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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA- UNEB

DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO CAMPUS I- DEDC I


COLEGIADO EM PEDAGOCIA
Grupo de Pesquisa Estado Democrático e Direitos (GPEDD)

GORDOFOBIA - DO SEU ENFRENTAMENTO AO


EMPODERAMENTO DE MULHERES EM NOSSA SOCIEDADE.
ESTUDO DE CASO DA “LIGA TRANSFORMA” E SUAS AÇÕES
EDUCATIVAS

NATÁLIA FERREIRA LIMA

SALVADOR
2020
NATÁLIA FERREIRA LIMA

GORDOFOBIA - DO SEU ENFRENTAMENTO AO


EMPODERAMENTO DE MULHERES EM NOSSA SOCIEDADE.
ESTUDO DE CASO DA “LIGA TRANSFORMA” E SUAS AÇÕES
EDUCATIVAS.

Monografia apresentada como requisito parcial


para a obtenção do título de Licenciada em
Pedagogia pela Universidade do Estado da Bahia
– UNEB, sob a orientação da Profa. Dra. Cleide
Magáli dos Santos.

SALVADOR
2020
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP).
Catalogação na Fonte
Elaboração: BIBLIOTECA ___________________________

LIMA, Natália Ferreira.

GORDOFOBIA - DO SEU ENFRENTAMENTO AO EMPODERAMENTO DE MULHERES EM


NOSSA SOCIEDADE.
ESTUDO DE CASO DA “LIGA TRANSFORMA” E SUAS AÇÕES EDUCATIVAS.
Salvador-Bahia. Salvador, 2020.

X p.

Orientadora: Prof. Dra. Cleide Magáli dos Santos

Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação) – Universidade do Estado da


Bahia. Departamento de Educação, Campus I - Salvador, 2018.

Contém referências

1.Gordofobia. 2.Gordofobia e Direitos. 3. Gordofobia e Educação. 4. Direitos e Pessoas


Gordas.

I. SANTOS, Cleide Magali dos. II. Universidade do Estado da Bahia, Departamento de


Educação, Campus I.

CDD:
NATÁLIA FERREIRA LIMA

GORDOFOBIA – DO SEU ENFRENTAMENTO AO


EMPODERAMENTO DE MULHERES EM NOSSA SOCIEDADE.
ESTUDO DE CASO DA “LIGA TRANSFORMA” E SUAS AÇÕES
EDUCATIVAS.

Monografia apresentada como requisito parcial


para a obtenção do título de Licenciada em
Pedagogia pela Universidade do Estado da Bahia
– UNEB, sob a orientação da Profa. Dra. Cleide
Magáli dos Santos.

Aprovada em: 24 / 03 / 2020

Banca Examinadora:

__________________________________________________
Profª. Dra. Cleide Magáli dos Santos - Orientadora

___________________________________________________
Prof. Dr. Ivo Ferreira de Jesus
Universidade Federal da Bahia - UFBA

_____________________________________________________
Lourani Maria Carneiro dos Santos - Membro da Liga Transforma
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

IMC Índice de Massa Corporal


OMS Organização Mundial da Saúde
CRAS Centro de Referência de Assistência Social
SPMJ Secretaria Municipal de Políticas para as Mulheres, Infância e
Juventude
CCA Comedores Compulsivos Anônimos
LISTA DE FOTOS

Foto 1 – Logomarca da Liga Transforma ..................................................... 42

Foto 2 – Palestra de Ilza Bitencourt no Bairro da Paz ................................. 44

Foto 3 – Mulheres Membros da Liga Transforma: Algumas Voluntárias e as


Embaixadoras .............................................................................................. 45

Foto 4 - Ação no CRAS Calabetão por Carla Leal ....................................... 46

Foto 5 - 2ª Ação no CRAS Calabetão .......................................................... 46

Foto 6 - Capa do Vídeo no Instagram .......................................................... 47

Foto 7 – Aula de alongamento na 1ª edição do FreeSiize ........................... 48

Foto 8 – Aula de Yoga na 2ª edição do FreeSiize ....................................... 48

Foto 9 – Bloco carnavalesco “Baile das Gordas” no carnaval de Salvador . 49


AGRADECIMENTOS

Como dizia Paulo Freire, “Ninguém caminha sem aprender a caminhar, sem
aprender a fazer o caminho caminhando, refazendo e retocando o sonho pelo qual
se pôs a caminhar”, nenhuma caminhada é feita sem um “mapa” ou objetivo. Essa
caminhada em busca de uma resposta à minha “dor de mundo”, me rendeu muitos
momentos conflitantes e até vontade de desistir no meio do percurso, e foi
contando com o suporte e incentivo de algumas pessoas que consegui concluir
essa etapa.

Primeiramente, não posso esquecer o papel que Deus teve ao longo do


meu percurso. Agradeço ao Senhor pela força que colocou no meu coração para
lutar até alcançar esta grande meta na minha vida.

Aos meus pais, Rita Maria e Carlos Alberto, por sempre me mostrarem o
amor em primeiro lugar. À minha “neguinha” Natali Ferreira, por me tirar do sério
sempre, e provar com sua existência que amor de irmã pode ir além e ser amor de
filha e segunda mãe; e meu companheiro guerreiro Edson Moreira, que me
mostrou o que é amar independente de corpo e idade. Agradeço a vocês por
suportarem as minhas dúvidas e questionamentos sobre o universo da educação
e sociedade, mesmo não concordando com tudo que eu falava e falo sobre meu
universo particular.

À parceria construída antes de eu pisar neste chão, aos colegas da


Faculdade Montessoriano, em especial Zulângela Pitangueira, e professores que
viraram amigos e mentores, como o “monstrinho” Ivo Ferreira, sempre incentivador
dos meus argumentos, e quem mais me ensinou sobre autonomia acadêmica, e
de que para ir longe dentro do ambiente acadêmico e na vida, precisamos de
REFERÊNCIAS!

Aos meus amigos desse mundo que se chama Universidade do Estado da


Bahia, quero gritar bem alto minha gratidão em dividir momentos de discussões e
almoços nos banquinhos, momentos de parceria e discordâncias em prol da nossa
profissão. Dentre esses, os mais marcantes, como Viviane Ferreira (minha
delideli) e Patrícia Caetano (mineirinha que só ela, sô), que de uma disciplina se
tornaram especiais. À querida Iara Kipenzi, que com sua tranquilidade com a vida,
me ensinou a “acalmar meu coração” nos momentos de tempestade. À minha
pequena grande amiga e mulher, Jaciara Santos, que me suportou e me
incentivou nos melhores e piores momentos, dentro e fora deste espaço. Ao meu
neném (que estava ao meu lado me cobrando sua presença nesses
agradecimentos). À querida Helem Moreira (in memoriam), mulher preta e gorda,
que com toda sua garra e determinação, me ensina até hoje a persistir e acreditar
nos nossos sonhos, ser forte e torná-los realidade. À Marco Antônio, por ser
ouvido quando precisei desabafar e me aconselhou em sua força.

