teóricos e empíricos (CHANG, 1994; EVANS, 1995; ARBIX, 1996; HERZBERG;
WRIGHT, 2005; RODRIK, 2007; SCHNEIDER, 2013; FERNÁNDEZ-ARIAS et al.,
2016). Esses indicadores podem ser divididos em dois tipos. Os seis primeiros foram
formulados observando fatores críticos para a construção de capacidades políticas, ou
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seja, são meios necessários para constituir capacidades políticas em espaços formais de
interlocução entre governo, empresários e trabalhadores, em sistemas democráticos, sob
o ponto de vista da formulação e execução de uma política industrial. O segundo tipo
são três indicadores que avaliam os objetivos das deliberações que, quando alcançados,
expressam a própria realização dessas capacidades.

O primeiro indicador é a ocorrência adesão governamental, em termos de criar


os espaços de interlocução com empresários e trabalhadores e torná-los importantes na
estratégia governamental de consolidar apoio político. Ou seja, avalia se há vontade
política (politicalwill) de abrir o diálogo (HERZBERG; WRIGHT, 2005). A lógica é
que os governos aceitam abrir mão de parte de sua autonomia decisória em prol de
consolidar alianças mais amplas na sociedade (ARBIX, 1996). Ou seja, busca-se
consolidar uma forma de autonomia inserida (EVANS, 1995; RODRIK, 2007).

O segundo indicador diz respeito à verificação da participação de membros dos


altos escalões governamentais, como Presidente, Vice-Presidente, Ministros de Estado,
Diretores de Agências, nos espaços de interlocução. A importância dessa participação é
sinalizar aos agentes que as deliberações não serão inúteis, pois delas participarão os
agentes com maior poder decisório na estrutura de governo (HERZBERG; WRIGHT,
2005; RODRIK, 2007; SCHNEIDER, 2013). Por sua vez, também é necessário se
verificar a participação da sociedade civil, no sentido de ser efetiva a adesão dos
empresários e dos trabalhadores aos espaços de interlocução com o governo, o que se
expressa em participação relativamente constante e ativa ao longo do tempo desses
representantes nas reuniões, sendo esse o terceiro indicador (HERZBERG; WRIGHT,
2005).

Contudo, não basta ocorrer essa participação. As entidades e os indivíduos da


sociedade civil têm que ter representatividade e legitimidade entre os empresários e os
trabalhadores. Assim, o quarto indicador diz respeito à representação: deve ser
verificada a representatividade frente aos representados das lideranças da sociedade
civil convidadas à participação (HERZBERG; WRIGHT, 2005; SCHNEIDER, 2013).
O quinto fator crítico que indica a capacidade política é a institucionalização dos
espaços, o que implica em regulamentação legal das atribuições da arena de
interlocução, em perdurarem ao longo do tempo e em conformarem as expectativas das
partes interessadas, visualizando a arena de interlocução como lócus para negociar e
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coordenar interesses, de modo a abrir mão de outros canais pessoais e informais de


acesso ao governo (ANDERSON, 1997; SCHNEIDER, 2013; FERNÁNDEZ-ARIAS et
al., 2016).

O sexto diz respeito a uma característica específica do funcionamento desses


espaços em sistemas democráticos: o accountability. É preciso haver transparência e
prestação de contas sobre as deliberações. Isso pode ser verificado na presença de
mecanismos de difusão de informações como websites, coletivas de imprensa, portais de
acesso à informação. Outra forma importante de se verificar a prestação de contas está
na própria composição do conselho que, ao contar com interesses plurais e até mesmo
antagônicos, possibilita que os agentes fiscalizem uns aos outros nesses espaços
(HERZBERG; WRIGHT, 2005; FERNÁNDEZ-ARIAS et al., 2016).

Os três últimos indicadores de capacidades políticas dizem respeito ao próprio


objetivo das deliberações. O primeiro seria a ocorrência de trocas informacionais entre
agentes governamentais e demais participantes do espaço de interlocução. O
pressuposto é que há uma assimetria de informações entre governos e aqueles que serão
alvo das políticas industriais. Essa assimetria de informações pode colocar em risco os
resultados da política. Dessa maneira, um dos objetivos de se criar arenas de
interlocução é mitigar esse problema informacional, de modo a canalizar para o Estado
o conhecimento local e as experiências dos agentes (RODRIK, 2007; SCHNEIDER,
2013; FERNÁNDEZ-ARIAS et al., 2016).

O segundo trata de haver coordenação de ações e de interesses entre os agentes


participantes. É preciso harmonizar as ações dos diferentes órgãos governamentais
responsáveis pela política, que possuem instrumentos, lógicas de ação e interesses
distintos, os quais precisam ser alinhados, estabelecendo responsabilidades e atribuições
de funções claras. Também, é preciso coordenar interesses entre os diferentes setores
econômicos, os quais podem possuir vieses de política industrial distintos entre si
(CHANG, 1994). Por exemplo, um setor exportador tende a querer maior abertura
comercial, enquanto um setor voltado ao mercado interno pode reivindicar políticas
industriais de caráter mais protecionistas. As discussões em arenas de interlocução
buscam justamente canalizar o conflito e coadunar interesses criando novos caminhos
para o desenvolvimento econômico nacional (RODRIK, 2007).
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Por fim, o terceiro indicador que diz respeito aos objetivos da deliberação é o de
se verificar a efetividade das deliberações no sentido de tornarem-se diretrizes ou
medidas concretas de política industrial. A capacidade política se concretiza quando o
fluxo informacional e a coordenação de interesses são incorporados nas políticas,
resultando em ações que podem ser observadas pela criação de novos instrumentos,
novas agências ou regulamentações legais (HERZBERG; WRIGHT, 2005;
SCHNEIDER, 2013).

