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Experiências etnobotânicas

na Reserva Extrativista
Chico Mendes

Organizado por
Lin Chau Ming
Maria Christina de Mello Amorozo
Almecina Balbino Ferreira

- 2018 -
Capa e contracapa
Leonardo Silva Lin

Diagramação e Impressão
Gráfica Diagrama
www.graficadiagrama.com.br

FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA SEÇÃO TÉCNICA DE AQUISIÇÃO E TRATAMENTO


DA INFORMAÇÃO, SERVIÇO TÉCNICO DE BIBLIOTECA E DOCUMENTAÇÃO. UNESP - FCA,
BOTUCATU, LAGEADO (SP)

E96 Experiência etnobotânica na Reserva Extrativista Chico Mendes /


Organizado por : Lin Chau Ming, Maria Christina de Mello
Amorozo, Almecina Balbino Ferreira. – Botucatu : Fundação de
Estudos e Pesquisas Agrícolas e Florestais,
2018
148 p.: il., color., fots

ISBN 978-85-98187-96-9
Textos de vários autores
Inclui bibliografia

1. Etnobotânica - Acre. 2. Seringueiros - Acre -Condições


sócio-econômicas. 3. Amazônia – Paisagens - Aspectos am-
bientais. 5. Agroecologia. I. Ming, Lin Chau. II. Amorozo,
Maria Christina de Mello. III. Ferreira, Balbino Almecina.

CDD 23.ed.(304.2)

Elaborada por Maria Lúcia Martins Frederico – CRB-8:5255


“Permitida a cópia total ou parcial deste documento, desde que citada a fonte”
Experiências etnobotânicas
na Reserva Extrativista
Chico Mendes
AUTORES
Almecina Balbino Ferreira
Engenheira Agrônoma pela Universidade Federal do Acre, fez mestrado e doutorado no programa em
Horticultura da Faculdade de Ciências Agronômicas da Universidade Estadual Paulista, Botucatu, SP. Hoje
é professora do Centro de Ciências Biológicas e da Natureza da Universidade Federal do Acre, em Rio
Branco. Email: almecina@yahoo.com.br

Ana Luiza Azank Veltri


Bióloga pela Universidade Estadual Paulista – Botucatu, fez mestrado no programa de programa em
Horticultura da Faculdade de Ciências Agronômicas da Universidade Estadual Paulista, Botucatu, SP.
Trabalha como professora do ensino fundamental na Prefeitura de Botucatu, SP. Email: anaveltri@hotmail.
com

Ana Paula da Silva Marques


Bióloga pela pela Universidade Estadual Paulista, Instituto de Biociências, campus de Botucatu, fez
mestrado no programa em Horticultura da Faculdade de Ciências Agronômicas da Universidade Estadual
Paulista, Botucatu, SP e atualmente é doutoranda do programa em Botânica do Instituto de Biociências da
Universidade Estadual Paulista, em Botucatu, SP. Email: anapaula_marques2004@yahoo.com.br

Ariel de Andrade Molina


Agroecólogo pela Universidade Federal de São Carlos, campus de Araras, SP. Fez mestrado no programa
em Horticultura da Faculdade de Ciências Agronômicas da Universidade Estadual Paulista, Botucatu, SP.
Atualmente é doutorando no programa em Botânica do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, em
Manaus, AM. Email: ariel.molina_agroeco@yahoo.com.br

Bárbara Pacheco Lopes


Bióloga pela Universidade Federal de São Carlos, campus São Carlos, fez mestrado no programa em
Horticultura da Faculdade de Ciências Agronômicas da Universidade Estadual Paulista, Botucatu, SP.
Email: ba.lopes08@gmail.com

Bernardo Tomchinsky
Engenheiro Agrônomo pela Universidade Estadual Paulista – Botucatu, SP, fez mestrado e doutorado
no programa em Horticultura da Faculdade de Ciências Agronômicas da Universidade Estadual Paulista,
Botucatu, SP. Atualmente é docente na Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará, em Marabá. Email:
btomchinsnky@gmail.com

Cauê Trivellato
Agroecólogo pelo Instituto Federal de Educação, Ciências e Tecnologia do Sudeste de Minas, campus
Rio Pomba, MG. Fez mestrado no programa em Horticultura da Faculdade de Ciências Agronômicas da
Universidade Estadual Paulista, Botucatu, SP e atualmente é doutorando no mesmo programa e professor
substituto no Instituto Federal de Educação do Amazonas, campus de São Gabriel da Cachoeira. Email:
caue.trivellato@gmail.com

Daniel A. Villamil Montero


Biólogo formado pela Pontifícia Universidad Javeriana, em Bogotá, Colômbia. Fez mestrado e Doutorado
no programa em Horticultura da Faculdade de Ciências Agronômicas da Universidade Estadual
Paulista, Botucatu, SP. Atualmente é pesquisador da Comissão Pró-Índio – Acre, em Rio Branco. Email:
dvillamontero@gmail.com
Daniel Henrique Oliveira
Engenheiro Agrônomo pela Universidade Estadual Paulista – Botucatu, SP, faz mestrado no programa
em Horticultura da Faculdade de Ciências Agronômicas da Universidade Estadual Paulista, Botucatu, SP.
Trabalha atualmente na empresa Natura. Email:d.h.oliveira@hotmail.com

Dayane Graziella Pereira de Oliveira dos Santos


Agroecóloga formada pela Universidade Federal de São Carlos, campus de Araras, SP, fez mestrado no
programa em Horticultura da Faculdade de Ciências Agronômicas da Universidade Estadual Paulista,
Botucatu, SP e atualmente é doutoranda no mesmo programa. Email: daygrazi@hotmail.com

Dimitrio Fernandes Schievenin


Engenheiro Florestal formado pela Universidade Federal de Lavras, MG e mestrado no Programa em
Ciência Florestal da Faculdade de Ciências Agronômicas da Universidade Estadual Paulista, Botucatu, SP,
e atualmente trabalha em projetos com florestas nativas em sua empresa de consultoria. Email: dimitrio.
eng@gmail.com

Felipe Roberto Ruppenthal


Estudante de Biologia do Centro de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Santa Catarina, em
Florianópolis. Email: rfeliperoberto@gmail.com

Fernando Santos Cabral


Estudande de Biologia do Centro de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Santa Catarina, em
Florianópolis. Email: fscabral92@gmail.com

Gabriela Carolina Villamagua Vergara


Engenheira Florestal formada na Universidad Nacional de Loja, Equador e Mestrado no Programa de
Manejo e Gestão Integral de Bacias Hidrográficas no Centro de Agronômico Tropical de Pesquisa e Ensino,
em Turrialba, Costa Rica. Atualmente é doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Ciência Florestal
da Faculdade de Ciências Agronômicas, Botucatu, SP. Email: g_villamagua@yahoo.com

Gabriela Granghelli Gonçalves


Bióloga pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas, fez mestrado e doutorado no programa em
Horticultura da Faculdade de Ciências Agronômicas da Universidade Estadual Paulista, Botucatu, SP.
Atualmente é pós doutora na mesma faculdade. Email: gabriela.granghelli@gmail.com

Gabriela Silva Santa Rosa Macedo


Engenheira Agrônoma pela Universidade Estadual Paulista - Botucatu, SP. Fez mestrado no programa
em Horticultura da Faculdade de Ciências Agronômicas da Universidade Estadual Paulista, Botucatu,
SP. Atualmente é doutoranda do programa de pós graduação em Ambiente e Sociedade na Unicamp,
Campinas, SP. Email: gabriela_santarosa@yahoo.com.br

Galdino Xavier de Paula Filho


Engenheiro Agrônomo pela Universidade Federal do Pará, fez mestrado em Agroecologia na Universidade
Federal de Viçosa, MG, e atualmente é doutorando em Agroecologia pela Universidade Federal de Viçosa,
MG e professor da Universidade Federal do Amapá, em Macapá. Email: galdinoxpf@gmail.com

Gláucia Regina Santos


Engenheira florestal formada pela Universidade Federal de Lavras, MG. Fez mestrado no programa de pós-
graduação em Ciência Florestal da Faculdade de Ciências Agronômicas, Universidade Estadual Paulista,
Botucatu, SP e atualmente é doutoranda do programa de pós-graduação em Recursos Florestais da
Universidade de São Paulo, campus de Piracicaba. Email: glauciaflorestal@gmail.com
Hector Alonzo Gomez Gomez
Engenheiro Agrônomo formado pela Universidad Nacional de Agricultura em Catacamas, Honduras e fez
mestrado no Programa de Ciências Agropecuárias da Universidade Nacional do Chile, em Santiago do
Chile e atualmente faz doutorado no programa em Horticultura da Faculdade de Ciências Agronômicas da
Universidade Estadual Paulista, Botucatu, SP. Email: ghectoralonzo@ug.chile.cl

Ineilian Bruna Correa da Costa


Bióloga pela Universidade Federal do Mato Grosso, campus de Rondonópolis, fez mestrado no programa
em Horticultura da Faculdade de Ciências Agronômicas da Universidade Estadual Paulista, Botucatu, SP.
Atualmente é docente do Instituto Federal de Educação do Mato Grosso, campus Rondonópolis. Email:
inei_bruna@hotmail.com

Juan David Solano Mendoza


Engenheiro Agrônomo pela Universidad Nacional da Colombia, em Palmira, e fez mestrado no programa
de pós-graduação em Horticultura da Faculdade de Ciências Agronômicas da Universidade Estadual
Paulista, Botucatu, SP e atualmente é doutorando no mesmo programa. Email: juan.solanomendoza@
gmail.com

Kátia Mara Batista


Socióloga pela Universidade Norte do Paraná, em Londrina, fez mestrado em Extensão Rural na
Universidade Federal de Santa Maria, RS e doutorado no programa de pós-graduação em Ciências
Ambientais da Universidade do Extremo Sul Catarinense – UNESC, em Criciúma, SC. Atualmente está
aposentada. Email: katia.batista@unesc.net

Kennedy de Araújo Barbosa


Admnistrador de empresa formado pelo Centro Universitário Diocesano do Sudoeste do Paraná – UNICS,
em Palmas, PR, fez mestrado em Produção e Gestão Agroindustrial na UNIDERP, em Campo Grande, MS
atualmente é doutorando no programa de pós-grauduação em Ciências Agrárias I, do Instituto Federal
Goiano, em Rio Verde, GO. Email: kennedy.barbosa@ifgoiano.edu.br

Kleber Andolfato de Oliveira


Engenheiro Agrônomo pela Universidade Federal Tecnológica do Paraná, em Pato Branco e fez mestrado
no programa de pós-graduação em Ecologia Aplicada na Universidade de São Paulo, campus de Piracicaba
e doutorado no programa de pós-graduação em Horticultura da Faculdade de Ciências Agronômicas,
Universidade Estadual Paulista, Botucatu. Atualmente é professor da Univesidade Federal do Acre, campus
de Cruzeiro do Sul. Email: kleberandolfato@yahoo.com.br

Lin Chau Ming


Engenheiro Agrônomo pela Universidade de São Paulo, campus de Piracicaba, SP, fez mestrado em Botânica
na Universidade Federal do Paraná em Curitiba e doutorados em Botânica no Instituto de Biociências da
Universidade Estadual Paulista, Botucatu e em Produção Vegetal na Faculdade de Ciências Agronômicas e
Veterinárias da Universidade Estadual Paulista, em Jaboticabal. Atualmente é professor titular da Faculdade
de Ciências Agronômicas, Universidade Estadual Paulista, Botucatu. Email: linming@fca.unesp.br

Lina Ribeiro Venturieri


Estudante de Biologia do Centro de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Santa Catarina, em
Florianópolis. Email: linaventurieri@yahoo.com.br

Maiara Cristina Gonçalves


Bióloga pela Universidade Estadual Paulista, campus de Bauru. Fez mestrado no programa de pós-graduação
em Horticultura da Faculdade de Ciências Agronômicas, Universidade Estadual Paulista, Botucatu, SP.
Email: maiara.sp@hotmail.com
Márcio Gonçalves Campos
Engenheiro Agrônomo pela Faculdade de Ciências Agronômicas da Universidade Estadual Paulista –
Botucatu, fez mestrado programa de pós-graduação em Horticultura da Faculdade de Ciências Agronômicas
da Universidade Estadual Paulista, Botucatu, SP e atualmente é doutorando no mesmo programa. Email:
marciocamposagronomo@gmail.com

Maria Christina de Mello Amorozo


Bióloga pelo Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo em São Paulo. Fez mestrado em Ecologia
pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, em Manaus, AM e doutorado em Antropologia Social na
Universidade de São Paulo, São Paulo. Foi docente no Departamento de Ecologia da Universidade Estadual
Paulista, campus de Rio Claro, SP. Atualmente é professora aposentada. Email: mcma@rc.unesp.br

Maria Júlia Ferreira


Engenheira Florestal pela Faculdade de Ciências Agronômicas da Universidade Estadual Paulista, em
Botucatu. É mestranda do programa de pós-graduação em Botânica do Instituto Nacional de Pesquisas da
Amazônia, em Manaus, AM. Email: mjulia_123@hotmail.com

Marilza Machado
Bióloga pela Universidade Estadual do Mato Grosso, campus de Tangará da Serra. Fez mestrado no
programa de pós-graduação em Horticultura da Faculdade de Ciências Agronômicas da Universidade
Estadual Paulista, Botucatu, SP. Atualmente trabalha na Fundação Oswaldo Cruz, na Bahia. Email:
marilzabio@gmail.com

Meiling Li
Engenheira Agrônoma (Horticultura) pela Shandong De Zong College, em Shandong, China, fez mestrado
em Horticultura pela Shanghai Jiao Tong University, em Shanghai, China. Atualmente é doutoranda do
programa de pós-graduação em Horticultura da Faculdade de Ciências Agronômicas da Universidade
Estadual Paulista, Botucatu, SP. Email: lilmeilinghappy@outlook.com

Sebastião Gabriel Chaves Maia


Biólogo pela Universidade do Estado do Mato Grosso, campus de Cáceres. Fez mestrado no programa
de pós-graduação em Geografia da Universidade Federal do Mato Grosso em Cuiabá e atualmente faz
doutorado em Ecologia Aplicada na Universidade de São Paulo, campus de Piracicaba e é professor da
Faculdade Magsul, em Ponta Porã, MS. Email: sgchavesmaia@gmail.com

Thaís Vezehaci Roque


Estudante de Biologia no Instituto de Biociências da Universidade Estadual Paulista, campus de Botucatu,
fez mestrado no programa de pós-graduação em Biologia de Fungos, Algas e Plantas da Universidade
Federal de Santa Catarina em Florianópolis. Email: thaisvez@hotmail.com

Tomaz Ribeiro Lanza


Engenheiro Agrônomo pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, fez mestrado em Fitotecnia
na mesma instituição. Atualmente é doutorando do programa de pós-graduação em Horticultura da
Faculdade de Ciências Agronômicas da Universidade Estadual Paulista, Botucatu, SP. Email: tomazlanza@
gmail.com
APRESENTAÇÃO

E ste é um livro de experiências de professores e alunos da disciplina “Etnobotânica”, do programa de pós-


graduação em Agronomia, área de concentração Horticultura, da Faculdade de Ciências Agronômicas,
UNESP, Botucatu, São Paulo. Ministrada pelos professores Lin Chau Ming e Maria Christina de Mello
Amorozo (esta do Instituto de Biociências da UNESP – Rio Claro), temos, desde 1997, quando a disciplina
foi oferecida pela primeira vez, nos encarregado de, através das aulas teóricas e práticas, incentivar os
alunos nela matriculados, a conhecer, pesquisar e estudar um pouco mais os diferentes conteúdos que
esta lhes proporciona.
Equilibrar conteúdos teóricos com experiências práticas em campo, em comunidades tradicionais
e indígenas, foi também, sempre, um dos objetivos e necessidades do nosso trabalho como professores.
Onde fazer essas aulas práticas? Como o Brasil é um país megadiverso em termos de riquezas naturais,
e como também temos uma sócio-diversidade bastante alta, as opções para isso não faltariam. Estamos
num paraíso de alternativas, poderiam pensar alguns. Mas isso nem sempre corresponde à verdade ou
nem tudo é possível ou adequado diante da realidade. Para que esse objetivo seja alcançado de maneira
mais plena, é preciso garantir um mínimo de conhecimento, articulação e participação das comunidades.
Querer realizar o trabalho de campo em uma comunidade com a qual não se tem nenhum envolvimento
anterior, é perder tempo e desperdiçar esforços. Então, para essa atividade teríamos que contar com
comunidades com as quais os professores já tivéssemos contato e experiências. Foi assim que aconteceu.
Começamos com comunidades quilombolas no vale do Ribeira em São Paulo e por lá ficamos em
alguns anos. Depois, nos enveredamos por comunidades rurais nos sopés da Serra da Mantiqueira, ainda
no Estado de São Paulo. Em momentos seguintes, descemos até comunidades tradicionais na Serra do
Mar, na região de Cunha, SP. Foram experiências interessantes, o trabalho com comunidades normalmente
esquecidas e até “invisíveis” aos olhos do restante da sociedade.
Passados alguns anos, o trabalho de campo seguiu em comunidades indígenas Xavante, na região
do rio das Mortes, no Mato Grosso. Depois, alteramos a rota, e no mesmo Estado, ficamos envolvidos
em trabalho em comunidades indígenas Paresi, numa região de cerrado contínua, em diferentes Terras
Indigenas, que completam mais de um milhão de ha. A mudança de comunidades tradicionais que habitam
regiões da Mata Atlântica paulista para populações indígenas no cerrado do Brasil Central foi sentida, os
trabalhos de campo indo cada vez mais em direção ao desconhecido pela maioria dos alunos. Locais cada
vez mais distantes e com dificuldades adicionais de acesso, infraestrutura, vegetação, unidades de paisagem,
e principalmente, em tradições culturais e condições sociais, mas que certamente foram boas experiências
para os alunos e também para nós professores.
Em 2014, a parte prática seria em local diferente, talvez um desafio maior: em comunidade de
seringueiros na Reserva Extrativista Chico Mendes, no Acre. A Amazônia é uma região onde provavelmente
a grande maioria dos alunos nunca esteve, e decerto seria um grande sonho para todos eles, acostumados
a vivenciar locais mais pertos, da região sul-sudeste do Brasil. Seria também uma excelente oportunidade
para rever os amigos que fizemos naquele local e também poder verificar as mudanças ocorridas , decorridos
mais de 20 anos, desde a primeira vez que o professor Lin por lá esteve, trabalhando (e vivendo) junto com
as famílias de seringueiros, e que permitiu a ele fazer suas pesquisas de doutorado e de livre-docência na
UNESP.
Então, foram 3 anos de atividades práticas com os seringueiros do Acre. A disciplina havia sido
oferecida anualmente, ao invés de bienalmente, e a partir desse primeiro momento, contou com a
participação de Almecina Balbino Ferreira, moradora do Acre há muitos anos, e doutoranda no mesmo
programa da UNESP na época e hoje docente da Universidade Federal do Acre, que articulou e organizou
todas as atividades naquele Estado amazônico. Além disso, o tempo em campo passou a ser mais longo,
cerca de 18 dias, permitindo uma vivência mais intensa.
Nesses anos, os alunos de 3 turmas da Horticultura da UNESP de Botucatu puderam ter experiências
de campo relacionadas às atividades do dia-a-dia daquelas comunidades e que tivessem relação com
as plantas do local, sob diferentes enfoques. Nas aulas os alunos foram divididos em grupos, sempre
acompanhados por um ou mais (sempre por mais!) morador local, para que pudessem aproveitar da
melhor maneira possível as atividades propostas. A grande maioria dos alunos não tem ou nunca teve
experiência na região amazônica, tampouco teve chance de morar, mesmo que por um curto período, em
uma comunidade tão diferente daquela em que eles estão mais acostumados em suas regiões de origem.
Assim, os grupos fizeram trabalhos de campo que envolveram diferentes etapas. A partir da saída
de Botucatu até Rio Branco (em viagem de ônibus – terríveis 3 dias , ou viagem mais tranquila de avião),
a hospedagem na capital acriana, as aulas e visitas técnicas na Universidade Federal do Acre, na Embrapa
Acre, na FUNTAC e na Comissão Pró-Índio, Acre, passando por organizar as compras para a viagem, os
veículos para transporte até Xapuri e depois até a Semitumba, colocação do Seringal Sibéria e que foi o
núcleo central da turma, tudo serviu de experiências novas aos alunos. Foi nesta colocação, onde armamos
nossas redes nas salas de aulas da escola municipal local, cozinhamos na sua cozinha (água carregada em
baldes da cacimba mais ou menos próxima) e fizemos nossas refeições e reuniões nas mesas de madeira do
salão da escola, junto com muitos moradores da comunidade. Ah, sem esquecer que também onde foram
realizadas as festas (muito forró, obrigado ao Zé Gaudêncio e filhos!) e oficinas oferecidas para os moradores.
A primeira atividade realizada foi a do conhecimento das pessoas que moravam nessa colocação
e nas outras no seu entorno, um pequeno censo demográfico, que procurava obter informações sobre a
origem dos habitantes, gênero, idade, anos de moradia, relações sociais, principais atividades econômicas,
ou seja, um retrato rápido dos moradores. Feito isso, os grupos se organizaram para fazer os outros trabalhos
propostos, todos eles transformados nos capítulos desse livro.
Realizaram, com esforço e responsabilidade, todas as tarefas propostas. Essas atividades foram
traduzidas em relatórios escritos e fotos, e que, de uma maneira complementar e como experiência
acadêmica, foi proposto que fossem publicados na forma de um livro, não somente para que os alunos
pudessem ter a experiência de escrever os textos para um livro, mas também que esse livro fosse uma forma
de devolução à comunidade do trabalho de campo realizado nesses 3 anos na RESEX – Chico Mendes em
Xapuri, e que essas informações também possam ser usadas pelos moradores, ajudando-os a conhecer, de
maneira um tanto diferente do que estão habituados, e poder também ajudá-los a manter essa unidade de
conservação sob sua administração e a garantir a manutenção dos modos de vida de suas famílias. Muito
possivelmente estarão com alguns erros, na verdade, serão assumidos de antemão, mas como se tratam de
textos de exercícios práticos, em ambiente natural e culturalmente bastante diferente dos dos estudantes
que participaram dos trabalhos, é compreensível. De toda forma, agradecemos qualquer ajuda para sua
localização e correção.
Para cada texto foram realizadas pesquisas em literatura, para subsidiar o conteúdo, porém, o
que mais interferiu e o que mais foi importante, sem dúvida, foi a experiência prática adquirida durante os
períodos de vivência no local. A diferença é bem grande. Os textos escritos são sobre as experiências das
atividades do trabalho de campo nesse período das disciplinas, mas também refletem experiência de vida
que cada um passou, sejam alunos ou professores.
Foram experiências intensas, e com certeza, deixaram marcas em cada um. Difícil dizer quais foram
mais importantes, não é necessário saber isso. Importa sim, que foram períodos ímpares que perduram
em nossas memórias e que nos fazem refletir sobre cada momento. Esperamos que esse livro seja útil para
alunos, professores, seringueiros e todos aqueles que defendem as diferentes comunidades tradicionais
brasileiras e os ambientes onde vivem.
Gostaríamos de agradecer o inestimável apoio das instituições do Acre, o que possibilitou a
realização de várias das ações durante as estadias no Estado, em especial à EMBRAPA – Acre, Universidade
Federal do Acre, Fundação de Tecnologia do Estado do Acre, Comissão Pró-Índio – Acre, Secretaria de Estado
de Educação e Esporte do Acre, Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade e Associação
dos Moradores e Produtores da Resex Chico Mendes em Xapuri, nas figuras de seus dirigentes, técnicos,
pesquisadores, professores e funcionários. E ao apoio financeiro da CAPES – PROCAD, permitindo a
participação de mais pessoas nas atividades de campo no Acre.
Finalmente, nossos mais sinceros agradecimentos a todas as famílias da RESEX Chico Mendes, que
nos acolheram com extrema simpatia e boa vontade, e mostrando um pouco de sua rica sabedoria, em
especial aos moradores da Colocação Semitumba, sem os quais, nada disso teria acontecido.

Botucatu e Xapuri, julho de 2018.

Os organizadores
Experiências etnobotânicas na Reserva Extrativista Chico Mendes 11

PREFÁCIO
Moacir Haverroth
Pesquisador - Embrapa Acre

O curso de “Etnobotânica” tem sido oferecido a alunos de pós-graduação da Faculdade de Ciências


Agronômicas da Unesp, Campus de Botucatu, pelo professor Dr. Lin Chau Ming e Maria Christina de Melo
Amorozo, da Unesp, Campus Rio Claro, contando com diversos(as) colaboradores(as) ao longo das várias
edições do curso. Por três ocasiões (2013, 2015 e 2016), o local da parte de campo escolhido foi a Reserva
Extrativista Chico Mendes (Resex Chico Mendes), tendo como base, a Colocação Semitumba, no Seringal
Sibéria, município de Xapuri, Acre. A escolha do local não é por acaso. Há uma relação estreita do prof. Lin
Chau Ming com o Acre, com a Resex Chico Mendes e, especialmente, com o Seringal Sibéria/Colocação
Semitumba, onde ele realizou suas pesquisas de campo ao longo da década de 1990 (Ming, 2007) e com
cujos moradores ele nunca deixou de manter contato e relações de trabalho e amizade. Este fato não só
facilita a articulação com a comunidade, mas estabelece uma relação de confiança que é fundamental para
o bom andamento dos trabalhos, considerando que, por alguns dias, o cotidiano da comunidade é alterado
pela presença de mais de dez visitantes que acabam, durante esse período, se tornando “moradores”
cheios de curiosidades e muitas perguntas, mas também ávidos por compartilhar suas experiências e
conhecimentos que trazem na bagagem.
Um empreendimento dessa natureza requer muita doação, muita vontade de fazer, de ensinar,
de aprender, de compartilhar. Esse é o espírito que conduziu tais experiências e que tornou possíveis três
edições do curso aqui no Acre. Nessas três oportunidades, tivemos o prazer de participar como organizadores
locais da disciplina, juntamente com a professora Almecina Balbino Ferreira (então bolsista da CAPES na
Embrapa em convênio com a Unesp/Botucatu e, atualmente, professora da Universidade Federal do Acre),
fazendo as articulações institucionais com parceiros, montando a programação desde a chegada das turmas
a Rio Branco, incluindo os convites de palestrantes, professores(as) e pesquisadores(as), representantes
de organizações indígenas, indigenistas, governamentais e outros, a logística de hospedagem e transporte
durante os dias em Rio Branco e para a Colocação Semitumba, já na Resex Chico Mendes, em Xapuri, e
respectivos retornos. Antes disso, porém, a saga se inicia lá em Botucatu, onde a disciplina é oferecida,
alunos(as) se inscrevem e se inicia, então, uma difícil negociação e preparação para conseguir fazer as viagens
até o Acre, decidir os meios de transporte, os recursos e as formas de pagamento para, só então, seguir
viagem rumo ao desconhecido para os(as) alunos(as) e, por vezes, para professores(as) colaboradores(as).
No Acre, o curso incluiu a etapa em Rio Branco e a etapa na Resex Chico Mendes. Em Rio Branco,
tivemos visitas, aulas teóricas e de campo em diversas instituições, incluindo o Centro de Formação dos
Povos da Floresta, da Comissão Pró-Índio do Acre (que também serviu de local de hospedagem em uma
das edições), localizada na Rodovia Transacreana (http://cpiacre.org.br); a Universidade Federal do Acre,
onde os alunos tiveram aulas extremamente ricas sobre geografia, geologia, botânica e etnobotânica do
Acre, história dos movimentos sociais do Acre e manejo de recursos não madeireiros, quando pudemos
contar com as preciosas colaborações do prof. Marcos Silveira e da prof.ª Andréa Alechandre, da UFAC, e da
historiadora Selma Maria Neves de Souza, além das aulas com o próprio prof. Lin Chau Ming; e a Embrapa
Acre, onde tivemos mesas redondas que, nas diferentes edições do curso, contaram com participação
de representantes indígenas, do Governo do Estado do Acre e da própria Embrapa Acre, quando os(as)
alunos(as) tiveram oportunidade de conhecer mais sobre o movimento indígena, a formação dos Agentes
Agroflorestais Indígenas, as políticas públicas voltadas aos povos indígenas e extrativistas e os projetos de
pesquisa e desenvolvimento desenvolvidos pela Embrapa voltados a esse público e seus territórios. Nas
etapas em campo, já na Resex Chico Mendes, além do prof. Lin Chau Ming, coordenador da disciplina,
houve a participação da prof.ª Almecina Balbino Ferreira, da prof.ª Maria Christina de Melo Amorozo, da
Unesp/Rio Claro, e da prof.ª Natália Hanazaki, da Universidade Federal de Santa Catarina.
Quando começamos nossos estudos em Etnobotânica e Etnoecologia, em 1993, entre os Kaingang
12 Experiências etnobotânicas na Reserva Extrativista Chico Mendes

da Terra Indígena Xapecó, no oeste de Santa Catarina (Haverroth, 2007), havia ainda poucas referências
nessas áreas e não tínhamos a facilidade de busca por artigos pela internet, a qual ainda era bem restrita e
não dispunha as ferramentas de busca tal como conhecemos atualmente. O próprio tema ainda soava como
algo novo na academia, embora a terminologia tenha origem ainda no século XIX e estudos caracterizados
como tal não são incomuns ao longo desse período. No Brasil, no entanto, a Etnobotânica e a Etnoecologia
ganham ímpeto a partir das décadas de 1980 e 1990, quando crescem bastante os estudos nessas áreas,
já utilizando essas denominações. Na década de 1990, intensificam-se esforços no sentido de se criar
metodologias que caracterizem essas disciplinas com identidade própria, levando, então, a destacadas
publicações nacionais, até então raras (Albuquerque e Lucena, 2004, Albuquerque et al, 2008, 2010, 2014).
A Etnobotânica como disciplina em instituições de ensino também vem crescendo nos últimos
anos, tanto em cursos de graduação como de pós-graduação, tendência já demonstrada em estudo de
Fonseca-Kruel et al. (2005), o qual também aborda o crescimento da Etnobotânica como campo de pesquisa.
Este é o caso da Unesp, por meio da Faculdade de Ciências Agronômicas, Botucatu, e que, na execução da
disciplina de Etnobotânica, conta com diversas parcerias.
A participação de estudantes numa disciplina como esta, utilizando a abordagem de vivência em
comunidades por um determinado período de tempo, é de extrema importância para sua formação como
profissionais da área. São experiências muito ricas, tanto para os estudantes, como para os professores e
moradores das comunidades, e que marcam a vida dessas pessoas para sempre, podendo definir os rumos
das vidas profissionais desses(as) estudantes. São esses(as) profissionais que irão atuar em projetos de
pesquisa e desenvolvimento comunitário, valorizando modos de vida sustentáveis com relação ao meio
ambiente e à cultura e suas inter-relações.
Das experiências vividas pelas turmas do curso de Etnobotânica no Acre, especialmente suas
vivências na Resex Chico Mendes, foram reunidos, neste volume, capítulos desenvolvidos a partir de diversos
trabalhos dos alunos com a participação e orientação dos professores envolvidos, os quais aparecem como
coautores em diversos capítulos. Trata-se de um material riquíssimo e que representa um grande esforço de
toda a equipe envolvida em organizar os dados, analisar e sistematizar em textos as diversas experiências
de campo. Esta também é uma das formas de dar retorno às comunidades e parceiros, demonstrando a
importância de conjugar esforços e compartilhar resultados.
Esta obra representa um desafio em vários sentidos. Primeiro, pela ousadia em oferecer uma
disciplina de Etnobotânica, cuja natureza foge das abordagens convencionais de disciplinas mais técnicas das
ciências agrárias, tendo caráter multi, inter ou mesmo transdisciplinar. Segundo, que é uma consequência
dessa natureza, é juntar, em cada turma de estudantes matriculados, pessoas das mais diversas origens
acadêmicas, além de suas diferenças de origem, formação e, naturalmente, de idiossincrasias, todos
convivendo entre si e com os comunitários.
Nessa convivência e nesse tempo de estudos, outro desafio posto é a necessidade de desenvolverem
práticas e pesquisas rápidas, em equipes, sobre temas pertinentes à realidade local e que tenha relação
com a disciplina, bem como explorarem suas capacidades individuais e coletivas para desenvolverem
atividades lúdicas, culturais, pequenos cursos e trocas de conhecimentos em geral voltados aos comunitários.
Assim, cria-se, por alguns dias, um cenário de crescimento para todas as pessoas envolvidas, irradiando
conhecimentos e estabelecendo relações de reciprocidade. Os que retornam não são mais os mesmos, os
que ficam tampouco. Dessa complexa rede de relações, renascem novos seres.
Enfim, este livro, ao longo de seus doze capítulos, retrata um pouco dessas experiências em formato
mais acadêmico, como parte de seus treinamentos, embora todos já profissionais, alguns dos quais, inclusive,
trabalhando, atualmente, na Amazônia, influenciados em parte, senão em todo, por essa passagem pela
disciplina de Etnobotânica. Alguns dos autores já desenvolveram, ou estão em curso, em suas dissertações e
teses também na Amazônia, incluindo o Acre. Destes, tivemos a oportunidade de co-orientar uma estudante
de mestrado (Lopes, 2017) e, em andamento, um de doutorado, ambos também pela Unesp em parceria
com a Embrapa Acre, em projeto de minha coordenação na região do Alto Rio Envira, entre o Povo Kaxinawá.
Este é mais um resultado indireto do oferecimento da disciplina de Etnobotânica, aplicada nesses moldes,
trazendo retorno às regiões com profissionais qualificados e sensíveis à realidade local.
Experiências etnobotânicas na Reserva Extrativista Chico Mendes 13

Os capítulos deste livro retratam um pouco da realidade de uma comunidade da Resex Chico Mendes,
em Xapuri, no Acre. Esta Resex, no entanto, abrange cinco municípios do Acre. São muitas comunidades
espalhadas nas antigas Colocações, distribuídas conforme as estradas de seringa eram repartidas e que,
de algum modo, se redefinem na realidade atual, quando a seringa, a despeito de ainda ser um produto
importante do extrativismo, já não tem mais o mesmo peso na economia local.
Temos, neste livro, um exemplo da riqueza espalhada em tantas comunidades do Acre, da
Amazônia e do Brasil, do ponto de vista ambiental, biológico, social e cultural, muitas das quais dispostas a
compartilhar conhecimentos, mostrar como vivem, ensinar e aprender. As universidades e instituições de
ensino e pesquisa em geral podem ir muito além dos limites dos campi. Temos, aqui, um valoroso exemplo
mostrado neste livro.

Rio Branco, Acre, março de 2018

Referências Bibliográficas:
ALBUQUERQUE, U.P.; LUCENA, R.F.P. (Org.). Métodos e Técnicas na Pesquisa Etnobotânica. 1ª ed.
Recife: Editora LivroRápido/NUPEEA, 2004. v. 1. 184p.
ALBUQUERQUE, U.P.; LUCENA, R.F.P.; CUNHA, L.V.F.C. (Org.). Métodos e Técnicas na Pesquisa
Etnobotânica. 2ª ed. Recife: Comunigraf/NUPEEA, 2008. v. 1. 319p .
ALBUQUERQUE, U.P.; LUCENA, R.; CUNHA, L.V.F.C. (Org.). Métodos e Técnicas na Pesquisa
Etnobiológica e Etnoecológica. 1ª ed. Recife: Nupeea, 2010. 558p .
ALBUQUERQUE, U.P.; LUCENA, R.; CUNHA, L.V.F.C.; ALVES, R.R.N. (Org.). Methods and Techniques
in Ethnobiology and Ethnoecology. 1ª ed. New York: Springer, 2014. v. 1. 476p .
FONSECA-KRUEL, V.S.; SILVA, I.M.; PINHEIRO, C.U.B. O ensino acadêmico da Etnobotânica no Brasil.
Rodriguésia 56(87): 97-106, 2005.
HAVERROTH, M. Etnobotânica, uso e classificação dos vegetais pelos Kaingang. Recife: NUPEEA/
SBEE. 2007. 201p.
LOPES, B.P.C.S. Estudo etnobotânico de plantas medicinais da Terra Indígena Kaxinawá de Nova
Olinda, município de Feijó, Acre. 2017. 229 f. Dissertação (Mestrado em Agronomia: Horticultura) - Faculdade
de Ciências Agronômicas, Universidade Estadual Paulista, Botucatu, 2017.
MING, L.C. Zoneamento de ambientes na Reserva Extrativista Chico Mendes. Série Estudos e
Debates, Vol. 4. Recife: Nupeea/EDUFRPE/Sociedade Brasileira de Etnobiologia e Etnoecologia. 1997.
14 Experiências etnobotânicas na Reserva Extrativista Chico Mendes
Experiências etnobotânicas na Reserva Extrativista Chico Mendes 15

SUMÁRIO

1
Censo na Resex Chico Mendes:
um levantamento sócio-cultural
e econômico.......................................................................................................... 17

2
Estrada de seringa e métodos de
extração de látex: estudo de caso na
Reserva Extrativista Chico Mendes........................................................................ 29

3
Sistema de produção em casa de
farinha na Colocação Semitumba,
Reserva Extrativista Chico Mendes, Acre – Brasil.................................................. 37

4
Unidades de paisagem manejadas na
Reserva Extrativista Chico Mendes,
Amazônia brasileira.............................................................................................. 47

5
Inventário etnobotânico
da Colocação Semitumba,
Resex Chico Mendes, Acre – Brasil........................................................................ 71

6
Os maracujazeiros (Passiflora spp)
da Reserva Extrativista
Chico Mendes........................................................................................................ 81

7
Conhecimento local sobre
espécies frutíferas da RESEX
Chico Mendes, Xapuri-AC...................................................................................... 95

8
Medicina da floresta: saberes
e práticas populares dos moradores
do núcleo de base Semitumba.............................................................................. 99

9
Castanha-do-brasil:
botânica, economia e
desdobramentos sociais..................................................................................... 109

10
Reserva Extrativista Chico Mendes -
Xapuri/AC: relatos de vivências
e histórias de vidas..................................................................................... 110

11
A agricultura das famílias seringueiras: caracterização
de roçados na Reserva Extrativista
Chico Mendes – Acre................................................................................. 127

12
“Walk-in-the-woods” na Reserva
Extrativista Chico Mendes, na
Floresta Amazônica, Acre-Brasil ................................................................ 143
Experiências etnobotânicas na Reserva Extrativista Chico Mendes 17

Censo na Resex Chico Mendes:


1 um levantamento sócio-cultural
e econômico

Bárbara Pacheco Lopes; Kátia Mara Batista; Márcio Gonçalves Campos

APRESENTAÇÃO
Este estudo descreve e discute os dados obtidos na realização da atividade de censo, uma das
atividades desenvolvidas na etapa de campo da disciplina de Etnobotânica, transcorrida no Seringal
Sibéria da Reserva Extrativista Chico Mendes, no município de Xapuri, no estado do Acre. A atividade
foi realizada nos anos de 2014 e 2015 com o objetivo geral de conhecer a realidade local, vivenciada
na comunidade de seringueiros, por meio do levantamento de dados referentes aos aspectos sociais e
econômicos da população. A partir de entrevistas semi-estruturadas, uma análise de caráter quantitivo e
inferências qualitativas foi possível caracterizar a população nos diferentes aspectos estudados.

INTRODUÇÃO
“O açaí solteiro, a natureza planta.”
(seringueiro Cruel – caderno de campo: Lopes, 2015)

O estado do Acre abriga uma grande riqueza cultural, uma complexa biodiversidade e um grande
patrimônio genético vegetal. A Reserva Extrativista Chico Mendes é uma unidade de conservação que
abrange diferentes municípios do estado e foi uma das duas primeiras reservas criadas pelo Decreto n°
99.144, de 12 de março de 1990, com uma área de 970.570 ha, beneficiando 3.000 famílias (BRASIL, 2006)
No ano de 1990, devido a diferentes pressões relacionadas ao aumento da densidade populacional
e às atividades agrícolas, a alteração da cobertura vegetal no estado estava em torno de 05% ao ano (Ming,
2006). As Reservas Extrativistas (Resex) tiveram sua criação a partir deste mesmo ano e foram pensadas
como territórios destinados a garantir o uso sustentável dos recursos naturais, protegendo a cultura e o
modo de vida das populações tradicionais da floresta. Elas surgiram, bem dizer, da luta dos seringueiros
pela sua identidade e território e contra o modelo de desenvolvimento imposto, que beneficiava produções
extensivas e madeireiras tendo como consequência a concentração fundiária e a migração das populações
tradicionais, além dos impactos negativos ao meio ambiente da região. De acordo com o Conselho Nacional
dos Seringueiros (CNS, 1993), a implementação das Resex traz novas propostas para a posse e uso da terra,
visibilizando a conexão entre a questão fundiária e as questões agrária e ecológica.
Para Maciel et al. (2008), as Resex são inovações institucionais importantes para viabilizar
alternativas produtivas na floresta, a fim de contribuir para o desenvolvimento sustentável da Amazônia,
em particular na região acreana. Na reserva extrativista, de acordo com Brasil (2006), as terras pertencem
à união e aqueles que habitam as terras e nelas trabalham, tem seu usofruto. Segundo os mesmos autores,
em 1995 foi aprovado pela Portaria IBAMA nº 28-N, de 18 de abril de 1995, o Plano de Utilização da Unidade.
Muitas práticas relacionadas à saúde e religião são reflexo do mosaico cultural existente na Resex
Chico Mendes. Nas comunidades pode ser observada a coexistência de tendências distintas com origem
nas crenças populares, nas práticas das rezadeiras, curandeiros e parteiras. O seringueiro tem sua cultura
estreitamente relacionada à natureza a sua volta, pois a forma de reprodução da vida está embasada na
compreensão das interações existentes entre os ciclos da natureza e o uso dos recursos naturais. A cultura das
comunidades de seringueiros possuem um conjunto de estratégias de uso e manejo dos recursos naturais que
é reflexo dos conhecimentos adquiridos em suas vivências e observações do meio e transferidos oralmente
de geração em geração. Dessa forma, a cultura tradicional do seringueiro implicaria em comportamentos
18 Experiências etnobotânicas na Reserva Extrativista Chico Mendes

mais prudentes em termos ecológicos (ACRE, 2000).


O Seringal Sibéria, onde os grupos realizaram suas atividades de campo na Resex Chico Mendes,
é um dos locais que foram estabelecidos como seringais entre os dois ciclos da borracha, às margens do
rio Acre e que funcionava como entreposto ao município de Xapuri, cidade onde nasceu e residiu o líder
sindicalista Chico Mendes.

OBJETIVOS
O objetivo geral deste estudo foi conhecer a realidade local a partir da realização da atividade de
censo na comunidade do seringal Sibéria na Reserva Extrativista Chico Mendes. Os objetivos específicos
consistiram em:
i) Realizar levantamento de dados referentes à aspectos sociais;
ii) Realizar levantamento de dados referentes à aspectos econômicos;
iii) Conhecer as principais espécies hortícolas alimentares cultivadas;
iv) Conhecer as principais plantas medicinais utilizadas;
v) Quantificar as estradas de seringa e as castanheiras exploradas no seringal;
vi) Identificar as principais atividades produtivas;

PERCURSO METODOLÓGICO
Área de estudo
A Reserva Extrativista Chico Mendes está localizada na região sudeste do Estado do Acre, com uma
área aproximada de 970.570 ha, entre as coordenadas geográficas: 10º 06 11” a 10º 58’ 39” de latitude
Sul e 67º 56’ 13” a 69º 48’ 00” de longitude Oeste. A atividade de censo, assim como as demais atividades
de campo realizadas, foi feita em colocações do seringal Sibéria, na Resex Chico Mendes, distando,
aproximadamente, 30km da cidade de Xapuri.

Instrumento de coleta de dados


Nos dois anos em que o censo foi realizado, 2014 e 2015, foram elaborados roteiros com questões
que compuseram as entrevistas semi-estruturadas, versando sobre os aspectos estudados. Havia questões
de múltipla escolha, questões que tinham como resposta sim ou não e questões abertas. Não foi feita uma
padronização das questões para a realização do levantamento nos dois anos, de forma que os roteiros
elaborados versaram sobre os mesmos aspectos, mas com diferença na quantidade e característica das
questões abordadas. Aqui são apresentadas, de forma relacionada, nove das dez questões sistematizadas
com os dados de 2014, e a quase totalidade das 25 questões sistematizadas de 2015. Nas diferentes
colocações do seringal, as entrevistas foram realizadas pelos grupos que estiveram sempre acompanhados
por uma pessoa da comunidade. Foram feitas 12 entrevistas no primeiro ano e nove entrevistas no segundo
ano.

Análise dos dados


Para analisar os dados obtidos a partir do roteiro de questões, as informações foram compartilhadas
pelos grupos e, posteriormente, foi elaborada uma matriz com todos os dados, em cada um dos anos
e, realizada sua tabulação. A partir daí foram realizadas as sistematizações e quantificações baseadas,
essencialmente, na distribuição simples dos dados. De maneira concomitante foram também feitas as
leituras qualitativas para a caracterização da população estudada. Dessa forma, a análise possui um caráter
quantitativo com a presença de inferências qualitativas.

Colocações visitadas e caracterização dos/as participantes


Somando os dois levantamentos realizados pelos/as estudantes de 2014 e 2015, as entrevistas
foram feitas nas seguintes colocações do seringal: “Cajueiro”, “Amansa Brabo”, “Gurigel II”, “Semitumba”,
“Confusão”, “Albraça” e “Cova da Onça”.
Em 2014, foram entrevistadas 12 famílias. O número total de pessoas, somadas as 12 famílias, é
90, sendo 23 adultos/as e 67 filhos/as. As idades deste grupo de pessoas variou entre 17 e 74 anos. No
censo de 2015, as idades do total de pessoas variou entre dois e 74 anos. Uma caracterização geral dos/as
participantes do censo de 2015 foi sintetizada na tabela 01, abaixo.
Experiências etnobotânicas na Reserva Extrativista Chico Mendes 19

É possível observar que o número total de entrevistas não condiz com o número total de famílias
sobre as quais os dados foram levantados, isso deve-se ao fato de que uma das entrevistadas respondeu
sobre a estrutura familiar de duas famílias, a sua e a de seu irmão, moradores da mesma colocação. Isso
refletiu no número total de pessoas e no número médio de pessoas por família, já que foram contabilizadas
todas as pessoas referidas pelo/as entrevistados/as e este número foi dividido pelo número correspondente
à dez famílias. Na discussão dos resultados, entretanto, as proporções encontradas são relativas às nove
famílias dos/as nove entrevistados/as. Embora a caracterização etária seja discutida no próximo tópico,
na tabela 01 consta a idade média dos/as entrevistados/as e é possível notar que esta média é inferior a
40 anos, o que reflete uma grande participação de pessoas jovens no levantamento realizado em 2015.

Tabela 1. Caracterização geral dos/as participantes do censo de 2015.


Número total de entrevistados/as 9
Número total de famílias 10
Número médio de pessoas por família 5,9
Número total de pessoas (entrevistados/as e famílias) 53
Nº médio/idade (entrevistados/as) 36,8

Tradicionalmente, as casas das famílias eram feitas com materiais da floresta, o que foi visto na
maioria das colocações visitadas. No passado todas as casas eram também assim, feitas com tronco de
paxiubão, de paxiubinha e com palha de jarina, segundo o seringueiro guia, “por essa parte o governo tem
ajudado bastante, qualquer um seringueiro pode fazer um financiamento, não se vê quase mais casa de
paxiubão, agora tem tijolo, brasilit”.

RESULTADOS E DISCUSSÃO
“É uma vida sofrida a do seringueiro, mas Deus defende”
(seringueiro Zé Gaudêncio – caderno de campo: Lopes, 2015)

Esse tópico apresenta e discute os resultados da análise e sistematização dos dados obtidos a partir
dos levantamentos realizados nos anos de 2014 e 2015 na Resex Chico Mendes. Esta apresentação foi
dividida em três seções, na primeira é feita uma caracterização social da população estudada, na segunda
uma caracterização econômica e, na terceira uma caracterização do sistema produtivo. Esta divisão serve
mais como um critério de organização, pois é consciente da possibilidade de entrelaçamento entre os
diferentes aspectos analisados. Dadas as características distintas das questões utilizadas nos dois anos de
realização do censo e a maior amplitude de questões no levantamento de 2015, procurou-se relacionar as
informações obtidas para contemplar os aspectos pesquisados.

Caracterização social
Gênero e idade
No que diz respeito aos informantes, a participação entre homens e mulheres foi bastante
equilibrada nos dois anos de realização do censo. No ano de 2015, a porcentagem de participação para
cada gênero foi de, aproximadamente, 50%. Com relação aos filhos/as destas famílias entrevistadas em
2015, foi possível obter uma distribuição de gênero correspondente a 70% para o gênero masculino e 30%
para o gênero feminino.
De acordo com o Conselho Nacional dos Seringueiros (Brasil, 2006), o corte da seringueira é uma
atividade predominantemente masculina, enquanto na agricultura há participação significativa da mulher,
sendo que no início dos anos 1990 um terço da mão de obra na agricultura era feminina. A participação
masculina também é predominante na atividade de criação de animais, mas as mulheres também tem
sua parcela nesta força de trabalho. Em 1992, a Resex Chico Mendes tinha uma população composta
principalmente por jovens entre 09 e 17 anos, a população feminina era maior que a masculina e o número
médio de dependentes por domicílio era de sete pessoas. O levantamento feito pelo IBAMA em 1998 (Brasil,
2006), traz a média de idade da população em 19 anos, a porcentagem de mulheres inferior à dos homens
e um número médio de 5,4 indivíduos por família.
A distribuição etária percentual dos/as informantes do censo de 2015 correspondeu a 45% de
20 Experiências etnobotânicas na Reserva Extrativista Chico Mendes

pessoas com idades entre 20 e 29 anos; 44% delas entre 30 e 49 anos e 11% acima de 50 anos. Desta
forma, pode-se perceber que estes/as informantes, que são também os/as responsáveis pelas famílias,
tem suas idades concentradas entre 20 e 49 anos, o que parece demonstrar que, atualmente, as relações
socioprodutivas na localidade estão sendo desenvolvidas por uma geração mais jovem, descendentes
daqueles que lutaram pela terra e pelos direitos dos seringueiros. Essa nova geração, diante das poucas
perspectivas de remuneração com os seringais, tem voltado seus interesses para outras opções de
desenvolvimento incentivadas por programas governamentais que fomentam atividades como a criação
de gado e a coleta de sementes nativas para comercialização.

Escolaridade
Com relação à estrutura etária e de escolaridade das 143 pessoas para as quais os dados foram
levantados nos censos de 2014 e 2015, ela não foi realizada para o todo das famílias dos/as respondentes
e, por isso, não estão aqui representadas. Quanto à escolaridade dos/as participantes das entrevistas, nas
figuras 1 e 2 abaixo, podem ser observadas estas estruturas, respectivamente para os/as informantes de
2013 e de 2015.

2014 2015

Figuras 1 e 2. Escolaridade dos/as respondentes nos censos de 2014 e 2015.

É possível fazer algumas aproximações sobre a escolaridade dos membros das famílias dos/as
participantes do censo 2015. De maneira geral, a maioria das crianças em idade escolar, estão cursando
séries do ensino fundamental ou do ensino médio, ou no seringal ou em Xapuri. Os mais velhos geralmente
não possuem escolaridade ou estudaram apenas as primeiras séries do ensino fundamental, enquanto
aqueles com idades entre 20 e 49 anos, possuem até o último ano do ensino fundamental.
Segundo informações obtidas junto à comunidade, o primeiro grupo escolar foi implantado em
1989, em regime de mutirão, nos moldes de uma casa de farinha, com a liderança de um dos seringueiros
e a comunidade Semitumba. Este primeiro ambiente escolar foi feito com palha de Jarina, parede e bancos
de Açaí e chão de terra batido. O segundo grupo escolar foi implantado em 1995, nesta fase já construído
em madeira e com o apoio da Prefeitura Municipal de Xapuri, sendo constituído como Escola Municipal,
e envolvido no projeto educacional do Movimento de Alfabetização do Acre. No terceiro momento de
escolarização na comunidade, já nos anos 2000 com o Governo Jorge Viana, estrutura-se uma escola de
1º e 2º graus de alvenaria e com estrutura de salas de aula, cozinha, escritório, refeitório e banheiros com
assentos sanitários e encanamento.

Religião
Com relação à religião, o censo de 2015 levantou que 100% dos/as entrevistados/as e suas famílias
pertenciam à religião católica. Foi possível constatar que a comunidade tem como prática a reunião aos
domingos para cerimônia religiosa sob a coordenação da professora da escola da comunidade Semitumba e
com a participação de mulheres, homens e crianças, no Centro Comunitário. Nesses encontros são também
discutidos temas de relevância social e de organização dos trabalhos a serem desenvolvidos para melhoria
das condições de vida da comunidade.
Experiências etnobotânicas na Reserva Extrativista Chico Mendes 21

Figura 3. Tempo de permanência da população na Reserva Extrativista Chico Mendes. (Censo de 2015)
Tempo de permanência e local de nascimento
No panorama relativo ao tempo de permanência dos/as entrevistados/as e suas famílias no seringal
do interior da Reserva Extrativista Chico Mendes (figura 03, dados do censo 2015), pode-se perceber que a
maioria dos/as participantes reside há mais de dez anos no local, sendo que mais da metade já era residente
antes mesmo da institucionalização da Reserva.
Quanto ao local de nascimento, aproximadamente metade dos/as participantes do censo de 2015
nasceu no próprio seringal, enquanto a outra metade nasceu em outros seringais ou veio de estados do
nordeste brasileiro. A maioria dos filhos e filhas com menos de 18 anos nasceu na cidade de Xapuri.
De acordo com o Plano de Manejo da Resex Chico Mendes, em 1992 havia aproximadamente 1800
famílias residindo na reserva. Em 1998, este número caiu para cerca de 1090 famílias devido ao declínio
dos preços da borracha, somado às dificuldades vividas nos seringais e, atualmente, há uma reversão do
quadro e, é 2000 o número aproximado de famílias na Resex (BRASIL, 2006).

Sindicalização e associativismo
Os/as entrevistados do censo 2014 foram questionados sobre se participavam de associação ou
sindicato e as respostas foram ‘sim’ para dez entrevistados/as e ‘não’ para dois deles/as, dentre as 12
famílias participantes. O censo de 2015 perguntou separadamente sobre a participação no sindicato dos
seringueiros e na Associação dos Moradores da Reserva Extrativista Chico Mendes (AMOPREX) e obteve
que 44% dos/as participantes estava sindicalizado, enquanto 55% não estava. Já com relação à AMOPREX,
a participação encontrada foi maior, tendo 66% dos/as informantes respondido estar associado, enquanto
33% não era associado. Dentre os 66% de associados à AMOPREX, 33% participam da associação há mais
de doze anos, enquanto 50% associou-se nos últimos sete anos.

Figura 4. Proporção obtida entre as atividades de lazer citadas. (Censo de 2015).


22 Experiências etnobotânicas na Reserva Extrativista Chico Mendes

Com a realidade desses dados pode-se inferir que o índice de filiação e participação dos informantes
no sindicato dos seringueiros vem reduzindo nos últimos anos. Conforme informações de alguns
entrevistados/as, a participação vem diminuindo, pois as últimas diretorias eleitas do sindicato aumentaram
os valores das mensalidades dificultando os pagamentos por parte dos sindicalizados e, porque as chapas
eleitas são representantes dos fazendeiros e não dos seringueiros.
Por outro lado, os dados também apontaram que nos últimos sete anos vem aumentando a filiação
e a participação na AMOPREX. De acordo com informantes associados, o vínculo com esta associação busca
reunir força e organização comunitária em torno de projetos que tem como objetivo assegurar os direitos
dos seringueiros e garantir melhores condições de comercialização dos produtos da floresta.

Atividades de lazer
Com o intuito de conhecer as atividades de lazer da população estudada, foi perguntado aos
participantes do censo de 2015 o que faziam no seu tempo livre e como procuravam se divertir. Dois
informantes não responderam esta questão; entre os sete que responderam, foram referidas cinco atividades
de lazer – ir para a cidade; visitar os vizinhos; passear/estar com a família; jogar futebol e ir para a igreja - a
proporção entre as atividades citadas pode ser visualizada na figura 04, abaixo.

Plantas Medicinais
Apesar dos roteiros de perguntas elaborados não contemplarem aspectos relacionados à saúde
da população do ponto de vista da utilização do sistema único de saúde (SUS) e das principais doenças
que afetam a comunidade, um dos objetivos pretendidos pelo roteiro elaborado em 2015 era saber
se a população estudada utilizava plantas medicinais e, assim, realizar um levantamento das plantas
utilizadas. Obteve-se que 100% dos/as entrevistados/as faz uso de plantas medicinais, sendo que uma
entrevistada citou apenas uma planta e a maioria citou mais que duas, totalizando 24 plantas relatadas
para, aproximadamente, 16 sintomas ou doenças diferentes. Do total de plantas medicinais citadas,
11 foram citadas por mais de um/a informante.
Para algumas plantas medicinais foi citado mais de um uso e alguns/as respondentes citaram as
plantas porém não citaram seu uso. Alguns exemplos de plantas citadas e seus usos correspondentes
são a quina contra a malária; a laranja para dor de cabeça e cólicas; o mastruz como vermífogo e
para inflamações; o malvarisco para gripe e tosse; a erva-cidreira como calmante, para inflamação e
para dor de cabeça; a copaíba para dor de barriga e a cebolinha para a gripe. A listagem das plantas
medicinais citadas, na íntegra, pode ser visualizada na figura 05 a seguir.
De acordo com Pinto et al. (2006), a utilização de plantas medicinais pelas comunidades tradicionais,
conhecimentos mantidos através da tradição oral, constituem-se como as práticas viáveis para o tratamento
de doenças ou manutenção da saúde. Entretanto, é preocupante o grau de resiliência das comunidades
que detêm estas práticas e conhecimentos populares frente às pressões sofridas. Além disto, as pesquisas
científicas que referem-se às plantas utilizadas por comunidades tradicionais no Brasil, são recentes, e, por
isto, ainda existe pouca documentação.

Caracterização econômica
“Nada que a gente faz tem valor, os preço nunca chega pra nós, chega pra quem compra de nós;
eles sabem que pobre tá sempre precisando” (moradora entrevistada – caderno de campo: Lopes, 2015).
Principal atividade econômica e renda mensal
Para conhecer os aspectos econômicos da população, foi inicialmente perguntado aos
participantes do censo de 2015 qual era a principal atividade econômica da família. Neste ponto,
não foi possível obter um panorama consistente com o número total de informantes, pois das nove
entrevistas realizadas, quatro não obtiveram esta informação. Dos/as outros/as cinco informantes
tem-se que dois relataram apenas uma atividade econômica, sendo para um a borracha e para
outro a agricultura; enquanto os outros três elencaram, nesta ordem, a borracha e a castanha; a
castanha e a agricultura e; a agricultura, a borracha e a castanha.
Desta forma, apenas um participante não fez referência à borracha e dois deles referiram-
se à ela em primeiro lugar. Apesar de um universo menor de informantes para esta questão, é
possível inferir que a atividade de extração do látex ainda se faz presente no cenário econômico
da população estudada. Talvez, apesar de presente, ela também já não seja a atividade econômica
principal do seringal, posto que tem sido grandemente desvalorizada e, assim, perdido espaço para
Experiências etnobotânicas na Reserva Extrativista Chico Mendes 23

Figura 5. listagem de plantas medicinais citadas pelos/as entrevistados/as em relação ao número de citações
que as plantas mencionadas obtiveram (Censo de 2015).

outras atividades. Segundo os seringueiros que estiveram acompanhando os grupos, a borracha não
tem mais mercado e não tem mais preço. Já um dos participantes do censo comparou a borracha
com um bezerro dizendo que enquanto para a primeira é muito difícil encontrar comprador,
mesmo levando a mercadoria até a cidade, para o segundo arruma-se comprador sem que seja
necessário nem que ele veja o animal. Nesse sentido, de forma curiosa, embora três dos/as cinco
informantes realizem a atividade de criação de gado, nenhum/a participante referiu-se ao gado
como atividade econômica.
Os/as informantes do censo de 2015 foram questionados acerca da renda mensal de sua
família e, neste caso, foi sete o universo de respondentes, pois este dado não foi obtido em duas
entrevistas. Nenhuma família possui renda superior a três salários mínimos, 43% tem sua renda
mensal na faixa de 1 a 3 salários mínimos e, mais da metade das famílias vive com até um salário
mínimo por mês (57%).
Entretanto, não foi possível esclarecer, junto à maioria destes/as informantes, se as rendas
mensais declaradas eram exclusivamente relativas às atividades econômicas das famílias ou se
nestas rendas já estavam contempladas os auxílios governamentais recebidos, tais como o bolsa
família. Apenas um entrevistado pelo censo 2015 afirmou receber aposentadoria, sendo esta,
responsável por parte da renda mensal declarada de sua família.

Assistência governamental e bens duráveis


No censo realizado em 2014, foi perguntado se os/as informantes recebiam assistência do
governo ou se possuíam renda proveniente de atividade externa ao seringal. Dentre as 12 famílias,
4 recebiam renda proveniente de trabalho externo, 3 recebiam o bolsa família, 2 não recebiam
auxílio nem possuíam renda externa e 3 não responderam. Em 2015 a pergunta foi relativa apenas
ao recebimento de auxílio governamental e a distribuição percentual mostrou que 67% das famílias
recebe algum tipo de assistência, sendo que esta porcentagem corresponde também ao número
24 Experiências etnobotânicas na Reserva Extrativista Chico Mendes

de famílias que recebe o Bolsa Família, enquanto 22% recebem, além deste, o Bolsa Verde, que é
um pagamento por serviços ambientais ou ecossistêmicos no valor de R$200,00 que é depositado
a cada três meses para estas famílias; 11% não recebe nenhum tipo de assistência.
Aqui, convém comentar que para poder realizar o deslocamento até a cidade, para receber
o dinheiro proveniente do(s) auxílio(s), por exemplo e, retornar ao seringal, caso a família não
possua um meio de transporte próprio, o serviço de moto táxi custa em torno de R$120,00, o que
significa 60% do valor do auxílio representado pelo bolsa verde.
Por fim, para caracterizar a população do ponto de vista econômico, os/as entrevistados/
as no censo de 2015 foram questionados acerca dos bens duráveis que possuíam. Dos/as nove
participantes, 44% não tinha nenhum bem durável, o que foi justificado por um deles pelo fato de
não haver energia elétrica no seringal. De fato, a energia chega apenas para as colocações mais
próximas à entrada da Reserva e seu fornecimento sofre contínuas interrupções. O censo 2014
perguntou se na colocação das 12 famílias entrevistadas havia energia elétrica e obteve que para
8 famílias a energia não chegava e 4 delas possuía energia elétrica.
Nas colocações mais distantes à região da Semitumba, uma das entrevistadas pelo censo
de 2015 disse que, além dos animais, possuía apenas duas bicicletas; em uma das colocações havia
energia gerada por meio de placa solar e, em outra, havia um gerador movido à combustível. A
proporção encontrada entre os bens duráveis citados pode ser visualizada na figura 06.

Figura 6. proporção entre os bens duráveis citados pelos/as participantes (Censo de 2015).

Caracterização do sistema produtivo


“Se o governo botar preço na borracha, taí! Ia aparecer muito seringueiro.”
(Seringueiro Cruel- caderno de campo: Lopes, 2015)

Na busca de caracterizar o sistema produtivo da população estudada, o censo procurou levantar


dados sobre as atividades extrativistas, de agricultura e de pecuária realizadas no seringal.

Extrativismo
A extração do látex das seringueiras e a coleta dos ouriços das castanheiras consistem não
só em atividades que participam da renda da comunidade como também pertencem ao histórico
de conquista da terra e caracterizaram a criação da reserva extrativista, sendo também parte
integrante da cultura regional.
De acordo com Monteles e Pinheiro (2007), o universo cultural das populações tradicionais
determina a intervenção da população nos ecossistemas, o que baseia o extrativismo e o cultivo
de espécies de interesse. Amorozo e Gély já em 1988 afirmavam que tem ocorrido crescentes
pressões e imposições culturais e econômicas sobre as populações tradicionais pela sociedade
urbanoindustrial, e que estas pressões e imposições tem trazido conseqüências negativas para
as práticas cotidianas destas populações. Neste sentido, foi possível observar na análise dos
dados do censo e, a partir das falas das pessoas da comunidade, que as práticas extrativistas
constituíam-se como principal meio de sobrevivência e, no contexto atual, precisam estar
Experiências etnobotânicas na Reserva Extrativista Chico Mendes 25

conjugadas à outras práticas produtivas para que a comunidade tradicional de seringueiros possa
garantir sua sobrevivência.
As estradas de seringa são os caminhos delimitados e percorridos pelos seringueiros
na mata para extrair o látex. Cada colocação possui suas respectivas estradas de seringa e sua
transmissão possui um componente de herança paterna, sendo que é necessário que cada família
tenha acesso a um número suficiente de estradas para explorar e, assim permitir seu sustento.
Uma estrada de seringa contém, em média, entre 100 e 150 seringueiras. A média de estradas
herdadas é de duas a três, número que consiste na quantidade mínima para que a exploração
possa ser feita de maneira sustentável, pois garante que os seringueiros não tenham que retornar
com frequência maior do que a capacidade de suporte de exploração de uma mesma estrada
para extrair o látex.
Esperando então que o número médio de estradas de seringa seria três por família, foi
perguntado aos informantes, no censo 2015, quantas estradas de seringa eram exploradas em
suas colocações. Sabendo que as castanheiras ficam nas estradas de seringa e também próximas
à elas, estes/as entrevistados/as foram questionados sobre o número médio de castanheiras que
possuem em seus hectares de floresta. A distribuição numérica obtida para as estradas de seringa
e para as castanheiras de acordo com as colocações visitadas pode ser observado nas figuras 07 e 08.

Figura 7 e 8. distribuição relativa ao número de estradas de seringa e ao número de castanheiras por


número de colocações visitadas (Censo de 2015).

A distribuição aponta para uma variação entre 2 e 7 estradas de seringa exploradas por
colocação, sendo que em quase metade das colocações foi encontrado o número médio esperado
(2 ou 3 estradas). Entre os/as nove entrevistados/as, aquele que declarou possuir o maior número
de estradas afirmou também que já há alguns anos elas não estão sendo utilizadas. O aumento da
densidade populacional em um território de proporções restritas faz com que a questão da herança
das estradas de seringa constitua-se como um fator de preocupação entre os seringueiros de maior
idade sobre o acesso destas terras por parte de seus seus netos.
Já a relação com as castanheiras é um pouco diferente, pois embora a coleta das castanhas
seja uma atividade com características próprias, em termos de território elas estão de certa forma
vinculadas às estradas de seringa. Como pôde ser observado, o número de castanheiras por colocação
é bastante variável, sendo que mais da metade das famílias exploram de 50 até 200 árvores. Em
uma das colocações não se pôde obter o número aproximado, mas o informante afirmou que sua
colocação era a que possuía mais castanheiras no seringal. As castanhas ficam disponíveis para coleta
de forma bienal e representam parte do suporte econômico que a floresta, por eles/as habitada e
manejada, garante. Além das diferenças entre estas duas atividades extrativistas, naturais e culturais,
do ponto de vista econômico é possível considerar que ambas são subvalorizadas e que o retorno
obtido pela comunidade é baixo.
Sobre estas atividades extrativistas, o censo de 2014 questionou se os/as participantes
realizavam a extração de látex das seringueiras e se coletavam os ouriços das castanheiras. Entre
as 12 famílias entrevistadas, nove delas realizavam a atividade de extração do látex, enquanto três
26 Experiências etnobotânicas na Reserva Extrativista Chico Mendes

não realizavam-na. Para a coleta de castanhas, dez famílias afirmaram coletar e duas não realizavam
esta atividade.
Segundo Brasil (2006), com o declínio da produção da borracha houve aumento do fluxo de
migração para as cidades, entretanto, uma significativa parte dos seringueiros que não abandonaram
completamente a extração de borracha, passaram a dedicar-se mais à agricultura de subsistência, à
coleta de castanha, à caça e pesca. Estas atividades eram as principais fontes de renda até a década de
1970, quando o governo, para minimizar as migrações e diversificar a economia da região, implantou
diversos projetos de assentamento agrícola e incentivos fiscais para a pecuária, acarretando novo
fluxo populacional para a reserva.

Agricultura
No que diz respeito à agricultura, o censo de 2014 questionou se os/as participantes
mantinham uma área de roçado e realizou o levantamento das principais espécies cultivadas. Obteve-
se que dez das 12 famílias participantes tinham área de roçado. O censo de 2015 pesquisou qual
era a área do roçado das famílias e também levantou quais eram as espécies cultivadas. Os dados
então obtidos neste censo mostraram que a área para o cultivo de espécies alimentícias variava
entre 0,5 e 1,0 hectare e que, de um total de nove espécies citadas, três são cultivadas em todos
os roçados – milho, mandioca e arroz – e, o feijão é plantado nos roçados de 08 das 09 famílias
visitadas. A figura 09, abaixo, mostra a distribuição da área dos roçados para cada família obtida
em 2015 e, nas figuras 10 e 11 podem ser observadas as principais espécies cultivadas nos roçados
de acordo com os levantamentos de 2014 e 2015, respectivamente.

Figura 9. distribuição relativa à area de roçado por número de famílias visitadas (Censo de 2015).

Figura 10. panorama das espécies cultivadas nos roçados por número de famílias entrevistadas e que
mantinham área de roçado (Censo de 2014).
Experiências etnobotânicas na Reserva Extrativista Chico Mendes 27

Figura 11. panorama das principais espécies cultivadas nos roçados das famílias visitadas (Censo de 2015).

Pecuária
Sobre a atividade pecuária, o censo de 2014 questionou se os/as participantes possuíam criação
de gado, obtendo que sete famílias criam gado enquanto cinco não criam, no universo das 12 famílias
participantes. No censo de 2015, cinco das nove famílias possuíam criação de gado em sistema extensivo
e, oito das nove famílias criavam outros animais, tais como porcos, patos, galinhas e cavalos. Ao questionar
os/as participantes sobre a área correspondente ao pasto, foi também possível obter o número de cabeças
de gado criadas. As figuras 14 e 15 abaixo são correspondentes a estes dados.

Área de pasto / família Nº de cabeças de gado/família

Figuras 12 e 13. distribuição relativa à área de pasto e ao número de cabeças de gado pelo número de
famílias visitadas (Censo de 2015).

A expansão do gado na região pôde ser claramente observada pelo/as estudantes durante os
deslocamentos e permanência na Resex. Tal realidade traz como resposta, para muitos seringueiros, a
perspectiva de tornarem-se fazendeiros com o objetivo de ter uma melhores condições de vida. Esta
perspectiva é antagônica à prática daqueles/as que buscam conciliar a pecuária com as atividades tradicionais
visando cultivar os valores culturais e a aptidão natural que a floresta apresenta para tais atividades e
configurando-se em grupos de resistência. Mesmo existindo uma relação entre as dimensões de área com
um número máximo de cabeças de gado permitidas pela regulamentação da Resex, é conhecida a relação
direta existente entre esta atividade e o desmatamento, bem como a falta de fiscalização do número de
cabeças de gado nas terras, o que permite práticas irregulares.
Assim, a pecuária extensiva, que cresce na região, revela significativas contradições no estilo de
vida e cultura dos seringueiros, contradições estas que fazem emergir sérias preocupações referentes à
necessidade de fortalecimento da resiliência dos sistemas sociais e ecológicos abrigados pela floresta.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Podemos considerar que a atividade de campo descrita conseguiu cumprir seus objetivos e contribuir
para o entendimento da realidade local vivenciada a partir do levantamento sócio-cultural e econômico da
28 Experiências etnobotânicas na Reserva Extrativista Chico Mendes

população do seringal. O contato direto com as pessoas da comunidade e a possibilidade de interagir com
elas e observar as casas e seus arredores, as crianças e, as interações sociais e culturais no ambiente no
qual elas naturalmente ocorrem, foram certamente uma rica experiência para todos/as que participaram
da atividade do censo.
Reconhecemos o fato de que o número de entrevistados/as, nos dois anos de realização do censo,
consistiu em uma porcentagem pequena em relação ao tamanho populacional da região e, da Resex
Chico Mendes de uma forma geral. Assim, para alguns dados não é possível estabelecer inferências ou
generalizações e, em alguns casos, houve dificuldade em agrupar as respostas de maneira quantitativa ou
estabelecer um padrão de análise. Apesar disto, o retrato resultante deste estudo encontra semelhanças
com o todo e consegue, de maneira simples, apontar tendências para a dinâmica das comunidades da Resex.
Dada a diferença de abordagem nos dois levantamentos realizados, algumas comparações não
puderam ser feitas e, embora algumas informações tenham sido complementares, ressalva-se não ter havido
uma análise horizontal em relação ao tempo transcorrido entre as pesquisas. Somando a isso algumas
questões que tiveram um universo de respondentes inferior ao total de entrevistados/as, apontamos
para a importância da elaboração do roteiro de questões e do cuidado que é preciso ter no momento da
realização da coleta dos dados para que eles não tornem-se inconsistentes e permitam análises coerentes
com a realidade estudada.
Embora limitações tenham sido encontradas, acreditamos que o exercício permitiu descrever
os aspectos relacionados à população e conhecer as características de vida e de relação com a floresta,
informações relevantes em estudos etnobotânicos. Com a análise geral dos dados levantados pelo censo,
a utilização da técnica de observação participante e a intensa vivência com a população local, inferimos
que a comunidade está em um momento no qual desenvolve-se um processo de mudança em seus modos
de vida e formas produtivas de sobrevivência, onde as novas gerações constroem novas relações com seu
meio e respondem às pressões vindas de fora, além de terem maiores oportunidades de educação e, muitas
vezes, almejarem uma vida diferente daquela vivida no seringal.
Como um diagnóstico geral este estudo revelou fragilidades da população estudada, bem como
apontou para a necessidade de projetos que sejam desenvolvidos nestas comunidades e contribuam para a
resiliência do sistema social e ecológico em questão. Nossa expectativa é de que as famílias da Resex Chico
Mendes possam incorporar novas relações produtivas, como a diversificação de seus sistemas agrícolas,
que tragam melhores condições de vida e contribuam para a manutenção do caráter da reserva extrativista
na busca de aliar preservação ambiental, qualidade de vida e respeito aos valores culturais da população.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ACRE, 2000. Zoneamento ecológico-econômico: recursos naturais e meio ambiente –Governo do Estado do
Acre. Programa Estadual de Zoneamento Ecológico-Econômico do Estado do Acre.Rio Branco: SECTMA.
AMOROZO, M.C.M. e GÉLY, A.L.; Uso de plantas medicinais por caboclos do Baixo Amazonas. Boletim do
Museu Paraense Emilio Goeldi, Série Botânica, 4(1): 47-131. 1988
BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. Plano de manejo: Reserva Extrativista Chico Mendes. Xapuri, 2006.
90 p. Disponível em: <http://www.icmbio.gov.br/portal/images/stories/imgs-unidadescoservacao/
resex_chico_mendes.pdf>. Acesso em: 05 out. 2015.
CUNHA, LH de O. Reservas extrativistas: Uma alternativa de produção e conservação da biodiversidade. Encontro
dos povos do Vale do Ribeira, 2001.
CONSELHO NACIONAL DOS SERINGUEIROS; Diretrizes para um Programa de Reservas Extrativistas na
Amazônia. Rio Branco, Acre, 1993.
MING, L.C., Plantas medicinais na Reserva Extrativista Chico Mendes: uma visão etnobotânica. UNESP, 2006.
MACIEL, Raimundo Claudio Gomes et al. Pagando pelos serviços ambientais: uma proposta para a Reserva
Extrativista Chico Mendes. In:XLVI Congresso da Sociedade Brasileira de Economia, Administração
e Sociologia Rural. Rio Branco/AC. 2008.
MONTELES, R. e PINHEIRO, C. U., Plantas medicinais em um quilombo maranhense: uma perspectiva
etnobotânica. Revista de Biologia e Ciências da Terra. Volume 7 – N.2 - 2º Semestre, 2007.
PINTO, E. P. P.; AMOROZO, M. C. M. e FURLAN, A.; Conhecimento popular sobre plantas medicinais em
comunidades rurais de mata atlântica – Itacaré, BA, Brasil. Acta bot. bras. 20(4): 751-762. 2006.
Experiências etnobotânicas na Reserva Extrativista Chico Mendes 29

Estrada de seringa e métodos de


2 extração de látex: estudo de caso na
Reserva Extrativista Chico Mendes

Ineilian Bruna Correa da Costa; Kleber Andolfato de Oliveira; Bernado Tomchinsky;


Ariel de Andrade Molina; Juan David Solano Mendoza


APRESENTAÇÃO
Este estudo teve como objetivo conhecer a estrada de seringa e os métodos de extração de látex da
Hevea brasiliensis (Willd. ex A. Juss) Müll. Arg por meio da descrição dos procedimentos adotados durante
as etapas de extração. O local do estudo foi a Reserva Extrativista Chico Mendes, Colocação Semitumba –
Seringal Sibéria, no Acre. Inicialmente foi percorrida a estrada de seringa para a identificação dos diferentes
locais e termos usados. Em seguida, após a escolha das seringueiras, foram definidas as áreas (panos) para
serem realizados os cortes; depois da limpeza do pano com o raspador seguido do corte, o látex extraído
foi coletado pela cumbuca, recipiente fixado pela bica (utensílio de metal fixado no tronco). Ao completar
o volume deste, o látex é transferido para um balde de cinco litros. À vista que uma estrada de seringa há
no mínimo cem seringueiras para manejo, o conteúdo do balde em determinado momento é transferido
para o saco de naipe, suporte de trinta litros, e transportado ao final para a estopa (bolsa do seringueiro),
do qual o material será encaminhado a galões para a comercialização da borracha seca. Durante essa
atividade foi possível observar os cuidados praticados para a preservação das estradas, tal como a escolha
das seringueiras adequadas e o modo de manejo das mesmas que refletem as tradições culturais locais e
sua interação com o meio ambiente. É interessante observar que esta atividade perdura ao longo dos anos
por ser uma prática que norteia o contexto do uso consciente da natureza e que visa a extração de látex
a longo prazo, mediante métodos de escolha da seringueira, definição dos panos de reserva, número de
cortes e o período de recuperação das plantas após a sangria.

INTRODUÇÃO
Hoehne em 1922 já enaltecia a seringueira como uma importante espécie útil para as indústrias
em sua obra Recenseamento de 1920: A Flora do Brasil. Segundo suas informações, as principais espécies
produtoras de látex para a produção da ‘borracha’ pertencem às famílias botânicas Euphorbiaceae,
Sapotaceae, Apocynaceae e Moraceae nativas de diferentes fitofisionomias no Brasil.
A família Euphorbiaceae possui cerca de 7.000 espécies e aproximadamente 300 gêneros, sendo
considerada a sexta maior família das angiospermas. Seus principais gêneros, em número de espécies, são:
Euphorbia L.(2000 spp.), Croton L. (750 spp.) e Phyllanthus L. (500 spp.) (MESQUITA; OLIVEIRA apud JUDD
et al., 1999).
Especificamente para o gênero Hevea, há em torno de 11 espécies, das quais, a Hevea brasiliensis
(Willd. ex A. Juss) Müll. Arg é a mais importante para a produção de látex, e amplamente cultivada
comercialmente, com superior qualidade e produção de látex (IAPAR, 2004). As Heveas (Euphorbiaceae)
pertencem a parte Setentrional da Floresta Amazônica, abrangendo o estado do Pará, as Guianas e sendo
até mesmo encontrada nas cabeceiras do Rio Paraguai no Mato Grosso.
A Hevea brasiliensis (Willd. ex A. Juss) Müll. Arg tem ocorrência na região amazônica do Brasil e em
países vizinhos, tais como: Bolívia, Peru, Colômbia, Equador, Guianas, Suriname e Venezuela (BENTES-GAMA
et al 2003), tendo sido levada para cultivo para a Malásia e parte da ásia (Hoene, 1922).
Esta é uma árvore de grande porte, que pode atingir de 20 a 30 m de altura. Seu período de floração
ocorre a partir de agosto, prolongando até o inicio de novembro, com a maturação do fruto ocorrendo no
período de abril a maio (LORENZI, 2008).
30 Experiências etnobotânicas na Reserva Extrativista Chico Mendes

Com relação às atividades econômicas existentes na Reserva Extrativista Chico Mendes, que inclui
o extrativismo, agricultura e pecuária, a extração de látex é a mais praticada, (COSTA, 2000; MING, 2007).
O processo de extrativismo da borracha na região Amazônica ocorre desde o final do século XIX e
inicio do século XX, promovendo grandes migrações e o florescimento das principais cidades da região [...]
(MING, 2009; CAETANO, 2012).
Nos dias atuais, a borracha natural é descrita na literatura como matéria prima estratégica, formando
com o aço e o petróleo um dos alicerces industriais da humanidade. (IAPAR, 2004).
Porém é necessário conhecer como essa atividade perdura durante os anos. Já que esta é a única
matéria entre os produtos naturais que possui alta elasticidade, plasticidade, resistência ao desgaste,
propriedades isolantes de eletricidade, e impermeabilidade para líquidos e gases (IAC, 2002 apud BENTES-
GAMA et al 2003).
Além do mais, sua exploração representou no passado a maior atividade econômica da região
amazônica, colocando o Brasil durante muito tempo como o único produtor e exportador desse produto,
que no século passado foi contrabandeado (sementes) para a Ásia, onde se adaptou bem (LORENZI, 1992).
Desta forma, pretendeu-se com este estudo compreender de que forma os seringueiros usam e
manejam o meio-ambiente para criarem os ambientes adeuados para o desenvolvimento de suas atividades
extrativista. São então apresentados estes diferentes ambientes e os métodos de extração de látex por
meio da descrição dos procedimentos adotados durante as etapas de extração, bem como caracterizadas
as práticas que garantam que a atividade perdure ao longo dos anos na região, além de aspectos sobre a
comercialização da borracha.

Breve contextualização da história da extração do látex de seringueiras


A exploração do látex para a produção de borracha no Brasil teve início na primeira metade do
século XIX quando utilitários bélicos deste material começaram a ser feitos para o exército português. Com
o advento da invenção do processo de vulcanização (adição de enxofre ao látex) e o surgimento da indústria
automobilística a borracha começou a ser demandada no mundo inteiro e assim os primeiros seringais foram
estabelecidos em território brasileiro, nas florestas onde esta árvore ocorre naturalmente.
O Primeiro Ciclo da Borracha ocorreu de 1879 a 1912, fazendo parte de nossa história enquanto
Império até parte da Primeira República. O principal plano de ação na estruturação de seringais foi priorizado
no estado do Pará, onde terras de seringalistas receberam os fluxos de migração do nordeste brasileiro para
trabalhar na extração do látex. O Segundo Ciclo da Borracha ocorreu entre os anos de 1942 e 1945, durante
o período da Segunda Guerra Mundial, quando o plano de ação do governo brasileiro teve um enfoque para
os estados de Amazonas (região ocidental), Acre e Rondônia.
O Brasil foi por muito tempo o maior produtor mundial de látex, até que sementes de seringueira
foram contrabandeadas, aclimatadas e levadas para o continente asiático, onde foram cutivadas em
monocultivos. De maior produtor mundial, o Brasil produz atualmente apenas a terça parte do que demanda
de borracha nosso país. Apesar do maior produtor de látex ser o estado de São Paulo, onde são plantadas
em monocultivos, o látex oriundo do manejo extrativista de onde esta planta é originária se mostra de
melhor qualidade para usos mais nobres que o látex dos seringais paulistas. Isso mostra que a manutenção
das atividades tradicionalmente praticadas pelos seringueiros na Reserva Extrativista Chico Mendes além de
preservar a floresta que oferece serviços ambientais a todos, também oferece alimentos para sua subsistência
extraindo a produção de um material de qualidade para o mercado nacional.
Cada doação permitia ao seringueiro e sua família ter acesso a um número de estradas suficientes
para o sustento de sua família. O número de estradas de seringa por família entre as pessoas da comunidade
que visitamos varia de 2 a 7. Os filhos dos seringueiros que nos guiaram herdarão de seus pais uma média de
duas a três estradas de seringa. Esta quantidade de estradas é o mínimo com que cada família pode conseguir
alguma renda sem ter que retornar com uma maior frequência a uma mesma estrada para a colheita do látex.
Mostra-se também como um fator de preocupação dos seringueiros o acesso destas terras por seus netos.
A Colocação Semitumba, segundo seus moradores, foi formada durante o Primeiro Ciclo da Borracha,
mas se consolidou durante o Segundo Ciclo da Borracha. Atribuímos isso por uma das informações que
tivemos de um seringueiro, durante uma conversa sobre acontecimentos sobrenaturais na colocação em
uma outra ocasião. Ela nos relatou que existe ainda nas vizinhanças um antigo cemitério, chamado por
eles de catacumbas, onde os moradores acreditam ser um lugar anteriormente utilizado por habitantes
nativos daquela localidade como cemitério. Com a chegada dos primeiros seringueiros na formação do
Seringal Sibéria nas áreas vizinhas onde atualmente está a Colocação Semitumba, foi estabelecido que estas
Experiências etnobotânicas na Reserva Extrativista Chico Mendes 31

catacumbas continuariam a servir como cemitério. Quando crianças, os seringueiros que nos acompanhavam
tiverem algumas estranhas experiências: ouviam o barulho das atividades de seringa sendo realizada nos
quintais de suas casas embora não pudessem ver nenhuma fonte para tal movimentação nos arredores,
como o som de pessoas correndo de alpercatas de borracha com o acúmulo de água da chuva dentro
destes rústicos sapatos. Carros de boi passando com suas carroças cheias de latas de metal de se colocar o
látex, correntes e adereços balançando. Até mesmo a queima de fogueiras para a fabricação das bolas de
borracha e a conversa do dia a dia no seringal. Além disso, algumas figuras misteriosas podiam ser vistas
rodeando a mata que envolvem as catacumbas. Misteriosamente, após alguns anos tais acontecimentos
sobrenaturais cessaram e hoje permanecem como história dos mais velhos. Ainda segundo Alexandra, que
buscou informações com os residentes mais antigos da Colocação Semitumba e dos arredores para saber a
origem do nome Semitumba. A informação que ela encontrou foi que um missionário que lá habitou durante
a chegada dos primeiros seringueiros, havia colocado este nome com o intuito de fazer uma alusão a palavra
catacumba, provavelmente por conta deste antigo cemitério indígena, mas ela ainda não conseguiu saber
ao certo toda a história.

MATERIAIS E MÉTODOS
Para este estudo foram visitadas duas estradas de seringa, a Alegrete e a Rio de Janeiro, ambas
pertencentes a Reserva Extrativista Chico Mendes, Colocação Semitumba – Seringal Sibéria, Xapuri, Acre.
Na estrada denominada Alegrete, foi realizada a atividade de caracterização da “estrada de seringa”
por meio de história de criação, apresentação de termos locais e vivência em campo. Já a estrada denominada
Rio de Janeiro, foi realizada a atividade de descrição das etapas de extração de látex.
Em ambas as práticas foram necessárias o auxilio de seringueiros. Considerando a caracterização
da estrada, foram anotados todos os dados relatados e vivenciados durante a atividade. Quanto aos
procedimentos da extração de látex, esta foi dividida em três etapas: a) Abertura da estrada; b) Extração
direta e c) Comercialização.
Com relação à extração direta, foram descritos os métodos de escolha da seringueira apropriada;
os materiais utilizados (raspador, faca, bica, cumbuca, balde, saco de naipe e estopa); os métodos existentes
para a sangria e o manejo da árvore.
Para a descrição da comercialização, foi considerado o desempenho econômico da produção por
meio da destinação da borracha, valor de venda e retorno financeiro.

RESULTADOS E DISCUSSÃO
Caracterização da estrada de Seringa
A estrada de seringa representa a primeira etapa para a extração de látex. Segundo os seringueiros,
essas estradas são caminhos utilizados na busca de árvores (seringueiras) que possam ser exploradas.
Para Allegretti (1989), esta é uma atividade apenas possível, porque andar é o ato mais familiar ao
seringueiro, identificando as seringueiras no meio da floresta e indo atrás delas estejam onde estiverem.
Especificamente na Colocação Semitumba, as estradas foram abertas pelos dois primeiros
moradoras da região, a mais de 40 anos. Os seringueiros junto aos mateiros percorriam a floresta em busca
das seringueiras, identificando-as pelas folhas presentes na árvore ou caídas em terra como indicativo de
sua presença no ambiente.
Segundo Ming (2007), que também registrou relatos de moradores de outros seringais, estes ao
entrarem na mata e encontrarem a primeira árvore (seringueira), designavam um dos seringueiros para ficar
próxima a ela, enquanto o mateiro iria a procura de uma nova seringueira. Ao encontrá-la gritava ou batia
no tronco, para que o outro seringueiro pudesse ouvir e responder da mesma maneira, iniciando assim a
abertura da estrada na mesma direção.
Depois de traçarem a rota, é iniciada a abertura considerando o comprimento e a largura, para
facilitar a passagem. Durante o percurso, as árvores de grande porte ou até mesmo espécies vegetais de
interesse qualquer não são derrubadas, mas sim desviadas prosseguindo com o trajeto, enquanto as demais
são suprimidas do caminho.
Cada estrada possui tamanho diferente, pois o que vai determinar seu traçado é a quantidade
de seringueiras presentes. Cada estrada teve possuir no mínimo cem seringueiras para manejo, ocupando
em média cem hectares. Este dado é considerado no caderno da reserva e cada colocação é baseada em
32 Experiências etnobotânicas na Reserva Extrativista Chico Mendes

duzentos hectares cada uma passa ter no mínimo duas estradas.


Em relação ao formato da estrada, no geral, estas possuem um modelo circular de tal maneira que
o seringueiro sempre volta ao ponto de partida (ALLEGRETTI, 1989).
No que diz respeito às partes constituintes que são descritas aqui como os termos locais, foram
observados e relatados dois tipos de estradas: a estrada de boca e a central.
O termo boca representa a entrada da estrada, ou seja, quando uma parte da estrada de seringa
fica próxima à casa do seringueiro, não possuindo assim distantes caminhos que antecedem o ponto inicial
da estrada. Já a estrada central ou estrada centro, são as que possuem longos caminhos que antecedem a
boca dentro da mata. Quanto ao percurso presente na estrada central este é denominado de espigão.
Porém, duas diferentes estradas (ambas de boca, de centro ou boca x centro) podem se cruzarem,
quando este fato ocorre a estrada e conhecida como cai na outra.
Muitas vezes elas se tocam e se abrem novamente, não significando o seu fim. (PJS, Seringal Sibéria
Colocação Semitumba, 2013).
Apesar de existirem estradas que se cruzem, cada seringueiro conhece bem o seu espaço e respeita
os limites.
Durante o percurso na estrada Alegrete foram identificados outros termos bastante utilizados como:
estirão, que refere-se à distância de uma seringueira para outra; durante o estirão há a presença de diversas
espécies vegetais. A boca na estrada que se abre para dois caminhos do traçado principal da estrada é chamado
de rodo (MING, 2007). As pequenas voltas realizadas a partir da boca dentro do rodo são chamadas de oito.
O arrudeio é a ação de dar a volta na estrada quando esta está trancada, devido à presença de uma
árvore caída. Manga é a seringueira que está fora do percurso da estrada, porém pode ser explorada: o
seringueiro utiliza um caminho simples para alcançá-la e retorna pelo mesmo caminho em direção a estrada.
A varação é um termo relacionado a atalho; muitas vezes quando o caminho não está acessível,
quando se quer retornar mais rápido para a casa ou recolher as tigelas com látex é utilizado o atalho (varação).
Muitas vezes entre duas estradas diferentes existem espaços que não correspondem a nenhuma das estradas,
esta área é denominada extrema que é dividida de forma equitativa entre os donos, mesmo que a área não
possua árvores para manejo, Além disso os dois seringueiros podem transitar em todo o local, mas cientes,
que apenas uma das partes é sua.
Em relação à atividade de extração, tanto homens quanto mulheres podem praticá-la, mas não é
uma atividade realizada por nenhuma mulher pertencente à colocação que serviu de área para este estudo.

Expressões do cotidiano no seringal:


Estirão Caminho longo entre uma seringueira e outra na estrada
Mateiro Identifica e marca as árvores de seringueira
Toqueiro Limpa e estrutura as estradas de seringa
Manga Seringueira fora do trajeto, identifica-se o desvio e volta
Tirar o cavaco Limpar o mato com o facão (também com motosserra)
Virgem Árvore de seringueira que ainda não se extraiu o látex
Encantada Árvore de seringueira virgem que se perdeu de vista
Boca Início e Final da estrada de seringa
Estalo Barulho feito pelo fruto da seringueira ao barulho do dispersar das sementes

Caracterização da extração direta da seringueira


As aberturas das estradas, como dito anteriormente representam a primeira etapa para a extração,
pois são através destes caminhos que os seringueiros encontram as árvores (seringueiras) apropriadas. Em
seguida, após a delimitação das estradas é realizada a limpeza dos caminhos e em volta dessas árvores que
vão ser exploradas. Esse prática é usado no intuito de se ter uma melhor visão do espaço em que vai ser
trabalhado.
Uma das formas utilizadas pelos seringueiros para encontrar árvores próximas a suas estradas de
seringa é pelo estalido ou estalo que os frutos fazem ao dispersar suas sementes. Segundo eles existem
ainda na estrada de seringa, indivíduos que nunca foram cortados e seu látex ainda não foi extraído. Estas
são denominadas de Seringueira Virgem. Quando uma Seringueira Virgem aparece em suas vistas disseram
que assim se sucede: “árvore encontrada, é arvore marcada, se não ela se encanta”. Quando uma árvore
virgem é encontrada na trilha da estrada de seringa ou nas suas cercanias, o seringueiro deve logo marca-
Experiências etnobotânicas na Reserva Extrativista Chico Mendes 33

la, raspando e fazendo seu primeiro corte. Acreditam eles que se não realizarem este procedimento ela fica
encantada e o seringueiro, quando quiser retornar para fazer a extração do seu látex, não a encontrará mais.
A extração direta é marcada pela separação dos panos, que são os espaços destinados aos cortes
durante a extração. Essa separação é feita por meio de medição em palmos e dependendo da grossura do
tronco pode-se criar, por exemplo, quatro panos, aonde dois são trabalhados em média de quatro a cinco
anos, enquanto os outros dois ficam de reserva. O conjunto de dois panos é denominado de bandeira.
Após sua separação é realizada a limpeza da área de extração por meio do raspador.
O processo de corte para a sangria é feita utilizando uma faca apropriada. O corte se inicia com um
risco na vertical entre dois panos e em seguida é realizado apenas um corte transversal, tanto no sentido
direito quanto esquerdo, com os cortes seguintes sendo realizados paralelamente logo abaixo do risco anterior.
Para cada corte realizado o seringueiro aguarda até três dias, esse tempo é dado como período de
recuperação que a árvore deve ter pela ação da primeira sangria praticada. De acordo com Marques (2000)
para se obter um maior rendimento da mão-de-obra e aproveitar o potencial máximo de produção das
plantas, deve-se empregar sistemas com frequência reduzida de sangria.
Em relação à distância de um corte (traço) para o outro este pode ser medido através da diferença
de um dedo.
Existem seringueiros que realizam outros métodos de corte como o “cú de barrão” com três traços
(em cima, em baixo e na vertical) no mesmo pano durante o dia ou a “espinha de peixe” com vários cortes
na mesma bandeira formando um v, estes métodos são usados como forma rápida de se obter mais látex
durante o dia, porém quem as prática são considerados, entre os demais seringueiros, como “Seringueiros
Carrascos”, pois estes métodos tendem a prejudicar o tempo de recuperação da árvore, podendo atribuir a
incidência da diminuição da produção da seiva durante os anos e gerar uma super-exploração a curto prazo.
Cortes praticados em partes mais altas da Seringueira são realizados com o auxilio da trapeça, um
pedaço de madeira encostada na árvore que serve como escada para o seringueiro ou com o uso de uma
escada convencional.
O tempo para a retirada do látex representa uma nova etapa de extração, sendo de no mínimo quatro
horas, os aparelhos usados para a remoção do látex são a bica e a cumbuca. Porém, anteriormente a vinda
da fábrica de preservativos, a oito anos atrás, o material usado para a extração direta do látex era o flande,
um recipiente de metal que era fixado no tronco da seringueira, mas que ocasionava muitos acidentes entre
os trabalhadores por ser cortante.
Em seguida, o látex da cumbuca é peneirado para remoção de folhas ou insetos que possam estar
misturados na seiva extraída e depois este é transferido para o balde - recipiente de metal com suporte de
cinco litros. Quando este recipiente fica cheio o conteúdo é transferido para um saco de naipe que suporta
até trinta litros. Para facilitar a transferência do látex para o saco de naipe, são utilizados tocos de taboca ou
outro vegetal para servir de suporte.
Ao finalizar a transferência o saco de naipe é fechado com uma liga de látex e levado na estopa
considerada a bolsa do seringueiro.
A quantidade de látex retirado por dia pode variar de uma estrada para outra.
“Uma estrada boa faz cerca de 20 a 25 litros/dia e uma estrada considerada ruim faz em torno de
8 a 10 litros/dia [...].” (PJS, Seringal Sibéria Colocação Semitumba, 2013).

Caracterização da comercialização do látex de Hevea brasiliensis.


O material coletado é transferido para galões e neles são inseridos anticoagulantes, disponibilizados
pela fábrica de preservativo, principal compradora do látex produzido na região. Assim, a cada quinze dias,
os galões são deixados com a borracha na forma liquida em pontos do ramal das estradas locais para
serem coletados pelos representantes da fábrica de preservativo gerida pela cooperativa da RESEX onde
são levados inicialmente ao laboratório da indústria para análise de pureza, e constatar se há a presença
de água ou de látex de outra árvore diluídos; em seguida, se o material estiver de acordo com os padrões
de qualidade, é realizada a conversão do material líquido em borracha seca.
A cada aproximadamente dois litros de látex é gerado um quilo da borracha seca, comercializado
por R$7,80 (valor de 2015).
De acordo com um dos seringueiros, a estrada Alegrete faz entorno de 400kg da borracha por
ano. Se considerarmos os 12 meses a renda ficaria aproximadamente em torno de R$ 260,00 por mês,
mas como no trimestre mais chuvoso (Janeiro a Março) não é realizada a extração do látex devido a baixa
na quantidade de látex (época de chuvas), a renda mensal fica em torno de R$ 346, 66 considerando 9
34 Experiências etnobotânicas na Reserva Extrativista Chico Mendes

meses o ano. Nesta época de ociosidade do trabalho nas estradas de seringa outras atividades possibilitam
a geração de renda como a coleta das castanhas, também comercializadas na região.
Porém, se não houvesse a cooperativa o valor do quilo da borracha seca ficaria em torno de dois
reais. Com o valor aproximado de R$ 66,66 mensal (12 meses) para R$ 88,88 mensal (9 meses), sobre a
mesma produção anual de 400kg.
Tal prática, apesar de estar representada no cenário histórico brasileiro de luta e comercialização,
ainda não traz aos que dependem diretamente dela uma estabilidade financeira, pois o retorno econômico
oriundo da extensiva prática ainda não é tão valorizado, mesmo que esta seja uma atividade realizada
desde o fim do século XIX e início do século XX, quando iniciaram o extrativismo vegetal com o ciclo da
borracha.
Entretanto a mata não oferece ao seringueiro apenas o leite para produzir a borracha, mas
também a alimentação através da caça, coleta e pesca (Allegretti, 1989), podendo assim consorcia-la
com diversas atividades (extrativismo da castanha, agricultura, pequena criação de animais domésticos).
Clusener-Godt e Sachs (1996) também reforçam que a atividade como a extração da borracha
não pode ser analisada exclusivamente em termos econômicos, já que ela também desempenha uma
função social e ambiental.
No Geral, as estradas de seringa, como a própria atividade extrativista da H. brasiliensis, não
representam apenas um caminho em busca de sustento, mas sim marcam a formação de um grupo sócio-
cultural, através das reservas extrativistas.

Produtos oriundos da seringueira –valores de 2015:


Valor Descrição
PBD R$ 8,00/kg Placa de borracha solidificada pela defumação
Prancha R$ 8,00/kg Prancha de borracha sólida coagulada “na marra”
Biscoito R$ 2,50/kg Látex coagulado naturalmente na tigela
Látex Líquido Látex colhido e armazenado com anticoagulante
Cernambi N/A Látex oxidado nas bandeiras ou tigelas
Sementes R$10,00/kg Coletadas nas estradas de seringa

Utensílios usados para a extração


Materiais utilizados pelo seringueiro:
Raspadeira Utensílio utilizado antes de se fazer o corte, serve para fazer a raspagem, ou seja, limpeza
da área que vai ser utilizada para a sangria
Bica Pequena calha de metal que canaliza o fluir do látex para a tigela
Batecílio Tigela ou vaso utilizado para recolher o látex de uma árvore, também conhecida como
cumbuca
Faca A faca é dividida em duas partes, a cabrita – que é a base feita de madeira; e a lâmina –
referente à cabeça.
Peneira Serve para evitar resíduos no látex colhido
Camburão Baldes com tampa que já possuem anticoagulante em seu interior
Saco de Naipe Recebe os baldes de látex conforme vão se enchendo
Correia Pequena amarra feita de borracha, moldada em uma pequena taboca, também
conhecida como ‘Liga’
Bomba Para receber a colheita do látex até que a indústria venha buscar
Trapeça Para cortes em bandeiras altas, é um pedaço de madeira que serve como escada.
Experiências etnobotânicas na Reserva Extrativista Chico Mendes 35

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este estudo mostrou quais são os procedimentos relacionados à extração do látex da Hevea
brasiliensis, bem como a caracterização das estradas de seringa, os materiais utilizados, métodos adotados,
práticas de manejo das plantas realizadas para o seu uso a longo prazo e dados de comercialização, com o
objetivo de conhecer essas práticas e esclarecer o andamento desse processo nos dias atuais.
Pudemos constatar que entre os problemas que incidem sobre a vida dos seringueiros que visitamos
está a incerteza da hereditariedade da terra, da sua cultura e de suas tradições. Os seringueiros mais
antigos mostram-se preocupados com este acontecimento e discutem entre seus vizinhos a possibilidade
de realizar algum trabalho de resgate cultural com os mais jovens. A divisão das estradas de seringa entre
seus descendentes, restringem cada vez mais um futuro convidativo aos jovens que irão suceder a atual
população de seringueiros da região. Identificamos junto a eles que os jovens muitas vezes optam em ir
para a cidade e aqueles que ficam precisam ser estimulados a continuar em suas terras.

AGRADECIMENTOS
Os autores agradecem o apoio e a contribuição dos moradores que disponibilizaram seu tempo e
paciência para nos orientar em campo e disponibilizar informações valiosas para a realização deste estudo.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALLEGRETTI, M.H. Reservas Extrativistas: Uma proposta de desenvolvimento para a floresta Amazônica.
Perspectiva, São Paulo, v.3, n°4, p.23-29. out./dez. 1989.
CAETANO, A.C. Introdução e crescimento da castanheira –da-amazônia (Bertholletia excelsa Bonpl.) em
consorcio agroflorestal de seringueira (Hevea brasiliensis Muell. Arg.). em Lavras–MG. 2012, 175f.
Tese (Doutorado em Ciências Florestais) Universidade Federal de Lavras. 2012.
CLUSENER-GODT, M. SACHS, I. (Eds). Extrativismo na Amazônia Brasileira: Perspectivas sobre o
desenvolvimento regional. Compendio MAB – 18, UNESCO, Paris. 1996, 96p.
COSTA, S.S.M. Caracterização Ambiental da Reserva Extrativista Chico Mendes (Acre – Brasil): Subsídios
ao plano de manejo. 2000, 151f. Tese (Doutorado em Ecologia e Recursos Naturais). Universidade
Federal de São Carlos, São Paulo, 2000.
IAPAR – INSTITUTO AGRONOMICO DO PARANÁ. O Cultivo da Seringueira (Hevea spp.). 2004. Disponível em
http://www.iapar.br/arquivos/File/zip_pdf/culsering.pdf. Acesso em 29 de Junho de 2013.
LORENZI, H. Árvores brasileiras: manual de identificação e cultivo de plantas arbóreas nativas do Brasil.
São Paulo: Instituto Plantarum, 1992.
LORENZI, H. Árvores Brasileiras: manual de identificação e cultivo de plantas arbóreas do Brasil. São Paulo:
Instituto Plantarum, 2008.
MARQUES, J.R. Seringueira. Transcrito do jornal CEPLAC Noticias – 12/2000. Disponível em http:// http://
www.ceplac.gov.br/radar/seringueira.htm. Acesso em 30 de Junho de 2013.
MESQUITA, A.C.; OLIVEIRA, L.E.M. Caracteristica anatômicas da casca e produção de látex em plantas de
seringueira não enxertadas. Acta Amazonica. v.40, n° 2, p.241-246, 2010.
MING, L.C. Zoneamento de Ambientes na Reserva Extrativista Chico Mendes – Acre. 2010. Recife: Nupeea,
v. 4, 93p. 2010.
Experiências etnobotânicas na Reserva Extrativista Chico Mendes 37

Sistema de produção em casa de


3 farinha na Colocação Semitumba, Reserva
Extrativista Chico Mendes, Acre – Brasil

Ana Luiza Azank Veltri; Cauê Trivellato; Gabriela Silva Santa Rosa Macedo; Sebastião Gabriel Chaves Maia

INTRODUÇÃO
A mandioca, também chamada de macaxeira ou aipim, é conhecida cientificamente como Manihot
esculenta Crantz., da família Euphorbiaceae, uma dicotiledônea de clima tropical, resistente à seca, que
pode ser considerada base de alimentação de uma grande parcela da população mundial, podendo ser
cultivada em pequenas faixas de terra, principalmente, por pequenos produtores rurais em suas atividades
(EMBRAPA, 2000). A mandioca é rica em carboidratos, estando à frente do arroz, do milho e da cana-de-
açúcar e sendo um diferencial produtivo de grande relevância, seja em relação a sua lavoura, seja em relação
aos produtos comercializados e derivados da mesma (SOARES, 2007).
Para Khantounian (2001) a mandioca é uma cultura indicada para diversos tipos de solo, e que
necessita de pouca mão de obra, sendo bem indicada para pequenos agricultores familiares.
A atitude brasileira mais usual diante da mandioca é ambígua, embora nitidamente eivada
do preconceito do colonizador europeu. Como cultura, para consumo eventual, é tida como saborosa
especialidade, tanto in natura como processada em farinha. No entanto, o consumo diário e em grande
quantidade é associado à inferioridade social. Sem dúvida, outro importante preconceito a superar
(KHANTOUNIAN, 2001).
Soares (2007) afirma que foi através da mandioca, cultura difundida em solo brasileiro pelos
índios, que surgiram as Casas de Farinha, espectro de transformação e beneficiamento, em caráter de mini-
indústrias, dos inúmeros produtos que podem ser subtraídos da espécie. Casa, porque além da transformação
artesanal, a esta, também, está atrelada os laços consanguíneos, irmanados e a extrema diferenciação no
modelo de produzir. A “farinhada” ou outro produto deixa de ser apenas o resultado final de um sistema
produtivo, para incluir também os vínculos familiares na sua execução. Neste contexto, pode referendar
discussões criteriosas sobre a sustentação das comunidades que dela se utilizam e/ou ao mesmo tempo
da relação direta que se estabelece com os critérios ambientais.
A partir do processamento da mandioca é possível obter diversos produtos. São exemplos destes
as farinhas de variados tipos, amidos modificados, mandioca puba, tapioca, beiju, tucupí, tacacá, pé-de-
moleque, entre outros.
A farinha é o principal derivado da mandioca no Brasil, dada à simplicidade do seu processo produtivo
(ainda semelhante aos métodos herdados dos índios, em muitos casos) e à ampla aceitação no mercado. A
farinha pode pertencer a um entre três grupos, dependendo da tecnologia de fabricação utilizada: a farinha
seca, a d’água e a mista (SEBRAE, 2008).
Segundo Pimentel et al. (2001), no estado do Acre, a mandioca assume grande importância para
o pequeno produtor, principalmente, quando se refere à fabricação de farinha de mesa.
A utilização da mandioca é antiga e tornou-se uma importante alternativa alimentar e produtiva
economicamente sustentável aplicada em Reservas Extrativistas, uma área utilizada por populações
extrativistas tradicionais, cuja subsistência baseia-se no extrativismo e, complementarmente, na agricultura
de subsistência e na criação de animais de pequeno porte. A Reserva Extrativista(RESEX) tem como objetivos
básicos proteger os meios de vida e a cultura dessas populações, e assegurar o uso sustentável dos recursos
naturais da unidade (BRASIL, 2000).
Assim, o presente texto busca, através de experiências vivenciadas, caracterizar os processos das
produções na Casa de Farinha na colocação Semitumba, da Reserva Extrativista Chico Mendes, Acre - Brasil
(figura 1).
38 Experiências etnobotânicas na Reserva Extrativista Chico Mendes

Figura 1. Casa de Farinha, colocação Semitumba (fonte: Ana Luiza Veltri)

METODOLOGIA
O presente trabalho trata-se de um estudo descritivo, qualitativo, acerca de um relato de experiência,
o qual buscou pontuar os processos de produção em torno da Casa de Farinha na colocação Semitumba,
da Reserva Extrativista Chico Mendes, município de Xapurí, Acre, atividade esta inserida na programação
da disciplina Etnobotânica do Departamento de Horticultura da Faculdade de Ciências Agronômicas (FCA)
da UNESP de Botucatu.
Em linhas gerais, trata-se de um estudo etnográfico no qual o instrumento de campo teve
uma abordagem etnobotânica e etnoecológica que, segundo Noda (2000), é utilizado para investigar o
conhecimento a respeito do uso que uma população faz dos recursos naturais existentes. Os métodos
utilizados consistiram na observação participante, entrevistas semiestruturadas e anotações de campo
(BERNARD, 1988). Posey (1987) propõe a metodologia geradora de dados para coleta de informações em
etnobiologia de modo a assegurar a visão êmica das informações.
A análise dos dados foi feita juntamente com a coleta de forma integrada, informando ou mesmo
conduzindo uma à outra (TESCH, 1995). Para a análise dos dados, as informações coletadas foram
categorizadas e agrupadas em blocos correspondentes, facilitando a interpretação das informações
recebidas.

RESULTADOS E DISCUSSÕES

A roça de mandioca
A atividade em torno da casa de farinha, na colocação Semitumba, iniciou com a colheita da
mandioca na roça, uma nomenclatura usada exclusivamente para a cultura da mandioca. Para isso, fomos
até a área de cultivo da mandioca brava ou roça acompanhados pelo proprietário responsável.
Os moradores fazem distinção entre as variedades de Manihot primeiramente em dois grupos
de acordo com sua finalidade: brava e mansa. A primeira passa pelo processo de retirada do cianeto, por
isso é utilizada para se fazer a farinha e é chamada de mandioca (propriamente dita). A segunda pode ser
consumida diretamente sem necessidade de passar por um processamento e é chamada de macaxeira. A
variedade amarga (ou “brava”) é a mais utilizada na fabricação da farinha e seus derivados, pois geralmente
apresentam concentração de amido superior às variedades de mesa (ou “mansas”) (SEBRAE, 2008).
A organização e estruturação da roça se dão pela identificação inicial da área, que tem cerca
de um hectare, onde não há presença das espécies arbóreas castanheira (Bertholletia excelsa Bonpl.) e
seringa ou seringueira (Hevea brasiliensis). Na sequência é feito o procedimento denominado “brocar”,
no qual abre-se a mata para, em seguida, ser feita a “derriba” (derrubada) das árvores maiores. No
mês de outubro há a queima do local. Depois de duas ou três chuvas se procede com o plantio das
“manivas” de mandioca, obtidas por trocas entre os parentes e amigos. Seu tamanho é em torno de 15
cm e é plantada distanciando-se uma da outra em cerca de 80 cm. O plantio é feito cobrindo-as no solo.
Experiências etnobotânicas na Reserva Extrativista Chico Mendes 39

A mandioca pode ser colhida, em qualquer tempo, depois de seis meses de plantada, podendo
ficar no solo por mais dois anos até o momento em que se espera a sua colheita sem que se apodreça.
Ao longo deste tempo a manutenção da roça se dá por capinas periódicas.
Na roça estudada há o plantio de três variedades de mandiocas, assim chamadas pelo
proprietário da roça, de acordo com as características morfológicas: “pãozinho” (haste vermelha),
“guela de jacú” (talo vermelho) e “paxiubão” – “mandioca brava” (tronco verde escuro), a variedade
utilizada na Casa de Farinha (figura 2).

Figura 2. Variedade de “mandioca brava” utilizada na Casa de Farinha, colocação Semitumba(fonte: Ana
Luiza Veltri)

Caracterização da Casa de Farinha


A estrutura produtiva da Casa de Farinha alocada na colocação Semitumba apresenta estrutura
rudimentar, construída com mão-de-obra familiar, com a produção de subsistência. Os derivados da
mandioca são também vendidos, em especial a farinha, além de servir para o consumo próprio. A
mesma farinha consumida é a farinha comercializada, sem qualquer diferenciação.
Com base na classificação de Álvares et al. (2011) a Casa de Farinha visitada enquadra-se
como Tradicional por apresentar piso de chão batido, prensa do tipo varão ou alavanca e gamelas de
madeira. Um diferencial nesta Casa de Farinha em relação à classificação utilizada foi que o telhado
não é de palha, e sim, de telha tipo eternit.
Na Casa de Farinha encontram-se complexos artefatos: a bancada, a prensa, o forno, a gamela,
que são fixos e outros objetos que são móveis, como as peneiras, rodos e recipientes diversos que,
permitem aos pequenos agricultores executarem as diferentes fases do processamento da mandioca
neste espaço (VELTHEM, 2007). Seguem suas descrições:
Forno: Artefato fixo da casa de farinha. Estrutura com base em alvenaria de tijolo com parede
chapiscada. Acima da estrutura de alvenaria está disposto o tacho de torrar, uma estrutura metálica,
utilizada para o processo de torração da farinha.
Rodo: Objeto móvel da casa de farinha. O rodo tem um cabo comprido que é usado para a
secagem da farinha. Outra característica do rodo é que o seu material deve ser leve ou “maneiro”.
Gamela: Artefato móvel da casa de farinha. Trata-se de um tanque confeccionado em madeira.
A massa resultante da trituração é aparada na gamela. A gamela também pode ser utilizada quando
da peneiração da massa de mandioca.
Bancada: Artefato fixo da casa de farinha. Logo após da raspagem e lavagem da mandioca
40 Experiências etnobotânicas na Reserva Extrativista Chico Mendes

a mesma é encaminhada para a bancada na qual são empurradas ao caititu para serem “cevadas”,
roídas, raladas.
Caititu: Artefato fixo da casa de farinha. É utilizado para ralar a mandioca. O caititu ceva ou
roí a mandioca. Os verbos “cevar” e “roer” descrevem a própria função do artefato, uma vez que o
caititu, sendo um porco selvagem, deve roer a mandioca para se alimentar e engordar (VELTHEM, 2007).
Prensa: Artefato fixo da casa de farinha. Apresenta uma armação quadrada e vazada onde a
mandioca depois de ralada, triturada ou pubada é colocada envolvida por sacos, e essa massa então
é espremida para retirar o líquido, manipueira. O tipo de prensa visualizada enquadra-se em prensa
do tipo varão ou alavanca (ÁLVARES et al., 2011).
A principal fonte energética do sistema produtivo na Casa de Farinha é a lenha, complementada
com a gasolina para equipamentos como o motor que movimenta o caititu.

Produção da Farinha Amarela, Puba ou d’água


Quatro dias antes dos trabalhos junto à Casa de Farinha, foi feita a colheita da mandioca,
cerca de seis “pés” e a mesma foi descascada, lavada e cortada para ser passada pelo processo de
“pubar”, para fabricação da “farinha de puba” e subprodutos. Todos os presentes participam destes
processos, de modo revezado (figura 3).

Figura 3. Pós-colheita da mandioca na Casa de Farinha, colocação Semitumba (fonte: Ana Luiza Veltri)

Silva (1983) define a farinha d’água ou farinha puba como um tipo de farinha de mandioca
produzida na região amazônica, com sabor e odor característicos, apresentando uma coloração
amarela intensa, oriunda de raízes com a polpa amarela.
O processo de “pubar” consiste em deixar a mandioca fermentar naturalmente, até o completo
amolecimento. A mandioca é armazenada em água por alguns dias, neste caso, três dias (figura 4).
A farinha oriunda deste processo é conhecida como farinha d’água ou de puba.
Maravalhas (1964) apud Chisté e Cohen (2006) acredita que o sabor e odor da farinha d’água
são determinados pela maceração, o que indica tratar-se de fermentação butírica, provavelmente
ocasionada por Clostridium sp. devido ao acentuado odor butírico exalado.
Após a fermentação das raízes (amolecimento), deve-se retirar a água e efetuar a maceração
manual. Na sequência a massa da mandioca foi acondicionada de forma uniforme e nivelada em
sacos e a mesma passa por um processo de prensagem artesanal mecânica. O líquido resultante da
Experiências etnobotânicas na Reserva Extrativista Chico Mendes 41

Figura 4. Armazenamento da mandioca em água para preparo da farinha de puba (fonte: Sebastião
Gabriel Maia)

Figura 5. Sequência para preparo da farinha de puba (fonte: Ana Luiza Veltri)

prensagem é chamado de “manipueira”, que é descartado (figuras 5 e 6).


Cereda e Vilpoux (2003) apud Álvares et al. (2011) afirmam que a prensagem escoa o excesso
de água, facilita a operação de tostagem ou torração e evita a formação de goma (geleificação).
Ao sair da prensa, a massa de mandioca foi esfarelada ou peneirada para a retirada de possíveis
fibras e/ou fragmentos e, na sequência, torrada em forno brando em tacho de ferro.
Da massa da puba foi produzido o “pé-de-moleque”, também chamado de “bolo de
seringueiro” (figura 7), uma espécie de bolo que também é assado, junto com folhas de bananeira,
no forno onde a farinha é secada e torrada (figura 8). Para a produção do pé-de-moleque, utiliza-se
castanha, presente em diversos pratos da RESEX Chico Mendes (figura 9).
Seu preparo segue a seguinte receita: numa bacia com água são dissolvidos 3 kg de açúcar
e 500g de manteiga para cada 10 kg de massa puba. Acrescenta-se a castanha, cravo ralado e sal a
42 Experiências etnobotânicas na Reserva Extrativista Chico Mendes

Figura 6. Prensagem para retirada da “manipueira” (fonte: Ana Luiza Veltri)

Figura 7. Subproduto da farinha de puba: “pé-de- Figura 8. Subproduto da farinha de puba:


moleque” (fonte: Ana Luiza Veltri) farinha torrada (fonte: Ana Luiza Veltri)

gosto. Mistura-se tudo. O ponto da massa final é dado quando esta vai soltando do fundo da bacia. A
seguir, forra-se o fundo do forno com folhas de bananeira e assentam-se pequenas porções da massa
cobrindo com outra camada de folhas da bananeira de modo que toda a massa fique bem protegida.
De tempos em tempos é necessário virar a massa no forno para cozimento completo. Quando
a massa estiver bem dourada pode ser retirada e servida. As técnicas de modelar os pés-de-moleque,
exigem habilidades com as mãos, pois não são utilizadas formas para este fim.
Experiências etnobotânicas na Reserva Extrativista Chico Mendes 43

Figura 9. Castanhas usadas no pé-de-moleque (fonte: Ana Luiza Veltri)

Produção da Farinha Branca ou Seca


A farinha branca ou seca tem processo muito semelhante ao anteriormente descrito, porém
com uma etapa a menos na fermentação. Considera-se como farinha branca ou seca aquela que não
passou peA mandioca é descascada e lavada manualmente. Na sequência, é colocada na bancada e
“ceivada” (ralada), utilizando-se do caititu. O material triturado é aparado pela gamela (figura 10).
Logo após, o material é prensado retirando a manipueira para posterior torração. Antes da
torração a massa passa por esfarelamento, onde são retiradas as frações grosseiras.
Na produção da farinha branca é produzido ainda o tucupí, tapioca e “beiju/biju”:
Tucupí e tapioca: Com a roça já “ceivada”, foi retirada uma parte dessa massa e depositada
numa bacia com água para obtenção da goma necessária ao preparo da tapioca. Resultou, então, uma
pasta líquida que foi colocada num saco de tecido. Esse saco precisou ser espremido por duas pessoas
para retirada da água. Esta água foi depositada num recipiente que ficou em repouso por cerca de 3
horas até que toda a goma fosse decantada no fundo. A água retirada pode ser utilizada para o preparo
do tucupi, líquido que deve ser fervido para produção de pratos típicos, como por exemplo, tacacá
e pato no tucupi (figura 11). Com a goma (amido fino e branco) foi produzido a tapioca (figura 12).
“Beiju/Biju”: A massa resultante do processo de “ceivar” também pode servir para se fazer
uma espécie de pão muito comum na região chamado de “beiju/biju” (figura 13). Neste preparo, foi
utilizada a massa acima descrita acrescentando-se sal e a castanha. Essa mistura é levada ao forno,
virando-se de tempos em tempos para total cozimento da massa e servida, podendo ser armazenada
por um curto período de tempo.
Farinha torrada: Numa prensa foram colocadas camadas da massa resultante do processo
de “ceivar”, separadas umas das outras por um tecido telado. A massa foi apertada até a extração da
água e deixada descansar por cerca de três horas. Depois disso, a massa foi peneirada e toda a goma
deixada numa gamela para, em seguida, ser levada ao forno pré-aquecido com madeira retirada da
floresta de árvores já mortas.
O tempo de torrefação pode variar a depender da quantidade de massa. Primeiro é necessário
que se coloque uma pequena porção a fim de medir a temperatura. Gradualmente, colocam-se maiores
quantidades mexendo sempre para evitar a formação de grânulos (figura 14).
A massa esfarelada é encaminhada ao forno até ficar bem seca, apresentando aspecto crocante.
Na sequência é retirada e armazenada, sendo parte dela para o consumo próprio, e a outra parte,
destinada à venda no comércio do meio urbano próximo.
44 Experiências etnobotânicas na Reserva Extrativista Chico Mendes

Figura 10. Produção da farinha branca (fonte: Gabriela Villamagua)

Figura 11. Água retirada para o preparo do tucupi Figura 12. Goma para a produção de tapioca
(fonte: Ana Luiza Veltri) (fonte: Ana Luiza Veltri)
Experiências etnobotânicas na Reserva Extrativista Chico Mendes 45

Figura 13. Subproduto da farinha branca: “beiju/biju” (fonte: Ana Luiza Veltri)

Figura 14. Subproduto da farinha branca: farinha torrada (fonte: Ana Luiza Veltri)

Importante salientar que esta parte do processo exige da pessoa que está no preparo força
física para não parar de mexer por muito tempo. Quem fica muito tempo nessa função se queixa da
fumaça proveniente do forno, pois provoca irritação nos olhos. Depois de algumas horas a massa foi
torrada e a farinha está pronta.

Interações na Casa de Farinha


Cabe ressaltar, que todas essas práticas, e as diversas e distintas concepções associadas a elas
são oriundas de um histórico de migrações – do Nordeste à Amazônia, essenciais para o desenvolvimento
46 Experiências etnobotânicas na Reserva Extrativista Chico Mendes

do estado do Acre. Atualmente, tais conhecimentos estão envolvidos em sistemas sociais de trocas e da
transmissão de experiências e de informações (VELTHEM, 2007). E tal questão, torna-se importante para
a manutenção deste conhecimento.
A Casa de Farinha não é um mero meio de produção, representa um elo entre as pessoas que
permite a troca de experiências por meio do convívio diário no preparo dos derivados da mandioca. As
pessoas presentes no processo produtivo da Casa de Farinha são aparentadas e auxiliam em todos os
procedimentos, desde a colheita da mandioca, até a apreciação do produto final. Desta maneira, a atividade
na Casa de Farinha tem um caráter de socialização familiar envolvendo grande parte (ou quase todos) os
membros da família: irmãos, sobrinhos, tios, cunhados, entre outros.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir das experiências vivenciadas pode-se afirmar que os processos na Casa de Farinha abrangem
um conjunto articulado de aspectos familiares, técnicos e socioculturais que, em conjunto, conferem posição
peculiar a este sistema produtivo.
A cadeia formada a partir da mandioca, historicamente cultivada e ligada de maneira muito forte com
os hábitos e costumes da colocação Semitumba,, contempla diversos produtos minimamente processados.
Em linhas gerais todo o processo de beneficiamento da mandioca é realizado de forma artesanal-
familiar sendo, desta maneira, a Casa de Farinha um espaço de estreitamento dos laços familiares.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Cidadania do Vale do Juruá, Acre. Rio Branco, AC: Embrapa Acre, 2011. Disponível em: <http://iquiri.
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Antropologia, São Paulo, USP, 2007, v. 50 Nº 2.
Experiências etnobotânicas na Reserva Extrativista Chico Mendes 47

Unidades de paisagem manejadas na


4 Reserva Extrativista Chico Mendes,
Amazônia brasileira

Gabriela Carolina Villamagua Vergara; Marilza Machado; Márcio Gonçalves Campos;


Lin Chau Ming; Maria Cristina de Mello Amorozo

INTRODUÇÃO
As paisagens resultam de uma interação permanente entre os elementos naturais e a ação dos
humanos. Elas constroem-se ao longo dos tempos históricos assumindo os valores culturais que cada
cultura ou civilização lhe vai incutindo (PEDROSA; DE SOUSA, 2014). Portanto, o objetivo deste trabalho foi
determinar as unidades de paisagem e subunidades manejadas na Reserva Extrativista Chico Mendes na
Amazônia brasileira, tanto naturais quanto antrópicas, com caracterização dos seus principais elementos
constituintes.
Para este estudo adotou-se o conceito de unidades de paisagem proposto pelo Conselho de Europa
(2000), onde define-se paisagem como uma porção de território, tal e como é percebida pela sua população,
sendo seu aspecto o resultado da ação e a interação de fatores naturais e humanos. Esta definição incorpora
quatro dimensões: física (porção de território), holística e temporal (a paisagem como resultado da ação
e interação de fenômenos naturais e humanos desenvolvidos a o longo do tempo), e subjetivo cultural
(percepção dos habitantes dessa paisagem).
A partir de esta dimensão tem a descrição da paisagem percebida como um espaço subjetivo,
sentido e vivido, dependente da cultura e personalidade de quem observa, assim como sua capacidade de
percepção (auditiva, visual, olfativa, etc.), portanto, as abordagens metodológicas utilizadas neste trabalho
são variáveis e incluem técnicas dependentes e independentes dos usuários da paisagem, qualitativas ou
quantitativas, métodos diretos e indiretos.

MATERIAL E MÉTODOS

Área de estudo
O estudo foi realizado na Colocação Semitumba, Xapuri na Unidade de Conservação e Uso
Sustentável da Reserva Extrativista Chico Mendes – RESEX no Estado de Acre. Esta Reserva foi criada em
1990, com uma área aproximada de 970.570 hectares, entre as seguintes coordenadas geográficas: 10º 06
11” a 10º 58’ 39” de latitude Sul e 67º 56’ 13” a 69º 48’00” de longitude Oeste, abrangendo sete municípios:
Sena Madureira, Rio Branco, Capixaba, Xapuri, Brasileira, Epitaciolândia e Assis Brasil. A RESEX Chico Mendes
se encontra em duas bacias hidrográficas, a Bacia Rio Acre e Rio Iaco, e suas altitudes variam entre 0 e 350
a.n.m. O clima na região segundo classificação de Köeppen é do tipo AM (clima tropical úmido), que se
caracteriza por apresentar temperatura média anual de 27º C e uma precipitação média anual de 2.000 mm.

Procedimento
O estudo foi feito por meio da triangulação de informação (Figura 1), que envolve a coleta de dados a
partir de ângulos diferentes para comparar e contrastar uns aos outros, isto é, fazer uma verificação cruzada
entre diferentes fontes de dados: entre pessoas, entre instrumentos, entre documentos, entre métodos e
combinação de eles. Foram feitas visitas de campo para acompanhar as atividades que fazem as pessoas e
observação direta de espécies vegetais, entrevistas aos povoadores locais para conhecer suas percepções
sobre o território e troca de ideias, um inventário de espécies arbóreas, arbustivas e herbáceas em uma
área de 1.000 metros quadrados para conhecer o grado de conhecimento que tem os moradores da zona
48 Experiências etnobotânicas na Reserva Extrativista Chico Mendes

Figura 1. Triangulação de informação. Elaboração própria


no reconhecimento de espécies vegetais, e uma segunda parcela, também de 1.000 metros quadrados,
exclusivamente para a identificação de arvores com DAP ≥ 10 cm para classificar taxonomicamente por
família, gênero e espécie, assim como seus principais usos, cuja identificação foi realizada por moradores
do lugar. Na parte de classificação taxonômica ocidental participou também o Prof. Dr. Ling Chau Ming,
como especialista botânico. Além disso, foram coletadas informações do Zoneamento Ecológico Econômico
do Acre, e bases de dados de espécies vegetais indicadoras de ecótonos.
O estudo das paisagens geralmente compreende quatro fases.
1. Identificar e estudar cada um dos elementos abióticos, bióticos e culturais e suas interações.
2. Diagnóstico das paisagens delimitando unidades de paisagem, suas propriedades e seus status.
Também envolve a identificação de impactos ambientais e medidas de possíveis alterações em quanto aos
usos potenciais.
3. Previsão, prevendo uns possíveis estados a evolução da paisagem de acordo com determinadas
condições.
4. Propostas técnicas para a prevenção de impactos.
Neste estudo são consideradas unicamente as atividades relacionadas às das duas primeiras fases.

RESULTADOS

Paisagens fisiográficas
A primeira grande divisão da paisagem para os Seringueiros; é estabelecida, de acordo com o regime
de enchentes dos igarapés (cursos d´água). Assim, separam ou definem como elementos principais as terras
que se inundam ou alagadas (margens dos igarapés) e as terras que não se inundam chamadas de terra
firme. Entre estas duas áreas, apresenta-se uma zona de transição correspondente às veigas dos igarapés
chamadas de terras baixas ou de baixio, ou também conhecidas como grutiáto, que se define como uma
paisagem que se inunda ocasionalmente e por períodos de tempo relativamente curtos, como se observa
na Figura 2. Estas denominações também são utilizadas para fazer referência à vegetação ou ao conjunto
de plantas que crescem nessas zonas.
Ao interior da terra firme e de acordo com a topografia, estabelece-se uma segunda divisão que
separa as zonas dissecadas ou onduladas (partes mais altas, relevos de topos aplainados) das zonas planas.
Dentro do terreno dissecado presenta-se outras zonas que de acordo com sua posição em relação aos
igarapés, pode definir-se como terra firme do centro e terra firme mais próxima. Além das diferenças de
posição, a primeira é reconhecida por ter uma topografia mais quebrada e a segunda por apresentar as
árvores de maior altura (jatobá, acariquará).
Do mesmo jeito, para as zonas planas se define uma última divisão considerando a posição relativa
dos igarapés e a drenagem: 1) a mais distante, 2) a mais distante e mal drenada, 3) a mais perto das margens
Experiências etnobotânicas na Reserva Extrativista Chico Mendes 49

Figura 2. Paisagens fisiográficas. Adaptado e modificado de Duivenvoorden e Lips (1993).


TNI: Terra não inundável; TI: Terra inundável; TTI: Terra temporariamente inundada; MD: mal drenado; MB:
bem drenado; TFDC: Terra firme do centro; TFMP: e terra firme mais próxima.

e, 4) a mais próxima ao igarapé e mal drenada. Também se estabelecem as mesmas divisões com respeito à
topografia e inundação, sendo a parte mais baixa a que primeiro se inunda e, a parte mais alta a última em
inundar-se.

Tipos de vegetação
Os Seringueiros estabelecem os tipos de vegetação (grutiáto, capoeira, restinga, etc.) que também
definem em grande medida as unidades de paisagem, devido aos nomes da vegetação referentes ao lugar
onde as plantas crescem: existem plantas que são de igarapé, de capoeira, de baixio, de água, de terra firme.
Os critérios considerados para a diferenciação os tipos de vegetação, além do sitio onde crescem
as plantas, foram os mesmos seguidos para a topografia, sendo eles em ordem de importância o regime
de inundação, topografia, posição com relação aos igarapés e drenagem.

Classificação de solos
Na Semitumba, considerando a textura e cor do primer horizonte, reconheceu-se um só tipo de
solo, com exceção das margens dos igarapés que apresenta solos arenosos, estabelecendo um predomínio
dos solos argilosos vermelhos.
Segundo a SEMA (2012), os solos argilosos estão sujeitos a erosão conforme o aumento da argila
em profundidade, requerendo cuidados para uso agrícola em função do relevo.

Etnobotânica do seringal
Reconhecimento de espécies vegetais
Em total se inventariaram 56 espécies somando 134 indivíduos em uma superfície de 1.000 metros
quadrados de um, seringal médio. Deixaram de nomear 15 espécies, correspondentes ao 27% do inventario
geral, o que mostra uma considerável precisão (73%) de reconhecimento das espécies (Tabela 1), pois
muitas delas não se encontravam em período de floração e/ou frutificação.

Tabela 1. Espécies vegetais identificadas pelos seringueiros/as na Semitumba


N° Espécies
Estrato N° Individuos N° Espécies Identificadas
Não identificadas
DAP > 10 cm 68 26 7
DAP 5 a 10 cm 29 5 5
Herbáceo 37 10 3
Total 134 41 15
Total (%) 73% 27%
50 Experiências etnobotânicas na Reserva Extrativista Chico Mendes

No processo de identificação das plantas, os seringueiros se concentraram nas análises dos


caracteres vegetativos (cheiro da casca e folhas, formas de desprendimento da casca, cheiros e cor de
exsudados, forma e textura de folhas, entre outros), arquiteturais (forma de ramificação e altura) e aspectos
ecológicos (paisagem fisiográfica e associação com outras espécies). O tronco foi mencionado em 24% dos
casos, seguido pelo tipo de folha e presença de látex e casca com 18% dos casos cada um. Apenas 6% dos
casos foram mencionados os frutos como forma de identificação (Tabela 2).

Tabela 2. Caracteres vegetativos, arquiteturales e ecológicos usados no processo de identificação das


espécies vegetais na Semitumba
N° Característica DAP >10 cm DAP 5 a 10 cm Ervas FA f (%)
1 Casca 13   13 18
2 Tronco 9 8 17 24
3 Folhas 9 5 14 19
4 Látex 7 6   13 18
5 Fruto 3 1   4 6
6 Altura 1     1 1
7 Cheiro casca 1     1 1
8 Ausencia látex 1     1 1
9 Flores 1     1 1
10 Entre casca 2     2 3
11 Sementes   1   1 1
12 Raiz aparente   1   1 1
13 Cheiro   1   1 1
14 Hábitos de crescimento     2 2 3

Classificação taxonômica
Adicionalmente, se inventariaram 60 árvores com diâmetro ≥ 10 cm (DAP), em outra parcela de
1.000 metros quadrados de um, seringal médio. Identificaram-se pela taxonomia ocidental 33 espécies
arbóreas distintas. As espécies estavam distribuídas em 14 famílias botânicas, 16 gêneros e 12 espécies.
Quatro espécies levantadas não foram possíveis determinar a família botânica.
A família botânica Moraceae destacou-se entre as demais por apresentar maior número de
representantes, 8 no total, tanto em frequência como em número de espécies, seguida da família Fabaceae
com 5 representantes (Tabela 3). Mostacedo et al., (2006) no estudo sobre a diversidade e composição
da floresta amazônica encontrou também que as famílias Moraceae e Fabaceas foram as famílias mais
abundantes nas parcelas inventariadas.

Tabela 3. Distribuição das espécies dentro das famílias botânicas catalogadas


N° Familia Nro. espécies %
1 ANONNACEAE 1 4
2 FABACEAE 5 18
3 MALVACEAE 2 7
4 SAMYDACEAE 1 4
5 ARECACEAE 1 4
6 ICACINACEAE 1 4
7 MORACEAE 8 29
8 SAPOTACEAE 1 4
9 BURSERACEAE 1 4
10 LAURACEAE 1 4
11 MYRISTICACEAE 1 4
12 EUPHORBIACEAE 2 7
13 LECYTIDACEAE 2 7
14 OLARACEAE 1 4
Total 28 100
Experiências etnobotânicas na Reserva Extrativista Chico Mendes 51

Na Tabela 4 é apresentado, além dos nomes científicos das algumas espécies, também se colocou
a utilização das espécies arbóreas encontradas na área, seu uso e aplicações, citadas pelo Senhor Paulo
Gaudêncio. Identificou-se como principais usos 6 espécies madeireiros, 2 para embiras, 4 frutos comestíveis,
1 resina, 2 para lenhas, 2 de látex, 1 para defumar, 3 medicinais, e 2 como alimentos para animais.

Tabela 4. Levantamento Etnobotânico realizado na Reserva Extrativista Chico Mendes no estado do Acre
Nome popular Uso Frequência Família Botânica Gênero Espécie
Madeireiro: cabo de ferramentas/ Árvore
Catiame 2 - - -
boa para esperar a caça.
Madeireiro: lenha/ árvore boa para
Embiriba 1 - -
esperar a caça.
Ninharé - 1 - - -
Embiratanha
Embira: amarrar objetos. 1 - - -
vermelha
Envira Branca Embira: amarrar objetos. 1 Anonnaceae - -
Fruto comestível/ Palmito/Madeireiro:
Euterpe
Açaí assoalho/Medicinal: Sumo das folhas 1 Aracaae -
precatoria
para picada de animais peçonhentos
Resina: defumar látex/ Medicinal: dor de
Breu 4 Burseraceae - -
cabeça/ Madeireiro: lenha.
Lenha/defumar borracha/ fruto Caryodendron
Castainha 2 Euphorbiaceae -
comestível para outros animais amazonicum
Látex/ madeireiro/ fruto comestível para Hevea
Seringa 4 Euphorbiaceae -
outros animais. brasiliensis
Tachigali
Taxi preto - 1 Fabaceae -
myrmecophila
Camarurana/
Apuleia
Citim/Cumaru Madeireiro: cabo de ferramentas/ ponte. 1 Fabaceae -
leiocarpa
Citim
Balsamo banha/
Defumar borracha 2 Fabaceae - -
Angelim Branco
Medicinal: dor de cabeça/ madeireiro: Myroxylon
Balsamo 1 Fabaceae -
Mourão de casa. balsamum
Angelim Madeireiro/ medicinal: vermífugo. 2 Fabaceae Andira -
Quariquara - 1 Icacinaceae - -
Lenha/ frutos comestíveis para outros
Loro 1 Lauraceae - -
animais.
Madeireiro/ frutos comestíveis/ Bertholletia
Castanheira 1 Lecytidaceae -
artesanato excelsa
Cacauarana/ Medicinal: para depressão/ fruto Teobroma
1 Malvaceae -
Cacau de macaco comestível/ madeireiro speciosum
Apeiba
Pente de macaco Comestível: para macacos 1 Malvaceae -
membranacea
Fruto comestível/ Madeireiro/Cavador de
Pama cabeluda 6 Moraceae - -
borracha
Pama miudinha Madeireiro 1 Moraceae - -
Guariúba Fruto comestível/ Madeireiro 5 Moraceae - -
Apuí Medicinal: matar parasitas/ atrair caça 1 Moraceae - Ficus insipida
Manixi Alimentação para outros animais 3 Moraceae -
Cacheiro/ Caucho Látex para fazer fogueira. 1 Moraceae Castilla ulei
Pama Vermelha - 1 Moraceae - -
Iryanthera
Sangue de boi - 1 Myristiceceae -
juruensis
Madeireiro/ frutos comestíveis para
Itaubarana 1 Olaraceae - -
outros animais.
Caferana Madeireiro 3 Samydaceae Casearia -
Medicinal: reumatismo/ Fruto comestível
Mururé 1 Moraceae Brosimum
para outros animais.
Abíu Fruto comestível 1 Sapotaceae Pouteria -
* A identificação das espécies apresentadas nesta tabela aconteceu com o auxílio do Prof. Dr. Lin Chau Ming, e do Senhor Paulo
Gaudêncio, por possuírem vasto conhecimento da flora daquele bioma. Foram apresentadas aqui neste trabalho como resultado
aquelas espécies que ambos tinham total segurança em classificar.
52 Experiências etnobotânicas na Reserva Extrativista Chico Mendes

Na Tabela 5, realizou-se um exercício sobre a abundancia das espécies na colocação Semitumba a


nível de espécies conhecidas localmente, assim como quan diverso é o espaço onde foi realizado o trabalho
de campo. Nesta última parcela encontrou-se 54 indivíduos, sendo mais abundante a pama cabeluda,
seguida em ordem descendente, por guariúba, breu, seringa, caferana e manixi.

Tabela 5. Abundância e diversidade de espécies no seringal


N° de Abundância Índice de diversidade de
Espécie
indivíduos Absoluta Relativa (%) Shannon e Weaver
Catiame 2 0,04 3,70 -0,12
Embiriba 1 0,02 1,85 -0,07
Ninharé 1 0,02 1,85 -0,07
Embiratanha vermelha 1 0,02 1,85 -0,07
Envira Branca 1 0,02 1,85 -0,07
Açaí 1 0,02 1,85 -0,07
Breu 4 0,07 7,41 -0,19
Castainha 2 0,04 3,70 -0,12
Seringa 4 0,07 7,41 -0,19
Taxi preto 1 0,02 1,85 -0,07
Camarurana/ Citim/Cumaru Citim 1 0,02 1,85 -0,07
Balsamo banha/Angelim Branco 2 0,04 3,70 -0,12
Balsamo 1 0,02 1,85 -0,07
Angelim 2 0,04 3,70 -0,12
Quariquara 1 0,02 1,85 -0,07
Loro 1 0,02 1,85 -0,07
Castanheira 1 0,02 1,85 -0,07
Cacauarana/
1 0,02 1,85 -0,07
Cacau de macaco
Pente de macaco 1 0,02 1,85 -0,07
Pama cabeluda 6 0,11 11,11 -0,24
Pama miudinha 1 0,02 1,85 -0,07
Guariúba 5 0,09 9,26 -0,22
Apuí 1 0,02 1,85 -0,07
Manixi 3 0,06 5,56 -0,16
Cacheiro/ Caucho 1 0,02 1,85 -0,07
Pama Vermelha 1 0,02 1,85 -0,07
Sangue de boi 1 0,02 1,85 -0,07
Itaubarana 1 0,02 1,85 -0,07
Caferana 3 0,06 5,56 -0,16
Mururé 1 0,02 1,85 -0,07
Abíu 1 0,02 1,85 -0,07
Total 54     -3,21
H´       3,21

A mata nativa tem o índice de diversidade mais alto em relação com bordadura amazónica (2,81)
relatada por Bustamante et al., (2009) na Colômbia. Este índice de diversidade elevado (3,21) corresponde
a condições ambientais favoráveis que permitem a instalação de numerosas espécies, sendo representada
por um pequeno número de indivíduos de cada espécies, mostrando que o ecosistema esta pouco o nada
alterado. Além disso, a mata nativa é equitativa, porque a proporção de indivíduos presentes, é quase a
mesma para cada uma das espécies na comunidade segundo a Tabela 4.
Experiências etnobotânicas na Reserva Extrativista Chico Mendes 53

Sistema de ordenação da classificação botânica


No sistema de ordenação da classificação botânica manejada na RESEX Chico Mendes, foi possível
observar que existem diversas categorias com semelhanças aproximadas a várias taxas da classificação
botânica ocidental. O conjunto de plantas, elas não têm uma denominação particular, como acontece na
taxonomia cientifica. No entanto, os seringueiros usam muitas palavras específicas para referir-se a essas
plantas, como por exemplo no reconhecimento de algumas espécies pelos hábitos de crescimento.
A ausência de uma palavra particular para referir-se a um certo conceito, de forma similar ao da
ciência ocidental, não significa que não exista de fato, podendo ser, simplesmente, uma categoria encoberta
ou inominada (BERLIN et al., 1973; BERLIN, 1992; EMPERAIRE, 2002).
O primeiro sistema de classificação são os vegetais do mato que se diferenciam-se das plantas de
casa. O seja, são plantas selvagens aquelas que são encontradas na floresta, não domesticada.
Um segundo tipo de referencial são os critérios morfológicos, encontrando-se as categorias de
pau, palheira, rama, cipó, mato, sororoca, que permitem evidenciar similaridades de forma entre vegetais.
Um terceiro critério corresponde ao hábito de crescimento: árvore, ervas e cipós. Alguns grupos
de plantas não foram incluídos dentro desta categoria por apresentar características morfológicas que não
correspondam com os hábitos de crescimento estabelecidos. Assim, as palmas não foram consideradas
como árvores porque não apresentam ramificações, suas folhas sempre crescem na parte alta e seu caule
não é de madeira (Figura 3).

Figura 3. Modelo de classificação de plantas na Semitumba

Existe uma categoria etnobotânica chamada intermédia é inominada de encoberta (BERLIN et


al., 1973; BERLIN, 1992), que pode ter correspondência aproximada com o nível de família na taxonomia
ocidental. Também estabelecem grupos de nomes dependendo dos hábitos de crescimento, para o qual
utilizo classes de parentesco similares (sangre de boi parecida com a carapanauba, falso cedro). A comparação
de determinadas taxonomias das espécies dentro de cada um dos grupos de parentesco estabelecidos,
mostra que aquelas com maior afinidade podem corresponder com a mesma família botânica, como o caso
das madeiras louras que na maioria dos casos pertencem às LAURACEAS.
Enquanto os três primeiros esquemas baseiam-se em apenas um critério, existe um quarto sistema
mais complexo que se fundamenta em diversos tipos de critérios, de ordem morfológica, ecológica ou
utilitária, de maneira isolada ou combinada, sem ou com um grau de hierarquização. Em geral, cada grupo
é definido em torno de um ou vários modelos de referência do grupo, e não por análise discriminante dos
atributos de cada vegetal. O modelo permite incluir, numa mesma categoria, vegetais que, embora sem
afinidades diretas entre si, apresentam relação ao modelo do grupo.
Os principais grupos de vegetais se inserem nas diferentes formações vegetais até na própria casa.
O conjunto de maior importância é o das árvores conhecidas pela madeira e seus usos. Encontramos as
54 Experiências etnobotânicas na Reserva Extrativista Chico Mendes

seguintes categorias: paus de âmago (madeiras duras que não apodrecem); madeiras de louros; madeiras
moles (reúne as madeiras leves); e, finalmente, as madeiras não utilizadas por razões diversas. Embaúbas
constituem um grupo menor, separado dos outros.
Próximo ao conjunto das madeiras encontram-se o dos paus de leite (árvores de látex de interesse
econômico, como as seringueiras) e dos cipós, que constituem um grupo a parte. Esses grupos são
fundamentalmente florestais, mas podem incluir alguns elementos não florestais, que é mais de capoeira,
como a pupunha-mansa que serve como enviras. Um último conjunto envolve espécies apreciadas pelos
seus frutos que compreende, sobretudo, as palmeiras (açaí solteiro).
Os paus distribuem-se em várias famílias, de acordo com sua utilização, desde as madeiras mais
valorizadas às que praticamente inutilizáveis. Os paus de âmago, são caracterizados por suas madeiras
escuras, densas, tem por modelo de grupo a maçaranduba (Manilkara sp.), utilizadas principalmente para a
construção. Outras madeiras do mesmo grupo são frequentemente procuradas para a fabricação de peças
(elemento de prensa da mandioca) ou pranchas. Há também alguns paus de âmago que são considerados
menos resistentes, como as sucupiras.
As madeiras nobres, geralmente são mais claras, resistentes, porém mais leves e mais fáceis de
trabalhar, sendo o cedro, chefe deste grupo.
Os louros formam um grupo bastante bem definido, com características de madeiras duras, de
âmago (como a itaúba), ou madeiras com cheiro a canela, sendo este um critério de reconhecimento desse
grupo. O grupo dos louros reúne espécies da família botânica das lauráceas, caracterizadas por possuir
folhas de aspecto brilhante.
As madeiras de qualidade fraca ou leves, são madeiras muito moles quase podres, servem para
um número restrito de usos.
As madeiras não utilizadas por razões diversas inclui madeiras muito duras para serem cortadas ou
difíceis de serrar como carapanaúba e mulateiro ou ainda de diâmetro insuficiente. Madeiras de tonalidade
amarela mais forte, também formam parte de este grupo. Ex. a guariúba é uma madeira muito resistente
à umidade e ao tempo, mas difícil de serrar.
Os paus de leite têm a seringa como chefe, compreende diversas espécies com látex mais ou menos
abundante.
As envireiras (árvore-de-embira) como a samaúma, barriguda (também bombacácea) e malva-da-
mata-bruta dão envira boa. Os paus que tem uma casca interna fibrosa, frequente nas famílias das anonáceas,
lecitidáceas, malváceas, e bombacáceas chamam-se envireiras. Fornecem envira para transportar cargas e
fabricar cordas. As anonáceas, também são procuradas por causa de sua haste fina, retilínea e resistente,
utilizado para vigas.
As palmeiras, incluem o xaxim, que é uma ciclantácea com aspecto semelhante ao de uma palmeira.
No mesmo grupo definem-se por critérios morfológicos outras palmeiras, como a presença de espinhos
(pupunha) e folhas grandes de finas (aricuri).
Os cipós têm grande importância na Semitumba. Este grupo compreende cipós lenhosos que
atingem a copa da floresta e vegetais epífitas cujas raízes recaem. Vários grupos menores são reconhecidos
dentro dos cipós, com base nos seus usos (para artesanato, remédios, cordas) ou características de aspecto
(frutos particulares ou espinhos). A família dos cipós está próxima de outros grupos, como as plantas
trepadeiras herbáceas ou semilenhosas, incluindo as passifloráceas e trepadeiras com espinhos.
As fruteiras da mata compreendem várias espécies da mata que dão frutas e, em alguns casos,
seus equivalentes cultivados. O tipo de fruto serve para diferenciar os grupos que tem leite como pama.
No roçado, em meios abertos, encontram-se dois outros conjuntos de vegetais: o das plantas
alimentares cultivadas, com diferentes grupos menores – as que tem batatas, as fruteiras do quintal, as roças
-, e um outro grupo, o das plantas medicinais, que inclui, no entanto, vegetais do mato e plantas cultivadas.
Entre o que é do mato e o que é da casa existem vários grupos, sejam eles ligados a condições
ecológicas particulares (capoeiras, terra firme, terra baixa) ou a aspectos bem diferenciados de vegetais,
como os capins e as canas.

Nomenclatura para os nomes genéricos e específicos


Os caracteres do alburno e do âmago servem com frequência para identificar e nomear as árvores:
uma qualidade de árvore é chamada de branca à parte do alburno. A maior parte desses nomes refere-se a
características associadas com animais (pente-de-macaco, sangue-de-boi, pata de vaca) ou com substancias
particulares (látex). Algumas espécies são descritas pela semelhança com outras espécies (parecida com a
Experiências etnobotânicas na Reserva Extrativista Chico Mendes 55

pama, parecida com a carapanauba).


Outra característica pode ser de terra firme e outra de baixio, diferenciando-se pelo tipo de meio
onde cresce o vegetal, como por exemplo acariquara-de-igapés.
Os nomes das árvores estão ligados as características dos vegetais refere-se à cor, em geral branca,
preta ou amarela. Os termos branco e amarelo são aplicáveis a tons de amarelo-escuro a castanho-claro.
Ex.: mata-mata-amarelo. O par típico de atributos é constituído por um elemento claro e outro escuro que,
de modo geral, fazem referência a madeira; mas não se trata só da cor, como também da importância do
alburno (o branco) e do âmago (o preto). Em outros casos, as cores não têm nada a ver com a madeira, e
sim com a fruta e com a flor.
O tamanho também é um critério de descrição, como por exemplo, a paxiubinha (tronco fino) e
paxiubão (tronco largo). Muitos nomes de qualidades dos vegetais envolvem animais, como a pata de vaca,
pela forma de suas folhas. A utilização de nomes de animais está igualmente ligada a hábitos alimentares,
como se verifica no termo cacau-de-macaco.

Unidades de paisagem
Terra firme e terra inundável são os elementos que definem as unidades de paisagem natural.
Assim, para a Semitumba tem-se a floresta de terra firme e a floresta temporariamente inundada.

Florestas de terra firme (não inundável)


É uma floresta aberta com bambu ou tabocal (manchas com presença de uma ou várias espécies de
bambu), áreas com predomínio de solos argilosos e topografia ondulada. Espécies diagnósticas: Chelyocarpus
ulei, Iriartea deltoidea, Guadua spp. (Fotografia 1). A floresta de entrada a Semitumba é segmentada pela
via de comunicação Xapuri – Semitumba, com 28 km de comprimento. A estas afecções sobre a paisagem
se inclui as linhas elétricas de alta tensão que transcorrem na mesma orientação da via de comunicação
(Figura 4 e 5).

Fotografias 1. Espécies diagnósticas floresta de terra firme Chelyocarpus ulei (esquerda) e Iriartea deltoidea
(direita). Fonte: Villamagua (2015)
56 Experiências etnobotânicas na Reserva Extrativista Chico Mendes

Figura 4. Vias de acceso, Reserva Extrativista Chico Mendes

Figura 5. Floresta com bambu: manchas de bambu na floresta (esquerda) e floresta com bambu atravessada
pela via de comunicação na Semitumba (direita). Fonte: Fotografia aérea 2013, Google Earth (2015);
fotografia paisagem (SANTOS, D. 2015)

Além dos elementos comuns, é possível distinguir dentro desta unidade, subunidades atendendo a
os elementos dinâmicos, a naturaliza dos cultivos e abundância de construções e outra infraestrutura local.

Subunidade Manchas
Esta subunidade caracteriza-se pela presença de uma matriz florestal com presença de abundantes
manchas. As manchas foram definidas como áreas que presentam uma concentração mais alta de indivíduos
Experiências etnobotânicas na Reserva Extrativista Chico Mendes 57

Fotografia 2. Manchas de bambu (esquerda) e sororoca (direita). Fonte: Gomez e Shievenin (2015)
de uma sola espécie. A denominação para cada um de estes grupos de vegetação inclui o nome da espécie
dominante como é o caso do tabocal, sororocal e paxiubal (Fotografia 2).
No caso do Sororocal, encontra-se principalmente nas zonas planas da floresta, não inundáveis,
mas mal drenadas.
No caso dos tabocais, vegetação com predominância de bambus ou tabocas ocorrem em áreas que
estão em “pousio” ou em processo de regeneração. O bambu é uma espécie muito agressiva em termos de
competência, é difícil o emergir de outras espécies diferentes desta. Segundo Burman e Filgueiras (1993) são
plantas adaptadas a invadir áreas perturbadas afetando a estrutura e a dinâmica da comunidade invadida.
No relatório do Acre (2000) mostra que os bambus em geral no Estado de Acre, pertencentes ao gênero
Guadua, e esta cobertura vegetal representa 20% da vegetação do Estado.
Nesta subunidade, o uso do fogo, também é um elemento que determina a paisagem. Por exemplo,
os tabocais são recomposições de origem antrópica que crescem depois, em lugar da roça (desmate e
queima), para culturas temporais como o bambu. O termo cacaia faz referência a áreas que depois de
passar pelo fogo, cresce uma floresta de forma desordenada.

Subunidade Estrada de Seringa


A estrada é uma área da floresta de exploração do leite de seringa com uma extensão de 100
hectares. Em cada estrada estima-se um número de 100 a 150 árvores de seringa. As seringas crescem
junto ao cedro, aguana e garapeira. Além das seringas e espécies associadas, a estrutura do dossel é
constituída pelas castanhas e espécies arbóreas de porte médio a baixo, que em muitas ocasiões se observa
uma regeneração avançada das espécies de dossel. A soma das estradas conforma o seringal, no caso da

Figura 6. Estrada da
seringa
58 Experiências etnobotânicas na Reserva Extrativista Chico Mendes

Fotografia 3. Estrada de seringa, e a limpeza embaixo das seringueiras para facilitar extração do látex.
Fonte: Machado e Campos
Semitumba, o seringal Sibéria.
No interior do seringal o caminho feito para a extração do leite, chama-se estradas de seringa, são
caminhos que ligam uma estrada à outra e todos ligando com a casa, formando entre dois estradas um
oito perfeito o signo de infinito (Figura 6).
Cada família de seringueiros possui um número de estradas. Estas estradas determinam a
organização das famílias em colocações. As estradas são roçadas, ou preparadas, uma vez no ano. Trata-se
da “limpa” dos caminhos para que o trânsito seja feito de forma mais adequado e rápido, garantindo que
o seringueiro responsável pela coleta do látex consiga realizar sua tarefa sem dificuldades no percurso de
uma seringueira à outra, como também embaixo dos pés das árvores para evitar acidentes como animais
que possa oferecer riscos aos seringueiros no momento da coleta do material (Fotografia 3).
Como elemento artificial nesta subunidade, está a via de ligação entre as diferentes estradas e entre
as colocações. Antigamente era só um caminho usado pelos seringueiros para entrar e sair da estrada com
a leite e passagem de animais para carregar as sacas de castanha, mas agora a via tem vindo crescendo até
converter-se em uma via carroçável (Fotografia 4).
Geralmente esse tipo de via não são construídos próximos a locais que sofrem inundações, e assim
como as estradas de seringa, são “limpos” uma vez ao ano, onde todos os moradores, inclusive de outras
colocações se juntam para ajudar nesta atividade em estilo de mutirão. Em algum momento, quando a
passagem por esta via é comprometida pela queda de uma árvore, acontece o “arrodeio”, que é o desvio
ou varação.
Experiências etnobotânicas na Reserva Extrativista Chico Mendes 59

Fotografia 4. Aceso dentro da estrada e entre estradas (trilha e via carroçável). Fonte: Villamagua (2015)

Restinga. Fonte: Shievenin (2015)


60 Experiências etnobotânicas na Reserva Extrativista Chico Mendes

Figura 7. Pastagem na matriz de floresta (esquerda) e pastagens com palmeiras (direita). Fonte: Fotografia
aérea 2013, Google Earth (2015)

Fotografia 5. Pastagem com palmeiras . Fonte: Veltri (2015)

Subunidade Restinga
A restinga é floresta de sucessão ocupa as partes mais distantes e estáveis da área de inundação.
Os Seringueiros usam a palavra “ilha” de maneira metafórica, devido ao aspecto que apresentam os pontos
mais elevados durante as enchentes, por presentar solos arenosos como as praias e, pela presença de
árvores altas e regeneração arbórea distribuídas de maneira uniforme, denominadas tanto em português
como em espanhol, como restingas (Fotografia 4).
A partir deste ambiente da floresta é possível enxergar longe, a certa distância. Observa-se nessa
subunidade de paisagem que plantas herbáceas são menos predominantes.

Pastagem
A pastagem é uma subunidade de origem antrópica, implantada após a derrubada da mata, igual
ás roçados só que com diferenças no tamanho da área utilizada e seus objetivos. Este tipo de subunidade
não existia quando foi criada a Reserva. Tem sido implementada nos últimos anos. Caracteriza-se pela
presença de uma matriz florestal com parches de capim-branquiarão (Figura 7). A carga animal está entre
2 e 3 cabeças de gado por hectare e, a medida de área utilizada é o alqueire, equivalente a 2,4 hectares.
Experiências etnobotânicas na Reserva Extrativista Chico Mendes 61

Fotografia 6. Roçado, sistema de corte e queima. Fonte: Gomez e Shievenin (2015)

Assim um entrevistado tem 13 cabeças de gado em 16 alqueires (38,4 ha), então sua carga animal será de
3 cabeças por hectare.
As pastagens, também estão pontuadas de palmeiras que recebem a denominação de palheiras tais
como, o ouricurí (Attalea phalerata), jarina (Phytelephas macrocarpa), murumurú (Astrocaryum murumuru)
e ubim (Geonoma deversa) (Figura 7 e Fotografia 5). Estas palmeiras são manteias na área principalmente
por suas folhas, que são utilizadas para cobertura de construções, como casas, paióis e casa de farinha.
Também servem de sombra e os frutos, de alimento para o gado.
Como elementos artificiais, escassamente integrados, encontra-se as vivendas dispersas, e a
presença da via de comunicação para transportar o gado.

Fotografia 7. Roçado a continuação da floresta. Fonte: Shievenin (2015)


62 Experiências etnobotânicas na Reserva Extrativista Chico Mendes

Fotografia 8. Mandiocal. Fonte: Machado e Campos

Fotografia 9. Capoeira na Semitumba. Fonte: Shievenin (2015)


Experiências etnobotânicas na Reserva Extrativista Chico Mendes 63

Roçados
O roçado é o local onde são produzidos os alimentos principalmente para consumo familiar durante
o ano, cultiva-se todo tipo de plantas como arroz de seca, feijão (entre 1 e 3 variedades), abóboras, pimentas
doces e picantes, milho, batatas doces, frutas gengibre, poronga, mamão, melancia, cabaça, quiabo, maxixe
cará, batata doce, taioba, inhame, pimenta, gergelim, jerimum, cana e plantas medicinais e condimentares.
Estes espaços, em alguns casos também podem ser cercados para proteger a plantas do ataque de outros
animais como as galinhas.
O roçado é um sistema de corte e queima, onde se derruba a mata de uma determinada área,
realiza-se a queima para fertilizar o solo (Fotografia 6), depois o plantio das culturas, e em seguida a colheita.
Também conhecido como “coivara”.
A área é deixada em “pousio” para que a “terra descanse e o mato cresça”, segundo os seringueiros.
Somente depois de alguns anos é utilizada novamente.
O roçado tem geralmente uma superfície entre 3 e 5 tarefas (0,75 a 1,25 hectares). Plantios de 4
a 25 espécies por roçado. Alguns rocados têm enriquecido com árvores frutais como limão, goiaba, ingá,
entre outros. Predomínio de cultivos de lavoura temporária (mandioca, milho, arroz, cana de açúcar e
feijão) versus cultivos de lavoura permanente como banana e mamão. O tamanho do roçado depende do
tamanho da família e de sua capacidade de manter a área.
No espaço do roçado notou-se a presença ativa das mulheres no desempenho das atividades, hora
sozinha, hora auxiliando o marido. O que não ocorre para outras atividades corriqueiras da comunidade
como a extração do látex da seringa, por exemplo.
Os rocados localizam-se a continuação da floresta, perto das casas em zonas planas, bem o mal
drenado (Fotografia 7). O cultivo do arroz é de sequeiro, no entanto, é plantado em área com uma má
drenagem, de tipo esporádico, apenas no período das chuvas, o restante do ano é seco. Entre três e seis
variedades de arroz é plantada pode registrar-se no roçado, cuja maturação varia entre três e seis meses.
Outras espécies de tubérculos (batata-doce, inhame) acompanham a roça, mas seu consumo é reduzido
em relação com a mandioca.

Fotografia 10. Área de alagamento (igarapés e aglomerado de palmeiras). Fonte: Gomez e Shievenin (2015)
64 Experiências etnobotânicas na Reserva Extrativista Chico Mendes

Veltri (2015)

Fotografia 11. Espécies diagnósticas, samaúma (esquerda) e Euterpe precatoria (direita) de floresta
temporariamente inundável

Mandiocal
É uma diferenciação do roçado onde se encontra a cultura da mandioca brava (Fotografia 8), utilizada
para a fabricação da farinha, do pé de moleque, biju e outros produtos. Tem roças (mandiocas) de diversas
variedades em fase de crescimento e de colheita.
Subunidade Capoeira
Também é uma subunidade de origem antrópica, a capoeira compreende uma área de mata
secundaria que, depois de ter sido queimada e plantada para finalidades diversas, é “abandonada” e
deixada sem ação antrópica ao longo do tempo (Fotografia 9). Dependendo do estado de sucessão, o
seja, diferenciado pela altura e calibre das plantas que compõe o ambiente, pode ser caporinha (floresta

Fotografia 12. Grutião


cortado por uma varação.
Fonte: Machado e Campos
Experiências etnobotânicas na Reserva Extrativista Chico Mendes 65

Fotografia 13. Subunidade denominada Cerrado, na colocação Semitumba, RESEX. Fonte: Machado e Campos

secundária ceda), capoeiras (floresta secundária intermedia) e capoerial (floresta secundária avançada).
Na capoeira tem predomínio de cecropia, pouroma e malváceas. As enviras (malva) usada para
amarrações, da facilmente na área de rocado, dificilmente em mata bruta (virgem).

Varação
É um caminho secundário feito para encurtar distâncias entre as colocações. Trata-se de uma
espécie de atalho, utilizado também quando o varador está interrompido temporariamente, sendo usado
com menor frequência. A largura geralmente é suficiente para a passagem de uma pessoa.

Fotografia 14. Gapó na


colocação Semitumba,
RESEX. Fonte: Veltri (2015)
66 Experiências etnobotânicas na Reserva Extrativista Chico Mendes

Floresta temporariamente inundada


É uma floresta aberta com predomínio de palmeiras de terras baixas, com inundações temporais das
zonas planas. Por encontrar-se em uma área de transição, abriga espécies tanto de floresta de terra firma
como de floresta inundável, e caracteriza-se pela presença de igarapés ou cursos da água (Fotografia 10).
A natureza expansiva das argilas é a principal razão para o decréscimo rápido da vazão dos igarapés,
quando advém a estação seca. Pela mesma razão tem-se aumento rápido da vazão no período das cheias
(SEMA, 2012).
A distribuição do tamanho dos indivíduos segue um j reverso. São menos densas do que florestas
de terra firme. De 3 a 4 estratos definidos com dominância de árvores, palmeiras e cipós, em solos argilosos
com drenagem imperfeita.
Essa floresta é muito mais baixa em relação à outra, e seu dossel chega a 20 m ou menos. Essa
comunidade vegetal se distingue porque tem espécies que estão adaptadas ao meio aquático como por
exemplo há espécies que possuem sementes com flutuadores e também há árvores perto das margens
dos igarapés desenvolvem raízes escoras com aspecto de guarda chuvas.
As florestas de Igarapés também hão sido descritas no rio Negro do Brasil e da Guyana (FERREIRA
E ALMEIDA, 2005). O soto-bosque na RESEX Chico Mendes é ralo e levemente denso com dominância de
helicoidais, marantáceas e piperáceas.
As partes mais próximas dos igarapés estão dominadas pelo gênero Gynerium (Poaceae), Tessaria
integrifólia (Asteraceae), e Cecropia (Cecropiaceae), espécies típicas de sucessão nas planícies. As espécies
diagnósticas são: Acacia glomerosa, Aegiphila integrifolia, Attalea butyracea, Ceiba samauma, Clarisia sp.,
Ficus insipida, Guarea spp., Huertea glandulosa, Inga marginata, Palicourea spp., Psidium sp., Schizolobium
amazonicum, Bactris sp., Apeiba spp., Attalea butyracea, Attalea maripa, Euterpe precatoria, Ficus spp.,
Garcinia brasiliensis, Geonoma spp., Heliconia juruana, Hieronyma alchorneoides, Manilkara inundata,
Mauritia flexuosa, Oenocarpus bataua, Aspidosperma sp.
Além dos elementos comuns, é possível distinguir dentro desta unidade, subunidades atendendo
a topografia, presença e distância dos igarapés, estrutura do dossel e abundância de espécies segundo o
habito de crescimento.

Grutião
Área que sofre uma declividade, uma espécie de baixada onde geralmente se encontra um curso
d’água (Fotografia 12). Essa unidade de paisagem geralmente apresenta uma densa vegetação no período
seco.

Cerrado
Formado por uma vegetação de árvores e arbustos, constituindo um conjunto mais fechado,
dificultando as caminhadas (Fotografia 13). É possível andar pelo cerrado com o auxílio de um terçado
(designação regional para facão), “para abrir passagem entre a vegetação”.
Brejo e Gapó
Área onde a presença de água determina seu nome. Tanto o Brejo como o Gapó, são caracterizados
pela presença de água, contendo o Brejo menor quantidade desta e apresentando o solo sempre com
aparência de “barro” ou “lama”.
O Gapó, (Fotografia 14) apresenta-se encharcado e a água que corre nele, muitas vezes é utilizada
pelos seringueiros para matar a sede quando estão no trabalho de coleta de castanhas ou extração do látex.

DISCUSSÃO

A paisagem e a vegetação
Os seringueiros, ao igual que outras comunidades tradicionais (JONSON, 2000; CABRERA et al.,
2001; SÁNCHEZ et al., 2007), fazem o reconhecimento da paisagem por meio da identificação de elementos
similares e característicos de partes do território, tais como, acidentes topográficos, cursos de água, diferentes
sistemas produtivos, solos e vegetação.
Outros grupos tradicionais (FRECHIONE et al., 1989; ANDREBELLO, 1998; FLECK; HARDER, 2000;
SHEPARD et al., 2001), ao igual que os seringueiros, estabelecem a classificação da paisagem especificamente
a partir da separação de zonas inundáveis e não inundáveis por mudanças dos níveis de água nos igarapés
Experiências etnobotânicas na Reserva Extrativista Chico Mendes 67

e as zonas de transição inundáveis de forma intermitente, as características topográficas (zonas planas e


onduladas), aspectos sobre a drenagem e distancia ao igarapé principal.
Com relação a classificação etnobotânica utilizada pelos seringueiros para a vegetação, os critérios
utilizados são praticamente os mesmos do sistema ocidental. Os tipos de florestas são categorizados
dependendo do estado de sucessão das áreas cultivadas deixadas em abandono, como é o caso dos tabocales,
as caporinha (floresta secundária ceda), capoeiras (floresta secundária intermedia) e capoerial (floresta
secundária avançada). Os Kuikuru (CARNEIRO, 1978) e Ka´apor (BALÉE; GÉLY, 1989) também utilizam como
um dos critérios de classificação.
Outro critério utilizado pelos seringueiros para definir os tipos de floresta são espécies indicadoras
que definem o solo para atividades agrícolas. Assim, áreas de pântano de palmas, floresta muito úmida,
relevos altos, não são aceitáveis para atividades agrícolas. Portanto, as áreas de roçado na Semitumba
encontram-se em zonas planas e não pantanosas. Os Yekuana de Venezuela (PARKER et al., 1983) e os Miraña
da Colômbia (SÁNCHEZ et al., 2007) também utilizam esse critério. De fato, ambos povos identificam 10
e 12 tipos de floresta, dos quais 50 e 75% respectivamente, são reconhecidos pela presença de espécies
indicadoras que definem o solo para atividades agrícolas.
A nível de composição florística, em comparação com o Alto Jurai (EMPERAIRE, 2002), reconhece-se
certa similitude no uso e manejo de manchas na Semitumba. As manchas também têm sido registradas em
outras comunidades tradicionais (BALÉE; GÉLY, 1989; VAN DER HAMMEN, 1992, DUIVENVOORDEN; LIPS,
1993; SÁNCHEZ et al., 2007), sendo mais comuns na RESEX Chico Mendes as conformadas por algumas
espécies de palmeiras, que além de presentear um comportamento gregário, e geralmente tem algum tipo
de uso (Mauritia flexuosa, Idialtea deltoides, bem como as pupunhas).

Solos
O reconhecimento do solo pelos seringueiros, é similar ao realizado por outros grupos tradicionais
(VAN DER HAMMEN, 1992; ETTEMA, 1994; VÉLEZ; VÉLEZ, 1999; BANDEIRA et al., 2002; BARRERA-BASSOL;
ZINCK, 2003; TINOCO-ORDÓÑEZ, 2003, SÁNCHEZ et al., 2007), tem como características mais importantes
para diferenciar o solo a textura e cor. A posição fisiográfica, limitou-se em subministrar informação sobre
a distribuição do solo. Observou-se que os seringueiros também incorporam uma característica utilitarista
para reconhecer e alocar usos do solo, seja para atividades agrícolas ou pecuária principalmente. Os Miraña
da Colômbia (SÁNCHEZ et al., 2007) utilizam este critério para alocar solos destinados para obtenção de
terra para a elaboração de cerâmicas.

Etnobotânica
Na identificação de plantas, o uso dendrológico, sua arquitetura e ecologia são mais importantes
para reconhecer as espécies pelos seringueiros do que considerar a presença de flores e frutos, segundo
método taxonômico ocidental. O mesmo resultado acontecido com os Miraña de Colômbia (SÁNCHEZ et
al., 2007).
O nível de conhecimento dos seringueiros sobre seu entorno vegetal é alto e o número de espécies
nomeadas é maior (73%) do que o número de espécies sem nomeação. No entanto, os Miraña da Colômbia
(SÁNCHEZ et al., 2007) são capazes de reconhecer até 95% das espécies e, um grupo de Dusum de Brunei
estabelece que os informantes reconhecem os nomes genéricos entre 86 e 96% dos indivíduos presentes
em dois parcelas (BERNSTEIN et al., 1997). A diferença nos niveles de conhecimento entre Seringueiros e
outras comunidades tradicionais, pode ser porque os dois últimos são povos indígenas, cujo conhecimento
é mais antigo e, portanto, de maior acumulação.
Na segunda parcela identificou-se 33 espécies arbóreas de 14 famílias, predominando as famílias
Moracea e Fabacea, e 9 principais usos das espécies. Além disso, contatou-se o elevado índice de diversidade
que presenta o seringal (3,21), demostrando uma baixa nível de perturbação desta área.

Estrutura e nomenclatura
O sistema de ordenação da classificação botânica utilizada pelos seringueiros na RESEX Chico
Mendes segue os mesmos critérios registrados no Alto Juruá por Emperaire (2002), os quais são, cultivada/
selvagem, morfologia das espécies, hábitos de crescimento, e uma mistura de morfologia, ecologia e uso.
De acordo como os hábitos de crescimento, há três niveles estabelecidos pelos Seringueiros que
considerar-se como unidades básicas na categorização botânica tradicional, critério este que está também
presente em muitos grupos estudados (BERLIN, 1977; SÁNCHEZ; RODRÍGUEZ, 1990; BALÉE, 1994; MARTÍN,
68 Experiências etnobotânicas na Reserva Extrativista Chico Mendes

1995; SÁNCHEZ et al., 2007) assim como a presença de espécies que não pertencem a nenhum grupo.
Em geral, as diferenças numéricas presentadas entre valores registrados e estabelecidos para as
nomenclaturas em sistemas tradicionais podem estar relacionadas ao tipo de inventário, sendo necessário
incluir outros hábitos de crescimento (musgos, fungos, epífitas) e um área de amostragem maior que possa
abranger elementos de flora local.

Unidades de paisagem
Estabeleceram-se duas unidades de paisagem, floresta de terra firme e floresta temporariamente
inundável. Na primeira se insertam oito subunidades: manchas, estrada de seringa, restinga, pastagem,
roçado, mandiocal, capoeira e varação. Na floresta temporariamente inundável distinguem-se quatro tipos
de subunidades: grutião, cerrado, brejo e Gapó. As subunidades de origem antrópico ocorrem nas áreas
mais distantes da área de inundação e em zonas de planas a onduladas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os critérios para a diferenciação dos tipos principais de vegetação foram os mesmos seguidos
para a topografia, sendo eles em ordem de importância o regime de inundação, topografia, posição com
relação aos igarapés e drenagem.
O ordenamento dos elementos da natureza (etnoclassificações) apresentadas no local de estudo
mostram que estes apresentam estruturas semelhantes aos da ciência ocidental e, em muitos casos, o
graúdo de detalhamento maior.
Os seringueiros têm um alto conhecimento de sua vegetação e reconheceram 73% das espécies
inventariadas considerando a alta diversidade vegetal existente na RESEX. Para o reconhecimento das
espécies os seringueiros auxiliam-se de caracteres vegetativos, arquiteturales e ecológicos sendo os
principais: tronco, folha, latéx e casca.
Na classificação taxonômica foram registradas 60 árvores com diâmetro igual ou acima de 10 cm
dentro da parcela, identificando-se 32 espécies arbóreas. Estas espécies estão distribuídas em 14 famílias,
sendo as mais abundantes as famílias Moracea e Fabacea. Determinou-se um índice de diversidade elevado
a nível de espécies de 3,21. As espécies florestais registradas, são para fins alimentares, fornecimento de
madeira para construção das casas, extração do látex das seringueiras e coleta da castanha das castanheiras
para complementar a renda familiar, e para a manutenção da saúde e da cultura da comunidade da colocação
Semitumba.
Estabeleceram-se duas unidades de paisagem e 12 subunidades manejadas na Semitumba. Foram
registradas seite subunidades de paisagens antropizadas, e cinco naturais. Nas subunidades de paisagem
roçado e mandiocal, notou-se que a produção destes é apenas para o sustento da própria família, salvo
algumas famílias que fazem a farinha de mandioca com a finalidade de comercialização para incrementar
a renda familiar. A comunidade tem ainda depende da subunidade estrada de seringa, seja na extração do
látex ou na coleta de castanhas, ambas para comercialização.

AGRADECIMENTOS
Ao professor Dr. Lin Chau Ming pela oportunidade de aprendizado; a toda a comunidade da colocação
Semitumba pelo carinho e hospitalidade; a todos os colegas de disciplinas pela agradável companhia e
aprendizado da convivência em grupo; e a todos os demais que fizeram da disciplina Etnobotânica ainda
mais agradável.

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70 Experiências etnobotânicas na Reserva Extrativista Chico Mendes

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Experiências etnobotânicas na Reserva Extrativista Chico Mendes 71

Inventário etnobotânico
5 da Colocação Semitumba,
Resex Chico Mendes, Acre - Brasil

Dimitrio Fernandes Schievenin; Hector Alonzo Gomez Gomez;


Sebastião Gabriel Chaves Maia; Lin Chau Ming; Maria Christina de Mello Amorozo

APRESENTAÇÃO
Objetivou-se, com este estudo, verificar o conhecimento comunitário a cerca das espécies
componentes da floresta, incluindo seus nomes, utilizações e métodos de identificação. Para tanto,
foram demarcadas parcelas e inventariados indivíduos de três estratos diferentes: herbáceo-arbustivo e
lianas (DAP<5 cm); arbustivo-arbóreos (5<=DAP<10 cm); e arbóreos (DAP>=10 cm). Para cada estrato, foi
entrevistado um morador da comunidade a respeito das informações de cada espécie. Com a atividade,
foi possível notar a grande quantidade de espécies florestais conhecidas, inclusive algumas sem utilidade
para os comunitários. Todavia, a maior parte das espécies possuía ao menos um uso, seja em construção
civil, alimentação, fins medicinais, entre outros. O valor cultural deste conhecimento pode ser de vital
importância para a conservação dos recursos florestais na região.

INTRODUÇÃO
A região amazônica possui uma grande sociobiodiversidade, com povos detentores de
conhecimentos tradicionais sobre os usos de seus recursos naturais (TOMCHINSKY; MING; HIDALGO;
CARVALHO; KFFURI, 2013). Neste contexto, tais características são vislumbradas nas várias Reservas
Extrativistas do território amazônico.
As Reservas Extrativistas são exemplos, de categorias de unidades de conservação de proteção
integração, caracterizadas como espaços territoriais destinados à exploração autossustentável e
conservação dos recursos naturais renováveis, através dos conhecimentos tradicionais por população
extrativista (BRASIL, 1995).
Os conhecimentos tradicionais, como de grupos extrativistas (DIEGUES; ARRUDA, 2001),
por exemplo, são base para conservação, e são apontados por Diegues (2000) por meio de uma nova
perspectiva chamada de etnoconservação, a qual procura associar a conservação da natureza com os
conhecimentos tradicionais e manejo dos recursos naturais que proporcionam. A etnoconservação é
uma das especialidades da etnociência, que desenvolve trabalhos que abrangem desde elementos da
linguística até aspectos culturais e biológicos, visando compreender a classificação e significação dos
recursos e fenômenos naturais (PEREIRA; DIEGUES, 2010).
Assim, o entendimento das relações homem e ambiente podem ser compreendidas através da
etnobiologia e etnoecologia que são áreas das ciências que partem do conhecimento tradicional, para
estudar sua relação e seu conhecimento sobre o ambiente em que se inserem, com enfoque cultural,
social, ecológico e econômico dos recursos naturais. A etnobotânica se insere como o estudo da relação das
pessoas com as plantas e o ambiente em que elas ocorrem (TOMCHINSKY; MING; HIDALGO; CARVALHO;
KFFURI, 2013).
A caracterização da relação a relação etnobotânica entre a população e floresta é fundamental,
uma vez que as populações locais se caracterizam pela dependência do uso dos recursos naturais, a partir
do qual constroem um modo de vida particular, e pelo conhecimento aprofundado dos ciclos naturais, que
se reflete na elaboração de sistemas de manejo desses recursos. Essas populações também se diferenciam
por permanecer e ocupar esse território por várias gerações e por exercer atividades de subsistência,
contribuindo ou não com o mercado local e regional (DIEGUES; NOGARA, 1996).
72 Experiências etnobotânicas na Reserva Extrativista Chico Mendes

O presente estudo tem como objetivo caracterizar e descrever o conhecimento ecológico local
sobre espécies e recursos vegetais utilizados ou de uso potencial dos moradores da colocação Semitumba,
Reserva Extrativista Chico Mendes, Acre-Brasil.

MATERIAL E MÉTODOS
O estudo foi realizado na Reserva Extrativista Chico Mendes, na Colocação “Confusão”. A reserva
localiza-se no sudeste do Estado do Acre, e tem área aproximada de 970.570 ha. O clima da região é
caracterizado como Am, de acordo com a classificação de Köeppen. Trata-se de um clima tropical úmido,
com temperatura média anual entre 26 e 27ºC, com estação seca de curta duração. A precipitação média
é de cerca de 2000 mm anuais (MMA, 2006)
A vegetação da reserva distribui-se entre as fisionomias de Floresta Ombrófila Aberta (com
palmeiras, cipós ou bambus) e Floresta Ombrófila Densa (MMA, 2006). O presente estudo foi realizado
numa área de Floresta Ombrófila Densa, conhecida localmente como “Restinga”. Tal área é comumente
utilizada pelos seringueiros na extração de látex e eventualmente retirada de madeira para construção
civil.
O inventário ocorreu em três parcelas com tamanhos distintos, de modo a abranger os diferentes
estratos da floresta. Determinou-se o Diâmetro à Altura do Peito (DAP) através de um gabarito. As áreas
estudadas foram:
• Área 1: Parcela de 2 x 25 m, para amostragem dos indivíduos herbáceos, arbustivos e escandentes
(DAP < 5 cm)
• Área 2: Parcela de 5 x 100 m, para amostragem de indivíduos arbustivo-arbóreos (5 ≤ DAP < 10
cm)
• Área 3: Parcela de 10 x 100 m, para amostragem de indivíduos arbóreos (DAP ≥ 10 cm)
Em cada parcela, um morador da comunidade foi entrevistado quanto ao seu conhecimento dos
indivíduos inventariados em relação à denominação local da espécie, nomes alternativos, usos e método
de reconhecimento.
Para efeitos práticos, agrupamos as formas de utilização em categorias:
• Sem Utilidade
• Construção Civil: inclui madeira para assoalho, telhado e paredes, além de palha para cobertura
das casas.
• Alimentação Animal: abrange toda a sorte de frutos consumidos por animais silvestres e/ou
domésticos.
• Alimentação Humana: inclui frutos, palmito e produtos derivados destes.
• Medicinal: cascas, raízes, folhas, flores e frutos utilizados para cura e tratamento de doenças
como malária, diarreia, resfriados, problemas intestinais, entre outros.
• Atrativo de caça: atraem caça através de frutos ou outras características.
• Utilidades domésticas: utensílios para cozinha, brinquedos, materiais para curtição de couro,
entre outros.
• Lenha
• Látex
Muitas características usadas na identificação botânica foram citadas pelos moradores da
comunidade. Novamente para efeitos práticos, agrupamos nas seguintes categorias:
• Sem características
• Hábito (erva, arbusto, árvore e trepadeira)
• Folhas (formato, textura e cor)
• Flores (tamanho e cor)
• Frutos
• Talo
• Gomos
• Casca (cor e ritidoma esfoliante)
• Entrecasca
• Número de espigões
• Presença/Ausência de látex
• Cor do látex
Experiências etnobotânicas na Reserva Extrativista Chico Mendes 73

• Cicatriz de inserção das folhas


• Folhas no chão
• Presença de envira
• Presença de quinas no tronco
• Presença de espinhos
• Presença de tricomas
• Semelhante a outra espécie
• Raízes
• Cheiro
A metodologia para coleta e análise dos dados tem seu enfoque principal na comunidade e a sua
relação de uso de recursos vegetais. É nesse nível que o conhecimento etnobotânico e etnoecológico foi
acessado.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

2.1. Área 1
Na primeira parcela a entrevistada foi uma moradora da comunidade local, P.A. Neste caso, foram
inventariados 37 indivíduos, de 11 morfo-espécies, das quais oito foram prontamente identificadas pela
moradora. Apenas duas das espécies identificadas não possuíam uso: pimenta longa tipo II e rama-não-
me-toque.

Figura 1. Número de indivíduos por espécie encontrados na primeira parcela (amostragem do estrato
herbáceo-arbustivo).

Figura 2. Número de espécies por tipo de uso.


74 Experiências etnobotânicas na Reserva Extrativista Chico Mendes

Figura 3. Porcentagem de espécies por número de usos.

Figura 4. Número de espécies identificadas pelas características.

A utilização das espécies variou bastante de acordo com o relato da professora, incluindo confecção
de brinquedos, cobertura de casas, utilidades domésticas e fins medicinais.
Das espécies analisadas, seis possuíam algum tipo de uso, ao passo que cinco não eram utilizadas
pela comunidade. Mesmo as espécies classificadas como tendo apenas um uso, podem ter mais utilizações
dentro de uma mesma categoria. Um bom exemplo é a pruma, usada localmente para estancar sangue e
no tratamento de males do intestino e hemorroidas.
Através da análise da Figura 4, nota-se que muitas das espécies foram identificadas pelo hábito,
ou seja, quando perguntada como identificava a espécie em questão, a entrevistada respondia que era
“por ser cipó”, por exemplo.

2.2. Área 2
Na segunda parcela, S.C., um morador local foi entrevistado. O comunitário analisou 29 indivíduos,
identificando 11 espécies. Apenas duas das espécies identificadas não possuíam uso: guariba e sangue-
de-boi.
Observando a Figura 6, nota-se que somente 5 indivíduos dos 29 não foram identificados
pelo morador. O não conhecimento de algumas espécies está atrelado, muitas vezes, à não utilização,
reforçando o caráter utilitário do conhecimento. Mesmo assim, algumas das espécies conhecidas não
possuem utilidade (Figura 7). Neste caso, alguma característica muito marcante da espécie faz com que
ela seja prontamente identificada pelos moradores.
É possível notar, também, que a maior parte das espécies identificadas possuíam apenas uma
Experiências etnobotânicas na Reserva Extrativista Chico Mendes 75

Figura 5. Porcentagem de espécies e características de identificação.

Figura 6. Número de indivíduos por espécie encontrados na segunda parcela (amostragem do estrato
arbustivo-arbóreo).

Figura 7. Número de espécies por tipo de uso.


76 Experiências etnobotânicas na Reserva Extrativista Chico Mendes

Figura 8. Porcentagem de espécies por número de usos.

Figura 9. Número de espécies identificadas pelas características.

Figura 10. Porcentagem de espécies e características de identificação.


Experiências etnobotânicas na Reserva Extrativista Chico Mendes 77

Figura 11. Número de indivíduos por espécie encontrados na terceira parcela (amostragem do estrato
arbóreo).

utilização (Figura 8), sendo a construção civil e a alimentação animal as aplicações mais comuns para as
espécies deste estrato (Figura 7).
À medida que espécies arbóreas entram no levantamento, a casca passa a ser um importante fator
na identificação das espécies pelos comunitários (Figura 9). A análise das folhas, método mais utilizado no
meio acadêmico, aqui perde sua importância para outras características, mais aplicáveis a árvores altas.
Mesmo assim, a maior parte das espécies foi identificada através de duas características, em geral casca e

Figura 12. Número de espécies por tipo de uso.


78 Experiências etnobotânicas na Reserva Extrativista Chico Mendes

Figura 13. Porcentagem de espécies por número de usos.

Figura 14. Número de espécies identificadas pelas características.

Figura 15. Porcentagem de espécies e características de identificação.


Experiências etnobotânicas na Reserva Extrativista Chico Mendes 79

presença de látex (Figura 10).

2.3. Área 3
Na terceira parcela, novamente o morador entrevistado foi S.C., que analisou 68 indivíduos,
identificando 27 espécies arbóreas. Duas das espécies identificadas possuíam nomes alternativos:
cacauarana e seringa, chamadas também de cacau-de-macaco e seringueira. Apenas três das espécies
identificadas não possuíam uso: pente-de-macaco, malva-da-mata-bruta, sangue-de-boi e acariquara-de-
igapó.
As árvores de maior porte, típicas da Floresta Ombrófila Densa, já apareceram neste último
levantamento. No entanto, a principal utilidade das árvores deste estrato não é a construção civil, que
aparece em terceiro lugar. Muitas das espécies são frutívoras, atraindo animais de caça (Figura 12).
Novamente a casca figura como a característica mais importante para identificação das espécies.
Contudo a maior parte delas foi identificada fazendo uso de mais de uma característica.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Através deste estudo demostrou que os moradores desta colocação apresentam um grande
conhecimento etnobotânico. A diversidade de etnoespécies e de uso mostraram a utilidade, assim como o
valor cultural das mesmas para os moradores da comunidade. Verificou-se neste estudo que os indivíduos
inventariados apresentam poucos nomes alternativos e estes apresentam múltiplos usos.
Coincidindo com o estudo de Prance et al. (1987), os resultados desse estudo indicam que certas
etnoespécies de plantas da floresta de terra firme são especialmente úteis e devem ser consideradas com
prioridade para conservação.
O conhecimento das espécies florestais da região é essencial para a conservação das fisionomias
florestais, justamente por sua utilidade para os comunitários. Aliando estes fatos ao valor cultural da
floresta, é essencial direcionar a atenção ao que ocorre com as manchas de vegetação nativa dentro das
Reservas Extrativistas, para que continuem a cumprir sua função.

AGRADECIMENTOS
Os autores agradecem ao Professor Dr. Lin Chau Ming e à Professora Maria Christina de
Mello Amorozo pela oportunidade e ensinamentos e aos moradores da Resex Chico Mendes, pelo
compartilhamento do seu conhecimento.

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Experiências etnobotânicas na Reserva Extrativista Chico Mendes 81

Os maracujazeiros (Passiflora spp.)


6 da Reserva Extrativista
Chico Mendes

Daniel A. Villamil Montero; Maiara Cristina Gonçalves; Lin Chau Ming

APRESENTAÇÃO
As passifloras da Reserva extrativista Chico Mendes foram registradas durante fevereiro de 2016,
em companhia de seringueiros que também proporcionaram as informações etnobotânicas relacionadas
com o aproveitamento dos maracujazeiros nativos da região. O número de indivíduo de cada espécie de
Passiflora observada foi registrado junto com seus dados fenológicos e ecológicos. Exsicatas dos materiais
férteis foram confeccionadas para sua identificação taxonômica e ingresso em coleção de herbário. Uma
dúzia de espécies de Passiflora foram registradas incluídos um possível novo registro para o estado do Acre
(P. trifasciata). As espécies registradas são apresentadas a continuação junto com sua descrição botânica
e as informações mais relevantes disponíveis na literatura especializada.

INTRODUÇÃO
Nas palavras dos pesquisadores Santos e Silveiro (2015) o Acre é um mosaico de modalidades de
usos da terra no qual podem -se encontrar extremos. De um lado alta preservação ambiental com exploração
e coleta de produtos da floresta “em pé” e no outro extremo a ocorrência de agroambientes degradados,
exploração predatória de recursos naturais e mau uso da terra, inclusive por parte de produtores familiares
que adotam praticas insustentáveis. Neste sentido, as Passifloras também estão inseridas neste mosaico
de extremos, encontrado no Acre, desde monoculturas de escala industrial de maracujá amarelo, até o
extrativismo de espécies endêmicas, semidomesticadas, manejadas em meio a paisagem e em processo
ativo de domesticação.
Na Reserva Extrativista Chico Mendes (RESEX Chico Mendes) encontram se grandes áreas de
florestas naturais pouco perturbadas assim como lugares de manejo e aproveitamento tradicional, motivo
pelo qual é um lugar ideal para a ocorrência de varias espécies do gênero Passiflora incluindo algumas
espécies de interesse nutricional. Os últimos dados da Flora do Brasil (2016) revelam que para o estado
de Acre aproximadamente 28 espécies de Passiflora tenham sido registradas até a data de hoje. Algumas
destas espécies são aproveitadas por seus frutos comestíveis e folhas medicinais (Martin e Nakasone,
1969) pelas populações humanas locais, manejadas pelos ramais e varadouros (estradas passagem).
Algumas de tamanho exagerado, raros cipós que crescem exclusivamente nas densas florestas primárias,
já outras possuem indivíduos de porte pequeno que se alastram e sobem sobre qualquer suporte no chão
da floresta, capoeiras, roçados ou na beira das estradas e outras áreas antrópicas. Todas têm em comum
uma grande importância ecológica (Vanderplank, 2000) e todas elas merecem um maior esforço para ser
estudadas mais profundamente.

MATERIAL E MÉTODOS
As passifloras da RESEX Chico Mendes foram coletadas em diferentes ambientes (florestas, tabocais,
capoeiras, roçados, quintais, trilhas e na beira de estradas e outras áreas antrópicas) do seringal Sibéria,
Colocação Semitumba, localizada no interior da RESEX.
Durante uma semana, caminhadas diárias de aproximadamente 6 h foram realizadas em companhia
de seringueiros (expertos mateiros da região) que proporcionaram as informações etnobotânicas dos
maracujazeiros nativos aproveitados na região. O número de indivíduos de cada espécie de Passiflora
82 Experiências etnobotânicas na Reserva Extrativista Chico Mendes

observada foi registrado junto com seus dados fenológicos (vegetativo/reprodutivo) e ecológicos, tais como
o tipo de ambiente e a fauna associada observada. Exsicatas dos materiais férteis foram realizadas para sua
identificação taxonômica e ingresso em coleção de herbário. As espécies registradas foram determinadas
com ajuda dos trabalhos e as chaves taxonômicas de Killip (1938), Cervi (1997) e Ulmer e MacDougal (2004).

RESULTADOS E DISCUSSÃO
Das Passifloras registradas na RESEX Chico Mendes, foi possível identificar onze espécies diferentes
(P. acuminata DC., P. auriculata Kunth, P. coccinea Aubl., P. nitida Kunth, P. quadrangularis L., P. oerstedii
Mast., P. riparia Mart. ex Mast., P. spinosa (Poepp. & Endl.) Mast., P. tricuspis Mast., P. trifasciata Lem. e P.
vespertilo L.). Adicionalmente, outras duas espécies foram registradas, porém não foi possível realizar sua
identificação taxonômica em grande medida devido a falta de flores o frutos.
Os registros fotográficos das Passifloras observadas na RESEX Chico Mendes são apresentadas a
continuação junto com sua descrição botânica tomada dos trabalhos de Killip (1938), Cervi (1998), Ulmer e
MacDougal (2004) e Silva et al. 2013; assim como as informações relacionadas com a distribuição, ecologia
e aproveitamento de cada espécie.

Passiflora acuminata DC.
Prod. 3: 328. 1828. 
Nome Comum
Maracujá-limão, Maracujá-do-mato, Maracujá-do-rato (Roraima)

Figura 1. Passiflora acuminata na RESEX Chico Mendes


Descrição
Trepadeira heliófita que pode crescer vários metros, de caule cilíndrico ou anguloso, marrom a
ferrugíneo, glabro. Estípulas de 1 mm, lineares a falcadas, glabras, caducas, e glandulares. Pecíolos de
0,6–1,6 cm, glabros com duas glândulas sésseis, arredondadas, na porção proximal. Lâminas de 1,3–8,5 ×
1,1–4,6 cm, cartáceas a coriáceas, glabras, elípticas com ápice acuminado a obtuso, levemente mucronado;
base cuneada, obtusa a arredondada com margem inteira e glandular. Brácteas de 2,8–4,4 cm, oblongas
a lanceoladas, verde-amareladas, estrigosas, persistentes com ápice agudo a obtuso; margem denteada
ou serreada, glandular. Flor com pedúnculo de 2,2–7 cm, diminutamente estrigoso a glabro; hipanto 5–10
× 7–10 mm, campanulado, avermelhado, estrigoso, e glandular; sépalas de 2–2,8 × 0,4–0,8 cm, oblongas,
vermelhas, glabras e de ápice arredondado; margem inteira, glandular; cornícula subapical 1–5 mm, glabra;
pétalas de 2,3–2,6 × 0,4–0,9 cm, oblongas, vermelhas, glabras com ápice arredondado a obtuso e margem
inteira. Corona de filamentos em cinco séries; as duas exteriores de 4–10 mm, avermelhadas, liguladas; as
Experiências etnobotânicas na Reserva Extrativista Chico Mendes 83

duas medianas 1–2 mm, brancas, filiformes; a interior 3–5 mm, bandeada de vermelho e branco; opérculo
membranoso, liso, ereto, margem fimbriada; límen, tubular; disco nectarífero ausente; androginóforo 2–3,5
cm, vermelho; estames com filetes 5–9 mm, vermelhos; anteras 4–6 mm, oblongas, amareladas; ovário
4–6 × 2–4 mm, ovóide a elipsóide, estrigoso; estiletes 4–6 mm, vermelhos, glabros. Fruto bacóide, 0,5–4,2
× 0,4–3 cm, ovóide a oblongo, liso, amarelo, estrigoso, estipitado 0,9–1,5 cm compr.

Etnobotânica
Passiflora acuminata é uma espécie tropical, frequentemente encontrada na Amazônia, em matas
de terra firme, mata ciliar e clareiras. Distribui-se pela América Central, Colômbia, Equador, Peru, Guiana e
no Brasil nos estados de Amazonas, Pará, Roraima, Amapá e Maranhão (Cervi 1997; Bernacci et al. 2013,
Silva et al., 2013).
Pertenece a série Laurifoliae Killip ex. Cervi, a qual constitui um grupo muito uniforme em seus
caracteres morfológicos, incluso o fato de todas terem frutos comestíveis de gosto doce e agradável. Neste
sentido, a identificação taxonômica das suas espécies é geralmente difícil, principalmente com amostras
incompletas (Killip 1938; Holm-Nielsen et al. 1988, Silva et al., 2013). P. acuminata pode ser diferenciada por
apresentar hipanto avermelhado, corona de filamentos em cinco séries; as duas exteriores avermelhadas,
as duas medianas brancas e a interior em filamentos subulados, bandeados de vermelho e branco. Pode
ser facilmente confundida com outras espécies desta série principalmente com P. nitida, por causa da sua
distribuição e pela corona violácea longa; entretanto, podem ser diferenciadas pelas folhas lanceoladas
com margem inteira em P. acuminata, e folhas ovais com margem glandular denteada em P. nítida (Silva
et al., 2013).
Seus frutos são comestíveis quando maduros. Tem polpa doce com certa acidez muito agradável e
refrescante pelo qual é um recurso muito apreciado não só pelas pessoas, mas também pela fauna nativa
como macacos e aves.
O extrato de P. acuminaTa tem efeito citotóxico contra linhagens celulares de câncer de próstata
(Suffredini et al 2005), embora as propriedades nutricionais e bioativas desta espécie merecem maior
atenção.

Agroecologia
As plantas de P. acuminata são frequentemente observadas na beira das estradas amazônicas,
ramais e caminhos, assim como associadas florestas secundárias, roçados e capoeiras. As sementes
são dispersas por mamíferos e aves; nas áreas antrópicas as plantas são toleradas e normalmente seu
crescimento incentivando e conduzido sobre galhos secos em esquemas improvisados de tutoramento.
Floresce de novembro a fevereiro e frutifica de janeiro a abril (Cervi 1997). Na RESEX Chico Mendes, foi
possível fotografar esta espécie em frutificação durante o mês de fevereiro de 2016 (Figura 1).

Passiflora auriculata Kunth


Nov. Gen. S. 2: 131. 1817.
Nome comum
Maracujazinho

Figura 2. a) Passiflora auriculata. b) Lepidóptero de gênero Heliconius acasalando; as larvas destes insetos
são frequentemente observadas parasitando plantas de Passiflora. 
84 Experiências etnobotânicas na Reserva Extrativista Chico Mendes

Descrição
Planta trepadeira de porte médio com caule cilíndrico, estriado e glabro a levemente pubescente,
de coloração verde. Estípulas de 0,4 cm com forma filiforme. Pecíolos de 1–3,5 cm, pubescentes com duas
glândulas auriculadas de ca. 0,15 cm larg. (As quais conferem o epíteto específico) próximas da base. Folhas
de 2,9–18,8 × 1,5–12,5 cm, oceladas, variando de inteiras (mais raro) a 3-lobadas (com os dois lobos laterais
reduzidos), subcoriáceas, ovado-lanceoladas a ovaladas, base subcordada a arredondada, 3-nervada,
lobos mucronados, faces glabras a pubescentes. Pedúnculos 0,5–1,5 cm compr., solitários ou aos pares,
pubescentes. Brácteas decíduas. Flores de 2 cm. Sépalas de 0,8–1,1 × 0,3–0,4 cm, oblongo-lanceoladas,
pubescentes na face externa. Pétalas de 0,5–0,7 × 0,1–0,2 cm, lineares. Corona de filamentos com duas
series: a externa de 1 cm, com formato filiformes, ondulados; a série interna com filamentos de 0,3 cm,
capitados. Androginóforo de 0,3–0,6 cm. Opérculo membranoso, plicado e incurvo. Ovário 0.15 × 0,1 cm,
elíptico, pubescente. Fruto 1–1,5 × 1–2 cm, globoso, negro, pubescente. Sementes 0,3 × 0,2 cm, obovadas
e transversalmente reticuladas (Silva et al., 2013).

Etnobotânica
P. auriculata e uma espécie de ampla distribuição que se associa frequentemente a lugares com
distúrbios antrópicos. Distribui-se desde América Central ate Bolívia e no Brasil aparece nos Estados do Acre,
Rondônia, Roraima, Amazonas, Amapá, Pará, Mato Grosso, Minas Gerais e Espírito Santo (Cervi 1997; Ulmer
& MacDougal 2004; Bernacci et al. 2013, Silva et al., 2013). As plantas são consideradas como ornamentais
pela beleza de suas pequenas flores. Além de serem frequentemente utilizadas em borboletários como
planta hospedara para a criação de varias lepidópteros do gênero Heliconius.

Agroecologia
Encontrada com flor e fruto de outubro a maio. A espécie é observada frequentemente em
clareiras, borda das matas, crescendo sobre cercas de aramem e nas trilhas que conduzem a roçados e
outras áreas de manejo. Por apresentar frutos muito pequenos não temos informações referentes a o
cultivo ou aproveitamento desta espécie, excetuando o cultivo com fins ornamentais e como alimento
para lepidópteros em borboletários. Possivelmente as folhas tenham propriedades bioativas, embora sua
caracterização química deva ser aprofundada.

Passiflora coccinea Aubl.
Hist. Pl. Guiane 2: 828, pl. 324. 1775. 
Nome comum
Tome-açu (Brasil), Maracujá-bravo, Maracujá- poranga, Snekie marcoesa (Surinam), Marudi-oura,
Monkey-guzzle” (British Guiana), “pachio-tutumillo” (Bolívia).

Figura 3. Passiflora coccínea na RESEX Chico Mendes


Experiências etnobotânicas na Reserva Extrativista Chico Mendes 85

Descrição
São plantas escandentes, mas frequentemente são observadas como moitas de vários metros de
diâmetro. Têm caule cilíndrico, ferrugíneo e pubescente. Estípulas 2–6 mm, filiformes a falcadas, pubescentes,
caducas, glandulares. Pecíolos de 0,3–4 cm, pubescentes com duas glândulas, sésseis, arredondadas, na
porção proximal. Lâminas 0,9–10 × 0,9–7,5 cm, cartáceas a coriáceas, pubescentes, elípticas de ápice agudo
a acuminado, não mucronado; base cordada a subcordada; margem duplo-serreada; glandular; venação
semicraspedódroma. Brácteas de 4–4,7 cm, elípticas, vermelhas, pubescentes, persistentes, ápice agudo ou
acuminado; margem serreada, glandular. Flor com pedúnculo de 1,5–8,6 cm e pubescente; hipanto de 8–9
× 8–13 mm, campanulado, vermelho-amarelado, pubescente, e glandular; sépalas de 2,3–4 × 0,4–0,8 cm,
oblongas a oblongo-lanceoladas, vermelhas, pubescentes e com ápice obtuso; margem inteira, glandular;
cornícula subapical 3–5 mm e pubescente; pétalas 2,1–3,2 × 0,3–0,6 cm, oblongas a oblongo-lanceoladas,
vermelhas, glabras, ápice obtuso e margem inteira. Corona de filamentos em três séries: a exterior de
1–1,6 cm, vermelha com base branca, ligulada; a mediana e a interior de 1–14 mm, subiguais, brancas,
liguladas; opérculo membranoso, liso, recurvado, margem filiforme; límen tubular; disco nectarífero
ausente; androginóforo 2,2–2,5 cm, vermelho; estames com filetes de 7–15 mm e vermelhos; anteras de
4–6 mm, oblongas, verde-amareladas; ovário de 7–10 × 3–6 mm, elipsóide a ovóide, tomentoso; estiletes
de 5–12 mm, vermelhos e glabros. Fruto bacóide, 4,6–6,5 × 3,9–5,9 cm, elipsóide, pubescente, finamente
tomentoso, comestível com exocarpo frágil de coloracao laranja ou amarelo, malhada com listras. As
sementes são estreitas obovadas de 6 mm de comprimento e 4 mm de largura, minuciosamente reticuladas
e com reticulações lineares na margem (Silva et al., 2013).

Etnobotânica
Espécie localmente cosumida e ocasionalmente cultivada, distribuída na maior parte da América
tropical desde Honduras até a Bolívia. No Brasil aparece nos Estados de Acre, Amazonas, Amapá, Bahia,
Mato Grosso, Para, Piauí, Rondônia e Roraima (Bernacci, 2013, Silva et al., 2013).
P. coccinea emcontrase na superseção Coccinea Feuillet & MacDougal, na qual segundo Silva et
al. (2013), são particularmente conhecidas quatro espécies (P. coccinea , P. quadriglandulosa Rodschied,
P. speciosa Gardner e P. vitifolia Kunth) comparáveis entre si pelas características de suas distintas flores
escarlates, que lhes conferem grande interesse ornamental (Killip 1938; d’Eeckenbrugge 2003). Estas
espécies se diferenciam com base no tamanho das brácteas, o número de glândulas, e pequenas variações
do número e cores respectivas das séries da corona, motivo pelo qual podem se apresentar confusões
taxonomicas frequentemente. Passiflora coccinea se distingue das outras espécies da RESEX principalmente
pelas  lâminas com margem duplo-serreada; venação semicraspedódroma; brácteas vermelhas de margem
serreada e glandular; corona de filamentos em três séries; sendo a exterior vermelha com base branca e a
mediana e a interior, subiguais brancas. Pode ser encontrada em capoeira, vegetação secundária, mata de
terra firme, mata ciliar, clareiras, roçados, capoeiras e principalmente na beira de estradas.

Agroecologia
O cultivo de P. coccInea pode ser feito em vasos grandes ou diretamente no chão. Para fins
ornamentais recomenda-se plantar em cercas de arame deixando-as crescer a vontade. Para fins de produção
de frutos, durante nosso trabalho de campo observamos que as plantas são conduzidas em espadeiras
ou frequentemente consorciadas na vegetação da beira de estradas e caminhos que levam aos roçados e
outras áreas de manejo. A falta de suporte as plantas também podem se alastrar e crescer em forma de
moitas de vários metros, às vezes em tão altas densidades que dominam a paisagem.

Passiflora nitida Kunth


Nov. gen. sp. 2: 130. 1817.
Nome comum
Maracujá-suspiro (Brasil)

Descrição
Trepadeira muito vigorosa de caule herbáceo, cilíndrico, estriado, verde, glabro e fistuloso.
Estípulas 0,5–0,6 cm compr., linear-subuladas. Pecíolos 1,3–3,6 cm compr., biglandular no ápice. Folhas
11–14 × 6,5–8 cm, simples, glabras, membranáceas a subcoriáceas, ovado-oblongas a ovado-elípticas,
86 Experiências etnobotânicas na Reserva Extrativista Chico Mendes

Figura 4. Passiflora nítida, o “maracujá suspiro”.

ápice agudo ou acuminado, arredondadas na base, nervuras secundárias terminando em glândulas pouco
proeminentes nas margens, lustrosas em ambas as faces, peninérveas. Pedúnculos 4–6 cm comp., robustos,
articulado na inserção das brácteas. Brácteas 5–6 × 3–4,2 cm, oblongo-ovadas, côncavas, com ápice e base
arredondadas, com 3–4 glândulas nas margens, persistentes, verdes. Flores 6,4–8 cm de diâmetro. Tubo do
cálice campanulado. Sépalas de 4,2–5,0 × 1,8–2,0 cm, oblongas, carnosas com face externa verde e alva na
face interna, ápice obtuso, margem inteira a glandular-denteada (mais frequente). Pétalas oblongas 4–4,5 ×
0,9–1,3 cm, brancas, membranáceas, margem inteira e ápice obtuso. Corona formada por 5 ou mais séries
de filamentos: as duas primeiras com filamentos de 4–4,5 cm compr., carnosos em pelo menos na metade
inferior, atenuando-se para o ápice, púrpuros com tons alvos e bandas azuis até a metade, e brancos até o
ápice; as demais séries com filamentos filiformes de 0,2–0,3 cm compr.; a ultima série com filamentos de
1 cm compr., alvos. Opérculo de 0,4–0,8 cm alt., membranoso, ereto, margem fimbriada. Límen ca. 0,7 cm
alt., tubular, membranoso, envolvendo a base do androginóforo, margem lisa. Androginóforo ca. 3 cm alt.,
tróclea presente. Ovário ca. 0,8 × 1 cm, elíptico glabro. Fruto de 4-6 × 4,5-6,5 cm, globoso, amarelo quando
maduro. Sementes ca. 0,8. × 0,6 cm, obcordadas e de margens reticuladas (Silva et al. 2013).

Etnobotânica e agroecologia
Ocorre do Panamá a Bolívia e Guianas. No Brasil encontra se nos Estados do Acre, Amazonas,
Rondônia, Roraima, Pará, Tocantins, Mato Grosso, Goiás, Brasília, Maranhão e Bahia, (Cervi 1997; Bernacci
et al. 2013). Floresce e frutifica nos meses de março e setembro. Passiflora nitida (P. subg. Passiflora) pode
ser facilmente confundida com P. acuminata (e com P. laurifólia), mas se diferencia por apresentar folhas
ovado-oblongas com margens glandulosas.
É provavelmente a espécie de Passiflora mais importante e cultivada na Amazônia. Principalmente
na parte média e alta do Rio Amazonas e seus tributários, embora a espécie também apareça na Bacia do
Orinoco na América Central. Os frutos de P. nítida são muito apreciados pelo gosto doce e aroma, além
de ser um excelente alimento e terem um alto potencial econômico. É comum achar grandes moitas desta
espécie dominando trechos contínuos na vegetação da beira de estradas e nas trilhas. Os frutos são coletados
para o consumo imediato ou ocasionalmente comercializados, quando a produção é abundante, em feiras
e barracas nas estradas intermunicipais, representando por vezes uma parte significativa da renda familiar.

Passiflora quadrangularis L.
Syst. Nat. (ed. 10) 2: 1248. 1759.
Nome comum
Maracujá-melão (Brasil), Badea (Colômbia), Granadilla-gigante (Caribe)
Experiências etnobotânicas na Reserva Extrativista Chico Mendes 87

Figura 5. Passiflora
quadrangularis, o
“maracujá-melão”.

Descrição
Trepadeira muito vigorosa de caule quadrangular, ângulos alados, glabros. Estípulas 2,5–3 × 0,6–1
cm, ovado-lanceoladas, estreitando-se na base, com margem inteira a levemente serreadas e ápice agudo.
Pecíolos de 2–5 cm, canaliculados na parte superior, seis pares de glândulas, distribuídas ao longo do pecíolo.
Folhas de 7,5–12 × 6–10,5 cm, ovado a ovado-oblongas, ápice abruptamente acuminado, margens inteiras,
subtruncada a cordada na base, peninérveas, com nervuras secundárias proeminentes na face abaxial em
números de 10- 12. As flores podem chegar a 12 cm de diâmetro com a face interna das sépalas e pétalas
branco, rosa, vermelho ou violeta; a coroa pode atingir 6 cm de comprimento; o fruto é verde-amarelado,
às vezes com uma tonalidade rosada , ovóide a oblongo; de 20 a 30 cm de comprimento e de 10-18 cm
de largura com pesos de 2 ate 4 kg. Desenvolve-se entre os 60 a 90 dias. O mesocarpo de fruta é de 2 a 3
cm de espessura, macio e comestível; o gosto lembra o melao. A polpa pode ser transparente, branca ou
laranja (variando com o estado de maturacao), doce e levemente acida.
No Brasil, P. quadrangularis é comumente conhecida como maracujá-melão, em função do tamanho
e formato do fruto, ou como maracujá-açu, nome de origem tupi-guarani, o que indica que a planta e a
fruta eram conhecidas e apreciadas desde os tempos pré-colombianos.
Distribui-se pela América Central e Norte da América do Sul. No Brasil está presente principalmente
nos estados de Amazonas, Pará e Maranhão (Cervi 1997; Ulmer e MacDougal 2004; Bernacci et al. 2013),
embora também seja possível encontrar plantas cultivadas nos Estados do nordeste, centro-oeste e inclusive
alguns materiais tenham sido climatizados as condições do sudeste. Floresce e frutifica de setembro a março
(Cervi 1997). A espécie está posicionada na série Quadrangulares Feuillet e MacDougal pelo caule anguloso,
sendo facilmente identificada por esta característica. Acredita-se que seja nativa do noroeste da América
do Sul (Ulmer & MacDougal 2004), entretanto, Martin e Nakasone (1969) consideram este maracujá um
dos mais distribuído por todo o trópico.

Agroecologia
A polinização manual é frequentemente recomendado. Esta espécie é tolerante a Alternaria
passiflorae, mas altamente suscetível a nematóides e Xanthomonas spp. (Vanderplank 2000). Na Colômbia,
60 ha são cultivados entre 0 de 1,000 m , com um rendimento de 16 a 18 t . ha- 1 y -1 (Ocampo 2007). No
Brasil é uma espécie é recomendada pela excelente produtividade e grandes rendimentos de fruta embora
seja destinada somente para o consumo local, pois não tolerar bem o manuseio e armazenamento.
88 Experiências etnobotânicas na Reserva Extrativista Chico Mendes

Passiflora riparia Mart. ex Mast.


Flora Brasiliensis 13(1): 599, pl. 116. 1872.
Nome comum
Maracujá-de-cacho, Maracujá-suspiro, Muchi (Equador), Puru-puru (Perú)

Figura 6.
Passiflora riparia,
outro tipo de
“maracujá-
suspiro”

Descrição
Trepadeira de caule glabro e cilíndrico frequentemente com estrias. Com estípulas de 3–4 mm,
lineares, glabras, caducas e glandulares. As folhas são subcoriáceas, glabras e oblongas a elípticas com ápice
acuminado, agudo, obtuso a arredondado, não mucronado; base arredondada a obtusa; margem inteira;
glandular. Os pecíolos são de 0,3–2,2 cm, glabros, com duas glândulas estipitadas e arredondadas, na metade
do pecíolo. Brácteas de 2,5–4,9 cm, ovadas, verdes, escabras a glabras, persistentes, ápice arredondado a
obtuso; margem inteira, glandular. Flor com pedúnculo de 1,5–6,2 cm, glabro; hipanto 0,4–1,1 × 0,7–1,5
cm, campanulado, alvo, escabro, e glandular; sépalas 3,4–4,1 × 1–1,5 cm, oblongas, brancas, escabras,
ápice obtuso a arredondado; margem inteira, e glandular; cornícula dorsal de 2–5 mm, glabra; pétalas
3–3,8 × 0,9–1,1 cm, oblongas, brancas, glabras, ápice obtuso a arredondado, margem inteira. Corona de
filamentos multisseriada (a partir de dez séries), bandeada transversalmente de violeta e branco; as duas
exteriores de 2,9–4,7 cm, subiguais e lineares; as seguintes de 1–6 mm em filamentos irregulares, lineares;
série interior 1–1,2 cm, oblongos; opérculo membranoso, liso, ereto, margem recurvada e fimbriada; límen,
anular; disco nectarífero presente; androginóforo 1,6–1,8 cm compr., alvo; estames com filetes 8–11 mm
compr., alvos; anteras 7–13 mm compr., elípticas a oblongas, brancas; ovário 3–11 × 2–10 mm, elipsóide
a ovóide, glabro a tomentoso; estiletes 6–10 mm, alvos, glabros. Fruto globoso de 5,5–7,6 × 3,5–6,7 cm,
elipsóide a ovóide, liso, amarelo-ferrugíneo, tomentoso com pontos brancos. A polpa é comestível, muito
dose e fragrante. Sementes obovadas de 7-8 x 5-6 mm, reticuladas na parte central e estriadas na margem.

Etnobotânica
Passiflora riparia é uma espécie da série Laurifolia, pouco conhecida, exceto no noroeste da
Amazônia de onde é originaria. A espécie destribui-se pelo norte do Brasil (nos estados de Acre, Amazonas
e Para), Colômbia, Equador, Guiana, Peru, e Venezuela (Cervi 1997). Ë provavelmente o maracujazeiro não
Experiências etnobotânicas na Reserva Extrativista Chico Mendes 89

convencional mais promissório da Amazonia devido a grande belesa e colorido de suas flores em racimos
e frutos comestíveis de gosto mais doce (18° Brix) que do maracujá convencional.
É uma planta heliofita que floresce e frutifica muito bem na orla da floresta e nas margens dos rios;
de aqui sua etimologia proveniente do latin ripa que significa “beira do rio”. Quando encontrada no interior
da floresta seus ramos atingem as copas das arvores para florescer. Floresce e frutifica de novembro a junho.
Os frutos são consumidos por aves, mamíferos e também pelas comunidades locais, sendo ocasionalmente
comercializados em feiras e postos improvisados nas estradas intermunicipais. Em outra pesquisa de campo,
foi possível achar frutos de P. riparia sendo comercializados nas feiras da cidade de São Gabriel da Cachoeira
(AM) no alto Rio Negro, durante os meses de Abril-Junho de 2015 (Gonçalves com pers).
Passiflora riparia  se distingue por apresentar flores em racemo com hipanto alvo; corona de
filamentos multisseriada, bandeada horizontalmente de violeta e branco; androginóforo alvo e estiletes alvos.
Esses conjuntos de características são diagnosticas na identificação do táxon mais também representam
altíssimo valor ornamental para ser utilizada em projetos urbanísticos e no paisagismo. Naturalmente, a
espécie também ocorre em vegetação de mata secundária, principalmente em capoeiras e outras áreas
com intervenção antrópica, frequentemente na beira dos rios ou igarapés.

Agroecologia
As plantas de P. riparia podem ser cultivadas em vasos grandes ou preferivelmente diretamente no
chão, em espadeiras, latadas ou consorciadas com outras fruteiras como cupuaçu o ingá. As características
nutricionais não têm sido muito estudadas mais esta é uma espécie que sem dúvida poderia representa
uma alternativa interessante na segurança alimentar de agricultores familiares. Embora a falta de
prospecção agronômica, existem materiais altamente produtivos com frutos de pesos superiores a 70 g e
com maior teor de polpa em relação ao mesocarpo, motivo pelo qual seria interessante conduzir projetos
de fitomelhoramento.

Passiflora tricuspis Mast.


Fl. Bras. 13, pt. 1: 587. 1872.
Nome comum
Maracujazinho-do-mato

Figura7.
Passiflora
tricuspis,
maracujazinho-
do-mato, na
RESEX Chico
Mendes.
90 Experiências etnobotânicas na Reserva Extrativista Chico Mendes

Descrição
Trepadeira de porte pequeno, as vezes rastreira de caule angulado, muitas vezes flexuosa,
glabra e longitudinalmente sulcado e estriado. Estipulas setáceas de 2-4 mm, decíduas. Pecíolos de
1-1,5 cm, finamente piloso ou quase glabro; folhas variáveis podem ser profundamente bilobadas
tendo um cúspide no final da nervadura central de 1,5-4 cm, de 3-6 cm ao longo dos nervos laterais
e de 5 a 10 cm de largura entre os ápices dos lóbulos; ou (2) 3-lobadas, com os lobulos igualmente
lanceolados, arredondadas ou emarginadas na base, biglandular, inteiras, subcoriáceas ou coriáceas,
glabras ou minuciosamente puberulosas, pudendo apresentar coloracion purpuria nas nervaduras e
na parde adacial da folhia; pedúnculos de 2-3 cm, articulados perto do ápice; brácteas setaceas de 2-3
mm, caducas; flores de 3-4,5 cm; cálice cerca de 1,2 cm de largo; sépalas lanceoblongas de 4-5 mm,
obtusas de coloracao branco; pétalas oblongas, alvas; corona comfilamentos de coloracao amarelada,
em 2 séries, a exterior estreita e liguliforme, com cerca de 1,5 cm comprimento; a interior estritamente
linear, de 2-2,5 mm; ovário subglobose, glabro; fruta globosa, cerca de 1,5 cm de diâmetro, glabra;
sementes ovais, cerca de 3 mm. de comprimento, 2 mm. de largura, transversalmente sulcadas.
A primeira coleta desta espécie foi realizada na serra do Araripe no Piauí por Gardner em 1631.
Segundo Killip (1927) esta espécie esta imediatamente relacionada com P. misera e P. trifasiata. Estas
três espécies se caracterizam por apresentar uma corona relativamente ampla, com filamentos internos
fortemente dilatados no ápice, muitas vezes ligeramente libada. Segundo o mesmo autor a espécie
também é facilmente confundida com P. organensis especialmente os materiais que representam a
forma bilobulada.

Passiflora trifasciata Lemaire


Illus. Hort. 15: pi. 544. 1868
Nome comum
Maracujá-de-três-cores

Figura 8.
Passiflora
trifasciata
Experiências etnobotânicas na Reserva Extrativista Chico Mendes 91

Descrição
Planta trepadeira glabra de porte mais reduzido que outras passifloras, às vezes rasteira; caule
angulado, estriado, liso ou por vezes áspero nas extremidades; estipulas de 2-4 mm, subfalcadas; pecíolos
de até 5 cm; Folhas de 5-10 cm ao longo do nervo central e de 4-10 cm ao longo dos nervos laterais, acima
de coloração verde escuro, salpicado de branco ou amarelado ao longo dos nervos, e embaixo avermelhada
ou violeta; pedúnculos de até 3 cm; brácteas setaceas de 2 mm; flores em pares de 2,5-3,5 cm; tubo do
cálice amplamente campanulado; sépalas oblongas, cerca de 15 mm de comprimento e 5 mm de largura,
obtusas de coloração verde claro; pétalas lineares, cerca de 10 mm, verde claro; filamentos de corona em
duas séries, exterior de 8-10 mm, a série interior cerca de 3 mm; opérculo, encurvado, branco com rosa na
margem; límen grosso, lobulado; ovário subgloboso e glabro; frutas globosas de 1,5-2,5 cm de diâmetro,
glaucas; sementes estreitas, oblongo-ovóides de 4 mm de comprimento e 2 mm de largura, transversalmente
6-sulcada.

Etnobotânica e Agroecología
As folhas variegadas desta planta destacam-se no chão ou escalando a vegetação das
densas florestas da região amazônica. Segundo Killip (1927) a planta é, sem dúvida,
intimamente relacionada com P. tricuspis, mas é prontamente distinguida pela coloração, textura e forma
das folhas.
Passiflora trifasciata foi introduzida na horticultura Europeia como uma planta ornamental e
ainda hoje as sementes são comercializadas por possuírem uma vistosa folhagem. As plantas apresentam
um grande teor de antocianinas nas folhas o que confere uma coloração arroxeada particularmente bela.
Acreditamos que este seja o primeiro registro de ocorrência da espécie para o estado de Acre, embora pela
falta de flores a sua identidade deva ser previamente confirmada.

Passiflora vespertilio L.
Sp. Pl. 957. 1753.
Nome comum
Maracujá-de-boto, anjoemara koesjilikodo (Surinam).

Figura 9.
Passiflora
vespertilio, o
maracujá de
boto.
92 Experiências etnobotânicas na Reserva Extrativista Chico Mendes

Descrição
Trepadeira de caule anguloso ou fortemente comprimido, estriado, glabro a levemente pubescente.
Estípulas 0,3–0,5 cm, linearsubuladas, falcadas. Pecíolos 1,3–2,5 cm, pubescente, desprovido de glândulas.
Folhas 2–3-lobadas de 2,3–5 cm com nervura central de 5–11,3 cm entre os lobos (variando em forma,
margem superior truncada ou às vezes ondulada com o ápice dos lobos em geral acuminados), membranáceas
a cartáceas, 3-nervadas, rotunda a subtruncadas na base, ápice agudo, retuso ou truncado, mucronado,
margem inteira, face adaxial glabra, face abaxial levemente pubescente, 2 ocelos na base, 2–6 ocelos entre
as nervuras laterais principais. Pedúnculos de 1,3–1,7 cm , articulados próximo ao meio. Brácteas setáceas
de 0,4 cm, situadas abaixo do meio do pedúnculo. Tubo do cálice pateliforme, com flores medindo 5 cm
de diâmetro. Sépalas de 1,5–1,7 × 0,6–0,7 cm, oblongas, largas na base, ápice obtuso, verde-amarelado.
Pétalas de 4,0–4,5 × 0,9–1,3cm, oblongas, membranáceas, alvas, ápice obtuso. Corona de duas séries de
filamentos, a série externa estreitamente liguliformes 1–1,3 cm compr., verde-amarelados, unidos na base
por uma membrana; série interna lineares 0,3–0,5 cm compr., brancos. Opérculo membranoso, incurvado,
margem fimbriada, branca. Límen anular. Androginóforo 0,7–1,0 cm alt., glabro. Ovário 0,3 × 3,5 cm, ovóide,
glabro. Fruto de 1,6–4 × 1,8– 3,9 cm, subgloboso, sulcado transversalmente, escuros quando maduro,
comestível de gosto agradável e delicado. Sementes de 0,4 × 0,2 cm, obovadas, transversalmente sulcadas.

Etnobotânica e Agroecologia
Passiflora vespertilio integra P. sect. Decaloba DC. Essa seção apresenta espécies com folhas muito
plásticas quanto à forma, podendo variar de acordo com o ambiente (Milward-de Azevedo e Baumgratz
2004) o que faz com que sejam facilmente confundidas. A estrutura da corona, em muitos casos, é o caráter
diferenciador (Killip 1938). O mesmo autor descreve duas formas principais de folhas em P. vespertilio:
uma em que a margem superior forma uma linha quase reta e outra com a margem superior a os lóbulos
laterais formando um ângulo com um seio raso no meio.
No Brasil a espécie se distribui nos estados de Amapá, Pará, Amazonas, Acre, Rondônia e Mato
Grosso (Bernacci et al. 2013). É encontrada com flores nos meses de fevereiro a dezembro; e com fruto
de fevereiro a maio. Aparece espontânea nas capoeiras e outras áreas de manejo tais como na borda dos
roçados e na beira de caminhos e estradas. Também é conhecida como uma planta de valor ornamental e
como alimento para a fauna nativa. Segundo Killip (1027) os frutos são consumidos em Suriname, onde se
conhece como “anjoemara koesjilikodo”.
O cultivo das plantas com fins ornamentais pode realizasse em vasos ou contendores pequenos a
médios. As sementes germinam bem quando plantadas imediatamente depois de ser extraídas dos frutos.
Os frutos maduros são pretos tem formato e cor de jabuticaba, porém maiores em tamanho e cheio de
sementes pequenas e comestíveis. A polpa e de gosto adoçado e delicado. As plantas podem ser conduzidas
consorciadas sobre outras plantas ou em suportes tais como cercas.

Figura 10. Passiflora oerstedii na RESEX Chico Mendes


Experiências etnobotânicas na Reserva Extrativista Chico Mendes 93

Figura 11. Flor tubular em racimo de P. spinosa. Abaixo, exsicata coletada por Ferreira e Ming em 1991 na
RESEX Chico Mendes.

Figura 12. Passifloras na RESEX Chico Mendes, não identificadas pela falta de características reprodutivas.
Outras Passifloras
Na RESEX encontra-se também P. oerstedii Mast., principalmente em áreas de florestas secundárias
e nas bordas de clareiras. Apresenta pecíolos longos que portam 2-3 pares de nectários frequentemente
visitado por hymentopteros tais como formigas e vespas do gênero Trichogramma ou outros parasitóides
de ovos, motivo pelo qual esta espécie tem uma altissíma importância ecológica, como refujio e alimento
de indicadores biológicos.
Passiflora spinosa (Poepp. & Endl.) Mast. foi coletada por Ming e Ferreira em 1991. A exsicata
encontra-se disponível no herbário da UFAC em Rio Branco. Este tipo de maracujazeiro pertence ao subgênero
Astrophea que se caracteriza por apresentar as espécies mais arbóreas. Como particularidade única, P.
spinosa tem gavinhas que quebram em ângulo perto da base, e caem deixando os espinhos característicos.
Outras duas espécies foram observadas em estado vegetativo, todavia não foi possível realizar sua
identificação taxonômica devido à falta de características diagnósticas reprodutivas.
94 Experiências etnobotânicas na Reserva Extrativista Chico Mendes

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Das 14 espécies de Passiflora registradas na RESEX Chico Mendes, pelo menos seis tipos apresentam
frutos comestíveis, sendo particularmente interessantes para seu cultivo na agricultura familiar as espécies
da série Laurifoliae as quais são um grupo reconhecido pela qualidade dos seus frutos comestíveis e P.
vespertilo espécie de sabor muito interessante que deveria ser mais profundamente pesquisada.

AGRADECIMENTOS
O trabalho foi desenvolvido com o apoio do Procad/Capes.
Sincero agradecimento ao o Programa PEC-PG/Capes pela bolsa de doutorado concedida ao
primeiro autor. Agradecimento a G.G. Gonçalves e A.R. Corrado pelas fotos de P. riparia. Agradecimento
especial à Comunidade da Colocação Semitumba na RESEX Chico Mendes em Xapuri; a Família Balbino e
a P. Lima em Rio Branco, Acre.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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conference), CD. 25p.   
Flora do Brasil 2020 em construção. Jardim Botânico do Rio de Janeiro. Disponible en: <http://floradobrasil.
jbrj.gov.br/reflora/floradobrasil/FB12506>. acesso em:09 Ago. 2016
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Experiências etnobotânicas na Reserva Extrativista Chico Mendes 95

Conhecimento local sobre


7 espécies frutíferas da RESEX Chico Mendes,
Xapuri-AC

Fernando Santos Cabral; Lina Ribeiro Venturieri; Maria Julia Ferreira;


Thaís Vezehaci Roque; Tomaz Ribeiro Lanza

INTRODUÇÃO
Os típicos roçados das comunidades extrativistas residentes na RESEX Chico Mendes constituem
a principal fonte de recursos alimentícios e caracterizam-se por serem áreas localizadas dentro do domínio
florestal que, após permanecer em pousio por um período entre 20 e 25 anos, tem suas vegetações
derrubadas e queimadas para serem utilizadas na produção de alimentos (Pardo, 2012). Neles, são
plantadas respectivamente hortaliças de ciclos de vida curto, como milho, feijão, arroz e mandioca, e plantas
alimentícias de ciclo de vida longo, como açaí, cupuaçu, cajá, cacau, entre outros (Clement et al., 2010).
Grande parte destas plantas de ciclo longo utilizadas nos roçados são classificadas pelos
extrativistas como fruteiras ou frutíferas e são espécies nativas da floresta amazônica, obtidas por meio
de busca ativa na floresta (observação in loco), descobertas acidentais durante a atividade extrativista
de seringa ou castanhas destinadas à venda para terceiros ou ainda por meio de doações e trocas de
sementes ou mudas com outros moradores. Além de serem consumidas como alimento essas espécies,
apresentam outras utilidades sendo empregadas para fins medicinais e também como iscas e atrativos
para caça (Guèze et al., 2014) .
Neste capítulo temos como objetivo investigar o conhecimento local sobre plantas frutíferas
utilizadas nas comunidades residentes da RESEX Chico Mendes em Xapuri-AC.

MATERIAL E MÉTODOS
Ao longo da disciplina de Etnobotânica do Programa de Pós-Graduação em Horticultura da
UNESP Botucatu, ministrada pelo Professor Lin Chau Ming selecionamos a colocação Gurgel como foco
de estudo.Esta localidade possuía características particulares que motivaram tal escolha, sendo composta
por propriedades com castanhais mais produtivos e extensos, sendo, portanto, o extrativismo de castanha
a sua principal atividade econômica além de estar localizada a cerca de 10 km distante das principais áreas
de extrativismo de látex, possibilitando uma amostragem com pouca sobreposição entre as atividades.
Mediante consentimento prévio dos informantes realizamos 8 entrevistas semi-estruturadas
(Alexiades,1996), com pessoas responsáveis pela renda de sua família, cadastradas oficialmente como
extrativistas na RESEX, ou seu cônjuge. O formulário de entrevista contemplava questões referentes a
aspectos socioeconômicos dos entrevistados e listagem livre de plantas frutíferas locais. Como método
complementar realizamos turnê-guiada (Albuquerque et al., 2008) com membros da comunidade para
reconhecimento das plantas citadas nas entrevistas, coleta e identificação botânica.

RESULTADOS E DISCUSSÃO
Dentre os entrevistados 75% são do sexo masculino e 25% do sexo feminino com faixa etária de 27
a 59 anos. A principal atividade remunerada é a extração de castanha e seringa e a agricultura é realizada
como atividade secundária, não remunerada tendo como intuito principal o consumo próprio.
Foram citados 45 nomes populares de frutíferas nativas (Tabela 1), plantas exóticas cultivadas
foram desconsideradas na tabela. Bacaba (Oenocarpus bacaba Mart.) e Bacuri liso (Platonia insignis Mart.)
foram os mais citados (87,5%), seguidos do Açaí (Euterpe precatoria Mart.), Cajá (Spondias mombin L.) e
Patauá (Oenocarpus bataua Mart.) (75%).
96 Experiências etnobotânicas na Reserva Extrativista Chico Mendes

Tabela 1. Frutas da floresta citadas pelos entrevistados da Colocação Gurgel (n=8).


Família Nome Popular Nome Científico Nº de
citações
Sapotaceae Abiu Pouteira caimito (Ruiz & Pav.) Radlk. 4
Arecaceae Açaí Euterpe precatoria Mart. 6
Myrtaceae Araçá-boi Eugenia stipitata McVaugh 3
Ata-de-cipó Não identificado 2
Arecaceae Bacaba Oenocarpus bacaba Mart. 7
Clusiaceae Bacuri-cascudinho Garcinia madruno (Kunth) Hammel 3
Clusiaceae Bacuri-liso Platonia insignis Mart. 7
Burseraceae Breu Protium sp. 3
Malvaceae Cacau Theobroma cacao L. 5
Malvaceae Cacau–de-macaco Não identificado 4
Malvaceae Cacau-jacaré Herrania mariae (Mart.) Decne. ex Goudot 1
Malvaceae Cacauarana/cacau-do-mato Theobroma microcarpum Mart. 2
Cagaça Não identificado 1
Anacardiaceae Cajá Spondias mombin L. 6
Anacardiaceae Cajarana Spondias dulcis Parkinson 4
Lecythidaceae Castanha Bertholletia excelsa Bonpl. 4
Malvaceae Cupuaçú Theobroma grandiflorum (Willd. ex Spreng.) K. Schum. 1
Sapotaceae Cauxo Pouteria laevigata (Mart.) Radlk. 2
Fabaceae Copaíba Não identificado 1
Annonaceae Envireira-caju Onychopetalum periquino (Rusby) D.M. Johnson & 4
N.A. Murray
Fruta-massa Não identificado 1
Moraceae Guariúba Clarisia racemosa Ruiz & Pav. 1
Fabaceae Ingá-de-corda Não identificado 1
Fabaceae Ingá-de-metro Inga edulis Mart. 2
Fabaceae Ingá-lisa Não identificado 1
Fabaceae Ingá-de-pelo Não identificado 2
Fabaceae Ingá-ferro Não identificado 1
Fabaceae Ingá-macaco Inga sessilis (Vell.) Mart. 2
Arecaceae Jarina Phytelephas aequatorialis Spruce 1
Fabaceae Jatobá Hymenaea courbaril L. 5
Rubiaceae Jenipapo Genipa americana L. 3
Fabaceae Jutaí Hymenaea parvifolia Huber 4
Maçã Não identificado 4
Caricaceae Mamãozinho-do-mato Jacaratia spinosa (Aubl.) A. DC. 1
Caricaceae Mamuí Vasconcellea microcarpa (Jacq.) A.DC. 1
Moraceae Manitê Brosimum lactescens (S.Moore) C.C.Berg 2
Passifloraceae Maracujá-do-mato Passiflora sp. 2
Arecaceae Murmuru Astrocaryum murumuru Mart. 1
Moraceae Pam- cauxo Helicostylis tomentosa (Poepp. & Endl.) Rusby 1
Moraceae Pama-vermelha Brosimum rubescens Taub. 1
Arecaceae Patauá Oenocarpus bataua Mart. 6
Arecaceae Pupunha Bactris gasipaes Kunth 2
Malvaceae Sapota Matisia cordata Bonpl. 1
Arecaceae Tucumã Astrocaryum aculeatum G. Mey. 1
Arecaceae Uricuri Attalea phalerata Mart. ex Spreng. 5
Experiências etnobotânicas na Reserva Extrativista Chico Mendes 97

Algumas das espécies citadas possuem usos diversos, como o jatobá (Hymenea courbaril) e o jutai
(Hymenea parvifolia) que são comestíveis e também utilizadas medicinalmente. O potencial alimentício
é pouco explorado devido ao sabor que não agrada ao paladar dos informantes porém a seiva auxilia no
processo digestivo e protege o trato gastrointestinal, além de ser componente de garrafadas para as mais
diversas enfermidades.
Várias espécies da família Arecaceae foram citadas como fornecedoras de palha destinadas à
cobertura de construções ou revestimento para telhados. Para isto, faz-se a retirada das folhas da jarina
(Phytelephas aequatorialis), murumuru (Astrocarium murumuru) ou uricuri (Attalea phalerata) e procede-
se trançando parte dos folíolos com o intuito de formar uma trama coesa. Esta prática deixou de ser utilizada
devido à necessidade de um número elevado de folhas para cobrir áreas pequenas, além da necessidade
de troca periódica da palha. O açaí (Euterpe precatoria ) e a bacaba (Oenocarpus bacaba) foram apontadas
como plantas com a produção mais rentável, devido à grande demanda pelo vinho fabricado de ambas
as espécies, porém, estas não são cultivadas e sua obtenção se dá somente por extrativismo da floresta.
Plantas como breu (Protium sp.), envira-cajú (Onychopetalum periquino), pama- vermelha
(Brosimum rubescens ), Cacau-jacaré (Herrania mariae) e sapota (Matisia cordata) não são cultivadas nos
roçados, sendo obtidas através de busca ativa na floresta. O breu (Protium sp.) tem grande importância
nos rituais de defumação realizados pelos curandeiros da região, sua madeira é muito resistente e utilizada
para vigas e caibros nas construções de casas na comunidade. Os frutos da envira caju e da sapota são
recolhidas do chão após a queda e utilizados para alimentação e como iscas para atrair animais.

Figura 1. Fruto da sapota (Matisia cordata)


98 Experiências etnobotânicas na Reserva Extrativista Chico Mendes

Figura 2. Espécies coletadas durante a turnê guiada.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nosso trabalho expôs uma parcela da diversidade alimentar presente no modo de vida dos
extrativistas da colocação Gurgel além de explorar os diversos usos das plantas citadas. As espécies de
frutíferas tiveram sua importância ressaltada não somente por ter função alimentar, mas também por
usos secundários como propriedades medicinais e para construção. O trabalho deixou clara a demanda
por estudos aprofundados na dieta de comunidades extrativistas, mostrando que a riqueza e diversidade
de fontes alimentares podem ir muito além do convencional.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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etnobotânicos. In: Albuquerque, U.P.; Lucena, R.F.P.; Cunha, L.V.F.C. (Ed.). Métodos e técnicas na
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Guèze, M., Luz, A.C., Paneque-Gálvez, J., Macía, M.J., Orta-Martínez, M., Pino, J., Reyes-García, V. 2014
Are ecologically importante tree species the most useful? A case study from Indigenous People
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Pardo, D.W.A. 2012. Direito e sociedade na Amazônia: sobre a proibição legal do uso do fogo em
atividades econômicas agropastorais. Direito GV 8(2) 427-454.
Experiências etnobotânicas na Reserva Extrativista Chico Mendes 99

Medicina da floresta: saberes


8 e práticas populares dos moradores
do núcleo de base Semitumba
Maiara Cristina Gonçalve; Galdino Xavier de Paula Filho; Daniel Henrique de Oliveira;
Meiling Li; Felipe R. Ruppenthal; Kennedy de Araújo Barbosa; Lin Chau Ming

INTRODUÇÃO
As plantas medicinais fazem parte do cotidiano de milhões de pessoas no mundo. No Brasil o
Sistema Único de Saúde (SUS) as inclui como práticas integrativas e complementares no tratamento de
doenças, sendo utilizadas por cerca de 7,6 milhões de pessoas que representavam 3,8% da população
brasileira em 2013. Os principais públicos de consumo são mulheres, indivíduos com ensino superior
completo e pessoas acima dos 40 anos de idade (IBGE, 2015).
A região Norte apresenta proporção de uso de práticas integrativas complementares maior
que a nacional (5,9%) e embora algumas destas técnicas não utilizem somente plantas nativas, também
técnicas como homeopatia e acupuntura, a grande parte desta porcentagem se deve a diversidade vegetal
associada ao conhecimento tradicional dos povos da floresta, existindo muitas espécies conhecidas
e comercializadas em feiras, mercados locais e de maneira industrial para laboratórios, indústrias
farmacêuticas, de perfumaria e alimentícia nacionais e internacionais (Ferraz et al. 2009; Lima; Coelho-
Ferreira; Oliveira, 2011).

Conhecimento tradicional amazônico, importância das reservas extrativistas na preservação do


conhecimento local
O conhecimento sobre plantas medicinais de comunidade tradicionais do norte do país é algo
vivo presente no cotidiano das pessoas, baseado na cultura indígena, cabocla e nordestina, é transmitido
de forma oral principalmente pelos anciões. O conhecimento transmitido pelas gerações mantem-se,
modifica-se e perde-se de acordo com estímulos e pressões do entorno, somado às mudanças de hábitos
culturais e alimentares destas populações.
As transformações sociais e aculturação têm exposto as comunidades tradicionais a outros valores
e oportunidades econômicas (Caniago; Siebert, 1998). Desta forma, a presença das reservas extrativistas
tiveram também um caráter de apoio à manutenção das relações que o sujeito histórico possui com a
floresta prevendo as possibilidades de crescimento e renovação das dinâmicas culturais (Antonacci,1999).
O extrativismo sustentável é um norte para as políticas públicas brasileiras de conservação e
direitos das comunidades tradicionais, contudo para as primeiras reservas extrativistas, com pouco
mais de trinta anos, este processo ainda apresenta muitos conflitos nos aspectos sociais e de interesses
econômicos (Ferraz et al. 2009).
A valorização econômica do mercado sobre produtos da biodiversidade amazônica tem contribuído
diretamente com o aumento da biopirataria e extinção de espécies de interesse medicinal, aromáticas,
inseticidas, corantes naturais e até mesmo os produtos florestais não madeireiros (PFNM), apontados
como solução para a manutenção do mercado florestal da região tem sofrido com a exploração ilegal,
predatória baseadas em técnicas de manejo tradicionais, como a coivara, que em larga escala tornam-se
devastadora para a dinâmica ecológicas destes ambientes (Balzon; Silva; Santos, 2004).
O Brasil ocupa a terceira posição mundial em exportação de óleos essenciais, a maior porção disto
se deve ao reaproveitamento das cascas da indústria de sucos de frutas cítricas (laranja e limão) cerca
de 91% deste total. Em contrapartida com relação as essências florestais observa-se poucas instituições
aplicando alternativas de extrativismo sustentáveis. O Pau-rosa (Aniba rosaeodora Ducke) uma das
essências mais conhecidas e exportadas da nossa flora , estimando-se que de 1937 a 2002 foram extraídos
100 Experiências etnobotânicas na Reserva Extrativista Chico Mendes

13 mil toneladas de óleo de Pau-rosa oriundos de cerca de 825 mil árvores que foram abatidas durante o
processo o que quase levou a extinção a espécie. Atualmente o Pau-rosa é protegido por lei fazendo parte
de programas de reflorestamento, através de pesquisas foi desenvolvida outra forma de extração do óleo
de linalol, a partir da poda da copa da árvore (folhas e galhos), todavia ainda é pouco empregado de forma
industrial (Ferraz et al. 2009).
Com relação à pesquisa científica na região Amazônica, ainda temos uma escassez de informações
sobre alguns conceitos iniciais importantes para formação de uma cadeia produtiva para a maioria das
plantas medicinais, o que torna o extrativismo a principal maneira de acesso aos benefícios de compostos
bioativos de origem vegetal dos biomas brasileiros (Lima; Coelho-Ferreira; Oliveira, 2011). Mesmo
apresentando um aumento significativo de pesquisas que buscam a comprovação dos usos e indicações
da medicina tradicional, ainda são poucas as espécies estudadas principalmente as relacionadas a doenças
negligenciadas de ocorrência na própria Amazônia (Oliveira, 2009).
O acesso crescente a produtos farmacêuticos tem se mostrado diretamente relacionados a perdas
de conhecimento tradicional e menor uso de plantas com fim medicinal por populações tradicionais,
entretanto a disseminação de medicamentos industriais em comunidades tradicionais é essencial para o
tratamento de muitas doenças e seu uso é determinado pelo conhecimento e automedicação, devido a
carência de profissionais de saúde, custo, comprovação da eficácia e facilidade de acesso, assim o uso de
medicamentos sintéticos utilizados por algumas populações tem sido observado como complementar e
alternativo a fitoterapia (Giovannini; Reyes-García; Waldstein; Heinrich, 2011).
Em um estudo com a população do Assentamento Extrativista São Luís do Remanso no Acre
observou-se que o tipo tratamento também variava com a doença, muitos utilizam remédios caseiros
à base de plantas cultivadas próximo a casa ou encontradas na mata para doenças comuns por ser o
tratamento mais acessível, porém nos casos de doenças mais graves recorrem ao serviço público de saúde
da capital, Rio Branco (Souza, 2000).
Os quintais, designados de espaços em volta da casa onde ocorre manejo de plantas com fim
alimentar, aromático, medicinal, ornamental entre outras apresentando diversidade para atender algumas
das necessidades básicas dos agricultores (Amorozo & Geli, 1988). Quintais e roçados de ribeirinhos em
Boca do Môa (AC) são locais de produção alimentos de subsistência familiar, nestes foram encontradas
21 espécies de plantas medicinais cultivadas, entre as quais a maioria apresentava baixa densidade e
simultâneos usos (Oliveira Martins et al. 2012).
O resgate e a transferência do saber local busca contribuir com autonomia de gerações para
solucionar problemas do cotidiano e garantir que aspectos da cultura, como a utilização de recursos
naturais locais no tratamento de doenças, não se percam e passem por um processo de ressignificação
cultural se adaptando através dos tempos de acordo com os recursos disponíveis.

Reserva Extrativista (RESEX) Chico Mendes, breve descrição socioambiental


A RESEX Chico Mendes, situada na região sudeste do Estado do Acre, extremo da Amazônia
ocidental, é a maior reserva do país contando com cerca de 970.570 hectares, entre as coordenadas 10° 29’
50,44” S 68° 58’ 40,95’’ W, abrange os municípios de Rio Branco, Xapuri, Sena Madureira, Epitaciolândia,
Capixaba, Brasiléia e Assis Brasil.
Os primeiros levantamentos etnobotânicos feitos na RESEX Chico Mendes (Acre), foram os de
Ming e Ferreira (1992) e Ming (1995) demostrando como a diversidade florística e as formas de preparo
de plantas medicinais estão presentes no cotidiano dos seringueiros. Este estudo teve como objetivo
caracterizar espécies vegetais de uso medicinal utilizadas pela comunidade de seringueiros na RESEX
Chico Mendes em Xapuri (AC) do Núcleo de Base Semitumba.
Com cerca de 2.000 famílias assentadas em 46 seringais, divididos em cinco zonas geopolíticas
representadas junto ao conselho gestor da Reserva pelas associações concessionárias e os Núcleos de base,
que formam comissão política dos moradores, o conselho também conta com representantes públicos,
Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e instituições públicas (IBAMA, 2006).
Com temperatura média anual entre 26 e 27º C, possui uma estação seca de curta duração, o
período mais quente ocorre nos meses de setembro, outubro e novembro com médias máximas de 38° C
e o período mais frio em junho, julho e agosto com médias mínimas de 20°C (IBAMA, 2006).
A reserva apresenta apenas 27% das florestas densas, a maior parte da vegetação é caracterizada
como florestas abertas com bambu, palmeiras e cipós. O solo é descrito como Podzólico Vermelho Amarelo
Eutrófico e Podzólico Vermelho Álico, além de Hidromórfico Gleyzado Eutrófico, próximo às margens dos
Experiências etnobotânicas na Reserva Extrativista Chico Mendes 101

rios (Ming, 2006).


O uso do solo para produção vegetal e animal é restrita as características do relevo priorizando
práticas conservacionistas, baseado principalmente no cultivo de arroz, feijão, mandioca, milho, café,
abóbora e frutas próximos a residência prioritariamente para consumo familiar e delimitação de áreas
individuais dentro dos remanescentes para o extrativismo principalmente de castanha e borracha.

MATERIAL E MÉTODOS
O seringal Sibéria, um dos seringais coordenados pela Amorex (Associação de Moradores da
Reserva Extrativista), é localizado na margem esquerda do rio Acre, local mais próximo a cidade de Xapuri
e que dá acesso a RESEX. Após 4 km no Ramal Rio Branco dentro da reserva encontra-se o Núcleo de Base
Semitumba, local de confluência de pessoas devido à proximidade da escola que facilita a comunicação
com a cidade (CTA, 2007). A Amorex é sediada em Xapuri e foi uma das primeiras associações formadas,
em 1994, detendo 40% do território da reserva representando cerca de 800 famílias.
Os dados foram obtidos durante o mês de fevereiro de 2016, neste período foram feitas
entrevistas utilizando a técnica de listagens livres, com dez informantes de seis colocações do seringal
Sibéria (Confusão, Toca da onça II, Morada Nova, Japão, Recanto e Semitumba), entre eles seis eram
mulheres e quatro homens, com idade entre 25 e 77 anos sendo que a maioria viveu em seringais a vida
toda e residia no local a mais de 25 anos.
As entrevistas foram conduzidas de forma semi-estruturada com perguntas abertas sobre o uso
da flora medicinal cultivada no entorno da propriedade e coletadas na floresta. Metade das entrevistas
foi realizada nas residências e durante breve turnê guiada pelos informantes nos locais de cultivo, todavia
devido a distância entre as colocações a outra metade ocorreu em locais comunitários (casa de farinha e
escola). Durante as entrevistas, o material botânico citado como medicinal foi coletado, com consentimento
prévio e identificado com auxílio de revisão de literatura.
Para a análise foram calculadas as porcentagens relativas da parte utilizada, forma de uso,
obtenção, parte utilizada e indicações terapêuticas, que foram organizados em oito categorias, de acordo
com a Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde, CID-10 (WHO,
2016).
A concordância de uso popular foi calculada para plantas medicinais citadas por três ou mais
informantes, adaptado de Amorozo & Geli (1988).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Uso medicinal de espécies endêmicas e cultivadas em quintais e hortas da comunidade


Semitumba
Foram identificadas 53 espécies pertencentes a 31 famílias e 48 gêneros. As famílias melhor
representadas foram Lamiaceae (seis), Euphorbiaceae (quatro) e Curcubitaceae (três) (Anexo 1). Este
resultado foi convergente com os resultados de Ming (1995), onde as famílias de maior riqueza foram
Lamiaceae e Asteraceae. Para Kainer e Duryea, (1992) na Reserva extrativista Cachoeira (AC) as espécies
mais citadas com fim medicinal foram as da família Lamiaceae, Caesalpiniaceae, Asteraceae, Euphorbiaceae
e Rutaceae.
Para as 53 espécies informadas obteve-se um total de 127 citações de uso, as mais citadas foram
carmelitana/cidreira (Lippia alba (Mill.)N.E.Br.) (15), hortelã (Mentha x piperita L.) (oito) e o pinhão-roxo
(Jatropha gossypiifolia L.) (sete). Estas espécies são manejadas ex-situ e disseminadas através de trocas
entre familiares e vizinhos. São espécies propagadas vegetativamente e por isso os aspectos morfológicos,
olfativos e gustativos se mantêm contribuindo para a identificação popular de etnovariedades como no
caso da carmelitana e cidreira (Lippia alba) que apresentam usos similares para doenças e sintomas
associados aos sistemas nervoso e digestório, todavia apresentam características morfológicas foliares
distintas.
Em relação às partes da planta utilizadas, 58% (29 spp.) utilizaram-se das folhas, 20% (10 spp.) da
casca do caule, seguido de 14% (sete spp.) com exsudatos (seiva, resina ou látex) e frutos, 6% (três spp.)
com raiz, 4% (duas spp.) flor e 2% (uma spp.) com sementes, para algumas espécies mais de uma parte é
utilizada, os resultados são muito semelhantes ao que foi encontrado por Souza (2000) no Assentamento
102 Experiências etnobotânicas na Reserva Extrativista Chico Mendes

Figura 1. Entrevista na colocação Toca da Onça II, as espécies cultivadas no entorno da casa são utilizadas
principalmente para fins alimentícios e medicinais.

extrativista São Luís do Remanso (AC).


A maior parte das plantas indicadas pelos informantes foram às cultivadas (57 %) nos quintais,
hortas e roçados próximos a residência, caracterizados por serem pouco estratificados com predomínio
de espécies medicinais arbustivas e arbóreas de múltiplos usos entre eles condimentar, aromático e
alimentar. Em um estudo sobre espécies cultivadas em jardins de uma comunidade na Amazônia peruana
também foi verificado que árvores frutíferas e arbustos contribuíram com 50% das espécies encontradas
(Coomes; Ban, 2004) (Figura 1).
Espécies florestais endêmicas são coletadas de acordo com a necessidade durante a caminhada
pelos remanescentes de floresta a poucos metros da casa, principalmente de hábito arbóreo e arbustivo
com uso de casca do caule, exsudatos, folhas e raiz.
O óleo de copaíba e o vinho do jatobá são exemplos de produtos não madeireiros da
biodiversidade amazônica que de acordo com o manejo podem tornar-se atividades sustentáveis de alta
rentabilidade para a comunidade. Durante o desenvolvimento deste estudo ocorria paralelamente um
curso de capacitação para extração de produtos não madeireiros na escola do Núcleo de Base Semitumba
oferecido pelo Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (PRONATEC) e foi observado o
interesse e expectativas de comercialização destes produtos medicinais nos mercados de Rio Branco por
ser mais rentável economicamente e menos oneroso que a castanha e a borracha, obtendo-se em média
de R$ 10,00 a cada 50 ml.
O número de espécies de uso medicinal encontradas nos quintais visitados na RESEX variou de
15 a três, percebeu-se pela análise das entrevistas que possivelmente este dado não esta diretamente
relacionada ao tempo de residência no local como o visto Coomes e Ban (2004), mas sim com interesse
pessoal e importância cultural do uso de algumas espécies no cotidiano.
Das espécies endêmicas cultivadas, algumas passaram por um processo de domesticação intenso
desde períodos pré-colombianos como a alfavaca e mamão. Outras passam por um processo mais recente
e por não serem encontradas em locais antropizados e necessitam do cultivo para propagação como
no caso do pariri (Arrabidaea chica (H&B) Verlt.), espécie arbustiva utilizada em sintomas e doenças do
sistema digestório, através da decocção das folhas.

Formas de uso e indicações terapêuticas


A principal maneira de uso de fórmulas medicinais caseiras é a ingestão oral associada a chás
(44,3%), que podem ser preparados por infusão ou decocção de acordo com a parte da planta utilizada,
seguidos de sumo (21,42%) retirado de folhas, flores, rizomas e herbáceas. A utilização prevalecente
Experiências etnobotânicas na Reserva Extrativista Chico Mendes 103

de folhas nos preparados em detrimento de outras partes da planta é pertinente devido facilidade de
aquisição por sua ocorrência durante todo o ano em florestas tropicais (Monteles; Pinheiro, 2007; de
Freitas et al.,2009; Madeiro; de Lima, 2015).
As doenças de maior ocorrência na RESEX de acordo com Melo (2006) são malária, leishmaniose,
febre, gripe, verminoses, cáries, cortes causados por golpes de faca e machado, diarreia, anemia e
desnutrição. Apesar de serem doenças comuns de fácil tratamento a dificuldade do acesso a cuidados
médicos e medicamentos podem intensificar sintomas e o tempo do restabelecimento corporal podendo
deixar sequelas.
Doenças e preocupações com o estado de saúde são inerentes à vida humana e cada grupo de
acordo com os meios materiais, conhecimento e elementos culturais irão desenvolver técnicas e práticas
particulares em resposta ás experiências de doenças, em grupo ou individualmente, denominada sistema
de atenção a saúde (Langdon; Wiik, 2010). Por isso as informações levantadas neste estudo levaram em
consideração a situação socioeconômica, cultural e política dos moradores da RESEX.
O censo apontou que as fontes de conhecimento dos informantes sobre o assunto foram os
familiares e amigos, sobretudo da mãe e pai. Durante o estudo notou-se a importância da organização
dos núcleos familiares para a manutenção e desenvolvimento das atividades no seringal, sendo que o
compartilhamento e divisão destas transforma-se na transmissão de um rico conhecimento cultural do
grupo. As famílias eram compostas de quatro a oito pessoas, sendo a maior parte crianças, com renda
baseada no extrativismo e benefícios como aposentadoria e bolsa família.
As indicações terapêuticas mais citadas foram para plantas relativas a doenças do sistema
digestório (18,6%) que abrangem problemas bucais, disfunções intestinais, gastrite, má digestão, dor de
barriga e diarreia infantil (Figura 1). Entre as plantas citadas pelos informantes para tratamento incluem
hortelã- branca (Mentha x piperita L.), tatajuba (Bagassa guianensis Aubl.), cedro-vermelho (Cedrela
odorata L.), goiabeira (Psidium guajava L.) e pinhão-branco (Jatropha curcas L.) (Figura 1.).
Doenças respiratórias crônicas e agudas obtiveram 12,79% de citações, nas quais o preparo de
chás e dos xaropes caseiros é bastante disseminado. Estes, conhecidos popularmente como lambedores,
apresentam elaboradas receitas que contam com o sinergismo de compostos oriundos de diferentes
plantas no combate dos sintomas da gripe. São confeccionados a partir da maceração, do sumo ou
decocção das partes vegetais levadas ao fogo com mel ou açúcar até formar um líquido viscoso (Mosca;
Loiola, 2009; Souza, 2000).

N
LE
G PP
DS O
Doe nça s ou sintom a s

DO
DIP
DAG
DS C
DC
DE
DS N
DS R
DS D
DP
0 2 4 6 8 10 12 14 16 18 20
C ita çõe s (%)

Figura 1. Porcentagem de citações das plantas medicinais indicadas pelos informantes por categorias de
doenças segundo o CID-10, em 10 entrevistas na comunidade Semitumba, Seringal Sibéria no Município
de Xapuri, Acre, Brasil. DP = doenças de pele; DSD= doenças e sintomas do sistema digestório; DSR=
doenças do sistema respiratório; DSN = doenças e sintomas do sistema nervoso; DE = doenças e sintomas
do sistema endócrino; DCS= doenças do sistema circulatório; DAG = doenças e sintomas associados ao
aparelho geniturinário; DIP =doenças infecciosas e parasitárias; DO = doenças do ouvido; DSO= doenças
do sistema osteomuscular; GPP= gravidez, parto e puerpério; LE = lesões e envenenamento; DC= doenças
culturais; N= neoplasias; SNC= sintomas não classificados pelo CID-10. N= 86.
104 Experiências etnobotânicas na Reserva Extrativista Chico Mendes

As lesões e envenenamentos (LE) onde estão inclusos arranhões, hematomas e inchaços decorrente
de batidas, picada de animais peçonhentos, ferimentos leves e profundos estão entre os quatro principais
usos de plantas medicinais. Como descrito por Melo (2006) estes acidentes acontecem com frequência na
RESEX pela gravidade de perda de sangue e o risco de infecção as LE são tratadas com banhos, emplastros
desenvolvidos a partir do sumo e da maceração de casca de árvores e folhas além da aplicação de óleos e
látex de plantas conhecidas como cicatrizantes para estancar o sangue imediatamente após o corte, somente
casos mais graves são encaminhados para a cidade de Xapuri e Rio Branco.O processo de cicatrização de
tecidos envolve uma sequência de eventos celulares e bioquímicos com intuito de recompor a integridade
dos tecidos pós-trauma, o uso da casca e entrecasca do tronco do cajueiro (Anacardium ocidentale L.)
pode acelerar este processo pela ação adstringente, antisséptica e tônica devido a presença de taninos
hidrolisáveis e não hidrolisáveis, ácido gálico, ácidos anacárdicos e compostos fenólicos (Chaves et al.
2010). Além disso, ensaios biológicos demostram que os heteropolissacarídeo provenientes da goma têm
apresentado resultados satisfatórios na cicatrização na fase inflamatória diminuindo edemas e hiperemia
tendo ação estimulante no sistema imune (Schirato et al., 2005).
Através da concordância de uso popular corrigida (CUPc) são apontados os usos mais difundidos e
aceitos de uma espécie que, provavelmente, é utilizada e reconhecida por mais pessoas, o que evidencia
maior segurança quanto à sua validade. Assim, as espécies com CUPc acima de 50% podem evidenciar
o potencial de uso medicinal na comunidade; nesse sentido, as espécies cultivadas em quintais, como
alfavaca utilizada para sintomas de gripe, bem como as plantas adquiridas pelo extrativismo na vegetação
do entorno, como castanheira (Bertholletia excelsa Bonpl.) para sintomas de gripe (97%), copaíba
(Copaifera sp) exsudato (óleo) utilizado como antiflamátório (95%) e jatobá (Hymenaea courbaril L.) (87%)
para doenças do sistema respiratório.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Não podemos pensar na floresta amazônica de forma desassociada dos povos que habitam este
ambiente, assim como a manutenção e preservação destas áreas passam pela permanência destes grupos
nestas regiões, a manutenção da vida destas pessoas também se relaciona a existência destas florestas
preservadas. As plantas medicinais conhecidas e utilizadas no Núcleo de Base Semitumba fazem parte
deste contexto e são exemplos vivos desta importante realidade.
Ao longo do tempo esta relação construiu o modo de vida hoje existente na comunidade e, como
é sabido, as comunidades contribuíram para a formação e manutenção da RESEX Chico Mendes. Os grupos
extrativistas e agricultores que habitam as florestas, sempre tiveram próximos a si as plantas medicinais,
os remédios da floresta. Esta é uma relação que constrói e caracteriza muitas das tradições da cultura
local, por serem de grande importância para a manutenção da vida nesta região.
A relação com as plantas medicinais e o conhecimento de suas formas de coleta, cultivo e preparo
é algo que vem sendo construído por muitas gerações. Isso contribui para melhoria da qualidade de vida
das pessoas e muitas vezes é como única forma de tratamento acessível,se caracterizando assim como
fator de grande importância a ser valorizado e fomentado por ações e projetos promovendo os registros
destas informações e intercâmbio entre os grupos, visto que estas informações muitas vezes se perdem
em função da transmissão oral do conhecimento.
A criação da reserva extrativista foi importante para manutenção de todo este processo, no
entanto não pode ser tida como único elemento que garantirá a preservação da floresta e manutenção da
vida dos grupos ali existentes.
Políticas públicas, ações de desenvolvimento local, inserção a mercados que possam gerar
emprego e renda, acesso a informação e tecnologias que se adéquem a realidade local são fundamentais
para a promoção do uso sustentável da biodiversidade e manutenção do modo de vida local. Trabalhos
que promovam o resgate, registro e disseminação dos usos e conhecimentos levantados neste grupo são
importantes para auxiliar a manutenção e fortalecimento desta cultura e destas fontes de tratamento que
auxiliam na manutenção e qualidade de vida das pessoas que fazem parte desta comunidade.

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(ICD-10), 5 ed., v.3.

Anexo 1. Plantas medicinais usadas por seringueiros e seringueiras do Seringal Sibéria na RESEX Chico
Mendes, Xapuri (AC) com respectivos nomes científicos e popular hábito - HB (A = arbóreo, Ab = arbustivo,
H = herbáceo e T = trepador); formas de uso parte usada - PU (C = caule, F = folha, Fl = flor, Fr = fruto e R =
raiz); formas de obtenção – FO (CULT= cultivado, ESP= espontânea rudeirais e EXT- extrativismo) e numero
de citações (C).

Família/ Nome científico Nome HB Formas de Uso PU Indicações de Uso FO


Popular

ACANTHACEAE
Justicia pectoralis Jac Anador Ab Chá (decocção) F Dor de cabeça, dores no CULT
corpo.
ADIANTHACEAE
Adiantum latifolium Lam. Pruma H Sumo (ext.) F Ferimento estancar sangue EXT
AGAVACEAE
Aloe sp. Babosa H Sumo (ext.) F uso utópico, queimaduras, CULT
fortalecer o cabelo
ANNONACEAE
Annona muricata L. Graviola A Chá (infusão) F Pressão alta, calmante, EXT
inflamação na próstata
ANACARDIACEAE
Anacardium ocidentale L. Cajueiro A Torrado (int.), C Uso utópico, cicatrizante, CULT
emplastro, lambedor gripe
Mangifera indica L. Mangueira A Chá (decocção) C Diarreia CULT
APOCYNACEAE
Aspidosperma excelsum Beth. Pariquina A Chá (decocção) C Febre EXT
Himatanthus sucuuba (Spruce) Sucuba A Macerado (int.) C Inflamação EXT
Woods
ARECACEAE
Cocos nucifera L. Coco A Chá (decocção) Fr Hemorragia no parto, CULT
menstruação
Euterpe precatória Mart. Açaí-solteiro A Chá (decocção) R Anemia EXT
ASTERACEAE
Acmella cilliata (H.B.K.) Cassini Jambu H Lambedor, chá F, Pt Gripe CULT
(infusão)
BIGNONIACEAE
Arrabidaea chica (H&B) Verlt. Pariri Ab Chá (infusão) F Má digestão, diarreia CULT
Crescentia cujete L. Cuiera A Chá (decocção) F Infecção Urinária EXT
BROMELIACEAE
Ananas comusus (L.) Mer. Abacaxi H Lambedor, Chá Fr, F Gripe, tosse; rins, tiriça, CULT
(decocção) pressão arterial alta
CARICACEAE
Carica sp. Mamoeiro Ab Ingestão do látex e do E Vermífugo CULT
fruto maduro
CUCURBITACEAE
Citrullus lanatus (Thunb.) Melancia T Macerado (int.), chá S Infecção urinária CULT
Matsum. & Nakai (decocção)
Experiências etnobotânicas na Reserva Extrativista Chico Mendes 107

Família/ Nome científico Nome HB Formas de Uso PU Indicações de Uso FO


Popular
Curcubita sp. Abóbora T Sumo (ext.) Fl Dor de ouvido CULT
Momordica charantia L. Melão T Chá (infusão) F Coceira EXT
Caetano
CHENOPODIACEAE
Chenopodium ambrosioides L. Mastruz H Sumo (int. e ext.) F Hematoma, inchaço, ESP
ferimento; misturado com
leite combate vermes;
inflamação, leishmaniose; má
digestão
CLUSIACEAE
Vismia guianensis(Aubl.) Pers. Lacre A Pulverizado (ext.), E, C Coceiras, impinge, EXT
uso utópico cicatrizante
EUPHORBIACEAE
Hevea brasiliensis (Willd. ex A. Seringueira A Pulverizado (ext.), C Uso utópico, ferimento EXT
Juss.) Müll. Arg. emplastro
Hura crepitans L. Assacu A aplicação direta no E Dor de Dente EXT
dente
Jatropha gossypiifolia L. Pinhão-Roxo Ab Sumo (ext.), E Hematomas, inchaço CULT
banho,emplastro uso utópico, sintomas de
resfriados, panema de
caçador, impinge, quebranto
Jatropha curcas L. Pinhão- Ab Uso utópico, E Dor de dente, picadas de CULT
branco aplicação do látéx no insetos, ferimento
dente enfermo
FABACEAE
Copaifera multijuga Hayne Copaíba A Ingestão do óleo, uso E Antibiótico, hematomas, EXT
utópico gastrite e intestino
Hymenaea courbaril L. Jatobá A Chá (decocção), C Gripe, inflamação na próstata; EXT
Lambedor, ingestão estimulante sexual masculino
do vinho
LAMIACEAE
Aeolanthus suaveolens Mart. Catinga-de- H Sumo (ext.) F Dor de ouvido EXT
ex Spreng mulata
Coleus amboinicus Lour. Malvarisco Ab Sumo (int.) F Gripe CULT
Lippia alba (Mill.) Cidreira/ Ab Chá (decocção) F Laxativo, insônia, febre, má CULT
Carmelitana digestão, gripe, pressão
arterial alta
Mentha x piperita L. Hortelã- H Chá (decocção) F Má digestão, gripe, calmante CULT
branco
Ocimum campechianum Mill. Alfaca Ab Lambedor F Gripe; Laxante; brotoeja; má CULT
digestão; com casca de Jatobá
Plectranthus barbatus Boldo Ab Chá (decocção) F Má digestão CULT
Andrews
Scutellaria agrestis St. Hil. ex Hortelã- roxa/ H Chá (infusão) F problemas estomacais, CULT
Benth. Trevo- roxo hemorragia menstrual
LAURACEAE
Persea americana L. Abacateiro A Chá (decocção) F Rins, caroços internos CULT
Aniba canelilla (Kunth) Mez * Canelão A Chá (decocção) F Febre EXT
LECYTHIDACEAE
Bertholletia excelsa Bonpl. Castanheira A Chá (decocção) C Gripe, tosse, diarreia; EXT
umbigo do fruto para cólicas
menstruais, indisposição, dor
de cabeça
MALVACEAE
Gossypium barbadense L. Algodoeiro A Sumo (int. e ext.) F Hematomas, arranhões e EXT
caroços na pele, inflamação
nas amidalas
108 Experiências etnobotânicas na Reserva Extrativista Chico Mendes

Família/ Nome científico Nome HB Formas de Uso PU Indicações de Uso FO


Popular
MELIACEAE
Cedrela odorata L. Cedro- A Chá (decocção) C Gastrite, Inflamação, intestino EXT
vermelho e fígado
MORACEAE
Bagassa guianensis Aubl. Tatajuba A aplicação no dente E Dor de dente EXT
enfermo
MYRTACEAE
Psidium guajava L. Goiabeira A Chá (decocção) F Diarreia CULT
OXALIDACEAE
Avehoa carambola L. Carambola A Chá (decocção) F Colesterol, diabetes CULT
PASSIFLORACEAE
Passiflora edulis Sims Maracujá T Chá (decocção) F, Fr Calmante, pressão alta CULT
PIPERACEAE
Piper marginatum Jacq. Caapeba Ab Branqueamento, F Juntamente com folhas de EXT
emplastro algodão colocar em cima do
hematoma
POACEAE
Cymbopogon citratus (DC) Capim-santo H Chá (decocção) F Cólicas menstruais, queda do CULT
Stapf. cabelo lavar; pressão alta
Zea mays L. Milho-Roxo H Chá (infusão) F Tiriça e pressão alta CULT
RUBIACEAE
Quassia amara L. Quina-quina A Chá (decocção) C Febre, malária EXT
RUTACEAE
Citrus sp. Laranjeira A Chá (decocção) F, Fr Febre, má digestão, dor de
cabeça; dor de barriga; em
caso de diarreia comer o fruto
todo
Citrus sp. Limoeiro- A Macerado (int.), chá R, Fl, F Febre; gripe, dor de cabeça, CULT
caipira (infusão) baixar pressão arterial
SCROPHULARIACEAE
Scoparia dulcis L. Vassourinha H Sumo (int. e ext.), chá F, Pt Infecção urinária, mal olhado; ESP
(infusão) com leite materno para dor
de ouvido; as raizes contra
problemas do fígado
ZINGIBERACEAE
Zingiber officinale [Willd.] Gengibre H Macerado (int. e C Hematomas, dores CULT
ext.), emplastro chá musculares, gripe
(decocção)
Experiências etnobotânicas na Reserva Extrativista Chico Mendes 109

Castanha-do-brasil:
9 botânica, economia e
desdobramentos sociais

Ana Paula da Silva Marques; Dayane Graziella Pereira de Oliveira dos Santos; Gabriela Granghelli
Gonçalves; Almecina Balbino Ferreira

APRESENTAÇÃO
Este relatório compila informações captadas durante a vivência na comunidade da Resex Chico
Mendes, no estado do Acre, combinando-as com dados de revisão bibliográfica, de forma a construir
um panorama sobre a exploração da castanheira-do-brasil, comercialização de suas sementes, pesquisas
acerca do tema e sua importância social para as populações que, mesmo que sazonalmente, dependem
do extrativismo da espécie para alcançar melhor grau de subsistência.

REVISÃO BIBLIOGRÁFICA
Características botânicas
A castanha-do-brasil (Bertholletia excelsa H.B.K.), é uma angiosperma dicotiledônea da ordem
Myrthiflorae e família Lecythidacea, também muito conhecida como castanha-do-pará. É nativa da região
amazônica brasileira nos estados do Pará, Rondônia, Acre, Amazonas, Roraima, Tocantins e Mato Grosso,
estando também presente na Venezuela, Colômbia, Peru, Bolívia e Guianas (Embrapa). Descrita em 1808,
por Humboldt, Bompland e Kunth, foi por eles chamada de “árvore majestosa da Amazônia” (SANTOS, 2012).
Segundo a autora, A floração ocorre de agosto a outubro e seu fruto denomina-se ouriço, com formato
esférico ou capsular (Tese Orquidea), com 20 cm de diâmetro, contendo de 12 a 24 sementes. A amêndoa,
parte interna e branca da semente, é a parte consumida gastronomicamente.
Seus frutos são secos, indeiscentes, de cor castanha-escura, rígidos, com peso entre 0,2 e 1,5Kg
(média de 0,75Kg). A coleta ocorre de dezembro a março, priorizando matrizes que produzam sementes
grandes e largas. Os frutos devem ter se desprendido da árvore recentemente. Na coleta, deve-se excluir
as castanhas atacadas por pragas ou doenças. Uma forma de facilitar o descascamento é imergi-las em
água por no mínimo de dois dias (LOCATELLI, 2013).
Conforme o local do Brasil ou em alguns países, pode ainda ser designada como castanha-do-
maranhão, castanha-do-pará, Iniá, Niá, Nhá, Eray, Tocary, Tucá, Turury, Yá e Yuvia, almendras, noce del
Brazile, paranuss, Brazil nuts, Para nuts, Nigger To, noix du Bresil, noix du Para, chataigne du Bresil e nuez
de Brazil, porém, para fins de padronização comercial, fixou-se denominar a espécie como castanha-do-
brasil, através do decreto de lei N°51.209/61 (SANTOS, 2012).
A árvore adulta (Imagem 01) pode atingir até 50m de altura, com um tronco de até 2m de diâmetro
e viver até 500 anos (APIZ, 2008). Habita em terra firme argilosa ou argilo-arenosa, com maior ocorrência
em solos de textura média a pesadas. Experimentalmente, demonstrou bom crescimento em altura e
diâmetro mesmo em solos de pH ácido, com baixa saturação de bases, solo distrófico, baixa capacidade
de troca de cátions e alta saturação de alumínio (LOCATELLI, 2013).

Características culturais
Locatelli (2013), em cartilha da Embrapa, traz as informações básicas de cultivo e cuidados na
produção de mudas da castanha-do-brasil, que seguem resumidas abaixo:

Sementes
A seleção das sementes, como em qualquer outra cultura, é fundamental, descartando as que
110 Experiências etnobotânicas na Reserva Extrativista Chico Mendes

Imagem 1.
Castanheira-do-
brasil adulta e
produtiva.

apresentarem rachaduras após o descascamento. Em seguida, as sementes devem ser imersas em solução
fungicida de propiconazole na concentração de 0,2% (2 g do produto em 1 litro de água), por 90 minutos,
agitando a cada 10 minutos. A secagem deve ocorrer à sombra, sobre papel jornal, por duas horas.É
importante não danificar a amêndoa para não comprometer a germinação.

Sementeira
Deve ser suspensa, a 1 m acima do solo, de madeira e pode ser acomodada sob ripado com 50%
de sombra ou cobertura própria. A areia lavada é o substrato indicado pela autora, que deve ser nivelada
ao final do preenchimento da sementeira, e regada.

Semeadura
Esta etapa deve ser realizada com cuidado, atentando-se à posição das sementes, que devem
colocadas sob a areia com sua parte mais grossa voltada para baixo, a 1 cm da superfície. Regar em seguida
Experiências etnobotânicas na Reserva Extrativista Chico Mendes 111

e depois disso a cada dois dias ou quando necessário.

Controle de plantas invasoras


Mensalmente deve ser realizado o arranquio das plantas indesejáveis, tapando os buracos
resultantes.
Seleção de mudas
De 20 a 30 dias após a semeadura ocorre a germinação, que pode durar até cinco meses. Repique
das plântulas antes da abertura das primeiras folhas (“ponto de palito”) e com o sistema radicular entre
8 a 10 cm.

Transplantio
As plantas devem estar com 25 cm e 16 folhas abertas (cerca de 4 a 8 meses após a repicagem). A
autora sugere o uso de sacos de polietileno preto de 19 cm x 28 cm e 2 mm de espessura, tendo o substrato:
três partes de terra, uma parte de areia, uma parte de esterco de gado ou serragem curtida. Para cada
metro de substrato, adicionar 1Kg de calcário e 200 g de superfosfato triplo. Acomode as mudas a 50% de
sombra e gradativamente vá acostumando-as ao sol. Ao final do processo de aclimatação, as plantas devem
ficar de 15 a 30 dias sob céu aberto.

Plantio definitivo
O plantio deve acontecer no início da estação das chuvas. As mudas devem ser selecionadas por
altura e após o plantio é recomendado colocar biomassa vegetal (ex. palha seca) ao redor das plantas,
evitando a perda de umidade do solo e dificultando o estabelecimento de plantas na área da coroa.
Cavar covas profundas e no plantio acomode a muda para que seu colo fique ao nível do solo. O
preenchimento da cova segundo a autora deve ser feito com terra vegetal, ou seja, da primeira camada do
solo, acrescentando 10 L de esterco de curral e 300 g de superfosfato triplo, 100 g de cloreto de potássio e
100 g de sulfato de amônia ou 50 g de ureia, usando-se 300 g/cova, dois dias antes do plantio.
Em caso de consórcio de castanheiras com culturas perenes e/ou semi-perenes, a autora recomenda
o espaçamento de 12 m x 12 m (69 plantas/ha).

Tratos culturais
Locatelli, recomenda a capina em torno das mudas a cada quatro meses e a roçagem das entrelinhas
simultânea ao coroamento. A biomassa retirada pode ainda ser usada como cobertura morta das mudas.
No segundo e no terceiro ano de plantio, é recomendado o uso de 300g/cova de superfosfato
triplo. Ressalta-se que por ser uma espécie importante, constitui uma opção de cultivo na Amazônia, na
forma de sistemas agroflorestais (SAFs) ou monocultivo, para reposição florestal.

Fatores socioeconômicos da castanheira


As castanhas são um importante produto dentro do cenário do agronegócio para exportação, com
grande representatividade econômica principalmente no Norte do país. O Brasil é um dos maiores produtores
mundiais da castanha e sua exportação gera forte movimentação monetária. Dados da Conab (Pennachio,
2012), apontam que a produção brasileira de castanha se destina ao consumo interno e a exportação, com
proporções de 70% a 75% para o consumo interno e 25% a 30% para a exportação. As exportações “in
natura” se destinam principalmente à Bolívia, seguida pelos Estados Unidos, com a castanha beneficiada,
Honk Kong, Europa, Austrália, sendo estes os maiores importadores.
De janeiro a abril de 2012, o volume total das exportações de castanha foi de 4.940 ton,
movimentando U$S 6,5 milhões (65,6% maior a este período em 2011). Este aumento derivou do aumento
do volume exportado e dos preços internacionais, em especial na Europa e EUA.
Além das amêndoas “in natura”, outros produtos já estão estabelecidos no mercado, como a
farinha, o óleo e o “leite”.
Segundo o IBGE (2012) são vários os fatores que interferem na comercialização, em especial o
preço. Apoio do governo à produção extrativista tem gerado resultados, pois a organização dos núcleos em
cooperativas e organizações de classe oferece maior poder de negociação, já que o mercado da castanha
é frágil, devido ao número restrito de compradores que estabelecem o preço desejado. Esses projetos
ajudaram com que o preço médio pago aos castanheiros subisse nos últimos onze anos em praticamente em
460%, partindo de R$ 0,35/kg em média no ano 2000, para R$ 2,05/kg em 2012. Esse aumento de receita
112 Experiências etnobotânicas na Reserva Extrativista Chico Mendes

foi uma correção nos valores pagos aos produtores, que antes eram irrisórios, exploradores (IBAMA, 2006).
A economia baseada na atividade apresenta ainda grande sazonalidade, já que a coleta do produto ocorre
somente entre os meses de dezembro a março.
Os projetos governamentais voltados aos povos castanheiros intencionam preservar a cultura dos
povos tradicionais onde a prática é histórica ou onde há potencial para exploração sustentável da floresta,
como os índios, os seringueiros e os agricultores familiares da região dos castanhais.

Resex Chico Mendes


As reservas Extrativistas no Brasil foram instituídas a partir da década de 90. Seu objetivo é assegurar
o uso sustentável dos recursos naturais e proteger o meio ambiente e a cultura de comunidades tradicionais
da floresta (IBAMA, 2006).
O processo de institucionalização começou em Xapuri (Acre), local onde Chico Mendes se tornou
uma liderança trabalhista e ganhou destaque no ano de 1985, data em que ocorreu o Primeiro Encontro
Nacional dos Seringueiros, em Brasília (DF), com a participação de 130 seringueiros do Acre, Rondônia,
Amazonas e Pará.
“O movimento foi uma oposição dos seringueiros aos modelos de desenvolvimento definidos pelo
governo federal para a região amazônica brasileira, na década de 1970, onde predominavam a implantação
de projetos agropecuários extensivos, de mineração e madeireiros, resultando em grande concentração
fundiária, êxodo das populações tradicionais para as cidades e devastação da região. Os seringueiros
passaram a resistir a essas mudanças e expulsão, unindo-se em Sindicatos Rurais e organizando os chamados
“empates” (forma de luta organizada e pacífica para impedir as derrubadas).” (IBAMA, 2006)
Através deste trabalho de articulação e luta organizada, os seringueiros do Vale do Acre, que
abrange os Municípios de Xapuri, Brasiléia, Rio Branco, Assis Brasil e parte de Sena Madureira, obtiveram
como forma alternativa de ocupação, o modelo “Reserva Extrativista”. Neste modelo as terras pertencem
a União, com usufruto dos que nela habitam e trabalham (IBAMA, 2006).

Castanheiras da Reserva Extrativista Chico Mendes - Xapuri/ Acre
A RESEX Chico Mendes está ao sudeste do Estado do Acre, com área aproximada de 970.570 ha
( 10º 06 11” a 10º 58’ 39” latitude Sul e 67º 56’ 13” a 69º 48’ 00” longitude Oeste). Dela fazem parte os
municípios de Assis Brasil, Brasiléia, Capixaba, Xapuri, Sena Madureira e Rio Branco.
A reserva compreende locais povoados denominados colocações. Nestes vivem os habitantes locais
que dividem suas atividades trabalhistas principalmente pela época do ano: época da castanha, da seringa
(extração de látex da seringueira), agricultura, caça e coleta de recursos florestais. A vida nas reservas gira
em torno das florestas e da chuva e seca.
A resex possui o total de 2000 famílias que desempenham atividades diversas visando a renda e
produtos de subsistência familiar. As principais fontes de renda, caracteristicamente extrativista, são as
seringueiras e as castanheiras. Foi possível acompanhar as atividades com alguns dos moradores, os Senhors
José Gaudêncio (“Zé Gaudêncio”) e Ramundo (“Cruel”), seringueiros e castanheiros muito reconhecidos
pela comunidade devido às suas histórias de luta e conquista da terra junto a comunidade, convivendo com
um dos maiores lideres da sua causa ambientalista, “Chico Mendes” (Imagens 02 e 03).
A castanheira é muito importante para a população que vive de seu extrativismo, mesmo que
somente em parte do ano. Os extrativistas são conhecidos como castanheiros, geralmente comercializando os
frutos da castanheira para indústrias ou para o consumidor final, individualmente ou através de cooperativas.

Coleta e aberturas dos “ouriços” das castanheiras


Os frutos da castanheira, conhecidos como “ouriços” são coletados pelos extrativistas, que
centralizam todos os frutos em um local para então abrí-los e recolher suas castanhas, que são
comercializadas atualmente através de cooperativas. A aproximadamente um século o fruto vem sendo
explorado comercialmente.
Os frutos caem anualmente nos meses de dezembro a fevereiro, (agencia Embrapa) e nesse período
milhares de famílias de extrativistas e produtores rurais trabalham quase que exclusivamente na coleta de
sementes como fonte de renda.
A coleta dos ouriços é feita quando visualmente se percebe a queda da maioria deles da árvore,
buscando evitar acidentes pela queda durante a atividade. A seleção e coleta dos ouriços é realizada com
uma ferramenta desenvolvida por eles com os próprios recursos da floresta. A mesma é chamada de “mão-
Experiências etnobotânicas na Reserva Extrativista Chico Mendes 113

Imagem 2. Sr. José Gaudêncio. Imagem 3. Sr. Cruel e seu filho.

Imagem 4. Sr. José


Gaudêncio e a “mão-
de-onça”, ferramenta
confeccionada pelos
castanheiros.

de-onça”e consiste de uma haste de madeira, com a ponta tripartida e aberta, formando um espaço onde
se encaixam os frutos (imagem 04).
Os frutos que demonstram alguma deterioração orgânica devido o contato com o solo e umidade
já são descartados e posteriormente os melhores são amontoados em local da floresta para serem abertos.
A quebra dos ouriços é feita de forma manual após a amontoa, utilizando-se facões para abertura dos
frutos (Imagens 05 e 06).
114 Experiências etnobotânicas na Reserva Extrativista Chico Mendes

Imagem 5. amontoa dos ouriços.

Imagem 6. quebra dos ouriços.


Experiências etnobotânicas na Reserva Extrativista Chico Mendes 115

Imagem 7. “Ouriço” (fruto da


castanheira) coletado no chão,
abaixo da copa da árvore. Detalhe do
“umbigo” (opérculo).

Imagem 8. Castanhas danificadas durante abertura do ouriço.


O extrativista deve coletar os ouriços o mais rápido possível após a sua queda, evitando desta
maneira, contato prolongado deste com o solo e a exposição a fatores bióticos (microorganismos, animais
silvestres e insetos) e abióticos (elevada umidade e temperatura) que levem à perda gradativa de qualidade
(agencia Embrapa).
A entrada de água de chuva no fruto por meio do opérculo, também conhecido como “umbigo”
116 Experiências etnobotânicas na Reserva Extrativista Chico Mendes

Imagem 9. castanha em saco de ráfia. Imagem 10. Descascamento das castanhas.

(Imagem 07), a presença de animais roedores e o ataque de insetos constituem fatores que favorecem a
contaminação das castanhas, além de oferecer condições ao desenvolvimento de microrganismos saprófitos,
dentre os quais se destacam alguns fungos com potencial toxigênico (AGEITEC, 2015).

Beneficiamento manual das castanhas


A seleção das castanhas é feita no momento da aberturas dos ouriços, com finalidade de separar
aquelas que foram danificadas (cortadas ou rachadas) durante a abertura do fruto ou que apresentem
sinais de deterioração e umidade excessiva (Imagem 08).
Transporte das castanhas
O Transporte das amêndoas é feito em sacos de rafia, conforme a quantidade de castanhas e a
distância da coleta e quebra dos ouriços, é comum a utilização animais de carga na locomoção. Posteriorente,
as sementes são transferidas para “latões”de 18 litros e comercializadas junto a cooperativa que faz
todo o processo de retirada da amêndoa e embalagem. As castanha fazem parte do hábito alimentar da
comunidade, podendo ser levadas às residências dos castanheiros para o consumo próprio ou para venda
da castanha descascada, as castanhas têm suas cascas retiradas com auxílio de facas, facões, tesouras de
poda e alicates (imagens 09 e 10).

Produção
Xapuri e Brasiléia são as localidades que mais contribuem para o abastecimento da Usina de
Beneficiamento de Castanhas, que, beneficia, embala e exporta o produto para os mercados consumidores,
a mesma é administrada pela Cooperacre, com o apoio da Secretaria de Extensão Agroflorestal e Produção
Familiar (Seaprof). A cooperativa tornou-se a maior processadora de castanha do Acre. As sementes têm
alto valor nutritivo, sendo comercializadas em todo país e exportadas. As castanhas são consumidas “in
natura” ou em mistura com outros alimentos pelos moradores da Resex. A castanheira produz frutos todos
os anos, porém o número de frutos produzidos por uma mesma árvore pode variar.
Segundo os relatos dos castanheiros, a castanha é vendida a R$ 30,00 a lata de 18l para a Cooperacre.
Os produtores de Xapuri e dos demais seringais que formam a grande Resex Chico Mendes têm no
extrativismo uma das principais fontes de renda. Os seringueiros, que também são castanheiros, afirmam
que as castanhas são encontradas durante a abertura da estrada de seringueiras, ou seja, as castanheiras
exploradas estão sempre próximas a estas árvores. Segundo castanheiros das colocações Cajueiro e Gurgel
II, cada um deles possue entre 50 e 400 castanheiras por família, das quais retiram de 180 a 700 latas por
safra, com o preço variando de R$20,00 a R$30,00/lata.
Em estudo da Embrapa (2015), no leste do Acre, entre 2002 e 2008, foi registrada a produção
média de 71,9 frutos/árvore (de 0 a 466,5 frutos), com rendimento de cerca de 9,75 Kg de sementes com
Experiências etnobotânicas na Reserva Extrativista Chico Mendes 117

Imagem 11. Ouriço


quebrado, expondo as
castanhas.

casca (Imagem, 11).


Outro fato relevante é que o percentual de árvores que realmente contribuem para a produção
na população. Segundo a Embrapa, 25% das árvores foram responsáveis por mais de 75% da produção.

Dia de campo
Em nossa vivência, podemos conviver com a comunidade de Xapuri de 13 a 22/02/2015, nos
hospedando na escola da colocação Semitumba. No período vivenciamos as atividades de cultivo e
extrativismo das famílias das colocações, podendo aprender como eles trabalham e observar suas demandas
estruturais, econômicas e políticas.
A coleta de castanhas foi realizada no dia 16/02/2015 e nosso grupo, composto de pós-graduandos
e o Prof. Lin Chau Ming, foi guiado pelo Sr. José Gaudêncio, castanheiro, seringueiro, agricultor, mateiro,
músico e compositor.
Fomos levados a uma estrada de castanha, trilha aberta no meio da floresta, onde se encontram
as castanheiras. O Sr. José nos permitiu fazer a coleta dos frutos no chão, abri-los com uso de facão, coletar
as castanhas, selecioná-las (descartando as que foram quebradas ou rachadas na abertura dos frutos) e
armazená-las em sacas (como as de farinha). Posteriormente, as castanhas foram descascadas e Sr. José
nos explicou que a medida de venda para comerciantes e consumidores é a de lata de 18 litros.
Durante o tempo em que permanecemos na comunidade, foi possível observar que as famílias vivem
sem acesso a esgoto ou água tratada. A água é bombeada de uma mina, para as casas mais próximas, mas
há o problema de que a bomba d’água é elétrica e constantemente, também devido às chuvas constantes,
ocorrem quedas de árvores e bambus sobre a fiação da rede, o que pode levar a dias sem a capacidade de
bombeamento e sem iluminação noturna ou a possibilidade de uso de eletrodomésticos para conservação
da comida, água quente para banho ou lazer.
Outra dificuldade estrutural é a ausência de sinal de telefonia móvel, o que dificulta inclusive o uso
de serviços de emergência da cidade de Xapuri, quando necessário.
A estrada que faz o acesso da comunidade à Xapuri não é pavimentada, isso, em grande parte das
ocasiões, dificulta ou impede o trânsito entre os locais, de forma que, mesmo em casos urgentes, é difícil
se locomover de carro ou veículo maior, pois eles acabam atolando no barro argiloso da estada.
Nos foi comentado que devido à ausência de meios de transporte aptos a percorrer a estrada
enlameada, que em situações de risco à saúde de algum morador, o mesmo era carregado, em uma rede,
pelos vizinhos e familiares. A rede é suspensa pelos colaboradores, pendurando as pontas em um tronco
de madeira leve e que suporte o peso do paciente.
Apesar das dificuldades, os moradores demonstraram grande sentimento pela terra onde vivem
e a floresta. Suas vidas estão intimamente ligadas a ela.
118 Experiências etnobotânicas na Reserva Extrativista Chico Mendes

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com a oportunidade de vivência que nos foi oferecida pudemos ter contato com a realidade das
famílias de seringueiros, podendo observar, mesmo que brevemente, suas técnicas de cultivo de alimentos
e coleta de recursos florestais, como a castanha e o látex da seringueira.
A castanha se mostrou uma fonte de recursos financeiros e alimentar muito importante, apesar
da dificuldade de valorização da atividade expressa pelos castanheiros. A castanha, além de promover o
aumento da receita, reafirma a relação de intimidade dos homens e mulheres com a floresta, evidenciando
seu papel de agentes conservadores da biodiversidade, a partir do momento em que dependem da mesma
para sua sobrevivência e receita.
Estes homens e mulheres possuem um papel fundamental de vigilância e cuidado sobre a floresta,
além de constituírem uma comunidade histórica e politicamente importante, com uma tradição e cultura
de luta pela valorização de sua função através do destaque do impacto social, econômico e ecológico que
possuem.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Associação do Povo Indigena Zoró (APIZ). Boas práticas de coleta, armazenamento e comercialização da
castanha-do-Brasil: Capacitação e intercâmbio de experiências entre os povos da Amazônia mato-
grossense com manejo de produtos florestais não-madeireiros. Cuiaba, Defanti Editora, 2008.
SANTOS, O.V. dos. Estudo das potencialidades da castanha-do-Brasil: produtos e subprodutos. USP, São
Paulo, 2012.
PENNACHIO, H.L. CONAB: Relatório mensal – Castanha do Brasil. Abril, 2012. Disponível em:http://www.conab.
gov.br/OlalaCMS/uploads/arquivos/12_05_17_15_27_18_conjunturacastanhadobrasilabril2012.
pdf. Acesso em maio/2015.
LOCATELLI, M.; VIEIRA, A.H.; SOUZA, V.F. Aspectos do Cultivo da Castanha-do-Brasil. Embrapa Rondônia,
Porto Velho, RO, 2013.
AGEITEC. Árvore do conhecimento: Manejo Florestal – Castanha-do-brasil. Disponível em: http://www.agencia.
cnptia.embrapa.br/gestor/manejo_florestal/arvore/CONT000gf13qvg702wx5ok0dnrsvxfa2qvcv.
html. Visualizado em 25/05/2015.
IBAMA. Plano de manejo – Reserva Extrativista Chico Mendes. Xapuri, 2006.
SOUZA, J.L.M.; ALVARES, V.S.Arvore do conhecimento: castanheiras do Brasil.Embrapa, Brasília.
Disponível em: http://www.agencia.cnptia.embrapa.br/gestor/castanha-do-brasil/arvore/
CONT000fthcb5z502wyiv80otz6x9ns888ku.html. Acesso em 05/2015.
Experiências etnobotânicas na Reserva Extrativista Chico Mendes 119

Reserva Extrativista Chico Mendes -


10 Xapuri/AC: relatos de vivências
e histórias de vidas

Kátia Mara Batista

Os breves relatos desse capítulo apresentam as atividades de campo desenvolvidas na disciplina de


Etnobotânica. Assim, de forma sucinta descreve-se as vivências, as observações e as percepções sobre a
realidade da comunidade tradicional de seringueiros da Reserva Extrativista Chico Mendes – Xapuri/ACRE.

RESEX Chico Mendes...


Conhecer a comunidade de Seringueiros que vivem na RESEX Chico Mendes – Xapuri/Acre foi
importante pela oportunidade de vivenciar as relações socioculturais e ambientais que essa população
tradicional mantém em seu ambiente de vida.

A viagem...
A viagem foi mais tranquila do que se esperava, por meio de camionete e caminhão com tração, foi
possível transportar os alimentos básicos, malas e pertences didáticos dos pesquisadores, em um perfeito
esquema de expedição.

A chegada...
A equipe foi recebida pela população que lá vive há gerações. Nessa comunidade em particular, há
mais de 20 anos vem sendo desenvolvido pelo pesquisador e docente da Disciplina de Etnobotânica - Prof.
Dr. Lin Chau Ming (PPG-Horticultura/FCA/UNESP-Botucatu/SP), projetos de ensino, pesquisa e extensão.
Por esse motivo houve uma maior confiança da comunidade em se aproximar e interagir com a
equipe.

O local de hospedagem...
Na escola da comunidade estabeleceu-se o “ancoradouro” da equipe de professor e alunos da
Disciplina de Etnobotânica do Programa de Pós-Graduação em Horticultura da Universidade Estadual
Paulista (UNESP) “Júlio de Mesquita Filho” – Campus de Botucatu/São Paulo.
Esta base local dista do centro de Xapuri cerca de trinta km., com acessos por balsa (travessia do
Rio Acre) e por estradas não pavimentadas de difícil trafegabilidade na estação das chuvas.

Instalados e acomodados...
Os produtos de consumo alimentar, os materiais de estudo e as dezesseis redes, distribuídas pelas
duas salas de aulas existentes, iniciou-se a organização das metas e o plano de trabalho a ser desenvolvido,
visando realizar as atividades acadêmicas de forma participativa e com a utilização de metodologias quanti
e qualitativas.

Com a observação participante...


Pode-se constatar que a escola tornou-se palco de integração social, um espaço de intensa
convivência e troca de saberes (extra e intra grupo). Constituindo um lugar de descanso e de trabalho,
alegrias e melancolias, sabores alimentares tradicionais e exóticos, onde fluíram conversas animadas,
musica e jogos, muitas fotos e interação social.
Lugar de dúvidas e de aprendizados, descobrimentos de fatos e relatos sobre eventos ocorridos
na comunidade, histórias de vidas.
120 Experiências etnobotânicas na Reserva Extrativista Chico Mendes

Local onde as necessidades imediatas de abastecimento de água, limpezas, preparos da alimentação


e demais prioridades da equipe possibitou vivenciar a experiência de transformar o cotidiano de todos
em uma única organização de cumprimento das metas. Gerando assim, uma realidade de integração
participativa e coesão coletiva.
Por todo tempo, homens, mulheres e crianças da comunidade participaram e compartilharam com
o grupo, as refeições e atividades de trabalhos de campo.
A troca de saberes nessa intensa convivência social foi “o elemento chave e subjetivo” no exercício
da prática e do pensar inter e transdisciplinar.
Local onde durante todo período de estada ocorreram chuvas. De acordo com a professora da
comunidade, chove muito porque “é tempo de inverno”.

O contexto socioambiental e as histórias de vidas...


A Profa. Alessandra pertence à comunidade e atua na escola há mais de quinze anos. Formada em
Biologia, esteve fora da Reserva somente durante o tempo de sua graduação, cursada em Brasileia/Acre.
Casada com o seringueiro Pedro é mãe de dois filhos já adultos e avó de um neto. Filha do Sr. Paulo
Gaudêncio e sobrinha do Sr. Jose Gaudêncio - líderes do sindicato dos seringueiros no período dos conflitos
- vivenciou desde jovem todo o processo de luta de seus familiares.
Por estar atuando há alguns anos na educação, tem tido oportunidade de passar por meio de seus
conteúdos toda a história dos seringueiros e de formação da RESEX.
Esteve continuamente envolvida com alguns dos componentes da equipe que desenvolveram
durante, esse período, oficinas de educação ambiental, de música, artes e yoga com as crianças da
comunidade.
Como prática rotineira, aos domingos a Profa. Alessandra coordena um grupo de mulheres e
homens que realizam a cerimonia religiosa no Centro Comunitário, onde grande parte da comunidade se
faz presente. Nesses encontros são também discutidos temas de relevância social e de organização dos
trabalhos a serem desenvolvidos na localidade.
Sempre muito animada, participou com o grupo de boa parte das atividades de estudos etnobotânicos
e realização do Censo. Curtas e longas caminhadas foram realizadas no desempenho dessas atividades.
A Floresta Amazônica da localidade apresenta fitofisionomia exuberante, com grande diversidade
de plantas, novas e antigas castanheiras e seringueiras, fontes de renda da comunidade.
A Reserva Extrativista Chico Mendes é uma Unidade de Conservação Federal do Brasil categorizada
como Reserva Extrativista e criada por Decreto Presidencial em 12 de março de 1990 numa área de 970.570
hectares no estado do Acre. É administrada pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade.
Seringueiros dessa comunidade são em uma grande maioria, descendentes dos companheiros
de luta sindicalista do líder Chico Mendes.
Alguns testemunharam os “Empates” em tempos de conflitos com os proprietários dessas terras
– “os fazendeiros paulistas” (conforme relatos dos seringueiros mais antigos) da localidade.
Após os vários “Empates”, a fazenda de grandes seringais, se constituiu em RESEX Chico Mendes.
Brenna Amâncio (2013), jornalista Acreano, relata em seu artigo que os Empates iniciou (....) “em março
1976, quando o Seringueiro Francisco Pacheco recorreu ao sindicato após perceber que o barulho das
motosserras estava cada vez mais próximo da casa dele. Com o pedido de ajuda feito em assembleia,
providências mais drásticas foram tomadas. Homens se reuniram em frente às árvores destinadas a serem
derrubadas como uma forma de impedir que o desmatamento continuasse no Seringal Carmem. E foi assim
que o 1º ‘empate’ foi realizado. No início, apenas homens participavam dos ‘empates’, montando barreira
humana para que as máquinas não avançassem e destruíssem a floresta. No entanto, logo mulheres e
crianças foram incluídas nessa causa”.
Durante a realização dos trabalhos do Censo e as rodas de conversas com a comunidade, foi
possível conhecer as várias historias de vida dos integrantes da comunidade. Assim foi com o Sr. Paulo
Gaudêncio e Dona Matilde, sua esposa. Seringueiro aposentado e liderança local, nos seus setenta e sete
anos de idade vive atualmente em Xapuri, mas sempre que pode, está visitando a comunidade, pois lá
estão seus descendentes, filhos, netos e bisneto.
Sr. Paulo chegou ao Acre ainda menino, acompanhando sua família que veio da Bahia. Seu pai,
como muito outros retirantes de outras localidades, lá encontraram trabalho nos seringais. Nasceu em
Feira de Santana/BA e nunca mais voltou para lá. Segundo ele “um dos seus sonhos de vida é rever a sua
cidade natal”.
Experiências etnobotânicas na Reserva Extrativista Chico Mendes 121

Durante os encontros Sr. Paulo relatou suas experiências de trabalhos no seringal e no sindicato
dos seringueiros, sua militância sindical junto aos seringueiros naquele período de conflito. Os riscos que
passou realizando essas atividades, sendo necessário andar armado e sempre em companhia de um
amigo guarda costa.
Com toda essa vida atribulada em uma região de muitas disputas e violência, viveu e criou seus
filhos no seringal, passando a eles todas as informações de seus conhecimentos tradicionais de seringueiro
e profundo conhecedor das plantas da localidade.
Com seus conhecimentos tornou-se mateiro respeitado e curador dos males da saúde humana e
dos animais da comunidade utilizando remédios feitos de plantas.
Devido a seu histórico de vida de interação com a mata se apresenta, como defensor da floresta.
Como líder comunitário, defende a continuidade do sistema tradicional de vida do seringueiro. Estabelecendo
criticas aos planos de desenvolvimento econômico e as políticas públicas de baixo preço da borracha e de
favorecimento ao desmatamento da floresta para a criação de gado.
O território da Reserva é caracterizado por diversos tipos de paisagens - floresta virgem (ainda
sem receber o fogo) – chamada primária; capoeiras; restingas; tabocais; igarapés; Sororocal e quiçaças,
além dos roçados de subsistência das famílias.
Durante as caminhadas de estudos etnobotânicos pode-se conhecer uma grande diversidade de
plantas, em vários estágios de crescimento, muitas novas e velhas Sumaúmas (Ceiba pentandra (L.) Gaernt.),

RESEX Chico Mendes – Xapuri/AC. Caminhadas de estudos etnobotânicos e da paisagem local.


Fonte: Leonardo Lin (2014)
Castanheiras (Bertholletia excelsa Humb. & Bonpl.) e Seringueiras (Hevea brasiliensis Muell. Arg).

Nos roçados, local onde são produzidos os alimentos, cultiva-se todo tipo de plantas de consumo
básico da alimentação das famílias durante o ano.
Tem roças (mandiocas – espécie com muitas variedades) em fase de crescimento e de colheita.
Plantios de várias espécies - arroz, feijão, abóboras, pimentas doces e picantes, milho, batatas doces, frutas,
plantas medicinais e condimentares.
Os roçados são cultivados de forma tradicional que para quem não pertence ao local, trata-se de
santuários ecológicos nunca vistos.
Os solos argilosos tingem de vermelho as roupas e casas. Solos férteis que produzem de forma
acelerada os alimentos, as plantas, as flores e os frutos.
122 Experiências etnobotânicas na Reserva Extrativista Chico Mendes

Nesse espetáculo de natureza viva, nascem e crescem plantas vigorosas, pequenos e grandes
animais.
Correm riachos que formam os Igarapés, pipocam cacimbas e riachos onde mulheres e homens
pescam “o mandi” (Pimelodus sp.), peixe comum na região e vários outros pequenos peixes que fazem
parte da dieta alimentar cotidiana.
De acordo com a seringueira Sra. Raimunda, esposa de Sr. Jose Gaudêncio, “o peixe tem em
abundância, mas, em dias de chuva pega-se pouco”.
Na visita a casa e ao roçado do seringueiro Sr. Davi (apelido - Doca), pode-se saborear um “mandi
frito”, pescado na hora pela Sra. Raimunda no riacho que passa no fundo do quintal. Com o dia chuvoso,
as conversas, as histórias contadas, se desenvolveram no calor do fogão a lenha.
Assim, pode-se conhecer a história de vida de Dona Raimunda. Casada há alguns anos com Sr. Jose
Gaudêncio é mãe de vários filhos, alguns adultos e outros ainda jovens.
Mulher forte, embora de constituição corporal franzina, tem sob seus cuidados um roçado de mais
de dez mil mudas de roça (mandioca) e demais cultivos de alimentos de subsistência.
Com muitas convicções de vida, sindicalizada e de consciência crítica aguçada, relata que as ultimas
diretorias eleitas do Sindicato dos Seringueiros, aumentaram os valores das mensalidades dificultando os
pagamentos por parte dos seringueiros.
Após uma limpeza rápida no chalé enquanto relatava suas histórias, cozinhou o arroz e serviu com
pescado frito, feijão e ovos. Alimentos produzidos ali mesmo no quintal e no roçado do Sr. Doca situado
a poucos metros de distancia.
De sobremesa, Ingás gigantes e doces recém colhidos. Saboreado os ingás e um café quentinho,
realizou-se uma caminhada pelo quintal e roçado, em mais uma atividade de estudos etnobotânicos.
Senhor Doca conduziu a caminhada, sempre muito atento em mostrar a grande variedade
de espécies vegetais cultivadas. Em seu quintal e roçado, além das plantas nativas que nascem
espontaneamente, planta roças de várias variedades (mandioca), e outras diferentes espécies da qual
cita-se algumas encontradas: arroz (03 variedades), feijão (03 variedades), mamão, jerimum, batata-doce,
gergelim, quiabo, inhame-roxo e branco, cará-do-ar e do chão, cana (02 variedades), melancia, gengibre,
taioba-branca e roxa, cabaça (02 variedades), limão, banana, pimentas picantes e doces.
Durante a realização dessa atividade, pode-se constatar a íntima relação que Sr. Doca mantem
com as plantas e os animais da floresta. Vive há muitos anos na localidade, com a idade de setenta e sete
anos cuida de seu roçado e mora sozinho em um simples e acolhedor chalé de madeira.

RESEX Chico Mendes/Xapuri/AC - Sr .Davi (Doca), Seringueiro, Guardião de sementes e mudas de plantas
da floresta (faleceu em 2015). Fonte: Leonardo Lin (2014)
Experiências etnobotânicas na Reserva Extrativista Chico Mendes 123

Apesar da idade avançada desenvolve uma rotina de caminhada de mais de quatro km diariamente.
Todas as noites para não ficar sozinho em seu chalé, dorme na casa da Sra. Raimunda, do Cruel e/ou do
Pedro distante dois km de sua casa.
Caminhadas cotidianas em completa interação com a natureza. De acordo com seus relatos, vai
dormir na casa dos amigos porque tem receio de morrer sozinho durante a noite.
Todas as manhãs volta para seu chalé e para seus afazeres no roçado. Caminha de mansinho,
armado somente com seu terçado, atravessando a mata por picadas estreitas, sem preocupações com os
riscos de ataques de animais perigosos da floresta.
Questionado sobre esses riscos diários que ele enfrenta, o mesmo relatou que não tem medo, que
há alguns anos não usa arma de fogo e não mata nenhum bicho. E que no seu roçado e quintal, mantem
cultivos de plantas nativas e outras mais para que os bichos possam se alimentar. .nesses recantos, os
macacos, os pássaros, as pacas, os veados se fazem sempre presentes.
Guardião da biodiversidade e dono de conhecimentos e sabedorias tradicionais, vive com
simplicidade. Com atitudes em harmonia com a natureza, segue o dia a dia de sua vida costumeira com
muita admiração e respeito da comunidade.
Na realização da atividade da aplicação do Censo com a população da Reserva, o grupo se dividiu
em duas equipes de trabalho e contou com a participação como guias dos seringueiros: Raimundo Nonato
(Sr. Cruel), Sr. Pedro, bem como com a Profa. Alessandra.

RESEX Chico Mendes-Xapuri/AC – uma das equipes de realização do Censo. Fonte: Leonardo Lin (2014)

Profundos conhecedores do território da Reserva e dos meandros da floresta amazônica conduziram


as caminhadas nos rumos a serem percorridos até as localidades onde vivem os moradores.
O Sr. Raimundo Nonato (Cruel), mora na comunidade há muitos anos, seu pai aqui viveu e era
conhecido como Sr. Cruel. Segundo ele, apesar do apelido, seu pai era um bom homem e assim o apelido
continuou na família.
Em tempos de Empates acompanhou de perto os conflitos, os trabalhos sindicais e as lutas dos
líderes locais, os irmãos seringueiros - Paulo Gaudêncio e José Gaudêncio (esse último seu cunhado, casado
com sua irmã, Sra. Raimunda).
Com uma história de vida marcada por experiências de contatos direto com a floresta, pode
contribuir como mateiro guia de forma ativa e efetiva .
Os outros guias dos grupos, Sr. Pedro e a Profa. Alessandra são casados, pais de dois filhos e avós
de um neto. Sempre bem humorado e dono de uma alegria contagiante Sr. Pedro conduziu com facilidade
a equipe pelas jornadas de atividades intensas e longas caminhadas pela floresta, muitas vezes com chuvas
124 Experiências etnobotânicas na Reserva Extrativista Chico Mendes

intermitentes e em lugares de difícil acesso.


Nestas caminhadas relatou que viver na floresta nem sempre foi fácil e que desde muito jovem
serviu de ‘guarda costa’ de seu pai, quando ele ia fazer acertos com o dono da fazenda.
Tinha pouco mais de 12 anos e já andava armado, sempre ficava escondido na mata a poucos
metros de onde meu pai estava acertando os negócios com o fazendeiro.
Segundo ele naquele tempo, não tinha estrada aberta, se alguma pessoa da comunidade ficava
doente era preciso levá-la as vezes em lombo de cavalo e/ou em lençóis amarrados em bambus e
carregada por duas pessoas a pé até Xapuri. Todas as casas da comunidade eram pequenas e modestas,
mas que há alguns anos atrás puderam contar com um programa governamental para construção de
novas casas para os moradores da comunidade. As casas foram construídas com madeiras retiradas
da floresta e beneficiadas localmente.
Contagiante também foi às músicas tocadas e cantadas pelo Sr. José Gaudêncio em seu rústico
bandolim.
Acompanhado de um triângulo e um pandeiro tocado por parentes que vivem na comunidade,
exaltou em versos e em forma de repentes, as histórias sobre a comunidade e da luta dos seringueiros.
Homem franzino, de conversa mansa e de baixo tom, viveu os conflitos e a luta pela conquista
da Reserva. Como sindicalista conheceu outras localidades, sempre em sua jornada política utilizava
seus repentes musicados para levar a consciência sindicalista aos seringueiros. Segundo ele, queria
ser músico reconhecido, mas a vida não deixou e que herdou o dom da música de seu pai.
Viúvo, está casado pela segunda vez com D. Raimunda a alguns anos. Dos dois casamentos Sr.
José Gaudêncio é pai de mais de 15 filhos. Alguns desses filhos já são casados e outros ainda estão
na adolescência. Um filho casado vive na comunidade e é professor de uma escola rural.
Em suas apresentações musicais nos encontros com a equipe, foi possível constatar o talento
e a musicalidade nata. Com suas trovas ritmadas pelo bandolim, o grupo e a comunidade cantaram e
dançaram em celebrações de integração, após os trabalhos de campo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com a utilização da técnica de observação participante, a análise geral dos dados levantados
pelo Censo e a intensa vivencia com a população local, pode-se inferir que a comunidade está em
processo de mudança em seus modos de vidas, com maiores oportunidades de educação e com
diferentes formas produtivas de sobrevivência.
Muitas famílias contam atualmente com subsídios dos programas: bolsa família, bolsa verde,
aposentadorias e auxilio por doença. Essas famílias, de acordo com o Censo, utilizam plantas medicinais
da floresta e plantas cultivadas em quintais como recurso terapêutico.
Pelo questionamento do Censo sobre a condição de participação das famílias em Sindicato e
Associações, constatou-se que menos da metade dos entrevistados estão sindicalizados. Um maior
índice dessa população estão vinculados a Associação dos Seringueiros (AMOPREX).
Em conversas com a equipe, alguns seringueiros disseram estar pensando em organizar uma
Associação Comunitária da Semitumba, para que possam estar mais organizados e fortalecidos na
luta para melhorar as condições de vida e de obter melhores negociações dos produtos da floresta.
Com o preço baixo da borracha há mais de quatro anos e com a falência da Cooperativa,
atualmente estão retirando o látex (leite) da seringueira que é comercializado com uma indústria
instituída pelo governo federal e gestada por uma Associação de Seringueiros. Aindústriaproduz
luvas cirúrgicas e preservativos e está situada em Xapuri. A cada quinze dias são coletados a produção
na comunidade e é quando são realizados os pagamentos do látex entregue anteriormente.
Com a realidade de poucas perspectivas de remuneração com os seringais, as expectativas de
algumas famílias de seringueiros estão voltadas para outras opções de desenvolvimento incentivadas
por programas de governo, a criação de gado e a coleta de sementes nativas para comercialização.
De acordo com as observações e os relatos, embora alguns líderes seringueiros resistam a
esse novo modelo de desenvolvimento, vários jovens seringueiros estão buscando novas experiências
produtivas, muitos deles estão se tornando também criador de gado e como lá dizem “fazendeiros”.
Diante dessas observações e percepções de como vivem essa população tradicional, pode-se
afirmar que muitas inovações estão sendo inseridas no processo de produção de renda. Essas mudanças
estão transformando os aspectos socioculturais e ambientais.
Experiências etnobotânicas na Reserva Extrativista Chico Mendes 125

Sugere-se que, o que vem impulsionando a dinâmica de mudança social é a melhoria ao


acesso a educação. Atualmente a escola da comunidade conta com o ensino médio, assim muitos
jovens que haviam parado de estudar no ensino fundamental, estão retomando seus estudos.
Concluindo, considera-se que a realização desses estudos na comunidade proporcionou uma
maior clareza da percepção sobre os modos de vida desses seringueiros, a atual situação socioambiental
e cultural. Bem como, oportunizou o aprofundamento dos conhecimentos etnobotânicos e a análise
da realidade ecológica da RESEX.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AMÂNCIO, Brenna. Os ideais de proteção ao meio ambiente que conquistaram o mundo. A Gazeta
do Acre (23/12/2013)Consulta realizada em 05/03/2015 - http://agazetadoacre.com/noticias/
especial-chico-mendes/
Experiências etnobotânicas na Reserva Extrativista Chico Mendes 127

A agricultura das famílias seringueiras:


11 caracterização de roçados na Reserva
Extrativista Chico Mendes – Acre.

Cauê Trivellato; Gabriela Silva Santa Rosa Macedo; Gláucia Regina Santos; Lin Chau Ming;
Maria Christina de Mello Amorozo

INTRODUÇÃO
A Reserva Extrativista Chico Mendes está localizada em meio ao bioma amazônico no sul do Estado
do Acre, tendo sido criada em virtude do Dec nº 99.144 de 12 de março de 1990.Vivem nesta unidade
de conservação diversas famílias agricultoras e seringueiras com grande percepção sobre os recursos ali
disponíveis.
A desta populações, ou seja, a percepção humana do meio ambiente, é função dos laços entre
estímulos sensoriais, a estruturação cognitiva da informação e as modulações culturais, produzindo
experiências e valores relativos a este meio ambiente. Existem ainda os processos psicológicos, as tradições
sociais e valores culturais que afetam profundamente a percepção dos indivíduos em relação às espécies
de um dado ecossistema (Garay e Becker, 2006).
Com isso, a partir do conhecimento tradicional, entender as inter-relações dos aspectos políticos é
de grande importância para orientar as políticas de desenvolvimento de atividades extrativistas e agrícolas
de populações tradicionais da Reserva Extrativista Chico Mendes, haja visto que estes aspectos irão interferir
diretamente no manejo dos recursos naturais.
O termo conhecimento tradicional é definido como todo o conhecimento, prática e crença
adquiridas por observação, experiência ou pelo aprendizado com outras pessoas em um determinado local e
compartilhado entre membros de uma comunidade (CHARNLEY; FISCHER; JONES, 2006). Este conhecimento
está intimamente relacionado com aspectos culturais enraizados por longos períodos de interação com a
natureza, e de tal forma, que o uso dos recursos e a utilização do espaço físico evoluíram para uma relação
de conservação e uso sustentável do ecossistema (MARTIN et al., 2010). A forma como esse conhecimento
é transmitido pode se dar em função de fatores como gênero, idade, escolaridade, proximidade de grandes
centros etc (GIRALDI; HANAZAKI, 2010; GANDOLFI; HANAZAKI, 2011).
As comunidades rurais existentes nas Resex´s apresentam ao mesmo tempo influência interna e
externa (FERRO; BONACELLI; ASSAD, 2006). Os fatores internos relacionam-se com conhecimentos de gerações
( na maioria das vezes de tribos já extintas) e que podem possibilitar bases para identificar espécies potenciais
de usos diversos em sistemas agroflorestais (ALTIERI & NICHOLLS 2012; FERRO; BONACELLI; ASSAD, 2006).
Os sistemas agroflorestais são unidades agrícolas mais antigas no uso da terra, nesses sistemas
busca-se a produção de alimentos somada a práticas sustentáveis de manejo de solos, água e demais recursos
naturais (FLORENTINO; ARAÚJO; ALBUQUERQUE, 2007). Porém, fatores externos, como a proximidade de
centros urbanos, modificam a forma como essas comunidades se relacionam com as plantas devido ao
consumo de produtos industrializados (LUNELLI, 2014)
Diversos autores (POSEY, 1979; ALCORN, 1989; MING, 1999; ADAMS, 2000; AMOROZO, 2000;
PERONI & HANAZAKI, 2002; PERONI, 2004; PILLA, 2006) têm descrito e analisado diferentes aspectos da
agricultura tradicional e mostram o papel das populações tradicionais na conservação dos ambientes
naturais e da diversidade genética de plantas cultivadas. Assim, conhecer estes ambientes é fundamental
para o planejamento de pesquisas e/ou projetos/programas de ATER – Assistência Técnica e Extensão Rural.
Nesse panorama atual sob constante influência externa, a pesquisa científica atua como uma
ferramenta que impede com que essas informações sejam perdidas, e podem possibilitar na replicação e
reconstrução de práticas e conhecimentos para comunidades interessadas (GANDOLFI; HANAZAKI, 2011).
Neste sentido, este capítulo apresentará os resultados de um estudo etnobotânico das plantas
128 Experiências etnobotânicas na Reserva Extrativista Chico Mendes

cultivas em dois roçados localizados na Resex Chico Mendes, abordando aspectos de formação e manejo,
espécies cultivadas, calendário agrícola, destino da produção, ferramentas, equipamentos e infraestruturas.
MATERIAL E MÉTODOS

Área de estudo
A Resex Chico Mendes é uma dais maiores Resex’s da Amazônia, com aproximadamente 1.000.000
ha, situa-se no estado do Acre, entre os municípios de Assis Brasil, Senador Guiomard, Xapuri, Brasiléia,
Sena Madureira e Rio Branco (LEITE, 2004) como pode ser observado na Figura 1.
O local apresenta temperatura média anual de 23°C com variações de 17 a 38°C no período frio
e quente respectivamente, e com períodos de seca de 30 a 90 dias (ROCHA, 2004). A precipitação anual
é de 2000 mm (CASTELO, 1999; ROCHA 2004). A altitude varia entre 100 e 200 m acima do nível do mar.
A vegetação é denominada de Floresta Ombrófila Aberta de Terras Baixas com Cipó, Bambu ou Palmeira
(ROCHA, 2004). Segundo Imac (1991) há predomínio de floresta tropical aberta, subdividida em floresta
tropical aberta com bambu (do gênero Guadua), floresta tropical aberta com palmeiras e áreas de floresta
tropical densa.

Figura 1. Localização da Resex Chico Mendes segundo o autor Leite (2004).

Segundo zoneamento de ambientes na RESEX Chico Mendes realizado por Ming (2007) os solos
predominantes: Podzólico Vermelho Amarelo, (PVA eutrófico e PV álico), além de Hidromórfico Gleyzado
Eutrófico (normalmente nas margens dos rios). O relevo é composto por planalto rebaixado da Amazônia
ocidental e depressão do Rio Acre e Javari. É caracterizado por uma plataforma regular, ondulado em vários
locais, sem formação rochosa. Em alguns lugares da Reserva são encontrados aglomerados ferrugínicos,
denominados “canga”, que se constituem na única opção de pedra da região dos Rios Acre e Purus no Estado.
Os seringueiros chamam de “verão” o período da seca e, de “inverno”, o período das chuvas (MING, 2007).
As regiões com grande quantidade de remanescentes florestais geralmente estão associadas
a populações tradicionais que possuem um amplo histórico de interação e conhecimento dos recursos
naturais. Algumas destas populações manejam a biodiversidade há séculos, o que faz com que a cultura
local esteja intimamente associada a plantas e animais. Este processo histórico de interação e adaptação
entre os ecossistemas e populações humanas gera conhecimento sobre espécies, processos ecológicos,
ciclos e fenômenos ambientais que, em conjunto, formam o “saber local” ou “saber ecológico” (VIVAN,
2006). O “saber local” é apontado como adaptativo e responde às mudanças de forma contínua (BERKES
& FOLKE, 2000).
Neste sentido, os seringueiros utilizam outra denominação. Eles dividem a vegetação da reserva em
“mata de terra firme” (predominante e encontrada em áreas não inundáveis), “mata de igapó” (encontrada
em área inundável, próximo às margens de rios e lagos) e “mata de restinga” (onde a vegetação se apresenta
mais aberta, com maior número de árvores pequenas). Além disso, eles reconhecem que parte da floresta
tem predominância da “taboca”, do gênero Guadua, que forma um emaranhado de difícil penetração devido
aos espinhos encontrados nos nós da planta (MING, 2006). Outro tipo de vegetação reconhecido pelos
seringueiros, segundo o mesmo autor, são os “igapós com palmeiras”, regiões mais baixas, inundáveis, onde
se encontram palmeiras conhecidas por açaizeiro (Euterpe precatória Mart.) e pachiúba (Iriartea deltoidea
Ruiz & Pavon) em maiores concentrações.
Populações humanas com diferentes tendências tecnológicas influenciam direta ou indiretamente
o ambiente natural e realizam atividades que resultam no padrão ambiental observado atualmente
(ZIMMERER, 2007). Nesse sentido, o padrão do roçado (Figura 2) pode apresentar a queima da área, o que
pode ser observado pela presença de troncos queimados junto ao solo, caracterizando-a como agricultura
de coivara.

Coleta de informações
Os dados desta pesquisa foram obtidos nos meses de fevereiro de 2013 e de 2015, por meio de
estudantes de pós-graduação em visitas aos roçados de dois moradores da Resex Chico Mendes.
Estas atividades aconteceram como parte da disciplina de Etnobotânica ministrada por Lin Chau
Ming e Maria Cristina de Melo Amorozo, no Programa de Pós Graduação em Agronomia: Horticultura, da
Faculdade de Ciências Agronômicas da UNESP, em Botucatu-SP, em 2013 e 2015.
Experiências etnobotânicas na Reserva Extrativista Chico Mendes 129

Figura 2. Visão frontal do roçado de 2013 e 2015.

No ano de 2013 este estudo foi realizada por meio de uma visita à área de cultivo, processamento,
estocagem de uma família seringueira, utilizando –se a metodologia da observação participante (BERNARD,
1988). Para analisar aspectos de comercialização foram realizadas entrevistas semiestruturadas e entrevistas
abertas, principalmente com o agricultor entrevistado. As entrevistas abertas foram utilizadas em outros
momentos com demais seringueiros, sendo os resultados apresentados ao longo deste capítulo.
No ano de 2015, foram realizadas entrevistas não-estruturadas, e foram coletadas informações
referentes às espécies cultivadas, o método de limpeza da área, dentre outros dados registrados por meio
de imagens fotográficas.
A unidade de estudo é o roçado, local utilizado para denominar a área de plantio, medido em
tarefas, termo local que corresponde a 2500 m², ou seja, ¼ de um hectare. Já a unidade de produção
familiar é denominada localmente como colocação e possui em torno de 300 ha (MACIEL et al., 2010).
Nestas colocações estão inseridas unidades familiares distantes entre si, com delimitações de áreas para
o uso de pastagem de gado, agricultura e de capoeira (CASTELO, 1999).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Etapas de Implantação e espécies encontradas em um roçado


Segundo moradores locais, para se iniciar um roçado, geralmente no mês de Julho, primeiro se
limpa a área com a ajuda de familiares e vizinhos, por meio do processo denominado “brocar”. No trabalho
de Franco et al. (2002) o processo “brocar” é definido como o corte de cipós, árvores finas e vegetação
baixa de uma determinada área sendo realizada pelos homens. Segundo este mesmo autor, a derrubada
ocorre em etapas. No início, retiram-se os “paus finos”, depois os “paus grossos” e, por último, as árvores
de tronco mais duro.
As ferramentas utilizadas são o facão, conhecido como terçado, e/ou com foice (Figura 5). Após
30 dias do processo inicial de brocagem, os seringueiros utilizam a motosserra para derrubar árvores com
maior espessura. Durante cerca de 20 dias deixam as plantas secarem para, posteriormente, queimarem
a matéria seca das árvores derrubadas.
É comum a preferência por mata densa, devido a melhor fertilidade do solo e a menor taxa de
germinação de espécies espontâneas após o plantio. Diferentemente da área de capoeira que, por ter
sido queimada anteriormente, apresenta baixos índices de fertilidade do solo e germinação de espécies
espontâneas maior, devido ao seu uso regular.
Neste momento, valem ressaltar duas observações: (I) A motosserra é utilizada há poucos anos,
sendo que, anteriormente as árvores eram cortadas com machado; e (II) a técnica de queimada pode ser
perigosa, devido ao alto risco de incêndio. No entanto, o acúmulo de experiência das famílias seringueiras
no manejo da mata e do roçado faz com que construam aceiros (capinar uma margem de três metros ao
redor de toda a área a ser queimada, conforme figura 3). Excepcionalmente no inverno, o aceiro não é
realizado, pois o fogo chega a apagar várias vezes durante o processo de queima, devido à alta umidade
natural da floresta.
130 Experiências etnobotânicas na Reserva Extrativista Chico Mendes

Figura 3. Exemplo de aceiro contra fogo

Após estas etapas de limpeza da área o preparo do solo é feito manualmente com o auxílio de
enxadas e enxadões. Para esta atividade, toda a família participa, assim como vizinhos e parentes. Uma
prática comum é a “troca de dia”, também apontado no trabalho de Castro et al. (2009). Não é comum o
pagamento por diárias de trabalho, a unidade de produção é familiar,e, quando há a necessidade de ajuda,
existe uma relação de troca de trabalho entre vizinhos, cujo número de dias trabalhados para o vizinho
equivale ao mesmo número de dias de trabalho do vizinho na outra propriedade.
A atividade de plantio é realizada, tanto a lanço como com o auxílio de plantadeiras manuais de
sementes (Figura 4). Não se realizam adubações extras de plantio nem de produção. A área de cultivo é
trabalhada por oito anos, sendo que, posteriormente a este período, o seringueiro inicia outro roçado ao
lado, geralmente contendo a mesma tarefa.
Neste sentido, as áreas de plantio buscam principalmente a subsistência da família, porém,
dependendo do mercado, o excedente pode ser comercializado. A experiência acumulada pela família do
seringueiro em agricultura possibilita a construção de um calendário mental de atividades pelo agricultor
seringueiro. (Tabelas 1 e 1b)

Tabela 1. Calendário de plantio


Período Atividade
Março – Abril Colheita do arroz e milho
Abril Semeadura do feijão
Junho – Julho Broca do roçado
Setembro Colheita do feijão e limpeza da área e plantio da roça e semeadura do milho
Outubro – Novembro Semeadura do arroz e do milho

Tabela 1b. Calendário de atividades


Meses
Etapas
J F M A M J J A S O N D
Escolha da área para plantio

Limpeza da área (brocar)

Queima
Obs: O plantio ocorre após a queima da área e depois da ocorrência de uma boa chuva
Experiências etnobotânicas na Reserva Extrativista Chico Mendes 131

Figura 4. Plantadeira, terçado, foice e motosserra utilizados no roçado.

Observa-se na tabela 2 e na figura 5, que há a classificação técnica das espécies cultivadas em um


dos roçados estudados, onde se leva em consideração as partes utilizáveis e comercializadas das espécies,
segundo Filgueiras (2008) com modificações. Deve-se considerar que, nesse sistema, há algumas espécies
indesejáveis, sem um uso pela população do seringual, como as tabocas e plantas com espinhos e por isso,
não estão inseridas nesta tabela.
Como pode ser observado, foi registrado uma variedade de culturas próximas a floresta, ou seja, uma
ilha de espécies cultivadas rodeadas por um mar de espécies florestais nativas. As sementes são oriundas
de trocas com a mesma colocação e colocações vizinhas. Neste estudo de caso, o seringueiro cultiva milho,
mandioca, arroz e feijão e, em menor escala, banana.
Observa-se que as hortaliças (frutos, herbáceas e tuberosas) somam 62% das espécies registradas
na referente área. Segundo Filgueiras (2008) as hortaliças são popularmente conhecidas como “legumes e
verduras”, denominação imprópria do ponto de vista agronômico, portanto, neste trabalho serão incluídas a
batata doce, cará, gengibre, inhame, mandioca, melancia e milho verde como hortaliças, apesar da diferente
denominação popular. Segue abaixo, algumas imagens de espécies cultivadas no roçado estudado. (Figuras
6 até figura 17).
Considerações das principais espécies cultivadas no roçado:

O Milho – Zea mays L.


As sementes de milho são oriundas de Alegrete (colocação vizinha). Após a colheita as sementes
são armazenadas em garrafas pet para o plantio nos anos seguintes. Para a escolha de quais grãos serão
utilizados como sementes, os seringueiros identificam espigas com características desejáveis, como a
quantidade/qualidade de grãos, conforme figura 18.

Figura 5. Distribuição segundo a classificação técnica das espécies registradas


132 Experiências etnobotânicas na Reserva Extrativista Chico Mendes

Tabela 2. Classificação das espécies registradas em um roçado


Classificação Nome popular Nome científico Numero de cultivares
Banana Musa sp. 1
Limão Citrus sp. 1
Frutíferas
Mamão Carica papaya 1
Mamuí Carica microcarpa  1
Jambú Spilanthes acmella 1
Hortaliças
Milho Zea mays 4
herbáceas
Taioba * 2
Batata doce Ipomoea batatas 1
Cará Dioscorea sp. 2
Hortaliças
Gengibre Zingiber officinale 1
subterrâneas
Inhame * 2
Mandioca Manihot esculenta 3
Feijão * 3
Gergelim Sesamum sp. 1
Gerimum Curcubita sp. 1
Hortaliças
Maxixe Cucumis anguria 1
fruto
Melancia Citrullus lanatum 1
Pimenta Capsicum sp. 5
Quiabo Abelmoschus esculentus 1
Algodão Gossypium sp. 1
Arroz Oriza sp. 3
Bucha Luffa sp. 1
Outros usos/ Cana-de-açúcar Saccharum sp. 2
Não hortaliças Fumo Nicotiana sp. 1
Milho-de-cobra Taccarum sp. 1
Porunga Lagenaria vulgaris 1
Vinagreira Hibiscous sabdariffa 1
Observações: 1. (*) Apresentam mais de um gênero. 2. Foram eliminados os nomes dos taxonomistas com o objetivo de
vulgarizar os nomes científicos das espécies

Figura 6. Presença de Taioba Figura 7. Vinagreira


Experiências etnobotânicas na Reserva Extrativista Chico Mendes 133

Figura 8. Plantio de milho próximo as árvores nativas Figura 9. Abóbora ou Jerimum

Figura 10. Arroz e entre outros Figura 11. Pimenta de cheiro

Figura 12. Solo da área cultivada após queima Figura 13. Uma das variedades de pimenta

Para a escolha das sementes de milho, cada seringueiro utiliza critérios próprios. No caso do
agricultor entrevistado em 2013, o fechamento total da espiga não é tão importante, uma vez que ele
descarta os grãos da ponta e a base do sabugo que, por sua vez, são destinados à alimentação de porcos
e galinhas. Agricultores com outras experiências consideram o fechamento total da espiga como um fator
importante para a seleção de sementes.
Neste caso, o agricultor apresentou duas variedades diferentes: a branca e a vermelha (nomes
populares). Dentre os aspectos de interesse – propriedades organolépticas, conservação/durabilidade
da semente (Tabela 3) e maior resistência a pragas e doenças - ele faz o opção pela variedade branca. No
entanto, na semeadura, ocorre frequentemente a mistura ocasional com a variedade vermelha, assim como
a biologia floral da espécie e o cruzamento dos gametas.
134 Experiências etnobotânicas na Reserva Extrativista Chico Mendes

Figura 14. Maxixe Figura 15. flor do Gergelim

Figura 16. Jambú Figura 17. Detalhe da flor de Jambú

Figura 18. Agricultor seringueiro apresentando espigas de milho.


Experiências etnobotânicas na Reserva Extrativista Chico Mendes 135

Figura 19. Plantio, colheita, transporte de mandioca – roça, até o local de processamento, (prensa manual,
forno a lenha e raladeira).

Tabela 3. Durabilidade de duas variedades de milho.


Durabilidade da semente armazenada
Milho vermelho 1 ano
Milho Branco 8 meses

A Mandioca – Manihot esculenta Crantz


Há grande presença de variedades de mandioca brava, que nascem em todos os roçados sem serem
plantadas, de forma espontânea. O plantio de manivas desejáveis é realizado com a semeadura de manivas
com três nós no solo. O replantio da roça é feito a partir de manivas de plantas que já estavam na área do
agricultor. Para plantio da maniva é utilizado pedaços com cerca de três nós. O plantio de mandioca, assim
como a colheita é realizado de acordo com a necessidade da família. (Figura 19).
Este alimento se destaca devido às múltiplas formas de processamento e consumo que apresenta
para a comunidade, ou seja, a roça (nome popular da mandioca), é relacionada a diversas características
culturais locais. Através da roça, os seringueiros produzem farinha, tapioca, pé de moleque, bolos, a
consomem cozida e/ou frita, utilizam para trato animal e outras funções sociais da roça para a população
local.

O Feijão – Phaseolus vulgaris L.; Vigna unguiculata (L.) Walp


O feijão é plantado de acordo com a necessidade da família, nas entrelinhas do milho e da roça.
Quando colhido é armazenado num camburão e costuma-se não separar o que vai servir para replantio
do que servirá para alimentação. O camburão é um vasilhame grande, porém, qualquer tipo de recipiente
grande pode ser utilizado, inclusive latas de querosene e óleo. Estas são lavadas e reutilizadas sempre que
136 Experiências etnobotânicas na Reserva Extrativista Chico Mendes

houver a necessidade de uso para armazenar os grãos.


Combina-se o cultivo com o ciclo lunar. A primeira lua nova de abril ou maio é a época de plantio
do feijão. Fora dessa época, acredita-se que a produção fica prejudicada, com poucas plantas com vagem
bem desenvolvida.

O Arroz – Oryza sp.


O plantio do arroz de sequeiro é realizado entre os meses de outubro e novembro e colhido em
março e abril. O plantio é geralmente realizado com o auxílio de toda família, assim como a quantidade
plantada é baseada na necessidade familiar. Assim como as demais culturas, não recebe qualquer tipo
de adubação química e/ou sintética, assim como o uso de agrotóxicos não é realizado pelos seringueiros
entrevistados. A fertilidade do solo é mantida pelo seringueiro através de técnicas agroecológicas como a
rotação de áreas, pousio e o consórcio.
Como cada área é utilizada por aproximadamente oito anos, durante este período, na área em
pousio, há o desenvolvimento de uma capoeira, trazendo nutrientes, descompactando, aerando, gerando
matéria orgânica e ativando a microbiota do solo, recuperando-o, assim, em ternos químicos, físicos e
biológicos.
Outra forma que pode ser identificada de fertilização química do solo é por meio da liberação de
diversos nutrientes (macro e micro) pelo uso do fogo (agricultura de coivara) que, por outro lado, elimina
a serapilheira, que é relacionada à proteção do solo contra erosão hídrica, insolação e ainda pode mortar
a parte biológica do solo.
Embora possa haver esta esterilização biológica pelo uso do fogo (e posteriormente do sol) pode
ser possível inferir que a alta biodiversidade no macroregião (raio de 100 km ao redor, por exemplo) é
suficientemente “equilibrada” para que a resiliência biológica do solo seja extremamente alta.
Para a colheita do arroz podem ser utilizados tanto uma faca quanto um instrumento chamado
de ‘aspa’, ambos feitos pelo próprio agricultor. Consiste num pedaço de metal de zinco ajustado conforme
os dedos indicador, médio, anelar. Os dedos são protegidos com pedaços de tecido antes de ser colocada

Figura 20. “Paiol” de


armazenamento diverso,
tambor de armazenamento,
saco para “bater” arroz e outras
caracterizações.
Experiências etnobotânicas na Reserva Extrativista Chico Mendes 137

Figura 21. Facas artesanais e “aspa”

a aspa. (Figura 21).


Quando o arroz é colhido, ainda no campo, a muqueca (nome popular para o acúmulo de arroz na
mão do seringueiro enquanto colhe) é mantida em um tronco de madeira para secar. Os cachos são cortados
um por um. Caso não seja transportado no mesmo dia para a tuia ou para o galpão de beneficiamento, o
agricultor cobre as muquecas com uma lona para evitar que seja molhado pela chuva.
É necessário que, ao cortar cada cacho de arroz, tenha-se atenção e se certifique que todos os
cachos foram mesmo colhidos e que nenhum caiu no chão. Isso evita que durante o cultivo da próxima
espécie haja germinação indesejada de culturas que já foram colhidas. Quando o arroz “cacheia bem”, o
vento e o peso faz com que a planta tombe e fique deitada no chão, dificultando a colheita. Uma vez que o
arroz é transportado do campo, vai para a secagem completa do “paiol” (casa de madeira para armazenar
os grãos e ferramentas). Estes grãos de arroz servem tanto para a alimentação como para a semeadura.
Para a seleção de sementes parte do arroz é lavado e há uma seleção pela densidade de cada grão.
Ou seja, durante a lavagem os grãos que boiam são retirados e os que afundam são armazenados para
semeadura. No caso dos grãos destinados a alimentação, os grãos são processados pela família seringueira
de acordo com etapas a seguir:
Coloca-se o arroz em um saco para ser batido com o objetivo de ser debulhado. Algumas pessoas
fazem este deblulhamento pisando no arroz, dentro de um saco, ou batendo com uma vara de madeira.
O arroz debulhado é levado para o fogo. Esta etapa de processamento foi adotada, caso o grão de
arroz não esteja seco por ter sido colhido recentemente. Com isso é necessário secar o arroz para continuar
o processamento. Pode-se observar que alguns grãos de arroz estouram como pipoca, podendo ser
consumidos. O arroz fica no fogo por 15-20 minutos para secagem. Em seguida, é necessário esperar esfriar
o arroz para a próxima etapa do processamento, a pilagem, pois estando quente ele se quebra facilmente.
Para a retirada da casca do arroz, o agricultor transporta-o do paiol para o galpão de beneficiamento.
(Figura 20). O beneficiamento pode ser realizado tanto por maquinário específico como manualmente.
A colocação possui uma máquina de descascar o arroz, no entanto, está fora de uso devido à falta de
manutenção. Com isso, a pilagem é feita manualmente, através do pilão e da mão do pilão (Figura 21). É
necessário força e coordenação motora para realizar esta atividade, pois é preciso que a mão do pilão bata
diversas vezes no arroz. Geralmente os homens são responsáveis por esta atividade, no entanto, diversas
mulheres a realizam. Para separar a palha coloca-se o conteúdo em uma peneira e, assim como o café, o
vento faz com que a palha (denominada localmente como xerém) voe e os grãos possam ser selecionados
e armazenados em camburões ou garrafas pet.

Incidência de Insetos, Animais, Doenças, Plantas Espontâneas e Formas de Controle.


Segundo os entrevistados são poucas as incidências de pragas, isto por que há uma diversidade
grande de espécies. É observado apenas um besouro que ataca o feijão, chamado na região de vaquinha,
138 Experiências etnobotânicas na Reserva Extrativista Chico Mendes

Figura 21.
Observação
Participante

sendo controlado, em determinadas e raras ocasiões por algumas famílias com o uso de produtos químicos.
Segundo Ghini e Bettiol (2000) a diversificação do sistema agrícola promove vantagens a proteção,
pois reduz a densidade de espécies vulneráveis além da barreira física proporcionada pelas próprias plantas
que reduzem a propagação do patógeno. O autor Filgueiras (2008) complementa que a coexistência dos
diversos tipos de hortaliça, além de facilitar no controle fitossanitário, manejo do solo e na adubação, pode
também reduzir as perdas econômicas
Embora a incidência de doenças e pragas seja mínima, ocorre o ataque de animais da floresta como
macaco que se alimenta do milho e da capivara no arroz. Devido ao hábito desses animais, o ataque ao
roçado é feito pela manhã e fim da tarde pelo macaco e, à noite, pela capivara. A forma de controle dos
ataques se dá por meio da emissão de ruídos como, por exemplo, o uso de armas de fogo para assustar os
animais. Outra forma de controle é observar o caminho do animal até as plantas e brocar a área, com isso,
o animal para de invadir a área de cultivo ou busca outras entradas seguras.
O controle de plantas espontâneas que possam vir a competir com o roçado é realizado quando
os cultivos estão em fase inicial. No entanto, quando uma área apresenta grande taxa de germinação de
plantas espontâneas que inviabilizem o cultivo no local, realiza-se a troca de área de cultivo.

Destino da produção
O arroz e feijão são destinados principalmente para consumo humano, enquanto o milho é
destinado tanto para consumo humano quanto para a alimentação de animais (galinha e porco). O milho
é consumido de duas formas, verde e processado. O milho verde pode ser consumido in natura, cozido
ou assado e o cuscuz é um exemplo de alimento humano. No entanto, dentre os alimentos cultivados, a
mandioca (comumente denominada de roça pelos moradores locais) se apresenta em maior quantidade
de usos. O consumo pode ser também in natura (cozida e/ou frita), na forma de farinha, beiju, tapioca e
Experiências etnobotânicas na Reserva Extrativista Chico Mendes 139

pé de moleque, assim como também serve para a alimentação animal. É comum a venda de farinha de
mandioca sob encomenda para comerciantes das cidades próximas da Resex, como foi verificado em Xapuri.
O alimento mais comercializado, quando em excedente, é o arroz. Este é vendido tanto para
comerciantes de Xapuri como para vizinhos da colocação. Pode ser vendido pelado (sem casca) ou,
raramente, com casca. Os valores pagos variam de R$: 2,00 sem casca. O arroz com casca é comercializado
quando as famílias estão com estoques baixos de arroz, devido à falta de produção. O agricultor relata que,
às vezes, nenhuma plantação de arroz chega a produzir, tanto na colocação Simitumba quanto em outras
colocações. Isto acontece por condições ambientais, ou seja, falta ou excesso de chuva.
Esta situação acontece da mesma forma com o feijão, caso sobre de um ano para o outro, buscam
vender tanto para comerciantes em Xapuri como para vizinhos. Quando o produto está em falta o preço
comercializado atinge R$: 7,00 o quilo e, na situação inversa – com alta oferta do produto – o valor chega
a R$: 4,00 o quilo. O milho e a roça geralmente não são comercializados.

Divisão do Trabalho do Estudo de Caso Específico


O trabalho de plantio do roçado é feito pelo agricultor, sua esposa e filhos. Costuma-se fazer
mutirões com trocas de dias entre familiares e vizinhos. Desde os sete anos de idade as crianças já começam
a acompanhar os adultos nas tarefas de produção de alimento nas roças, quintais e no interior da mata. As
atividades onde mais se costumam inserir as crianças para início do processo de aprendizagem do manejo e
extração de alimentos são: limpeza do terreno (após a broca), colheita de arroz (para crianças mais velhas),
plantio e manejo de animais.
Para início da colheita o agricultor chega à área por volta das 7hrs e trabalha durante todo o dia
com pausa somente para o almoço por volta do meio dia. Para a área estudada é necessário cerca de 15
dias para a colheita total.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
O sistema agrícola diversificado observado se alinha aos observados em sistemas agroecológicos
e podem auxiliar no planejamento de agroecossistemas, principalmente em locais próximos ao referente
estudo, desde que sejam constatadas as mesmas condições ambientais, econômicas e culturais.
Os seringueiros do Acre têm uma história de pouco mais de um século. Desde o passado com os
seringalistas até o estabelecimento da Reserva Extrativista Chico Mendes, eles têm conseguido manter sua
sobrevivência, ainda que à duras penas, e têm mantido um traço cultural importante, marcado pelo convívio
diário com a floresta, retirando dela seus principais produtos de sustento. Os ambientes reconhecidos e/ou
desenvolvidos por eles e suas formas de manejo constituem parte desse legado cultural. Este conhecimento
tradicional é apenas um passo inicial para melhor entender seu modo de vida e poder contribuir para a
elaboração de projetos de pesquisa e extensão.

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Experiências etnobotânicas na Reserva Extrativista Chico Mendes 143

“Walk-in-the-woods” na Reserva
12 Extrativista Chico Mendes, na
Floresta Amazônica, Acre-Brasil

Hector Alonzo Gomez Gomez; Dimitrio Fernandes Schievenin; Amelcina Balbino Ferreira;
Lin Chau Ming; Maria Christina de Mello Amorozo

APRESENTAÇÃO
Este trabalho teve como objetivo fazer uma caminhada em trilha aberta pelos próprios moradores
da comunidade na Reserva Extrativista Chico Mendes, Colocação Semitumba, no Acre, Brasil. O percurso
foi acompanhado pelos comunitários que descreveram, alguns usos, manejos, as fisionomias e espécies
encontradas. Ao longo do caminho foram achadas diferentes áreas com características muito diferentes;
zonas com alagamento, com muita umidade, igarapés, assim como também floresta com uma altitude
maior que não apresentavam problemas de inundação. Entre as diferentes fisionomias da floresta se
encontraram tabocais, restingas, paxiubão, sororocais, além de alguns roçados dos moradores perto das
suas casas. Entre as espécies mais importantes para os moradores que foram achadas nessa caminhada
tinha a seringa (Hevea brasiliensis L.), castanha (Bertholletia excelsa), a palmeira paxiúba (Socratea exorrhiza
(Mart.) H. Wendl.), o açaí-solteiro (Euterpe precatoria Mart. var. precatória) entre outras espécies.

INTRODUÇÃO
A Amazônia é um território compartilhado por oito países, tem uma área aproximada de 7,4
milhões de km2 e é um dos principais reservatórios de carbono, e uma das áreas de maior biodiversidade de
flora e fauna do planeta; só a parte amazônica legal do Brasil ocupa cerca de 5 x 106 km2, que corresponde
aproximadamente ao 60% do pais (CEPAL, 2013; Wandelli et al. 2015).
Tanto a região brasileira como as dos outros países tem uma grande variedade de diferentes usos,
cada uma com implicações para a floresta, provocando efeito direto na fisionomia e a paisagem natural. A
paisagem é determinado da forma como é percebido pelas pessoas uma área natural, cujo caráter próprio
é o resultado da ação e interação de/ou fatores naturais e humanos (Council of Europe, 2000; CEPAL,
2013).
O estudo da paisagem permite fazer avaliações sobre a variação na estrutura da floresta, além
oferece uma excelente oportunidade para analisar diferenças estre as fisionomias, por exemplo floresta
de terra firme, de terra alta e ou várzeas, que amostram divergências ambientais e traços de história desse
local em especifico (Hawes et al. 2012; Peres et al. 2010).
Cada uma das atividades desenvolvidas tanto ambientais como pelo próprio homem, vai
impulsionar diferenças na biomassa da floresta, zonas inundadas e não inundadas, estes e outros fatores
afetara a fisiologia das plantas e consequentemente ajudará a desenvolver uma vegetação diferenciada.
Assim também como a ocupação humana, tanto com alguns usos ou não usos de estas áreas, por
exemplo áreas protegidas, reservas indígenas, extrativismo, desmatamento, uso para agricultura, rotas de
acessibilidade vem a provocar uma modificação do ecossistema e da paisagem (Hawes et al. 2012; Gibson
et al. 2011).
O foco principal deste capitulo é apresentar as diferentes fisionomias da paisagem na Reserva
Extrativista Chico Mendes, na Floresta Amazônica Acreana, com a visão dos moradores locais, fazendo
ênfases nas espécies vegetais uteis para as comunidades vizinhas.
144 Experiências etnobotânicas na Reserva Extrativista Chico Mendes

MATERIAL E MÉTODOS
Local de estudo
O levantamento foi feito na Reserva Extrativista Chico Mendes, no Estado do Acre, Brasil. A reserva,
foi criada em 1990, possui 970.570 ha de área e abriga cerca de 2000 famílias (BAMA, 2006).

Coleta de dados
Realizou-se uma caminhada em trilha aberta pelos próprios moradores da localidade. O percurso
foi acompanhado por comunitários que descreviam as fisionomias e as diferentes espécies encontradas.

RESULTADOS E DISCUSSÃO
A caminhada iniciou-se por uma área de floresta mais úmida, atravessada por um riacho Figura
1. Através das explicações dos moradores, se conheceu a palmeira paxiúba (Socratea exorrhiza (Mart.) H.
Wendl.), muito usada no passado para ripas na construção de casas tradicionais. Associada a ela, ocorre
também a paxiubinha (Socrotea salazarii H.E. Moore, característico seus muitos espinhos nas raízes
escoras), utilizada para as mesmas finalidades, mas de porte menor. Ambas as palmeiras ocorrem em
vales e grotões mais úmidos, sendo raras nas florestas mais altas (Restinga) ou nos tabocais.
O açaí-solteiro (Euterpe precatoria Mart. var. precatoria) é outra palmeira muito importante para a
comunidade. Semelhante ao conhecido açaí, diferencia-se deste pela presença de um único estipe. Embora
forneça palmito de boa qualidade, a principal finalidade dessa palmeira na comunidade é o fornecimento
do vinho de açaí, feito com a polpa dos frutos. Esta planta ocorre principalmente em florestas de terra
firme (Restinga), embora possa também ser encontrada nas baixadas úmidas.

Figura 1. Riacho na reserva Chico Mendes na colocação “Semitumba”.

A caminhada seguiu para uma área de tabocal, figura 2. Esta formação é composta principalmente
por bambus do gênero Guadua, entremeados por árvores esparsas.
Segundo os moradores, esta fisionomia passa a ocorrer após o abandono do roçado, seguindo
uma trajetória sucessional diferenciada que não culmina em uma floresta madura. Ainda segundo eles, a
colonização pelas tabocas está muito associada à passagem do fogo. Os tabocais também são popularmente
conhecidos como “quiçaça” ou “cacaia”, misturados com cipós formam fisionomias impenetráveis e repletas
Experiências etnobotânicas na Reserva Extrativista Chico Mendes 145

Figura 2. Área de tabocal na Reserva Extrativista Chico Mendes.

Figura 3. Vegetação com aglomerado de palmeiras na reserva Chico Mendes.


146 Experiências etnobotânicas na Reserva Extrativista Chico Mendes

de plantas indesejáveis. Por este motivo, os comunitários evitam converter florestas maduras (Restingas)
em roçado, receando a colonização pelas tabocas, preferindo antes utilizar capoeiras para o cultivo.
Segundo os moradores da comunidade, o ciclo de vida dos bambus dura cerca de 30 anos, quando
então florescem e morrem. Contudo, a posterior rebrota é tão intensa, que não há espaço para uma
eventual colonização por espécies arbóreas. Mesmo assim, algumas espécies são capazes de regenerar no
tabocal, como o mulungo-da-cacaia (Erythrina sp.).
Seguindo a caminhada, se encontrou outras plantas úteis, como a primitiva batata-de-paca. Esta
planta pertence ao gênero Zamia, sendo uma Gymnospermae. Possui uma grande “batata” sob seu caule,
utilizada pela comunidade no alívio de picadas de insetos e serpentes.
A rota chegou então a uma roça abandonada. Ao contrário do esperado, a regeneração natural na
área não estava seguindo a trajetória de um tabocal, mas sim de uma fisionomia florestal fechada (Restinga).
Ocorriam em alta densidade indivíduos dos gêneros Cecropia e Pourouma (Urticaceae), além de uma
espécie do gênero Malva (Malvaceae), segundo os moradores a malva dá “envira” (corda), deixa de molho
na água e depois de 5 a 6 dias a casaca se solta, deixando a parte de dentro que usam para amarrações,
dificilmente se dá em mata bruta, só em área de roçado. Abaixo deste dossel, estavam outras espécies
regenerando, como o limãozinho (Zanthoxylum sp., Rutaceae), possuidora de óleo essencial, plantas do
gênero Passiflora (Passifloraceae) e importantes palmeiras. Dentre estas, se pode citar o auricuri (Attalea
sp.), cujo fruto é usado na alimentação e a palha na confecção de artesanatos, o murmuru (Astrocarium
sp.) e a jarina (Phytelephas macrocarpa Ruiz & Pav.), conhecida como marfim vegetal, bastante utilizada
na fabricação de biojóias.
Seguindo adiante, na mesma capoeira, se achou uma antiga tentativa de enriquecimento com
seringueiras (Hevea brasiliensis L.). O processo de semeadura ocorreu no oco de tabocas. Elas foram
plantadas em meio à densa regeneração e, por isso, não se desenvolveram satisfatoriamente. Por este
motivo, os moradores da comunidade não se entusiasmam muito com a ideia de aumentar o número de
seringueiras em suas florestas por meio desta técnica.
Cada vez que a trilha chegava a uma região de baixada (baixio), atravessada por cursos d’água, a

Figura 4. Manejo madeireiro na reserva Chico Mendes.


Experiências etnobotânicas na Reserva Extrativista Chico Mendes 147

Figura 5. Fisionomia de Floresta Ombrófila Aberta com Sororoca, o Sororocal.

Figura 6. Roçado na colocação “Semitumba” na reserva Chico Mendes.


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vegetação convertia-se em um aglomerado de palmeiras, figura 3, (notadamente o paxiubão característico


por ter poucos espinhos nas raízes.). Nestas regiões, ocorre alagamento periódico no período chuvoso.
Ao sair dos grotões, a vegetação convertia-se em floresta alta, conhecida por “Restinga” na região.
Esta sim, semelhante às demais formações florestais amazônicas, com árvores altas e regeneração natural
arbórea, com uma estrutura próxima do “j-reverso”. Nesse tipo de fisionomia, ocorrem as grandes árvores
como a cerejeira (Amburana acreana (Ducke) A. C. Smith) da família Fabaceae, a maçaranduba (Manilkara
sp., Sapotaceae). Nestas áreas, é comum o manejo madeireiro por parte dos comunitários Figura 4.
Outras espécies ocorrentes nesta fisionomia são o novateiro (Triplaris sp., Polygonaceae) e o cipó
escada de jabuti (Bauhinia sp., Fabaceae), utilizada localmente no tratamento de hemorróidas (chá da
entre-casca).
Em outras áreas, um tipo de Floresta Ombrófila Aberta pode também ocorrer: o Sororocal (área
com terra úmida), figura 5. A fisionomia é formada por árvores espaçadas entremeadas por sororocas
(termo genérico utilizado para plantas do gênero Heliconia e Aráceas).
A caminhada terminou na casa e roçado de um dos moradores. Os cultivos eram muitos variados,
com plantas de várias espécies convivendo lado a lado, além de variedades de uma mesma espécie. O
roçado foi estabelecido no sistema de “corte e queima”. À volta do roçado, um pomar de ingás (Inga
macrophylla Humb. & Bonpl.) fazia a festa das crianças.
Apesar da grande quantidade de plantas descritas durante a caminhada, tanto pelos moradores
locais, houve comprometimento de parte dos dados coletados devido à uma forte e agradável chuva que
persistiu durante todo o trajeto.
Ainda assim, é notável o grande saber popular dos moradores da Resex Chico Mendes,
especialmente os mais velhos, quanto às espécies e seus usos. A Floresta Amazônica como bioma abriga
diferentes fisionomias, o que certamente contribui para seus altos índices de biodiversidade.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVÁEIS – IBAMA.
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