À minha orientadora, professora Cleide Magali, por primeiramente plantar a


semente da possibilidade da minha discussão, ao falar sobre Ações
Coletivas/Movimentos Sociais, por acreditar que é válido dialogar sobre corpos
gordos e por aceitar a proposta de construção de nova discussão em
fortalecimento. À eterna compreensão de que existem momentos de altos e baixos
dentro da estruturação de um trabalho e a paciência de sempre.

Aos amigos que conquistei ao longo da minha história, Ian Diniz, Mariana
Oliveira, Ingrid Vilela e Olivia Hinterholz (com quem compartilhei algumas
discussões e questionamentos sobre mim e a discussão), e demais amigos de
infância, que ao seu jeito, mandavam eu “tomar vergonha na cara” e acreditaram
no meu potencial, quando nem eu acreditava.

Aos professores desta casa, que me puxaram ou não pelo braço, me


ensinaram a amar minha profissão e me inspiraram a ser a professora que tento
ser: Isaura Nascimento, que me mostrou a magia que é trabalhar com a área da
Matemática e me fez amar ainda mais a disciplina; Mary Valda Sales, que me
apresentou o universo do currículo oculto que existe em cada um de nós; Edite
Farias, uma mulher de fibra, que defende com unhas e dentes nossa área de
atuação (Educação), e se dedica a lutar por quem não é respeitado ainda dentro
do universo educacional (Jovens e Adultos) e quem me ensinou o significado real
da palavra que poderia resumir esses agradecimentos e constará no final do
mesmo; Eudaldo Francisco, um dos primeiros a apostarem e me questionarem
sobre a continuidade da minha pesquisa.

À Jana, Emanuel Filho, Sandra Rejane, Karoline Santos, Luís Fernando,


Jamile, Rodrigo Jesus, Patrícia Tizatto, que ao seu jeito e seu momento, me
impulsionaram a ser sempre uma pessoa melhor.

Às mulheres de muita garra e determinação, que travam lutas particulares,


e se propõem discutir e desafiar os padrões dia após dia, e afirmam
constantemente não sermos somente um corpo acima das medidas ditas pela
sociedade, representadas aqui naquelas que foram informantes e fontes dessa
investigação.

UBUNTU.
RESUMO

Esta investigação tem como temática principal a Gordofobia. Especificamente, tem


como objetivo geral analisar as ações da “A Liga Transforma” no ativismo contra a
Gordofobia e para o empoderamento de mulheres, junto às comunidades da
cidade de Salvador-Bahia e como objetivos específicos: descrever as ações do
projeto A Liga Transforma; caracterizar a ações consideradas educativas adotadas
pela Liga; refletir como essa forma de ativismo colabora no processo de
construção de identidade das mulheres gordas para seu empoderamento. No que
se refere aos aportes teóricos, verifica-se certa dificuldade, uma vez que a
temática ainda se faz exploratória, ainda assim, pauta-se em autores tais como:
Sibilia (2010), Russo (2005), Fernandes (2012) e Tomaz Tadeu da Silva (2005),
dentre outros. Como opções metodológicas, essa pesquisa caracteriza-se como
de abordagem qualitativa, de cunho exploratório; o modo de investigação
privilegiado é o Estudo de Caso e como técnicas de coletas de dados, foram
realizadas observações participantes em eventos que a Liga promoveu/participou,
entrevistas com as fundadoras do projeto, além de pesquisa documental. Como
conclusões: constata-se como “A Liga” leva informação, conhecimento e
conscientização sobre preconceitos, tais como a Gordofobia; sobre a sociedade
patriarcal; sobre o feminismo, etc., assim como, pretende de uma perspectiva
cientifica esse relatório ora apresentado.

PALAVRAS-CHAVE: Gordofobia, Identidade, Ações Educativas


ABSTRACT

This investigation has the main theme of Gordophobia. Specifically, its general
objective is to analyze the actions of “A Liga Transforma” in activism against
Gordophobia and for the empowerment of women, with the communities of the city
of Salvador-Bahia and as specific objectives: describe the actions of the A Liga
Transforma project; characterize the actions considered educational adopted by
the League; reflect how this form of activism collaborates in the process of building
the identity of fat women for their empowerment. With regard to theoretical
contributions, there is a certain difficulty, since the theme is still exploratory, yet it is
based on authors such as: Sibilia (2010), Russo (2005), Fernandes (2012) and
Tomaz Tadeu da Silva (2005), among others. As methodological options, this
research is characterized as a qualitative approach, with an exploratory nature; the
preferred mode of investigation is the Case Study and as data collection
techniques, participant observations were made in events that the League
promoted / participated in, interviews with the project's founders, in addition to
documentary research. As conclusions: it is verified how “The League” takes
information, knowledge and awareness about prejudices, such as Gordophobia; on
patriarchal society; about feminism, etc., as well as, this report is presented from a
scientific perspective.

KEYWORDS: Gordophobia, Identity, Educational Actions


SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 14
CAPITULO 1 – DISCUTINDO CONCEITOS 16
1.1 Identidade social ....................................................................................... 16
1.2 Sobre a “identidade gorda”, estereótipo e “gordofobia” ............................ 17
1.3 Ativismo e “empoderamento” de mulheres gordas ....................................... 22
CAPÍTULO 2 – ASPECTOS METODOLÓGICOS 26
2.1 Sobre as escolhas técnicas .......................................................................... 26
2.2 Sobre o processo investigativo: facilidades e dificuldades ........................... 28
CAPÍTULO 3 – PROBLEMATIZANDO: DO INDIVIDUAL AO
ESTRUTURAL E VICE VERSA, O QUE UNE “A LIGA” 31
3.1 Conhecendo fatos ........................................................................................ 31
3.2 Conhecendo falas sobre os fatos ................................................................. 32
3.2.1 Carla Leal .............................................................................................. 32
3.2.2 Lourani Maria Baas .............................................................................. 36
3.2.3 Isabele da Costa ................................................................................... 37
CAPÍTULO 4 - ATIVISMO E EDUCAÇÃO, UM EXEMPLO CONTRA
A GORDOFOBIA: A LIGA TRANSFORMA. 42
4.1 O projeto "A Liga Transforma" ...................................................................... 42
4.2 De algumas observações participantes ........................................................ 50

CONSIDERAÇÕES FINAIS 52
REFERÊNCIAS 54
APÊNDICES 57
14

INTRODUÇÃO

Desde a minha infância, me questiono sobre alguns episódios que eu


vivenciei. Até perceber que os episódios do período escolar e fora da escola tinha
um nome, eu já estava na Universidade, pensando sobre outros milhares de
temas para discutir dentro da minha formação; paralelo a isso, meu contato com a
militância fez-me refletir sobre meu corpo e o poder que ele possui. Mas, a partir
do momento em que passei a ser confrontada nesse ambiente/contexto em que eu
estava (Universidade, Departamento de Educação, curso de Formação de
Professores), ouvindo comentários, tentativas de agressões verbais e morais (hoje
em vão, pois não mais me afetam), e negação da minha luta, percebi o perigo da
autoaceitação e a busca pela diminuição dos questionamentos de muitos colegas
de militância até hoje. De tal modo, resolvi partir do grito do reconhecimento e
respeito às diferenças, apostei nessa temática como proposta de pesquisa e
contribuição para a Academia e, para a vida, pois a frase “Isso é discurso de
vítima”, fez-me “endurecer a carne” e implantar por onde caminho, a discussão
sobre Gordofobia e identidade da mulher gorda.

Quando iniciei minhas reflexões acerca do tema como proposta de trabalho


de conclusão de curso, meu anseio era o de dar uma base teórica para esse tema,
já que o termo não é reconhecido tal como o racismo, homofobia, feminismo, etc.,
mas, como conhecer e falar de algo que você mesma não sabe de onde veio?
Falar sobre preconceito não é somente repetir a sua definição: “qualquer opinião
ou sentimento concebido sem exame crítico” (Dicionário Houaiss), entretanto
tomar posse da profundidade que o termo possui para assim conceber e
apresentar esse exame crítico a quem ainda se mantém na definição. Falar sobre
preconceito e enfrentamento é também buscar sua gênese, saber de onde parte
tal concepção, entender os fatores de sua reprodução. Falar sobre preconceito é
tomar posse se seu(s) conceito(s), para sair dos (pré)conceitos estabelecidos com
o próprio termo.

Enfim, o objetivo geral desta investigação é analisar as ações da “Liga


Transforma” no ativismo contra a gordofobia e para o empoderamento de
15

mulheres, junto as comunidades na cidade de Salvador-Bahia que possuem sede


dos CRAS- Centro de Referência de Assistência Social - e demais iniciativas do
projeto. Os objetivos específicos foram: descrever as ações o projeto A Liga
Transforma; caracterizar a ações consideradas educativas do projeto A Liga
Transforma; refletir como essa forma de ativismo colabora no processo de
construção de identidade das mulheres gordas para seu empoderamento.

No aporte teórico, verificou-se certa dificuldade, uma vez que a temática é


relativamente nova, entretanto, pautou-se em autores tais como: Sibilia (2010),
Russo (2005), Fernandes (2012) e Tomaz Tadeu da Silva (2005) dentre outros
materiais sobre as temáticas centrais da pesquisa.

Como opções metodológicas, essa pesquisa caracterizou-se como


qualitativa de cunho exploratório, o modo de investigação privilegiado foi o estudo
de caso. Como técnicas de coletas de dados, foram realizadas observações
participantes com entrevistas, além de pesquisa documental.

Enfim, esse relatório monográfico está dividido em Introdução, 4 (quatro)


capítulos, nos quais apresentam-se discussões teóricas; opções metodológicas,
com facilidades e dificuldades; a apresentação do caso estudado com
caracterização e análises das ações; conclusões e referências.
16

CAPITULO 1 – DISCUTINDO CONCEITOS

1.1 Identidade social

As discussões sobre identidade vêm tornando-se cada vez mais frequentes


e importantes no âmbito acadêmico, visto que cada vez mais grupos (negros,
mulheres, homossexuais outros) vêm reivindicando seus “lugares de fala” para
combater práticas inaceitáveis de preconceito, discriminações, exclusões, visando
a diminuição ou erradicação dessas práticas.

Para entendermos o porquê de tais reivindicações, é imprescindível que


conheçamos como tais discussões surgem e em que elas se baseiam. Com a
leitura de Tomaz Tadeu da Silva (2000), entendemos que tais lutas são travadas a
fim de afirmar uma identidade, uma vez construída também socialmente.
Entendemos também que ela está ligada diretamente ao que o autor chama de
diferença, e que ambas estão diretamente ligadas às relações de poder da
sociedade, e segundo o autor nos permite entender que se trata de:

[...] incluir/excluir ("estes pertencem, aqueles não");


demarcar fronteiras ("nós" e "eles"); classificar ("bons e
maus"; "puros e impuros"; "desenvolvidos e primitivos”;
“racionais e irracionais”); normalizar (“nós somos
normais; eles são anormais”). (SILVA, 2000, p. 81-82)

Estudar ainda sobre identidade a partir de Tomaz Tadeu da Silva é


entender também que as relações em torno da identidade e da diferença estão
também ligadas às dicotomias: masculino/feminino; branco/negro, e aqui
acrescento também os opostos lógicos: gordo/magro.

Dito isto, é possível assentir que falar sobre a construção de identidade


baseando-se na imagem é algo polêmico, visto que discutir sobre quebra de
padrões não é algo simples. Discutir sobre imagem diz respeito a discursar sobre
algo que é construído socialmente e apresenta-se também como um fator
subjetivo, visto que a forma como os sujeitos se veem parte de fatores internos do
ser humano, como o fator psicológico, por exemplo, além de ser construído e
alimentado culturalmente. As identidades são produzidas dentro e não fora dos
17

discursos, nos tensos jogos de poder e, nesse sentido, pensar sobre a construção
de uma identidade de emancipação social, pensando em corpos gordos, perpassa
pela necessidade de uma discussão mais ampla, uma vez que esse processo está
intimamente ligado às questões de construções pessoais e sociais, impossíveis de
serem dissociadas.

1.2 Sobre a “identidade gorda”, estereótipo e “gordofobia”

Historicamente, é conhecido que a figura do corpo ideal, antigamente, era o


perfil com curvas, ou seja, o perfil do corpo gordo, mas não qualquer perfil de
corpo, e sim o perfil de gordas e gordos considerados como proporcionais. Com o
passar do tempo, essa figura de corpo ideal foi modificando-se, alinhando-se,
emagrecendo. E com esse emagrecimento do perfil ideal, vieram os julgamentos e
afirmações sobre o que somos e/ou devemos ser dentro da sociedade, quais
indivíduos terão ou não prestígio e visibilidade dentro da sociedade, tal como nos
informa Sibilia (2010):

O culto ao corpo da sociedade contemporânea é, na


verdade, um culto a certo tipo de corpo. [...] Somente
esses corpos singularmente agraciados, além de
sarados e malhados com cotidiano rigor, conseguem
projetar seu brilho nos pódios da mídia e inspiram o
arroubo de todos os demais (SIBILIA, 2010, p. 198).

Assim, a partir da leitura de Tomaz Tadeu da Silva (2019), igualmente é


possível a discussão e reflexão sobre o que é identidade e o que vem a ser o seu
oposto: a diferença.

Ao afirmarmos que somos algo implica dizermos, automaticamente, o que


não somos, ou seja, ao afirmar “eu sou gorda”, estarei automaticamente afirmando
que “eu não sou magra”. Segundo o autor,

Em geral, consideramos a diferença como um produto


derivado da identidade. Nesta perspectiva, a identidade
é a referência, é o ponto original relativamente ao qual
se define a diferença. Isto reflete a tendência a tomar
aquilo que somos como sendo a norma pela qual
descrevemos ou avaliamos aquilo que não somos.
(SILVA, p. 75, 2019)
18

Baseando-se no princípio do que “somos” ou “não somos”, os indivíduos


vão atribuindo características e rótulos de maneira automática, a respeito do que
não queremos ser. Uma pessoa, por exemplo, ao proferir algum comentário sobre
uma pessoa gorda, está baseando-se na dicotomia gordo x magro, colocando-se
no lugar de pessoa magra, porém se referindo ao outro como aquilo que não é e
não quer ser, reforçando a ideia inicial que sustenta o preconceito com pessoas
gordas: gordofobia, apesar de o termo ir muito além do referido.

Quando afirmamos ser uma coisa ao invés de outra, precisamos tomar


cuidado para não cairmos no erro de julgar um indivíduo que é diferente de nós, e
quando não nos policiamos, acabamos por reforçar uma imagem preconcebida
por nós como ideal. Tal ideia define genericamente o que são os estereótipos.
Eles se caracterizam não só por essa imagem preconcebida a respeito de algo ou
alguém, como também padronizada e generalizada, que é estabelecida pelo
senso comum, sem conhecimento profundo, sobre tal coisa ou pessoa.

Na contemporaneidade, conforme Sibilia (2010), prevalece o imperativo da


boa forma, no qual predominam rígidos padrões estéticos, que determinam uma
devoção intensa na busca pelo corpo perfeito, o principal efeito colateral de
enaltecer os corpos magros e sarados é a abjeção aos corpos flácidos: a chamada
lipofobia, ou seja, a aversão estética e censura moral aos aspectos físicos e
comportamentais associados à gordura.

O termo Gordofobia, nome que é atribuído ao preconceito com pessoas


gordas, traz o sufixo fobia, que se refere à aversão, sendo nesse caso, aversão à
pessoas gordas, mas traz também um significado sustentado na Lipofobia,
lipo que faz referência à gordura e fobia, que significa medo. No geral, o termo
significa o medo de ser gordo ou medo da gordura, ou seja, a lipofobia caracteriza-
se como uma aversão patológica à gordura.

Tal aversão justifica-se no perfil atual da sociedade como um todo, e nas


características, muito mais físicas, que são alimentadas e influenciadas por toda
uma indústria corporal, que de acordo com Russo (2005),
19

[...] através dos meios de comunicação encarrega-se


de criar desejos e reforçar imagens, padronizando
corpos. Corpos que se vêem fora de medidas, sentem-
se cobrados e insatisfeitos. O reforço dado pela mídia
em mostrar corpos atraentes, faz com que uma parte
de nossa sociedade se lance na busca de uma
aparência física idealizada. (CARDOSO & COUTO
apud RUSSO, p. 2)

Tal influência acaba por despertar julgamentos a respeito dos indivíduos


que não atendem a tais imagens, colocando o perfil de corpo gordo como o perfil
de “anormal” apresentado por Foucault (1988), uma vez que o corpo gordo se
apresenta como uma identidade que incorpora simultaneamente norma cientifica,
valor moral e perigo social. Sendo assim, partindo dessa lógica, os indivíduos
passam a ser separados hierarquicamente uns dos outros (nesse caso, entre
pessoas gordas e pessoas magras), fazendo com que haja também uma
separação entre corpo e consciência no interior de cada indivíduo, através do
medo daquilo que um indivíduo possa vir a ser caso não seja capaz de controlar
seus desejos. Aqui, entretanto, se faz necessário marcar a diferença entre o temor
à anormalidade da estigmatização dos indivíduos gordos, pois no segundo caso,
trata-se de um pré-conceito que recai sobre a forma do corpo, e não somente
sobre desejos de uma realização de algum desvio do comportamento.

A Lipofobia apresenta-se, ainda, como uma marca da cultura no corpo,


conforme afirma a psicóloga Maria Helena Fernandes (2012):

[...] ela é um traço característico da cultura ocidental


contemporânea, e não tanto da ordem da
psicopatologia. Como um traço cultural, ela atravessa
corpos e palavras, se escamoteando em "inocentes"
prescrições de regras de bem viver, por vezes
legitimada por um discurso normalizador que se
ampara na patologização de corpos diferentes, aliada a
uma exigência de performance de ideais de beleza
cada vez mais afastados das possibilidades da
corporeidade humana. (FERNANDES apud. FREIRE;
ANDRADA, 2012).

De modo geral, o corpo passa a assumir, na prática da lipofobia, um papel


central na subjetividade. Sendo assim, a forma corporal valida um status de valor
social elevado, na medida em que esses indivíduos passam a estar dentro
daquele padrão exigido, de forma cada vez mais imediata, o que exige dos
20

sujeitos um comparecimento e foco na performance corporal cada vez mais


“perfeita”. Por outro lado, os que não se encaixam nesses perfis passam a ser
marginalizados.

Presente na cultura ocidental contemporânea sob a forma de um espectro -


expressa em níveis variáveis de opressão subjetiva, que vai de uma singela
insatisfação com a própria silhueta, passando por práticas discriminatórias, até
atos de violência - a lipofobia assume formas individuais e coletivas. Quando não
combatido ou questionado, esse olhar preconceituoso perante si e os outros se
desenvolve em forma de transtornos alimentares (olhar para si), ou as ditas
práticas de violência contra esses sujeitos que não se adequam aos padrões
exigidos e considerados como o correto pela sociedade.

Como trata-se de uma discussão recente, esquecemos de considerar que


falar sobre pessoas gordas, não diz respeito à assumir somente o olhar da
manutenção da saúde, mas sim considerar que a Gordofobia é a consolidação da
prática preconceituosa e discriminatória estruturada e disseminada nos mais
variados contextos socioculturais. Disseminação essa que acarreta na
desvalorização, estigmatização e hostilização de pessoas gordas e seus corpos,
sustentada pela lipofobia, mas que apresenta outros estudos, que trazem à
discussão o quanto os padrões recaem sobre os sujeitos quando levamos em
consideração as cobranças feitas à homens e mulheres dentro desses padrões
exigidos. Além disso, ainda nos faz pensar sobre os impactos que essas
exigências causam perante homens e mulheres, nós fazendo refletir sobre os
estereótipos, estigmas e arquétipos que marcam essa prática. Permitir à reflexão
de que até a sua base de sustento (lipofobia) apoia-se no estudo desses
marcadores, que sustentam essa e tantas outras práticas preconceituosas na
sociedade.

Sendo assim, falar sobre identidade gorda requer “bater de frente” com
alguns discursos que, de certa forma, podem assegurar o preconceito, como o
discurso global a respeito da saúde dos indivíduos, por exemplo. No início do ano
de 2017, o Ministério da Saúde apontou que uma entre cinco pessoas no País
está acima do peso, o que equivale a um quinto da população. O órgão tem
21

tomado medidas para combater esses índices, conforme afirmou, em entrevista, o


ministro Ricardo Barros.

O Ministério da Saúde tem priorizado o combate à


obesidade com uma série de políticas públicas, como
Guia Alimentar para População Brasileira. A
alimentação saudável aliada à prática de atividade
física nos ajudará a reduzir a incidência de doenças
como diabetes e hipertensão na população. (PORTAL
BRASIL, 2017).

Esses dados trazem à tona uma questão ainda negada e ignorada por
muitos: as pessoas gordas constituem uma quantidade representativa entre os
brasileiros. Porém nos apresentam também somente um lado dessa questão, em
meio a tantos fatores que merecem atenção e discussão, pois mesmo com essa
representatividade significativa, esses indivíduos enfrentam o caos da
invisibilidade e têm que encarar todos os dias um preconceito real. Para muitos, o
termo “gorda/gordo” traz conotações negativas, tornando-se até ofensa. Mas o
que destoa de como esse termo é tratado por muitos e o que é apresentado para
a pesquisa é de onde parte o discurso apresentado para constituição de um
estudo.

A Gordofobia existe, mas ainda é notadamente desconsiderada, tratada


como um debate desnecessário, uma discussão de pouca importância, até pela
exigência feita em termos científicos e acadêmicos, pois o termo não é estudado
com afinco, por isso ainda é desconhecido por muitos, sendo assim pouco
considerado dentro da instituição acadêmica. Além disso, outra dificuldade ao
enfrentar-se as discussões sobre gordofobia está na própria resistência social, que
insiste em ver o corpo gordo como desleixado, mal cuidado e doente, o que leva,
consequentemente, ao discurso sobre a manutenção da saúde.

Uma das discussões levantadas pelas pessoas que estudam e debatem


sobre o preconceito e discriminação com pessoas gordas, é o uso do termo para
fins de emancipação desses sujeitos, alvos desse olhar preconceituoso, como
forma de combate à visão patológica atribuída ao corpo gordo. É dito isto, pois
essa parcela da população, mesmo estando em grande quantidade atualmente na
sociedade, é literalmente, estereotipada, estigmatizada, privada de espaços dentro
22

da sociedade, e vem enfrentando a tentativa de esvaziamento de sua condição de


ser digno de afeto e respeito. Muitos indivíduos pertencentes a essa parcela da
população se questionam sobre episódios vivenciados na infância, adolescência e
fase adulta, tal como me questionei um dia. Até perceber que os episódios
vivenciados dentro e fora do ambiente escolar tem um nome e significado, vários
desses indivíduos somatizam tais vivências como forma de autojulgamento de
inferioridade, mesmo entendendo esses julgamentos como parte de um processo
histórico da sociedade.

Foi pensando na solução desses questionamentos que os movimentos de


combate à gordofobia surgiram. Exatamente para buscar solucionar as questões
referentes aos padrões de beleza, discursos voltados ao público obeso, além de
se fazer valer os direitos já adquiridos por essas pessoas, como por exemplo, o
direito a assentos preferenciais nos coletivos – que já são reservados, mas, via de
regra, não são cedidos a quem é de direito –, poltronas com medidas adequadas
ao padrão atual da população, além da liberdade de ser, que deveria ser
construída desde a primeira infância, através da realização de atividades e
atitudes que envolvem a aceitação dos diversos tipos corporais, inclusive o
daquele indivíduo que é diretamente oposto ao nosso.

Então, é a partir dessas concepções sobre estereótipos e do conceito de


identidade visto em Tomaz Tadeu da Silva (2005) - e a relação inseparável entre
ela e seu oposto natural - que justificam as discussões e ações realizadas por
grupos, visando o combate ao preconceito com pessoas gordas.

1.3 Ativismo e “empoderamento” de mulheres gordas

Antes de tal discussão, é importante considerar o motivo dessa pesquisa


estar direcionada ao público feminino. Mesmo que sejam alvos do olhar
preconceituoso sobre seus corpos, os homens não são os alvos mais frequentes e
fortes de tais práticas, pois “a opressão é muito maior sobre as mulheres. Não que
o homem gordo não sofra de gordofobia, mas na lógica machista, a mulher que é
23

objetificada e padronizada, sendo assim ela sente-se muito mais deslocada


socialmente do que os homens”.

As primeiras reivindicações ao respeito às pessoas gordas surgiram com os


debates feministas, oriundos dos movimentos sociais, que passaram a questionar
sobre os padrões direcionados às mulheres, o que influenciou os discursos sobre
a situação das mulheres gordas nesse contexto de lutas. Os movimentos de
ativismo gordo surgem e ganham força então, nos Estados Unidos, quando
militantes gordas(os) passaram a questionar a sociedade a respeito dos padrões
consideradoscomo normais, além de lutar contra a estigmatização das pessoas
gordas, através dos estudos sobre gordura corporal.

A partir dos estudos emLupton (2013), identificamos5 (cinco) abordagens


diferentes sobre as discussões iniciais sobre o corpo gordo: (i)a anti-obesidade,
trazendo como principal referência a medição dos corpos a partir do cálculo do
IMC (Índice de Massa Corporal); (ii)a biomédica-crítica, ou seja, a não aceitação
da ideia do corpo gordo como um corpo doente, e coloca como pessoas de risco
somente o público classificado como “obeso mórbido”, acreditando ainda que o
discurso anti-obesidade traz uma intenção comercial por trás; (iii)a libertária cética,
que defende a ideia do indivíduo teve ter liberdade em relação à alimentação e
atividade física, não devendo o Estado assumir uma postura paternalista em
relação à gordura corporal; (iv)a abordagem dos estudos críticos do peso/estudos
gordos (fatstudies), que levam em consideração o contexto envolvendo os estudos
médicos e entendem o discurso anti-obesidade como um conjunto de interesses e
ideias sobre saúde condicionadas por um dado momento sócio-histórico e traz
estudos baseados em análises psicológicas, históricas, antropológicas,
sociológicas, etc. e o conceito de biopoder1 em sua concepção; e(v)a abordagem
do ativismo gordo, que traz como principal pauta o desafio às ideias negativas e
estigmatizadoras voltadas ao público gordo, bem como a melhoria na

1
O biopoder, nos estudos de Michel Foulcault, é definido como assumindo duas formas: consiste,
por um lado, em uma anátomo-política do corpo e, por outro, em uma biopolítica da população. A
anátomo-política refere-se aos dispositivos disciplinares encarregados do extrair do corpo humano
sua força produtiva, mediante o controle do tempo e do espaço, no interior de instituições, como a
escola, o hospital, a fábrica e a prisão. Por sua vez, a biopolítica da população volta-se à regulação
das massas, utilizando-se de saberes e práticas que permitam gerir taxas de natalidade, fluxos de
migração, epidemias, aumento da longevidade.
24

acessibilidade a espaços físicos para pessoas gordas, buscando também a


qualidade de vida dessas pessoas, e acabar com o preconceito e incentivar a
convivência com as diferenças das pessoas.

No Brasil, mais especificamente em Salvador, por volta do ano de 2014, o


grupo de ativismo “Vai ter Gorda” surgiu, e a partir de sites e páginas em redes
sociais e através de vídeos, convocou (2016) as mulheres gordas que se sentiam,
de alguma forma, reprimidas pelo direito de usar um biquíni e não sofrer algum
tipo de preconceito como, por exemplo, olhares “atravessados” e até piadas, a
desafiar esse aspecto estigmatizador, visando o incentivo e aumento da
autoestima.

Com o passar do tempo, foram surgindo também, grupos de incentivo ao


amor próprio independente de tipo físico, a valorização do corpo gordo através de
ensaios fotográficos, para mostrar às mulheres o poder individual e pessoal
possuído por elas, além de movimentações de combate à gordofobia realizadas e
organizadas para acontecer em atividades como desfiles comemorativos
realizados em praças públicas (2 de Julho, 7 de Setembro, etc.).

Além desses grupos, encontramos atualmente atividades realizadas por


grupos que lidam com o fortalecimento de mulheres a partir de palestras, rodas de
conversa e debates a respeito de questões feministas e de combate à gordofobia.

Tais grupos transitam entre as concepções biomédica-crítica e aquelas dos


movimentos de ativismo, apontadas por Rangel (2017), e visam o combate ao que
é definido como “atitude gordofóbica", onde segundo Jarid Arraes (2014), reforçam
os estereótipos de magreza e saúde, e impõem aos sujeitos situações
degradantes de fins segregacionistas (separação, afastamento), fazendo dessa
prática algo quetalvez ultrapasse as questões de estudo sobre discriminação, e
deva ser algo inerente aos valores cotidianos da sociedade. A negação da
discussão por parte da sociedade deve-se ao fato da aceitabilidade em torno da
intimidação ou exposição pública àshumilhações de pessoas gordas, com
observações constrangedoras sobre o que aquele indivíduo está comendo, se é
algo saudável ou não, através da falsa preocupação com a saúde daquela pessoa,
25

mesmo que não se tenha acesso à exames clínicos e físicos daquele indivíduo.
Fora isso, direcionamento de olhares quando uma pessoa gorda sobe em um
coletivo e demora em passar na catraca ou não passa. Além disso, a prática
gordofóbica consolida-se também no descumprimento da Lei 10.098/2000, onde
em seu Art. 2º, inciso IV, garante o acento preferencial a pessoas com mobilidade
reduzida, tal como é caracterizada como

[...] aquela que tenha, por qualquer motivo, dificuldade


de movimentação, permanente ou temporária, gerando
redução efetiva da mobilidade, da flexibilidade, da
coordenação motora ou da percepção, incluindo idoso,
gestante, lactante, pessoa com criança de colo e
obeso; [grifo nosso] (BRASIL, 2000)
26

CAPÍTULO 2 – ASPECTOS METODOLÓGICOS

2.1 Sobre as escolhas técnicas

Essa investigação pautou-se em uma metodologia qualitativa. Sobre a


pesquisa qualitativa Marli André (1995) afirma: “o que esse tipo de pesquisa visa é
a descoberta de novos conceitos, novas relações, novas formas de entendimento
da realidade”. (ANDRÉ, 1995, p. 30).

É uma pesquisa de caráter exploratório, que segundo Gil (2007),


proporciona maior familiaridade com o problema, com vistas a torná-lo mais
explícito ou a construir hipóteses. A grande maioria dessas pesquisas envolve: (a)
levantamento bibliográfico; (b) entrevistas com pessoas que tiveram experiências
práticas com o problema pesquisado; e (c) análise de exemplos que estimulem a
compreensão. Essas pesquisas podem ser classificadas como: pesquisa
bibliográfica e estudo de caso.

Aqui, caracteriza-se como um estudo de caso,

Um Estudo de Caso reúne informações tão numerosas


e tão detalhadas quanto possível com vistas a
apreender a totalidade de uma situação. Por isso ele
recorre a técnicas de coletas das informações
igualmente variadas tais observações, entrevistas,
documentos etc. (BRUYNE et al 1977 p 224)

O caso estudado foi a ação denominada A Liga Transforma, que será


apresentado em um próximo capitulo.

Para operacionalizar o estudo de caso em questão, os procedimentos


técnicos utilizados foram: (i) a pesquisa teórica através bibliografia como artigos
científicos, livros, dissertações e teses, bem como, a análise de documentos
oficiais e (ii) a pesquisa empírica, através das observações e entrevistas com
informantes chaves.
27

A pesquisa bibliográfica utilizou como fontes materiais já elaborados,


constituídos basicamente por livros e artigos científicos localizados em bibliotecas
virtuais.

A pesquisa documental trilhou os mesmos caminhos da pesquisa


bibliográfica e recorreu às fontes diversificadas e dispersas, sem tratamento
analítico, tais como: jornais, anúncios, filmes, fotografias, material em redes
sociais.

Quanto as observações, essa foram realizadas pela pesquisadora, ora


como observadora ora como participante. E serão descritas mais adiante nesse
relatório.

No que se referem as entrevistas, essas foram realizadas com 3 (três)


informantes chaves, a saber: mulheres idealizadoras e executoras da Liga. Foram
entrevistas semiestruturadas/semipadronizadas que versaram sobre a trajetória
individual de cada uma, formando suas identidades de ativistas contra a
gordofobia, bem como, sobre a própria ação investigada.

A formatação da entrevista se deu pela elaboração das mesmas perguntas


para as participantes, uma vez que a partir de tal recurso (de padronização)

[ou semipadrozinação se é possível] é obter dos


entrevistados respostas às mesmas perguntas,
permitindo “que todos elas sejam comparadas com o
mesmo conjunto de perguntas, e que as diferenças
devem refletir de forças entre os respondentes e não
diferenças nas perguntas. (MARCONI e
LAKATOS,1996, p. 85)

Por fim, vale ressaltar aqui o que Morin (1985),citado emPadovani (2013)
nos diz:“para chegar-se à objetividade, é preciso percorrer um caminho que
perpassa a história e a cultura, pois estas definem o que é tradição e legitima o
que é tido como verdade, e ainda o que é dito por Spink (2010): “a verdade é a
verdade de nossas concepções, de nossas instituições, de nossas relações, de
28

nossos acordos sociais” (Spink, p.13); a tarefa do pesquisador é buscar está


verdade do sujeito da pesquisa.

2.2 Sobre o processo investigativo: facilidades e dificuldades

Para o desenvolvimento de qualquer pesquisa, existem questionamentos


que o pesquisador se faz, e que, por consequência, guiam suas andanças e
direcionam suas pesquisas.

Desde a minha infância, me questiono sobre alguns episódios que eu


vivenciei, como por exemplo: porque eu sempre era a última a ser escolhida para
as brincadeiras e jogos? Porque as pessoas me julgavam tanto pelo meu corpo?
Até perceber que os episódios do período escolar e fora da escola tinha um
‘nome’, eu já estava na Universidade, pensando sobre outros milhares de temas
para discutir dentro da minha formação, e paralelo a isso, minha inserção como
membro de projetos que buscavam discutir sobre esse preconceito, me fez refletir
sobre meu corpo e o poder que ele possui.

Entretanto, foi a partir do momento no qual passei a ser confrontada neste


ambiente (a Universidade, no Departamento de Educação, no Curso de Formação
de Professores), quando ouvindo comentários, sofrendo tentativas de agressões
(hoje em vão, pois com o tempo deixaram de me afetar), bem como, vivenciando
por pares a negação da minha luta e discussão, que percebi o perigo que
representa a autoaceitação e a busca pela diminuição dos questionamentos que
muitos colegas que estão na militância se fazem até hoje.

Desse modo, resolvi sair “do grito do reconhecimento e respeito às


diferenças, para apostar na temática como proposta de pesquisa e contribuição
para a Academia e para a vida, pois a frase “Isso é discurso de vítima”, me fez
“endurecer a carne” e implantar a discussão científica sobre Gordofobia - me
impulsionando a pensar mais ainda e discutir de uma perspectiva nova sobre a
identidade de mulheres gordas.
29

Quando decidi de fato que iria falar sobre o tema, passei a enfrentar o velho
problema que surge nesse processo, que é encontrar alguém que aceitasse
enfrentar esse estudo comigo, que aceitasse construir um trabalho em parceria.
Encontrei a orientação da professora Dra. Cleide Magáli, que já havia me
despertado a possibilidade de discussão da temática a partir das teorias de Ações
Coletivas e Movimentos Sociais, e assim iniciei o novo desafio: a revisão do
projeto, reelaboração da proposta de pesquisa e escrita da mesma.

Quando iniciei minhas reflexões acerca do tema como proposta de trabalho


de conclusão de curso, meu anseio era o de dar uma base teórica para esse tema,
já que o termo não é reconhecido acadêmica e teoricamente tal como o racismo, a
homofobia, etc., mas como conhecer e falar de algo que você mesma não sabe de
onde veio? Uma proposta que também respondesse alguns dos meus anseios do
início do processo, que correspondesse à minha “dor de mundo”, como bem nos
questionava professor Eudaldo Francisco. Estava aí começando o trabalho com o
primeiro problema enfrentado pela pesquisa qualitativa: garantir a confiabilidade e
a validez da sua construção, desenvolvimento e sua conclusão.

A pesquisa qualitativa se diferencia nesse sentido


porque não há separação entre conjunto de dados e
análise de dados. A análise pode e deve começar em
campo. À medida que a coleta seus dados, por meio
de entrevistas, notas de campo, aquisição de
documentos e assim por diante, é possível iniciar sua
análise (GIBBS, 2009, p. 18)

Para Martins (2004), nessa perspectiva, a validade estaria relacionada com


a coerência interna da pesquisa. Assim, desde a reelaboração do projeto, se
buscou apoios metodológicos e teóricos para o enfrentamento da supracitada
questão.

De tal modo, falar sobre preconceito não é somente repetir a sua definição:
“qualquer opinião ou sentimento concebido sem exame crítico”, entretanto, tomar
posse da profundidade que o termo possui para assim conceber e apresentar esse
exame crítico a quem ainda se mantém na definição. Assim, falar sobre
preconceito e enfrentamento é também buscar sua gênese, saber de onde parte
tal concepção, entender os fatores de sua reprodução. Falar sobre preconceito é
30

tomar posse se seu(s) conceito(s), para sair dos (pré)conceitos estabelecidos com
o próprio termo.

No aporte teórico, se verificou certa dificuldade uma vez que a temática é


relativamente nova, entretanto pautou-se em autores tais como: Sibilia (2010),
Russo (2005), Fernandes (2012) e Tomaz Tadeu da Silva dentre outros.

Ainda para garantir a validez da pesquisa, foram definidas diversas técnicas


de coleta de pesquisa.

Já no processo de trabalho de campo, ao definir o lócus da pesquisa,


passei a enfrentar outro desafio, que era o de acompanhar as “meninas” do
Projeto A Liga, o objeto da investigação, pois a parceria junto ao CRAS, não
possibilitava a organização de um evento logo de imediato, e dentro do tempo que
eu tinha para a pesquisa, mas concluímos, que os momentos do qual participei já
dariam conta para uma resposta. Desse modo, no item 4.2 - De algumas
observações participantes, serão expostas as experiências mais significativas para
a pesquisa.

Mesmo já tendo um contato anterior com as mentoras e executoras da Liga,


por já ter participado de alguns grupos e projetos que debatem sobre o combate à
gordofobia, existiram vários fatores que dificultaram um processo mais ágil da
pesquisa, pois por conta de feriados (Natal e Virada de ano) ocorridos durante o
processo da pesquisa e da agenda pessoal das componentes do projeto,
encontramos, tanto eu como elas, algumas barreiras e contratempos para
conciliarmos nossas agendas e conseguirmos marcar momentos para o
desenvolvimento das entrevistas e trocas de experiências e informações a
respeito da minha pesquisa, do projeto e de nossas caminhadas, o que contribui
também para o fortalecimento e processo de acréscimo nas identidades de todas
nós.
31

CAPÍTULO 3 – PROBLEMATIZANDO: DO INDIVIDUAL AO


ESTRUTURAL E VICE VERSA, O QUE UNE “A LIGA”

3.1 Conhecendo fatos

Segundo o dicionário Houaiss, ser gordo significa, primordialmente, “ter


uma quantidade de gordura acima da usual”, ou seja, apenasuma característica
física. Ser gorda é uma característica, da mesma forma que existem pessoas
magras, pessoas altas, pessoas baixas, etc. Assim, o ativismo prefere o termo
gorda à obesa, uma vez que este último está relacionado à uma patologia, e o
primeiro, um termo referenteà autoaceitação e empoderamento nas discussões.

Outro ponto crítico quanto ao assunto do combate à Gordofobia, é


enfrentado por muitas pessoas diariamente, nos espaços públicos e privados da
nossa cidade: a partir do momento que você não passa em uma catraca ou fica
desconfortável sentada em poltronas e cadeiras que não possuem adequação
quanto à medida do seu quadril, esse é realmente um ponto bem crítico, porque o
“mundo” está dizendo, automaticamente não haver lugar para você, o que impõe
dificuldade ao próprio ato de existir de uma mulher gorda. Assim, quando o foco
está em retiradas e não-garantias de direitos básicos, estamos lidando com um
quadro grave. Estamos lidando com algo estrutural: Gordofobia Estrutural. Não há,
como citado acima, garantia dos direitos básicos de qualquer ser humano, seu
direito e ir e vir, o direito à acessibilidade não é atendido, mesmo com a existência
da Lei 10.098/2000, conhecida como Lei de Acessibilidade, que visa a garantia do
direito de pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida a usufruírem dos
mesmos privilégios das demais pessoas, da forma mais independente possível,
sendo a mesma busca, por exemplo, da garantia de uma pessoa gorda ter acesso
imediato à cadeiras preferenciais nos transportes públicos e ambientes privados;
além da assinatura do Projeto de Lei (PL) n o 303/19, vigente em Salvador,que
garante acesso ao público gordo (antes e até hoje chamado de público obeso nos
coletivos) pela porta de desembarque dos mesmos, e nem sempre é respeitado
por alguns profissionais da área e indivíduos da sociedade.
32

O olhar preconceituoso sobre o corpo e o fato de ele estar fora dos padrões
normativos da sociedade, traz outra consequência, que pode ser encarada como
um produto negativo da Gordofobia Estrutural, que é a falta/dificuldade de acesso
a empregos. A patologização do corpo gordo é muitas vezes, levada em
consideração nos momentos de entrevistas para ocupação de uma vaga no
mercado de trabalho, pois pessoas que são gordas são consideradas mais
prováveis a adoecer com mais frequência, e inaptas para o cargo.

Por fim, vale ressaltar, um outro aspecto, no que tange à consumo, as


lojas tipo Fastfashion são as mais populares, por terem preços acessíveis e
promoverem as últimas tendências da moda. Todavia, a numeração que elas
apresentam não passa, muitas vezes, do manequim 46 (quarenta e seis) ou 48
(quarenta e oito), fazendo com que quem vista um modelo a partir do 50
(cinquenta) necessite recorrer às lojas específicas ou às linhas diferenciadas na
hora de montar o guarda-roupas - assim, Plus Size é um termo utilizado
comercialmente para diferenciar a moda de pessoas gordas de pessoas magras.
Entretanto, no que se refere ao atendimento dessa necessidade, o fato recorrente
sobre o universo Plus Size: a introdução de numerações maiores não vem
acompanhada de preços acessíveis, o que torna um ato de não-garantia de um
direito básico (se vestir) caro. Esse fenômeno, gera mais um processo de luta: por
esse acesso e garantia de direito e de representatividade no consumo de
vestuário e na moda.

3.2 Conhecendo falas sobre os fatos

3.2.1 Carla Leal

Carla Leal, Corretora e mulher ativista, foi gorda desde a sua infância.
Nasceu em uma família de pessoas magras, que sempre criticaram o seu corpo,
sempre tentando fazer com ela adotasse dietas no seu cotidiano. Ela relatou ainda
ter passado por isso durante um bom tempo da sua trajetória. Carla afirmou
sempre ser a única pessoa gorda dos lugares que frequentava, e ainda que as
33

questões do seu corpo e seu peso faziam as pessoas transformarem isso sempre
em algo a ser discutido.

Além disso,

[...] na hora de comprar roupa era terrível, porque todo


mundo achava roupa muito rapidamente e eu tinha que
ir pra várias lojas e nunca nada ficava bom, e no
desespero, depois de muito procurar e ficar cansada, o
que eu usava era o que cabia, não precisava ficar bom,
não precisava estar na moda. Era só: coube, apertado,
e tava bom. [...] inicialmente eu não achava roupas
condizentes com a minha faixa de idade, e as vezes
acabava herdando roupas da família, porque eu vestia
o que cabia, não era o que estava na moda, não era o
que ficasse bonito ou o que eu quisesse. (Relato de
Carla).

Ainda sobre imagem, segundo Carla, algo que teve uma grande
importância na construção inicial da sua identidade enquanto mulher gorda: o seu
interesse por maquiagem.

Eu lembro que essa questão da vaidade, eu me via


sempre com a mesma cara, porque as meninas
sempre usavam o estilo da roupa, e eu nunca achava
esses modelos, nunca achava nada, então eu comecei
a achar alternativas para os momentos em que eu
fosse sair de casa, e a maquiagem me trouxe essa
coisa da vaidade, ela me trouxe essa coisa de eu me
sentir mais bonita, me sentir mais arrumada, já que a
roupa era algo tão difícil. [...] Então, essa coisa da
maquiagem, me fez resgatar algumas coisas no
sentido de me sentir mais bonita, mais arrumada, no
sentido de começar a olhar meu corpo de uma forma
diferente, começar a me aceitar mais como eu sou,
porque quando a gente se sente bonita, tem uma
relação direta com a autoestima, porque a gente vive
nessa sociedade que cultua isso. (Relato de Carla).

Em um determinada fase de sua vida, com o término do seu casamento, ela


diversificou seu círculo de amizades, e nesse período, ouviu falar pela primeira
vez sobre um grupo de mulheres que, assim como ela, pensavam, incomodavam-
se e sofriam com as questões relacionadas a seus corpos, isso fez ela se
aproximar e formar parcerias para criação de eventos, palestras, bazares, uniões
entre pessoas do grupo, entendendo já não estar mais sozinha, e tendo a
34

consciência da existência de pessoas que viviam os mesmos dilemas sociais tal


como ela, ou estarem em situações até piores:

[...] ali entendi que aquilo era uma causa e que a gente
tinha que começar a lutar contra a questão do
preconceito e rotulação e patologização do corpo
gordo. (Relato de Carla).

Foi durante o período de contato mais efetivo com pessoas gordas, que
uma outra questão chegou à Carla: refletir e discutir sobre questões que envolvem
o universo feminino e as relações patriarcais da sociedade. Questões de ordem
estruturais:

[...] fui mudando de postura, fui entendendo mais sobre


o meu corpo, fui empoderando ele, tendo contato com
outras mulheres e a partir daí, comecei a participar de
vários projetos, de várias coisas e sempre que eu
podia, estava presente em eventos que falassem sobre
essa questão feminina, da questão da gordofobia,
quando não era eu que fazia os eventos. [...] com o
mundo virtual, eu me fechei muito nas questões sobre
conversar com mulheres gordas naquele meio e fazer
eventos para mulheres gordas naquele meio. (Relato
de Carla).

Assim, se somando conceitos, ideologias e anos de caminhada discutindo


sobre empoderamento feminino e Gordofobia, Carla Leal associada à Lourani,
tiveram a ideia de iniciar algo que mudaria o cenário da militância gorda no cenário
de Salvador: partir para o diálogo no intento de empoderamento de mulheres da
periferia da cidade.

Foi quando tivemos a ideia de criar a Liga, Lourani


falou da ideia, eu concordei, e começamos a sair da,
até então nossa bolha, porque eu passei a minha
juventude toda isolada, sozinha, até os meus 30 e
poucos, me entendendo como uma mulher gorda,
sozinha. [...] A liga veio com essa ideia de difundir
esses pensamentos, difundir a ideia entre pessoas em
situação de vulnerabilidade, pessoas que estão
inseridas nas comunidades, para que as mulheres se
empoderem, em todas as classes sociais, em todas as
suas possibilidades. (Relato de Carla)

Segundo Carla Leal, a iniciativa de partir para as comunidades deu-se pela


facilidade que ela afirma existir com mais frequência em ambientes acadêmicos, e
35

afirmar ainda se tratarem de “ambientes sociais mais privilegiados


financeiramente”. Entretanto,

[...] quando a gente vai pra comunidades, a gente


percebe que o povo em si precisa de tanto
conhecimento... (precisa) tanto das discussões, como
qualquer outra pessoa da sociedade. Precisa que esse
assunto abranja todas as pessoas, porque se ele
atinge todas as pessoas, [...] no sentido de se
conscientizarem do quanto o preconceito discrimina,
ele afasta, ele torna a vida das pessoas mais
complicadas. (Relato de Carla).

Já em contato com as mulheres dos bairros com sedes do CRAS (Centro


de Referência de Assistência Social), Carla Leal junto com outras componentes da
Liga passaram a perceber uma grande receptividade por parte das ouvintes-
participantes, mas, haver inicialmente mulheres que não entendiam a importância
da discussão, e mesmo assim contribuíam de alguma forma com relatos de suas
vidas.

[...] não só por estarem em comunidade, mas porque a


gente vive em uma sociedade patriarcal e machista.
Então qualquer ambiente que você vai é isso, mas pra
elas a discussão é um pouco de novidade, então a
gente acaba conversando e se entendendo, e elas
adoram. E é sempre um prazer poder ver mulheres
entendendo qual o seu papel social, diante do seu
papel de mulher e diante do seu corpo mesmo como
um ato político. