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Belo Horizonte
Escola de Música da UFMG
2013
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2 FISIOLOGIA DA VOZ
Este segundo capítulo tratará da fisiologia típica de um homem não castrado que
cante nos registros de contralto e/ou soprano (contratenor) utilizando-se de falsetes.
O foco principal desta pesquisa remete ao universo do canto lírico, não excluindo
outras manifestações artísticas nem as enquadrando sob uma ótica excludente.
Como já mencionado anteriormente, os contratenores geralmente podem cantar
utilizando o registro modal de suas vozes, ou seja, com as qualidades vocais e
tessitura de uma voz masculina, a qual tenha se alterado normalmente pela muda
vocal. Os mecanismos e ajustes fisiológicos utilizados para o alcance das notas
referentes aos registros agudos (soprano e/ou contralto) também serão aqui
abordados. Para nortear este capítulo, segue aqui um breve esquema de revisão da
literatura acerca da fisiologia da voz.
• Sistema respiratório;
• A laringe;
• Os ressonadores (pavilhão faringobucal e cavidades anexas).
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Fonte: ZEMLIN, Willard R. Princípios da anatomia e fisiologia em fonoaudiologia. (2000).
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Fonte: <http://www.cabuloso.com/Anatomia-Humana/>. Acesso em 05/09/2011.
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2.1.2 A LARINGE
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Fonte: <http://adam.sertaoggi.com.br/encyclopedia/body_parts/laringe.htm>. Acesso em
05/09/2011.
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Fonte: Vocal Parts Brasil, CD interativo.
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Fonte: ZEMLIN, Willard R. Princípios da anatomia e fisiologia em fonoaudiologia. (2000).
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O pomo-de-adão é uma saliência do osso hióide, junto à laringe, um dos órgãos envolvidos no
processo da fala. Esse crescimento é determinado por hormônios masculinos, principalmente a
testosterona. Como esses hormônios, em geral, só são encontrados em grandes quantidades no
organismo dos homens, principalmente na fase da puberdade, apenas estes apresentam o pomo.
(Fonte: Super Abril, <http://super.abril.com.br/superarquivo/1991/conteudo_112858.shtml>).
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Fonte: <www.portalsaofrancisco.com.br>. Acesso em 08/10/2011.
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Fonte: <www.jorgebastosgarcia.com.br>. Acesso em 15/12/2011.
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Fonte: ZEMLIN, Willard R. Princípios da anatomia e fisiologia em fonoaudiologia. (2000).
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........o movimentos das cartilagens aritenóides para frente também possa ocorrer.
........Em D, o movimento para frente é restringido pelo ligamento cricoaritenóideo
........posterior e pela ação antagonista do músculo cricoaritenóideo posterior, e a
........ação combinada dos três músculos resulta em aproximação firme dos
........ligamentos e das pregas vocais.
Pode-se esperar que um indivíduo com freqüência habitual em torno dos 131 Hz
(Dó2), abranja uma extensão vocal para o canto de 73 Hz (Ré1) a aproximadamente
523 Hz (Dó4), podendo-se estender até 1046,5 Hz (Dó5), pois segundo o mesmo
autor, “a freqüência habitual está perto dos limites inferiores da extensão vocal”39.
Um aumento na tensão e uma diminuição na massa das pregas vocais são os
principais responsáveis pela elevação da freqüência, o que significa:
Para produzir freqüências próximas dos extremos vocais, e para facilitar suas
alterações rápidas, uma parte da musculatura extrínseca40 e complementar pode ser
solicitada. A laringe comumente se eleva e abaixa durante a fonação de freqüências
agudas e graves, e isso ocorre muito mais em alguns indivíduos do que em outros.
Essas alterações rápidas na posição da laringe são realizadas pelos músculos
elevadores e depressores da laringe, e pela musculatura complementar que se liga
ao osso hióideo (figura 9).
39
Ibid, p. 177.
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Musculatura responsável por posicionar e sustentar a laringe. É formada pelos músculos
esternotireóideos, tiro-hióideos e o músculo constritor inferior da faringe. (ZEMLIN, 2000, p. 139).
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Fonte: NETTER, Frank H.. Atlas de Anatomia Humana, 2000.
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Fonte: ZEMLIN, Willard R. Princípios da anatomia e fisiologia em fonoaudiologia. (2000).
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Fonte: NETTER, Frank H.. Atlas de Anatomia Humana, 2000.
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2.1.3.2 A orofaringe
Os pilares anteriores do véu do palato, por trás das quais podemos ver as
amígdalas, formam juntamente com a base da língua, uma espécie de estreitamento
chamado istmo da garganta. À frente do istmo da garganta situa-se a boca e atrás, a
faringe. (LE HUCHE & ALLALI, 1999).
O termo registro vocal, se refere a uma faixa de extensão vocal na qual a voz
apresenta qualidade sonora homogênea. Popularmente, fala-se de inúmeros
registros vocais, mas segunda literatura especializada, iremos aqui nos ater
basicamente a três deles: fry, modal (subdivididos em peito, médio e cabeça) e
falsete. (CRUZ, 2006).
O fry (ou registro basal) é o registro mais grave da voz, tendo uma sonoridade pobre
em volume e de fácil identificação perceptiva, pois durante sua emissão é possível
ouvir os pulsos da vibração e em observação laringoscópica, as pregas vocais se
mostram encurtadas, grossas e com uma imagem de “bolha dupla” à
laringoestroboscopia. Tal registro tem sido alvo de estudos de vários especialistas, e
muitas são as divergências fisiológicas, acústico-perceptivas e até de terminologia
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Fonte: ZEMLIN, Willard R. Princípios da anatomia e fisiologia em fonoaudiologia. (2000).
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O registro modal inclui a extensão de alturas que normalmente são utilizadas na fala
habitual e no canto. Por ser o maior de todos os registros, é geralmente subdividido
em três categorias: peito, misto e cabeça, também chamados respectivamente de
registro modal grave, médio e agudo. As freqüências aproximadas desse registro
estão entre 80 e 560 Hz, e por sua importância, as subcategorias peito e cabeça são
comumente designadas como registro de peito e registro de cabeça, embora não
apresentem bases fisiológicas, perceptivas e acústicas que permitam diferenciá-los
em dois registros propriamente ditos. (BEHLAU & PONTES, 1995).
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Fonte: ZEMLIN, Willard R. Princípios da anatomia e fisiologia em fonoaudiologia. (2000).
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geralmente ocorre a chamada “quebra” das notas, o que pode ser mascarado com o
treino.
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Fonte: ZEMLIN, Willard R. Princípios da anatomia e fisiologia em fonoaudiologia. (2000).
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HOLLIEN, H. On vocal registers. Journal of Phonetics 1974; 2:125-143.
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muito rara, e com configuração glótica não muito definida, acreditando-se que seja
uma produção praticamente passiva, como o ar sonorizado ao passar pela fresta de
uma janela, por exemplo. (BEHLAU & PONTES, 1995).
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Fonte: ZEMLIN, Willard R. Princípios da anatomia e fisiologia em fonoaudiologia. (2000).
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A voz de falsete masculina, também utilizada pelos cantores líricos contratenores, foi
reconhecida em três formas: (1) o falsete fino e natural de uma voz não treinada; (2)
o delicado falsete artístico que é praticado por um contratenor; (3) o pleno tom forte
de uma voz de cabeça treinada com ressonância acrescentada. Cruz (2006)
apresenta três classificações do falsete masculino: (1) contratenor (countertenor,
haute-contre, contratenor, alto, etc); (2) Falsetto (falsetista italiano, fausset, etc.); (3)
castrato (castrado, sopranista, cantori evirati, falsettist naturali, musici).
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Fonte: ZEMLIN, Willard R. Princípios da anatomia e fisiologia em fonoaudiologia. (2000).
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contraltos. Logo, a classificação vocal destes cantores não era definitiva, no sentido
de imutabilidade vitalícia, mas não eram raras às vezes em que suas vozes
mudavam de registro.
Uma vez castrado, o menino não passava mais pela muda [vocal], ou
seja, sua voz não baixava de uma oitava, como em todos os outros
rapazes. Permanecia “alta”, para usar um termo muito geral, a meio
caminho entre a criança e a da mulher, de que podia adotar uma ou
outra tessitura (soprano ou contralto); às vezes essa voz evoluía no
decorrer da vida e passava de soprano a contralto, ou o contrário
[contralto a soprano]. (BARBIER, 1989, p. 22).
Embora não muito comumente, havia ocasiões nestes mesmos séculos em que
eram encontrados contratenores cantando em tessituras de castrati e, de certa
forma, obtendo considerável êxito nesta empreitada. Porém, a diferenciação entre
ambos era nítida aos ouvintes da época (PACHECO, 2006).
Uma das grandes diferenças sonoras produzida por um falsete feminino, para um
falsete masculino está na estrutura fisiológica que produz o ajuste laríngeo para tal
sonoridade. Na mulher, de um modo geral, o registro de falsete e o registro modal
estão mais próximos em relação à altura (freqüência em Hertz), o que
conseqüentemente, contribuirá para uma sonoridade mais homogênea, transmitindo
ao ouvinte uma sensação de “mais naturalidade” por parte do cantor. “Vozes
masculinas têm maior facilidade e preferência pelo registro grave, enquanto vozes
femininas direcionam-se ao registro agudo.” (BEHLAU & PONTES, 1995, p. 97). Isso
acontece como já mencionado, em parte devido a estrutura corporal e a formação
dos órgãos fonatórios da mulher, como a laringe, por exemplo, que é bem menor (e
diferente em proporção de suas partes) do que uma laringe masculina.
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Em 1909 foi feita a dissecação do aparelho vocal de um castrato de vinte e oito anos
e observado que a saliência da tireóide era pouco visível, e a laringe como um todo
era impressionantemente pequena para um homem de 28 anos. O tamanho das
pregas vocais se assemelhava à de um soprano coloratura (feminino), medindo
exatamente 14 mm de comprimento. (PACHECO, 2006). Logo, pode-se constatar
50
Fonte: <http://www.fisicapaidegua.com/conteudo/conteudo.php?id_top=030303>. Acesso em
22/01/2012.
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No caso da voz aguda nos homens não castrados, é fato que os contratenores têm
menor adução, maior fluxo aéreo na fase fechada das pregas vocais e menor
pressão aérea subglótica quando cantam no registro de falsete. O uso de pressões
mais baixas pode ser significativo para a técnica de canto dos contratenores. Em um
estudo sobre os mecanismos vocais utilizados por esses cantores, Cruz (2006)
aponta alguns caminhos acerca de quais seriam os possíveis ajustes laríngeos
utilizados pelos contratenores para obterem o seu registro vocal:
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PINHO, S. Avaliação e Tratamento da Voz. In: Fundamentos em Fonoaudiologia. Rio de Janeiro,
Guanabara Koogan, 1998, e Tópicos em Voz, Rio de Janeiro, Guanabara Koogan, 2001.
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FIGURA 18 – Corte frontal através da laringe, revelando que a prega vocal consiste de uma
....única massa muscular. No lado esquerdo, pode-se verificar a continuidade
....entre os músculos tireoaritenóideo e cricoaritenóideo lateral. Epiglote (E),
....lâmina tireóidea (T), cricóide (C), massa muscular tireoaritenóideo-
....cricotireóidea (TAC), cricotireóideo (CT).52
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Fonte: ZEMLIN, Willard R. Princípios da anatomia e fisiologia em fonoaudiologia. (2000).
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dentro da sua cor individual deve saber encontrar, com o auxílio da técnica e do
estudo, todas as nuanças oportunas para valorizar a linha melódica que comenta um
texto ou caracteriza a situação psicológica de determinada personagem (se tratando
de papéis de ópera). A partir disso, Magnani (1989, p. 212) propõe as seguintes
extensões médias para as vozes solistas:
É interessante mencionar aqui que a escola de canto francesa classifica outros tipos
de voz, muito característicos em função da tessitura ou da personagem, atribuindo-
lhes o nome dos cantores que as possuíram de maneira marcante. Por exemplo:
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As referências em Hz são um acréscimo nosso, partindo da sua relação com a afinação média
atual do diapasão em Lá4 (440 Hz).
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LINDESTAD, P-A.; SÖDERSTEN, M. Laryngeal and pharyngeal behavior in
countertenor and baritone singing - a videofiberscopic study. J Voice 1988; 2:132-9.
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Registro Vocal
Voz Modal (de peito) Voz de Falsete
Indivíduos
Contratenor 1 Sol1 (98 Hz) Mi3 (329,6 Hz) Fá2 (174,6 Hz) Sol4 (784 Hz);
Contratenor 2 Sol1 (98 Hz) Ré3 (293,7 Hz) Fá2 (174,6 Hz) Fá4 (698,5 Hz)
Contratenor 3 Fá#1 (92,5 Hz) Mi3 (329,6 Hz); Fá#2 (185 Hz) Fá4 (698,5)
Contratenor 4 Lá1 (110 Hz) Mi3 (329,6 Hz) Sol2 (196 Hz) Mi4 (659,3 Hz)
CRUZ, T., HANAYAMA, E. & GAMA, A. (2004) apresentaram um estudo com nove
contratenores de várias localidades do Brasil, com idade entre 18 e 45 anos, sem
queixa vocal, independentemente de conhecimento prévio da existência de
patologia. Todos os sujeitos tinham experiência acima de dois anos no canto,
inclusive em tessituras distintas àquelas comumente exercida pelos contratenores,
como mostrado no quadro a seguir:
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Na mesma pesquisa, foram relatadas pelos próprios cantores as notas mais graves
e as mais agudas que conseguiam produzir na voz de contratenor com boa
qualidade de emissão vocal, ou seja, na tessitura dos mesmos. (CRUZ, T.,
HANAYAMA, E. & GAMA, A., 2004).
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(CRUZ, T., HANAYAMA, E. & GAMA, A., 2004; CRUZ, 2006, p. 424).
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(CRUZ, T., HANAYAMA, E. & GAMA, A., 2004; CRUZ, 2006, p. 425).
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Os valores em Hz são grifo nosso, levando-se em conta a afinação atual do Lá 440 Hz.
Provavelmente esses valores eram mais baixos, visto que a afinação no Barroco era mais grave que
a atual.
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CRUZ, HANAYAMA, & GAMA (2004) sugerem duas classificações básicas para a
voz de contratenor, sendo contratenor agudo (soprano) e contratenor grave
(contralto):
É claro que, não raras as vezes, são encontrados indivíduos adultos do sexo
masculino, que, por alguma anomalia, não tenham desenvolvido normalmente as
estruturas laríngeas, preservando assim, uma voz com poucos (ou quase nenhum)
resquício da muda vocal. Behlau & Pontes (1995) descrevem vários tipos de
distúrbios vocais, dentre eles, um denominado “voz infantilizada”, que pode aparecer
em ambos os sexos, e é geralmente de origem psicológica, por imaturidade ou muda
vocal incompleta. Não é descartada a ocorrência de casos orgânicos, embora raros.
Fato é que a voz de contratenor, com todas as suas particularidades, requer mais
estudos por parte dos profissionais da área do canto, para que seja possível
estabelecer uma classificação fisiologicamente condizente com a estrutura vocal do
indivíduo. Uma classificação vocal válida deve ter por princípio, as bases
anatômicas, morfológicas e acústicas, e a técnica seria a conseqüência de uma
pesquisa sistemática. É importante que, através de um trabalho bem adaptado, se
possa distribuir essas características classificatórias e técnicas harmoniosamente,
obtendo-se desta forma as qualidades do timbre natural do cantor. (DINVILLE,
1993). No caso do contratenor, existem alguns fatores complicadores que devem ser
conhecidos principalmente pelo professor de canto, já que esta voz, seja por opção
do cantor, ou por incidência fisiológica, carece de uma literatura atualizada.
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Representa a freqüência fundamental percebida de um som.
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