Apresentação dos Casos Estudados

Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social da Presidência da República


(CDES)

O CDES foi criado ainda nos primeiros meses em que Luiz Inácio Lula da Silva
assumiu a presidência do Brasil, no ano de 2003. O objetivo de sua criação era
constituir um espaço direto de interlocução entre o Presidente da República, Ministros
de Estado e representantes da sociedade civil. Formalmente, sua função na estrutura
governamental era a de aconselhar a Presidência da República no que diz respeito a
políticas e diretrizes de desenvolvimento social e econômico de longo prazo, assim
como apresentar proposições normativas e recomendações sobre reformas e políticas
públicas que seriam implementadas pelo novo governo. Para tanto, buscou-se
consolidar uma lógica de funcionamento pautada na busca pelo consenso, em que cada
deliberação do conselho era classificada como consensual; recomendada pela maioria
ou sugerida por uma minoria. Desse conselho, participavam 96 representantes da
sociedade civil e 18 ministros de Estado3. Não raro, o próprio presidente da República
se fazia presente nas reuniões. Dessa maneira, a participação de altos escalões
governamentais era marcante, fato que pode ser verificado ao longo de toda a existência
do CDES. Os representantes da sociedade civil eram líderes de destaque em seus

3
Incluindo 17 ministros, além do secretário executivo que era o Ministro Chefe da Secretaria de Relações
Institucionais, a saber: Ministros do Trabalho e Emprego; Casa Civil; Comunicação Social; Meio
Ambiente; Políticas de Promoção da Igualdade Racial; Direitos Humanos; Assuntos Estratégicos da
Presidência da República; Relações Exteriores; Políticas para as Mulheres; Secretaria Geral da
Presidência; Ministério da Fazenda; Secretaria de Relações Institucionais; Gabinete de Segurança
Institucional; Pesca e Aquicultura; Planejamento, Orçamento e Gestão; Desenvolvimento Social e
Presidente do Banco Central (SANTOS, 2012, p.27). Em 2011, o Ministro de Estado Chefe da Secretaria
de Assuntos Estratégicos passa a ser o secretário executivo do CDES. Na composição de 2014, seriam
listados 24 conselheiros representando o Governo e 96 representantes da sociedade civil; nesse ano, o
cargo de secretário executivo seria ocupado pelo Ministro Chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante.
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segmentos, ligados a diferentes setores da sociedade brasileira, indicados pessoalmente


pelo Presidente da República para mandatos bianuais.

Em seu início, a própria criação do CDES expressava a adesão governamental a


uma estratégia de estabelecer diálogos diretos com amplos setores da sociedade, o que
já vinha sendo realizado desde que foi anunciada a vitória do PT nas eleições de 2002
(DE TONI, 2013). Buscava-se, assim, consolidar bases de legitimidade e de apoio
político para novos rumos que seriam propostos em diferentes áreas de políticas
públicas. Pode-se afirmar que, no período entre 2003 e 2006, esse objetivo foi
razoavelmente atingido, sendo o CDES um espaço fundamental para estruturar
capacidades políticas que acabaram por se refletir na política industrial brasileira. Isso
se verifica tanto pela elaboração de diretrizes de desenvolvimento, as quais
argumentavam explicitamente a favor da implementação de políticas industriais, quanto
pela recomendação de se criar a Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial e o
Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial, o que ficava explícito no documento
“Sexta Carta de Concertação”, lançado em março de 2004, a qual versava
exclusivamente sobre a temática da política industrial (BRASIL, 2004).

Em termos de representação, ainda em 2003, foi preciso fazer ajustes na


composição inicial, ampliando o número de conselheiros, buscando um maior equilíbrio
no que tange a representação regional e de grupos religiosos. Assim, chegou-se a uma
configuração em que se encontra uma predominância na participação de indivíduos
ligados ao setor empresarial (variando entre 43 e 50% da composição total do conselho),
seguido de representantes dos trabalhadores (variando entre 14 e 27%). Outros atores
importantes seriam lideranças de movimentos sociais, organizações não governamentais
(ONGs), grupos religiosos e intelectuais. Dentre os participantes, a grande maioria era
masculina, havendo uma sub-representação feminina. Isso se expressa no fato de que o
maior percentual de mulheres nesse conselho não ultrapassou a pequena marca de 12%,
no biênio 2005-2006 (SANTOS, 2012). A adesão da sociedade civil ao CDES não foi
intensa no ano de 2003. A predominância da agenda estatal de reformas, como a
reforma da previdência, implicou em uma baixa intensidade nas trocas informacionais,
verificando-se uma predominância de fala de atores governamentais nas reuniões, o que
quase colocou em cheque a legitimidade do espaço para as lideranças da sociedade civil.
Por sua vez, isso afetava a própria coordenação dos atores e a efetividade desse
conselho. Foi preciso, para retomar essa adesão, mudar a lógica de funcionamento do
12

CDES, abrindo maior espaço para negociação (FLEURY, 2006). Isso se refletiu no
processo de elaboração da chamada Agenda Nacional de Desenvolvimento (AND),
durante os anos de 2004 e 2005 (BRASIL, 2010).

Esse processo implicou na criação de diversos grupos de trabalho para discutir


temáticas específicas, aos quais os conselheiros ingressavam voluntariamente. Nesses
espaços, para favorecer a busca de consensos sobre diretrizes de desenvolvimento de
longo prazo, deixava-se de lado disputas sobre questões de curto prazo, como por
exemplo, sobre a política macroeconômica. Dessa forma, favoreceu-se a troca
informacional e a busca de coordenação de interesses dos diversos setores representados
em torno de agendas políticas comuns. No ano de 2006, um processo deliberativo
semelhante foi realizado para desdobrar as diretrizes genéricas da AND em medidas
práticas, o que se consolidou no documento chamado “Enunciados Estratégicos para o
Desenvolvimento (EED)”. Os EED traziam diversas contribuições diretas para a
formulação de políticas de inovação e financiamento da indústria nacional e, também,
propunha que o Estado realizasse significativos investimentos em infraestrutura.

