Você está na página 1de 6

3.

A TEORIA DO CONHECIMENTO NA REPÚBLICA



No livro VI da República, a exposição da teoria do conhecimento é, ao mesmo tempo, a
exposição da separação e diferença entre o sensível e o inteligível, cada qual com seus modos
de conhecer hierarquicamente distribuídos. Agora, em lugar de os modos ou graus de
conhecimento se relacionarem por "fricção", vão sendo superados uns pelos outros, num
caminho ascendente ou ascensional.
Platão apresenta os modos ou graus de conhecimento distribuídos em um diagrama dividido
em duas partes desiguais, isto é, uma delas é maior do que a outra. A parte dita inferior é
chamada de "o visível" (corresponde ao mundo sensível) e é menor do que a parte dita
superior, chamada de "invisível" (corresponde ao mundo inteligível). A primeira parte é o
mundo físico e ético percebido por intermédio da aparência sensível das coisas; a segunda
parte é o mundo das ideias puras, apreendido exclusivamente pelo pensamento.
Diferentemente do que se passa na Carta sétima, em que Platão distingue modos de conhecer
e a coisa em si mesma, na República, a cada modo ou grau de conhecimento corresponderá
um tipo de objeto ou de coisa, de tal ma1neira que, em cada um deles, o filósofo nos mostra
qual é a ação cognitiva realizada pelo corpo e pela alma (ou só pela alma, nos modos ou graus
superiores) e quais são os objetos correspondentes a cada uma dessas atividades cognitivas.

Como se observa, o inteligível tem uma extensão muito maior do que o sensível, ou seja, a
separação platônica das duas esferas de conhecimento e de realidade introduz uma diferença
de extensão entre elas, o que pode ser visto se usarmos uma figura proposta por Platão e
conhecida com o nome de "símile da linha":

AB = totalidade da realidade
AG = sensível
GB = inteligível
Agora, devemos incluir uma divisão em cada um dos mundos, correspondente a diferentes
modos de conhecimento de cada um deles:

Platão estabelece uma proporção entre esses quatro modos de conhecimento, segundo a
extensão de cada um deles, ou seja, a extensão da imagem é menor do que a da opinião, no
mundo sensível, e a extensão do raciocínio é menor do que a da intuição, no mundo inteligível,
de tal maneira que a imagem está para a opinião assim como o raciocínio está para a intuição:
AD/DG = GE/EB
Platão designa o conhecimento por imagens com o termo eikasía; e por opinião, pístis e
dóxa. Designa o conhecimento por raciocínios dedutivos ou demonstrativos, isto é, o
pensamento discursivo, com o termo diánoia; e a intuição intelectual, nóesis. Assim, AD é a
eikasía; DG é a pístis/dóxa; GE é a diánoia; e EB é a nóesis.
O símile da linha também costuma ser representado por diagrama, no qual se vê a distância
entre cada um dos modos de conhecimento e os objetos correspondentes a cada um deles,
notandose que a extensão do inteligível é maior do que a do sensível e que a distância entre a
dóxa e a diánoia é maior do que entre a eikasía e a dóxa e do que entre a diánoia e a nóesis. A
distância entre a dóxa e a diánoia é menor do que entre a diánoia e a nóesis porque o
conhecimento por raciocínio ainda opera com dados provenientes da sensação e da opinião:

Noésis; epistéme
Intuição
intelectual ou
ciência intuitiva
Eidos ou Ideia

Diánoia
Raciocínio ou
pensamento discursivo
Matemática

Pístis ou dóxa
Crença ou opinião
Coisas sensíveis

Eikaísa
Imagens das coisas
sensíveis; cópias

O primeiro grau é o simulacro ou a simulação, a eikasía*, palavra da mesma raiz de eikón