A efetividade do conselho se expressou no fato da AND e os EED terem sido


utilizados para subsidiar a formulação do Plano Plurianual 2008/20114 e do Programa
de Aceleração do Crescimento5. Nesse sentido, pode-se considerar que o CDES foi um
espaço fundamental para consolidar capacidades políticas necessárias para possibilitar
uma inflexão política, ocorrida no segundo governo Lula, em que o Estado passou a ter
um papel mais robusto em fomentar o desenvolvimento econômico e investir em
políticas sociais.

Em relação ao segundo mandato de Lula, se por um lado começa com a


necessidade de ampliar as bases políticas de sustentação do governo, as quais haviam
sido fragilizadas com o escândalo de corrupção denominado “mensalão”; por outro, a
economia brasileira apresentava um significativo dinamismo, como há muito tempo não
se via, o que favorecia a governabilidade. Contudo, os bons ventos mudaram em 2008,
quando estoura a bolha financeira nos Estados Unidos, desencadeando uma crise

4
O Plano Plurianual é um instrumento de planejamento governamental, exigido pela Constituição
Brasileira, em que cada governo deve estabelecer diretrizes, objetivos e metas de políticas públicas para
os três anos subsequente.
5
O Programa de Aceleração do Crescimento foi um amplo conjunto de investimentos coordenados em
infraestrutura, lançado pelo Governo Federal no ano de 2007. Após a crise de 2008, tornou-se o principal
instrumento de política econômica anticíclica.
13

econômica mundial que trazia riscos não desprezáveis para a economia brasileira. Nesse
período, a adesão governamental ao CDES fica expressa pelo governo buscar nesse
conselho a construção de bases de legitimidade para as políticas anticíclicas que seriam
executadas como resposta à crise internacional. O conselho foi mobilizado e os
representantes da sociedade civil também aderiram formulando uma série de
proposições em relação às políticas que seriam realizadas. Isso fica visível na elevação
do número de reuniões de pleno realizadas em 2009 (Gráfico 1).

Gráfico 1- Número de Reuniões de Pleno do CDES (Ordinárias e Extraordinárias)

4 Reuniões de Pleno
(Ordinárias e
Extraordinárias)
3

0
2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014

Fonte: Elaboração Própria com base na Agenda do CDES, disponível em


http://www.cdes.gov.br/evento/realizados.html

A efetividade dessa mobilização do conselho, por sua vez, ficou expressa em


documentos de aconselhamento ao Presidente da República, os quais diziam respeito às
decisões mais importantes tomadas no período para combater a crise. Entre esses,
destacam-se: “Parecer sobre Habitação de Interesse Social”; “Moção ao Presidente da
República sobre a Crise Financeira Internacional” e “Moção sobre o Pré-Sal”.

A maior parte dessas recomendações, apresentadas entre 2008 e 2009, possuía


um caráter emergencial, para lidar com problemas de curto prazo. Para não se perder a
atribuição de formular diretrizes de desenvolvimento no longo prazo, ainda em 2009
inicia-se um processo de troca informacional e coordenação dos agentes semelhante ao
que foi realizado em 2004 para se formular a AND. O resultado foi o documento
apresentado para o Presidente da República em 2010, denominado “Agenda para um
14

Novo Ciclo de Desenvolvimento” (ANC). Como 2010 foi o último ano de Lula na
Presidência da República, as proposições da ANC só foram incorporadas nas políticas
elaboradas no governo Dilma Rousseff. Uma das políticas em que essa incorporação
ficou mais clara foi no Plano Brasil Maior, lançado em 2011, o qual teve suas metas
formuladas com base nas diretrizes da ANC.

Contudo, a partir de 2011, no primeiro mandato de Dilma Rousseff, o


funcionamento do CDES é precário e sua efetividade é baixa. O conselho deixa de ter
um lugar privilegiado na estratégia governamental de angariar apoio político, ou seja, se
perde adesão governamental. Isso se reflete, por exemplo, na constante troca de vinculo
institucional. Em 2011, deixa a Secretaria de Relações Institucionais e passa a ser
responsabilidade da Secretaria de Assuntos Estratégicos. Em 2013, o CDES passa a ser
parte da Casa Civil da Presidência da República. Dessa maneira, ocorre uma queda no
próprio nível de institucionalização do conselho, o qual era relativamente alto e estável
nos governos anteriores.

Ainda, há de se enfatizar a queda substancial no número de reuniões de pleno,


chegando ao ponto mínimo no ano de 2012, em que se realizou somente uma reunião
(Gráfico 1). Assim, torna-se difícil perceber qualquer adesão da sociedade civil ou de
altos escalões estatais, afinal o conselho mal se reunia. Sobre as temáticas debatidas
nesse período, passa a haver uma clara predominância da agenda governamental a qual
mobiliza a estrutura burocrática do conselho para formular proposições relacionadas à
Conferência Rio+20, em 2011, e aos grandes eventos que seriam realizados no Brasil
nos anos seguintes (Copa do Mundo e Olimpíadas). Nesse contexto, ocorre uma queda
na capacidade de fomentar trocas informacionais e coordenação de ações entre os
agentes. A política industrial, por sua vez, sai de cena.

O resultado é que o CDES se afasta do núcleo político do governo e ocorre um


esvaziamento de sua pauta, de modo que as políticas estratégicas deixam de ter nesse
conselho um lócus privilegiado de discussão (SANTOS; GUGLIANO, 2015). Dessa
forma, é factível afirmar que no âmbito do CDES, após 2011, há uma queda substancial
no que diz respeito à consolidação de capacidades políticas.
15

O Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial (CNDI)

O CNDI foi criado no ano de 2004, em um contexto de estruturação de arranjos


de governança para a política industrial, marcado pela criação de instituições - como a
Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial – dado o propósito de desenvolver
instrumentos e capacidades para alcançar os objetivos governamentais. Esse conselho
realizou suas primeiras reuniões no ano de 2004, ainda em caráter informal, quando os
conselheiros foram convidados a participar pelo então Ministro do Desenvolvimento,
Indústria e Comércio Exterior, Luiz Furlan. Sua regulamentação legal, implicando em
uma maior institucionalização, ocorreu no início de 2005, sendo que sua primeira
reunião formal data de março daquele ano. Sua função seria aconselhar a Presidência da
República no que se refere a temas como financiamento, infraestrutura, normatização e
coordenação de políticas industriais. Outras de suas atribuições seriam propor metas e
prioridades para políticas industriais, sugerir estratégias de monitoramento e avaliação
para as ações executadas e recomendar a realização de estudos, debates e estratégias em
assuntos que dizem respeito ao desenvolvimento industrial. Na prática, porém, o CNDI
exerceu essas funções de aconselhamento mais direcionadas ao ministro Luiz Furlan do
que ao Presidente da República.
Pode-se considerar que, entre os anos de 2004-2007, a adesão governamental ao
CNDI foi significativa e ficou expressa na utilização desse conselho pelo ministro do
desenvolvimento como principal meio de articular e consolidar bases de apoio para suas
políticas e aperfeiçoar as estratégias de desenvolvimento produtivo. Esse conselho
exerceu, também, um importante papel em promover a coordenação entre os diversos
órgãos governamentais diretamente envolvidos na elaboração e execução das políticas
industriais (DE TONI, 2013; DE TONI, 2015). Essa capacidade de promover
coordenação governamental estava, em grande medida, relacionada a uma presença de
altos escalões governamentais. Em sua constituição formal, o CNDI contava com a
presença de 15 ministros de Estado, destacando-se que, na análise das reuniões,
observou-se em mais de 50% das reuniões a presença daqueles que na época eram
responsáveis pelos órgãos governamentais mais influentes na política econômica
brasileira. Além do já citado ministro do desenvolvimento Luiz Furlan, o qual
participou de todas as reuniões, foi recorrente à participação de Dilma Rousseff,
Ministra-chefe da Casa Civil; Antonio Palocci Neto, Ministro da Fazenda; Guido
Mantega, que participou primeiro como Presidente do BNDES e, após 2006, como
16

Ministro da Fazenda; Paulo Bernardo Silva, Ministro do Planejamento; Luiz Marinho,


Ministro do Trabalho (QUEIROZ-STEIN, 2016).
No CNDI havia 14 representantes da sociedade civil, os quais eram indicados
diretamente pelo ministro do MDIC, de modo a configurar uma representação
significativa, abrangente e heterogênea. Buscou-se garantir a presença das maiores
associações e entidades sindicais patronais do país, expressando, também, a diversidade
de setores industriais. Assim, faziam-se presente desde a Confederação Nacional da
Indústria, a Associação Brasileira de Máquinas e Equipamentos e a Associação
Brasileira da Indústria Têxtil. Entre os empresários convidados a participar do conselho,
estavam lideranças com destacada e ativa participação pública, os quais também
advinham de diferentes regiões do país. Ao se fazer os convites, outro critério
importante era de que os conselheiros deveriam ser ligados ao capital nacional,
possuindo apenas laços indiretos com empresas transnacionais. Destaca-se, ainda, que o
CNDI não possuía apenas representação empresarial, verificando-se, pela primeira vez
na história brasileira, a presença de três das principais centrais sindicais do país: Central
Única dos Trabalhadores (CUT), Força Sindical e Central Geral dos Trabalhadores do
Brasil (DE TONI, 2013; QUEIROZ-STEIN, 2016).
O resultado foi uma alta adesão da sociedade civil. Em média, os conselheiros da
sociedade civil participaram de 54,78% da reunião, valor alto quando se compara à
média de participação dos ministros conselheiros, que foi de 30,45%6. Além disso, esses
conselheiros participaram ativamente em grupos de trabalho, formados em conjunto
com agentes da burocracia estatal, para dar encaminhamento às deliberações no período
entre reuniões (QUEIROZ-STEIN, 2016).
No que se refere ao accountability, a própria composição do CNDI criava uma
dinâmica que favorecia a prestação de contas e forçava o debate a se centrar em temas
de interesse geral. A presença de atores advindos de posições heterogêneas na estrutura
socioeconômica, com interesses diferentes e, até mesmo divergentes, favorecia que uns
estivessem vigiantes para com as ações dos outros. Ainda, destaca-se a que a
participação de centrais sindicais, as quais também possuíam diferenças importantes

6
Uma das causas da baixa participação dos ministros é o constante rearranjo de coalização para garantir
apoio no legislativo, o que implica em constantes trocas de indicações ministeriais. Por exemplo, somente
pelo Ministério de Minas e Energia, entre 2003 e 2007, passaram quatro ministros diferentes. Assim, com
exceção dos seis ministros anteriormente citados, os quais participaram em mais de 50% das reuniões,
observou-se a presença em reuniões de mais 20 pessoas que ocuparam o cargo de ministro ou ministro-
interino e, assim, possuíam assento no CNDI, mas que não frequentaram mais do 41,67% das reuniões.
17

entre si, favorecia ao controle direto das relações entre governo e capital pelos
trabalhadores.
Assim, pode ser afirmado que as relações diretas entre governo e sociedade civil,
em uma arena pública e institucionalizada, contando com a presença de atores
heterogêneos, favorecia o controle social sobre a política industrial, evitando a captura
por interesses particulares. Contudo, é preciso ressaltar que o CNDI não apresentava
veículos de comunicação e difusão de informações para um público mais amplo. Por
exemplo, ao contrário do CDES, não possuía um site na web em que os cidadãos
pudessem acessar facilmente todas as atas de reuniões, notícias e outros documentos.
Mesmo para esta pesquisa, só foi possível acessar as atas de reuniões do CNDI
realizando uma solicitação via portal da transparência do Governo Federal.
Analisando as trocas informacionais desse conselho, percebe-se que essas trocas
operavam em múltiplos sentidos, de modo que os diversos atores que o compunham
tiveram espaço para apresentar estudos, visões e posicionamentos nas reuniões do
CNDI e nos grupos de trabalho, em que conselheiros participavam ativamente, junto aos
técnicos estatais. O CNDI, entre 2004 e 2007, não era um espaço em que simplesmente
o governo anunciava suas políticas. Pelo contrário, havia participação ativa dos
conselheiros da sociedade civil e, em praticamente todas as reuniões, verificava-se a
presença de consultores técnicos ou funcionários da burocracia pública que traziam
informações e análises para subsidiar os debates. Também, não raro, ocorria a
apresentação e a discussão de estudos realizados pelas entidades participantes, inclusive
chegando a se realizar reuniões exclusivas para este fim.
O CNDI também foi um espaço importante para promover a coordenação de
ações e interesses entre as partes interessadas na política industrial brasileira, no período
entre os anos de 2004 e 2007. Nesse sentido, um primeiro elemento, já ressaltado
anteriormente, foi a coordenação governamental. A política industrial brasileira não tem
por característica ser executada por uma agência central com amplos poderes, como
seria o caso, por exemplo, do MITI japonês (JOHNSON, 1982). Pelo contrário, os
instrumentos mobilizados para atingir suas diretrizes estão dispersos em uma gama
significativa de ministérios, agências e empresas públicas, os quais possuem autonomia
entre si e distintas lógicas de organização burocrática e de relacionamento com setores
da sociedade brasileira. O CNDI, dessa forma, passou a ser um espaço de contato
constante entre ministros e burocratas sendo que, a partir das reuniões, se criavam
grupos interministeriais para avançar na construção das políticas (DE TONI, 2013).
18

Dinâmica semelhante ocorria no que se refere ao setor privado, que participava


ativamente de comitês e grupos de trabalho responsáveis por dar forma concreta às
deliberações (QUEIROZ-STEIN, 2016).
Mas, o mais importante, é a forma que essa coordenação levou à efetividade das
deliberações. A discussão ampla, envolvendo atores heterogêneos, tendo por objeto
instrumentos e normativas de desoneração tributária e de incentivos à inovação, em uma
arena de diálogo público, coletivo e institucionalizado, impeliu à ação coordenada entre
empresários de diversos setores, de modo aberto e transparente aos olhos das diversas
instâncias governamentais e das centrais sindicais, rompendo com lógicas
particularistas, de pressão e acesso privilegiado à burocracia estatal. Assim, não à toa,
chegou-se na proposição de regulamentações horizontais, como a Lei da Inovação e a
Lei do Bem. Essas leis criaram medidas regulatórias, as quais facilitavam a interação
entre fundos governamentais de financiamento, universidades públicas e empresas em
investimentos em inovação. Também, previam descontos no imposto de renda para
empresas que investissem em Pesquisa e Desenvolvimento.
Ressalta-se que também foram formuladas políticas verticais, mas que possuíam
um claro sentido público e abrangente. Nesse caso, pode-se destacar a alocação de
recursos orçamentários no Fundo Nacional para o Desenvolvimento de Ciência e
Tecnologia, que destina recursos para inovação em áreas específicas, como
biotecnologia e pesquisa nuclear, sendo que as empresas devem concorrer em editais
públicos para acessar estes recursos (DE TONI, 2015).
Dessa maneira, pode-se afirmar que no primeiro governo Lula, especialmente
entre 2004 e 2007, o CNDI possibilita a consolidação de um alto nível de capacidade
política, o que, por sua vez, encontra-se subjacente à formulação de uma política
industrial criativa, estratégica e horizontalizada. Essa política industrial, no longo prazo,
apresenta bons resultados, principalmente no que diz respeito ao fomento à inovação
(DE TONI, 2015). Contudo, em março de 2007, no início do segundo governo petista,
ocorre a troca do Ministro do Desenvolvimento e, durante todo esse governo, não
ocorrem reuniões do CNDI. Ou seja, o CNDI é extinto durante esse período e, dessa
maneira, perdem-se as capacidades políticas construídas no período anterior.
Concomitantemente, ocorre uma ampliação do número de setores abrangidos pela
política industrial e, também, passa-se a utilizar de instrumentos de desoneração
tributária para se fazer política industrial, especialmente desonerando impostos que
incidem sobre investimentos e bens de consumo durável, dentro do escopo de políticas
19

anticíclicas formuladas com o propósito de combater a crise econômica de 2008


(QUEIROZ-STEIN, 2017).
Entre 2011 e 2014, período que abrange o primeiro governo Dilma Rousseff,
pode-se considerar que ocorreu uma tentativa de colocar novamente em funcionamento
o conselho da indústria, reestruturando-o. Contudo, essa tentativa não foi o suficiente
para recuperar as capacidades perdidas. Durante os quatro anos, ocorrem apenas três
reuniões do CNDI (Gráfico 2), as quais tiveram por principal função ser um espaço em
que o governo anunciava diretrizes de política industrial e de política macroeconômica
ao empresariado e aos sindicalistas. As capacidades fundamentadas em trocas
informacionais e coordenação de ações interesses não foram recuperadas (QUEIROZ-
STEIN, 2017). Concomitantemente, o Plano Brasil Maior, política industrial
implementada no período, abrangeu 53 setores da economia brasileira, perdendo foco
estratégico, e foi mais agressivo em promover desonerações tributárias, as quais
passaram a desonerar, também, impostos sobre consumo e sobre folhas de pagamento.
O montante de desonerações foi tão significativo no período que levaram a causar
desequilíbrios para as contas públicas no ano de 2015, sendo uma das origens da crise
fiscal brasileira (SOUZA; BÔAS, 2015).

Gráfico 2- Número de Reuniões de Pleno do CNDI (Ordinárias e Extraordinárias)

0
2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014

Número de Reuniões Ordinárias e Extraordinárias

Fonte 1 - Elaboração próprias com base nas atas do CNDI, em notícias vinculadas por agências governamentais e em
análises apresentadas por De Toni (2013).
20

Os Conselhos de Competitividade do Plano Brasil Maior

Retomando uma estratégia de governança que é recorrente na política industrial


brasileira desde a década de 1990 (ARBIX, 1996; DE TONI, 2013), no Plano Brasil
Maior criou-se conselhos setoriais tripartites, de caráter consultivo. Ao todo, seriam 19
conselhos, que teriam a função de realizar diagnósticos setoriais, contribuir na
elaboração e implementação de políticas setoriais e sugerir contrapartidas empresariais
para a consecução das metas dessas políticas.

Sobre a adesão governamental, deve-se ressaltar a intencionalidade de abrir


esses espaços de diálogo e prever uma explícita função para esses conselhos dentro da
estrutura de governança do PBM, ao contrário de outras experiências ad hoc e quase
informais que existiram nas décadas passadas. O fato de possuir essa posição funcional
claramente delimitada e um estatuto que regia o funcionamento dos colegiados também
seria um elemento a contar pontos em termos de institucionalização. Ainda, pode-se
afirmar que havia um bom desempenho no que se refere ao accountability, pois na
página da web do PBM, as atas de boa parte das reuniões, os nomes dos conselheiros e
outros documentos organizativos eram facilmente acessíveis. Dessa forma, pelo menos
nesses três critérios, esses conselhos apresentavam potencial de mobilização de
capacidades políticas.

Contudo, essas percepções necessitam ser ponderadas. O estatuto que regia o


funcionamento desses conselhos previa que se realizassem reuniões trimestrais. Porém,
ao longo de quatro anos, em média cada conselho se reuniu apenas cinco vezes. Ainda,
ocorre uma concentração de reuniões no ano de 2012, com uma média de 3,3 reuniões, a
qual decai para 1,7 em 2013 e para 0,2 em 2014 (Tabela 1). Assim, pode-se afirmar que,
na prática, essas arenas reproduziram um histórico de baixa institucionalização,
perdurando pouco ao longo do tempo e não criando expectativas de serem espaços
permanentes de negociação, que tenham em vista o desenvolvimento das políticas
industriais no longo prazo. Também, fica clara a concentração de reuniões no ano de
2012, quando a política estava em vias de formulação. Nos anos subsequentes, que
envolveriam etapas de monitoramento e avaliação, decai significativamente o número
de encontros. Portanto, ao contrário do que ficava expresso nas intenções formais,
expressas em documentos do PBM, esses conselhos tiveram um papel limitado na
estratégia de consolidação de apoio político do governo à fase de formulação, o que
impediu de desenvolver todo o potencial em termos de capacidade política.
21

Tabela 1- Número de Reuniões dos Conselhos de Competitividade

Conselho de Competitividade 2011 2012 2013 2014 Total


Defesa, Aeronáutica e Espacial 0 3 4 1 7
TIC/Complexo Eletrônico 0 6 1 0 7
Serviços Logísticos 0 3 4 0 7
Serviços 0 3 4 0 7
Comércio 0 3 4 0 7
Química 0 4 2 0 6
Mineração 0 4 2 0 6
Móveis 0 3 2 0 5
Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos 0 4 1 1 5
Complexo da Saúde 1 2 3 0 5
Petróleo, Gás e Naval 0 3 1 0 4
Bens de Capital 0 3 1 1 4
Couro, Calçado, Têxtil e Confecções, Gemas e Joias 0 3 1 0 4
Automotivo 0 4 0 0 4
Construção Civil 0 3 1 0 4
Agroindústria 0 3 1 0 4
Energias Renováveis 0 3 0 0 3
Metalurgia 0 3 0 0 3
Celulose e Papel 0 3 0 0 3
Total 1 63 32 3 95
Média 0,1 3,3 1,7 0,2 5,0
Fonte: (ABDI, 2014)

Para se analisar com maior acuidade os indicadores de capacidades políticas


restantes, optou-se por estudar detalhadamente dois desses conselhos: o Conselho de
Competitividade da Indústria de Defesa, Aeronáutica e Espacial (CCDAE) e o Conselho
de Competitividade da Indústria Química (CCQ). Os critérios levados em conta para
escolha desses conselhos foram a disponibilidade de dados, o potencial tecnológico e a
frequência e distribuição ao longo do tempo das reuniões.

Na análise das atas das reuniões desses conselhos não se verificou a participação
de Ministros de Estado ou de presidentes de empresas ou bancos públicos. A
participação de altos escalões governamentais ocorreu, no máximo, com a presença de
burocratas que ocupavam o cargo de diretores em seus órgãos ou, no caso do CCDAE,
de oficiais militares com patente de Coronel e General. Portanto, nesse critério, os
arranjos setoriais apresentavam menor capacidade política do que as outras arenas
estudadas.
22

No que se refere à representação, na composição original do CCDAE previa-se


que 52,63% dos conselheiros teriam por origem agências estatais, 31,58% seriam
representantes empresariais e 15,79% seriam representantes de trabalhadores. Para o
CCQ esses percentuais seriam de 39,29%; 42,86% e 17,86%, respectivamente. Quando
se observa esses indicadores para os conselheiros que participaram de mais de 50% das
reuniões, no CCDAE esses percentuais vão para 79,17% de representantes
governamentais, 16,67% de empresários e 4,17% de trabalhadores. Por sua vez, no
CCQ observam-se os seguintes valores: 37,5%; 37,5%; 25,00%, respectivamente. Ou
seja, na prática, ocorreu uma clara predominância de agentes governamentais no
CCDAE, o que levou a uma menor adesão da sociedade civil. Já no CCQ percebe-se um
maior equilíbrio na participação e uma maior adesão dos agentes não estatais.

Ambos os conselhos apresentaram bons desempenhos no que se refere às trocas


informacionais e à coordenação de ações e interesses. Na leitura das atas, é possível
perceber que o CCQ não foi apenas um espaço de anúncio de medidas governamentais.
Em todas as reuniões, podia se verificar a participação de empresários e trabalhadores e
esses discutiam as proposições governamentais, apresentavam suas críticas,
diagnósticos e sugestões de políticas, além de fazer reivindicações ao governo. Ainda,
nesse espaço se dividiu trabalho entre os órgãos governamentais e os representes da
sociedade civil, de modo a aprimorar as propostas da agenda estratégica. Isso se refletiu
em termos de efetividade. Nesse âmbito se avançou na proposta do Regime Especial de
Incentivo ao Investimento na Indústria Química (REPEQUIM), no Regime Especial de
Incentivo ao Desenvolvimento de Infraestrutura da Indústria de Fertilizantes (REIF), na
desoneração do PIS/CONFINS para a cadeia petroquímica e no Regime Especial de
Incentivo à Inovação na Indústria Química (REIQ-Inovação).

Na análise dos registros das reuniões do CCDAE, a ocorrência de processos


semelhantes pode ser inferida. Não há predominância de fala de apenas um setor.
Empresários e representantes de trabalhadores possuem seus “comentários/sugestões”
recorrentemente citados nas atas. O mesmo se observa entre os diversos órgãos
governamentais presentes nas reuniões. Assim, os debates focalizaram diversos aspectos
como as diretrizes estratégicas gerais para as cadeias produtivas, os instrumentos que
seriam utilizados, a definição de metas, as fontes de financiamento, as políticas de
incentivo às exportações, a necessidade de fomentar as Micro e Pequenas Empresas do
setor, o desenvolvimento e as fronteiras tecnológicas, etc. Nas reuniões ocorridas em
23

2013, em que o principal objetivo era monitorar o andamento das agendas setoriais,
dividiram-se os participantes em grupos de trabalho. Muitas vezes, esses grupos foram
liderados por representantes da sociedade civil. Por sinal, tendo em vista que o principal
objetivo dos conselhos de competitividade era delimitar as agendas estratégicas
setoriais, nesse ponto houve coordenação dos atores no sentido realizar uma série de
tarefas, das quais participaram inclusive representantes da sociedade civil. Entre essas
tarefas estava melhorar o detalhamento de ações, rever a redação, consultar terceiros
sobre informações pertinentes e construir cronogramas.

No CCDAE, o fluxo de informações também foi importante ao se discutir três


pontos que vieram à tona em diversos momentos: utilização de compras governamentais
para fomentar o setor; déficit de mão-de-obra qualificada; financiamento ao
investimento, exportações e inovações das empresas da Base Industrial de Defesa.
Todos esses temas já vinham sendo enfatizados em outros documentos da política
industrial brasileira, lançados pela ABDI, como no “Diagnóstico da Base Industrial de
Defesa Brasileira”, lançado em março de 2011, e no “Panorama da Base Industrial de
Defesa: Segmento Aeroespacial”, lançado em 2013. Ou seja, já estavam na agenda das
políticas para o setor e foram potencializados no âmbito do conselho de
competitividade.

Ao analisar quais medidas foram efetivamente incluídas na Agenda Estratégica


Setorial percebe-se que as questões do financiamento e das compras governamentais
foram contempladas no “Programa de Financiamento para Empresas Estratégicas de
Defesa”, na “Política Nacional de Compensação Tecnológica, Industrial e Comercial
(Offset)” e na criação do Núcleo de Promoção Comercial do Ministério da Defesa.
Contudo, o tema da qualificação da mão-de-obra, o qual já vinha sendo discutido como
o principal fator crítico para fomentar essa indústria, não obteve qualquer referência na
formulação final da agenda setorial. Isso ocorreu mesmo verificando-se que consta na
ata das reuniões ocorridas nos dias 13 e 14 de junho de 2013 que a proposta sobre a
temática encaminhada pelo representante da CNM/CUT, Edmilson Rogério de Oliveira,
seria levada para avaliação na ABDI. Vale lembrar que nesse conselho a representação
de trabalhadores era muito escassa. Dessa forma, pode-se concluir que o principal fator
que limitou o desenvolvimento das capacidades políticas nesse conselho foi a falta de
representatividade de atores da sociedade civil, principalmente dos trabalhadores, os
24

quais não obtiveram força suficiente para pressionar o encaminhamento de suas


demandas.

Considerações Finais
A análise dos três casos possibilita descrever a evolução das capacidades
políticas da política industrial brasileira. Pode-se considerar que o período entre 2003 e
2007 abrange um processo de estruturação dessas capacidades. Isso se expressa na
criação do CDES e do CNDI, os quais, por sua vez, operam no sentido de consolidar
bases de apoio político e legitimidade para a PITCE e formular proposições sobre a
estrutura administrativa, as diretrizes norteadoras, os instrumentos mobilizados e as
ações regulatórias do governo, dentro de um projeto mais amplo de desenvolvimento
produtivo e social. Alguns fatores foram críticos para potencializar as capacidades
políticas desses espaços, com especial destaque para o peso que tiveram na estratégia de
governo e para a presença de ministros de Estado nas reuniões; também, foi
fundamental a efetiva adesão dos agentes da sociedade civil, o que em boa medida
refletia uma cuidadosa escolha no que se refere ao critério de representatividade. Dessa
maneira, essas arenas passaram a operar trocas informacionais e a coordenar os agentes,
resultando em proposições criativas na busca de realizar políticas com o objetivo de
dinamizar a indústria brasileira.

Após esse período ocorre uma progressiva perda de capacidades. Se por um lado
o CDES continua a ser um espaço importante na formulação de diretrizes de
desenvolvimento econômico e ganha peso político com a opção de se realizar políticas
anticíclicas frente à crise econômica de 2008; por outro lado, ainda em 2007, o CNDI
deixa de se reunir. A desativação desse conselho significou a perda de um canal direto e
público de interlocução com empresários e representantes dos trabalhadores, o qual
possuía a finalidade exclusiva de debater o desenvolvimento industrial. Perde-se
sobretudo uma dinâmica política de deliberação em que a presença de agentes com
interesses distintos possibilitava a busca de coordenar interesses e ações no longo prazo,
deixando de lado o imediatismo dos interesses particulares.

A partir de 2011 essa perda de capacidades se acentua. O fator mais marcante


nesse período é que o CDES perde sua importância política e seu ritmo de atividade e
produção diminui significativamente. Isso se reflete em mudanças constantes na posição
25

institucional que esse conselho ocupa dentro da estrutura de governo. O resultado é uma
baixa efetividade no que se refere a proposições de diretrizes e ações importantes para o
desenvolvimento produtivo nacional. Destaca-se, ainda, nesse período que a tentativa de
reativar o CNDI não obtém sucesso e as reuniões realizadas tiveram mais a função de
ser um espaço de anúncio governamental do que de troca de informações e coordenação
de interesses.

Por fim, a experiência, entre 2011 e 2014, dos conselhos de competividade foi
bastante limitada, de maneira que não foi capaz de contrabalancear as capacidades
políticas perdidas no CDES e no CNDI. Essas arenas setoriais tenderam a reproduzir
um histórico de baixa institucionalização de experiências passadas, implicando em
reduzidas expectativas dos agentes da sociedade civil sobre sua efetividade, afetando,
assim, a confiança em seu funcionamento. Por sua vez, isso é reflexo da não
participação de funcionários com poder e capacidade decisória, como seria o caso de
ministros de Estado e presidentes de empresas públicas. Outro fator determinante foi a
própria precariedade do funcionamento dessas instâncias, que não se reuniam como
deveriam, predominando a realização de reuniões na fase de formulação, sem
continuidade na fase de monitoramento e avaliação das políticas. Ainda, como no caso
do CCDAE, problemas de representatividade podem ter levado a baixa efetividade das
ações discutidas nesses âmbitos.

Em relação à segunda questão proposta nesse trabalho, percebe-se que há uma


concomitância entre a evolução dessas capacidades políticas e as transformações na
abrangência e nos instrumentos da política industrial brasileira. Na fase de estruturação
das capacidades políticas, em que o CDES e o CNDI são constituídos e operam
regularmente, na política industrial se verifica uma predominância de ações verticais, de
mobilização de instrumentos regulatórios e de reestruturação de fundos de investimento
públicos, com o objetivo de fomentar ativamente o desenvolvimento tecnológico. Essa
concomitância não é simplesmente uma coincidência. De fato, uma boa parte dessas
ações foi, em algum momento, objeto de deliberação nessas arenas ou, até mesmo,
formulada em seus grupos de trabalhos. A sinergia que vinha se conformando entre os
atores nessas arenas refletia-se na política industrial em vigor no período. Nesse sentido,
à medida que se construíam as capacidades políticas, construíam-se diretrizes,
instrumentos e ações mais inovadores e criativos, em um processo político que prezava
por afastar os interesses particularistas.
26

Essa realidade muda quando, a partir de 2008, inicia-se o processo de queda nas
capacidades políticas. Mesmo que outros fatores - como a crise econômica internacional
de 2008 ou a ampliação da coalizão governante em 2007 - possam ter influenciado
significativamente na mudança de direcionamento das políticas, torna-se claro que a
progressiva perda de capacidades políticas afetou os rumos tomados. A PDP, que
abrangeu 33 setores da economia e passou a usar com maior robustez instrumentos de
desoneração tributária sobre investimento e consumo, é executada no mesmo período
em que o CNDI é desativado. No período posterior, entre 2011 e 2014, entra em
vigência o PBM, em que o uso de desonerações sobre consumo e folha de pagamentos
foi ainda maior, abrangendo mais de 55 setores da economia e sendo um fator decisivo
para que, ao final daquele governo, o Estado brasileiro se deparasse com sérios
problemas fiscais.

A análise do caso brasileiro, dessa forma, reforça argumentos bastante


difundidos na literatura sobre política industrial, os quais enfatizam o papel
determinante de arenas de interlocução público-privado para o sucesso ou o fracasso de
uma política industrial. Reforça-se que a representatividade, a presença de altos escalões
governamentais e a presença de agentes heterogêneos, que favoreçam o controle de uns
sobre os outros, são fatores cruciais para se consolidar deliberações baseadas no espírito
público e em visões de desenvolvimento de longo prazo. Na ausência desses fatores,
provavelmente a adesão governamental ou dos agentes da sociedade civil será
comprometida. Nesse caso, seria difícil conceber trocas informacionais e coordenação
de interesses suficientes para dar encaminhamento e efetividade às deliberações.

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