(imagem, ícone), indicando aquelas coisas que são apreendidas numa percepção de segunda
mão, isto é, são as cópias ou as imagens de uma coisa sensível, como os reflexos no espelho ou
na água, as narrativas dos poetas, as pinturas, as esculturas e as imagens na memória. Esse
primeiro nível ou modo de conhecer costuma ser chamado pelos comentadores de imaginação,
entendida como conhecimento por imagens, as quais são cópias da coisa sensível. Assim, a
poesia, a pintura, a escultura, a retórica pertencem a esse nível mais baixo do conhecimento
porque nos oferecem uma imagem da coisa sensível e não a própria percepção da coisa
sensível. A eikasía é uma conjetura feita a partir dos reflexos e das cópias das coisas sensíveis.
O segundo grau é a pístis*(crença) ou a dóxa* (opinião), isto é, a confiança ou fé que
depositamos na sensação e na percepção ou a opinião que formamos a partir das sensações e
do que ouvimos dizer. É um conhecimento necessário para o uso da vida cotidiana, tendo por
objeto as coisas naturais, os seres vivos, os artefatos etc. É a opinião acreditada sem
verificação; conhecimento que não foi demonstrado nem provado, mas passivamente aceito
por nós pelo testemunho de nossos sentidos, por nossos hábitos e também pelos costumes nos
quais fomos educados. É uma crença que se conserva enquanto funcionar na prática da vida
cotidiana ou enquanto uma outra, mais forte, não a contradisser ou a puser em dúvida. Varia
de pessoa para pessoa, de sociedade para sociedade, de época para época. É subjetiva tanto
porque depende das condições de nosso corpo e de nossa alma durante as sensações como
também porque é adquirida por costume ou por convenção, podendo mudar se mudarem os
costumes e as convenções.
O terceiro grau é a diánoia*, palavra composta de día, divisão, separação, distinção, e nóia,
vinda do verbo noéo, compreender pelo pensamento. É o raciocínio, que separa e distingue
argumentos ou razões para realizar uma deducão ou demonstração; é o raciocínio discursivo
ou aquele que opera por etapas sucessivas de arranjo e disposição de argumentos para chegar
a uma conclusão justificada. A diánoia é o conhecimento dos objetos matemáticos (aritmética,
geometria, estereometria, música ou harmonia, astronomia, tudo quanto se refere a estruturas
proporcionais estáveis e conhecidas pela razão). As matemáticas surgem, assim, como um tipo
de conhecimento que nos permite passar da aparência das coisas (imagem e crençaopinião) a
um primeiro contato da inteligência com a essência delas. Mas ainda não são o modo superior
de conhecimento ou filosofia. Duas de suas características principais explicam por que não são
elas o ponto mais alto do conhecimento. Em primeiro lugar, o matemático precisa representar
ou ilustrar sensivelmente seu objeto por meio de linhas, pontos, traços, superfícies, volumes e
diagramas; embora seu objeto seja puramente ideal e não material, para compreendê-lo o
matemático ainda precisa recorrer a representações sensíveis ou a imagens (como mostrou o
exemplo do círculo na Carta sétima). Em segundo, cada ramo das matemáticas começa pela
admissão de princípios não questionados nem demonstrados, isto é, axiomas, postulados e
definições, cuja verdade é assumida sem que sua causa seja conhecida. Os matemáticos
partem de certas afirmações ou suposições que funcionam como princípios indemonstráveis
de suas demonstrações (par, ímpar, ângulo, ponto, linha, comprimento, largura, altura,
volume, figura, "O todo é maior do que as partes", "A linha é constituída por pontos", "A reta é
a menor distância entre dois pontos", "O triângulo tem três lados", "No círculo as
extremidades são equidistantes do centro" etc.). Em outras palavras, a diánoia é o pensamento
que opera hipoteticamente, por raciocínios que concluem de modo correto e verdadeiro a
partir de definições e de premissas não demonstradas, isto é, de hipóteses (é o conhecimento
que, séculos mais tarde, será denominado hipotéticodedutivo). No entanto, as matemáticas
têm lugar proeminente na teoria dos graus do conhecimento por várias razões. Antes de mais
nada, porque embora representem sensorialmente números, figuras e operações, os
matemáticos sabem que as imagens empregadas não são os próprios objetos matemáticos
conhecidos pelo pensamento — distinguem, portanto, sensação e inteligência. Além disso, os
objetos matemáticos, ao contrário das coisas sensíveis e de seus simulacros, não estão
submetidos ao fluxo do devir ou ao movimento, mas permanecem idênticos a si mesmos e não
toleram a contradição — as matemáticas, portanto, ensinam a exigência intelectual ou lógica
da identidade, da não contradição e da concordância do pensamento consigo mesmo. Eis por
que Platão as considera "ciências despertadoras" ou o passo decisivo para superar os graus
inferiores do conhecimento e alcançar o grau mais alto.
O quarto grau ou quarto modo é a epistéme* (ciência, isto é, saber verdadeiro), palavra da
mesma família do verbo epístamai que significa saber, pensar, conhecer, no sentido de algo
adquirido e possuído (ter um saber, ter um conhecimento). Mas o quarto modo é também
nóesis* (ação de conceber uma coisa pela inteligência ou pelo intelecto, ato intelectual de
conhecimento), palavra que, como nóia e noûs, é derivada do verbo noéo (compreender pelo
pensamento, inteligir). Esse nível, o mais alto, é o que conhece a essência, designada por
Platão com a palavra eîdos*, a forma inteligível, a ideia, a verdade incondicionada. A dialética
é o movimento que permite à alma, subindo de hipótese em hipótese, chegar ao não
hipotético, isto é, ao não condicionado por outra coisa, ao que é verdadeiro em si e por si
mesmo, à ideia como princípio de realidade e de conhecimento. Pela força do diálogo, diz
Platão, o raciocínio puro toma as hipóteses como tais e não como se fossem princípios, isto é,
toma as hipóteses como pontos de apoio para elevarse gradualmente ao não hipotético, aos
princípios puros. Aqui, o pensamento alcança exclusivamente naturezas essenciais, formas
inteligíveis, indo de umas a outras sem nunca recorrer ao raciocínio hipotético, nem recair na
opinião ou no simulacro. A nóesis é a intuição ou visão intelectual de uma ideia ou de relações
entre ideias; é o contato direto e imediato da inteligência com o inteligível. A epistéme é o
conhecimento adquirido por meio dos atos de intuição intelectual ou das várias nóesis. Nela, o
pensamento, contemplando diretamente as formas ou ideias, conhece a causa ou a razão dos
próprios conhecimentos, pois alcança seus princípios.
Como observamos, Platão estabelece uma correspondência total entre o modo de conhecer,
isto é, a operação realizada pela alma, e a natureza do objeto conhecido: na eikasía, a
atividade cognitiva é a percepção indireta de alguma coisa e o objeto conhecido é uma
sombra, um reflexo, uma imagem deformada e ilusória da coisa sensível; na pístis ou dóxa, a
atividade cognitiva é a sensação e o ouvir dizer e o objeto conhecido é a coisa sensível
percebida ou ouvida; na diánoia, a atividade cognitiva é o raciocínio discursivo e o objeto
conhecido é uma idealidade, mas que ainda precisa de representação imagética e do
movimento sucessivo do raciocínio ou da dedução; na nóesis, a atividade cognitiva é a intuição
direta e o objeto conhecido é ideia pura, a forma inteligível apreendida diretamente pela
inteligência, bem como as relações entre ideias. Esse último grau de conhecimento encontra a
causa ou a razão da existência e da verdade do objeto conhecido e por isso nele a alma
alcança a epistéme. É essa correspondência entre a atividade cognitiva e a coisa conhecida
que, na Carta sétima, Platão chamara de afinidade da alma com o conhecido. Em outras
palavras, graças à distinção inicial entre as atividades da alma e as coisas conhecidas por ela,
Platão pode, a seguir, demonstrar aquilo que os pré-socráticos simplesmente admitiam sem
saber por quê: a alma e o conhecido são de mesma natureza.
Quando a alma conhece por meio do corpo — no primeiro e segundo graus do conhecimento
—, a coisa conhecida também é corporal; quando a alma conhece deduzindo uma coisa de
outra — nas matemáticas ou na diánoia —, a coisa conhecida também é constituída de partes
ou de elementos que precisam ser agrupados, reunidos, distinguidos (lados, ângulos,
dimensões, pontos, linhas retas, linhas curvas, par, ímpar, limitado, ilimitado, relações
proporcionais, derivação de uma coisa geométrica a partir de outras etc.); quando a alma
conhece por si mesma, como inteligência pura ou intuição intelectual pura, o objeto é a pura
ideia ou a pura forma, uma unidade perfeita que não pode ser decomposta em partes e que
não é conhecida por distinção e reunião de partes, e sim em sua integridade perfeita. Essa
correspondência entre a natureza do objeto, a operação de conhecimento e a alma é o que
leva Platão a afirmar que a alma participa da natureza do objeto conhecido e que pode
conhecê-lo porque é de mesma natureza que ele. Em outras palavras, nos pré-socráticos e no
Sócrates dos diálogos de juventude, a identidade de natureza entre aquele conhece e aquilo
que ele conhece estava pressuposta, mas em Platão essa identidade é demonstrada: graças à
distinção inicial entre atividade cognitiva e objeto conhecido, demonstrase que aquele que
conhece e o conhecido por ele são de mesma natureza (tudo — quem conhece e o que é
conhecido — é sensível, na eikasía, na pístis e na dóxa; uma parte é sensível e outra é
inteligível, na diánoia; tudo é inteligível na nóesis ou epistéme). Essa participação da alma na
natureza da coisa conhecida é o que, no Banquete, recebe o nome de Eros ou amor e por isso
ali é feita a distinção entre dois amores, o amor pelo perecível e o amor pela forma boabela.
Como a Carta sétima, a República também enfatiza o caráter dinâmico do conhecimento,
mas em vez de uma espécie de salto repentino (a "faísca"), Platão agora sublinha o movimento
de passagem de um grau para outro. Como é possível a passagem? Por meio da dialética. A
tarefa desta é fazer com que, graças à descoberta das contradições encontradas num grau de
conhecimento inferior, se possa passar para o seguinte (passar da eikasía para a pístis ou dóxa
e desta para a diánoia). No caso dos graus superiores, a tarefa da dialética é fazer a alma
passar de hipótese em hipótese (diánoia) até a visão intelectual (nóesis) do não hipotético e
incondicionado, o eîdos. Por ser passagem, a dialética é a educação da inteligência, uma
pedagogia (paideía) do espírito que o prepara para contemplar o ser ou a Verdade. Para
prepará-lo para essa contemplação, a pedagogia platônica educa por meio das matemáticas:
pela aritmética, ciência do cálculo que introduz homogeneidade e estabilidade nas coisas,
corrigindo as aparências sensoriais; pela geometria, ciência dos entes imutáveis; pela
astronomia, ciência dos sólidos no espaço ordenado e perfeito (os céus realizam o movimento
mais próximo da imobilidade, ou seja, o movimento circular, eterno, sem começo e sem fim); a
música, ciência da harmonia ou da medida como proporção rigorosa. As matemáticas, ciências
da ordem, medida e proporção inteligíveis, educam o intelecto para desligarse da
multiplicidade móvel das imagens, percepções e opiniões sensíveis.
A dialética é uma técnica cujas principais características podem ser assim resumidas:
1) é a arte de conduzir uma discussão (isto é, um lógos dividido em dissói logói) para captar
as contradições e os desvios que perturbam o caminho de chegada a uma definição coerente e
universal de uma coisa tomada em si mesma; ou seja, é um processo de depuração da
linguagem e do pensamento;
2) é o método filosóficocientífico para desenvolver o conhecimento por meio de perguntas e
respostas; isto é, para buscar aquilo que não se sabe;
3) é o método para que a alma racional consiga apreender intelectual e conceitualmente
uma realidade, captando sua essência ou forma ou ideia;
4) é o método pelo qual a razão ou o pensamento, superando a divisão dos dissói logói, entra
em contato direto e imediato com seu objeto, alcança o lógos, isto é, o ser inteligível ou a
forma real do objeto, o eîdos;
5) é uma atividade que se realiza em duas etapas: a primeira, inferior, opera com as
contradições das opiniões e crenças, isto é, com a multiplicidade sensível móvel e dispersa; a
segunda, superior ou verdadeira dialética, opera ultrapassando demonstrações baseadas em
hipóteses, isto é, a multiplicidade ordenada e sistematizada pelas matemáticas, para alcançar
o incondicionado, a unidade da forma inteligível;
6) difere das matemáticas porque estas, além de operar hipotética e dedutivamente, operam
com relações entre elementos ou entre partes, enquanto a dialética superior alcança a
essência mesma da coisa em sua unidade e integridade indecomponíveis (a bondade, a beleza,
a justiça, a virtude, o amor, em si mesmos);
7) como verdadeira dialética ou dialética superior, é uma atividade que somente pode ser
exercitada por aqueles que conhecem as matemáticas, pois seu ponto de partida são as
hipóteses ou proposições matemáticas. Isso não significa que os objetos ou ideias da dialética
superior sejam os mesmos que os das matemáticas e sim que somente quem aprendeu a
pensar matematicamente está preparado para pensar dialeticamente. As matemáticas são o
treino intelectual para a dialética superior. Em outras palavras, somente quem aprendeu a
pensar por meio de axiomas, postulados, definições, teoremas, problemas e deduções
rigorosas está preparado para a dialética superior;
8) sobretudo, a dialética é a técnica perfeita da alma, comparável à medicina para o corpo.
Uma técnica, vimos, é um saber especializado capaz de concretizar algo que existia apenas
potencialmente numa coisa qualquer (é atualizar a dýnamis) e na mente de alguém (é fazer
passar à obra o que estava no espírito do técnico), e é a passagem de um estado de privação a
um outro de aquisição de uma qualidade conforme à natureza da coisa. Assim como a
medicina é a técnica que concretiza a possibilidade de saúde para um corpo doente, fazendoo
passar da privação de saúde à aquisição dela como aquilo que é conforme à natureza do
paciente, assim também a dialética é a técnica que concretiza a possibilidade do
conhecimento verdadeiro para a alma ignorante, fazendoa passar da privação de saber à
aquisição dele porque a sabedoria é conforme à sua natureza. A tékhne concretiza uma
dýnamis: a dýnamis (potencialidade) da alma é o conhecimento e a dialética, a tékhne que
atualiza o que era apenas possibilidade. Por isso, a dialética difere da retórica, pois em vez de
violentar a alma, impondolhe opiniões, opera para que a alma, por si mesma, realize ou
concretize plenamente sua natureza.

4. O MITO DA CAVERNA

Para explicar o movimento de passagem de um grau de conhecimento para outro, no Livro


VII da República, Platão narra o Mito da Caverna, alegoria da teoria do conhecimento e da
paideía platônicas. Para chegarmos a ele, precisamos retomar, noutro nível, a exposição da
teoria do conhecimento que fizemos acima, pois nossa versão deixou de lado a beleza, a
dramaticidade e as metáforas que tecem o Livro VI da República.
Para dar a entender ao jovem Glauco o que é e como se adquire o conhecimento verdadeiro,
Sócrates começa estabelecendo uma analogia entre conhecer e ver.
Todos os nossos sentidos, diz Sócrates, mantêm uma relação direta com o que sentem. Não é
esse, porém, o caso da visão. Para que a visão se realize, não bastam os olhos (ou a faculdade
da visão) e as coisas coloridas (pois vemos cores e são elas que desenham a figura, o volume e
as demais qualidades da coisa visível), mas é preciso um terceiro elemento que permita aos
olhos ver e às coisas serem vistas: para que haja um visível visto é preciso a luz. A luz não é o
olho nem a cor, mas o que faz com que o olho veja a cor e que a cor seja vista pelo olho. É
graças ao Sol que há um mundo visível. Por que as coisas podem ser vistas? Porque a cor é
filha da luz. Por que os olhos são capazes de ver? Porque são filhos do Sol: são faróis ou luzes
que iluminam as coisas para que se tornem visíveis. A visão é, assim, uma atividade e uma
passividade dos olhos. Atividade, porque é a luz do olhar que torna as coisas visíveis.
Passividade, porque os olhos recebem sua luz do Sol.
Conhecer a verdade é ver com os olhos da alma ou com os olhos da inteligência. Assim como
o Sol dá sua luz aos olhos e às coisas para que haja mundo visível, assim também a ideia
suprema, a ideia de todas as ideias, o Bem (isto é, a perfeição em si mesma) dá à alma e às
ideias sua bondade (sua perfeição) para que haja mundo inteligível. Assim como os olhos e as
coisas participam da luz, assim também a alma e as ideias participam da bondade (ou
perfeição) e é por isso que a alma pode conhecer as ideias. E assim como a visão é passividade
e atividade do olho, assim também o conhecimento é passividade e atividade da alma:
passividade, porque a alma precisa receber a ação das ideias para poder contemplá-las;
atividade, porque essa recepção e contemplação constituem a própria natureza da alma.

Você também pode gostar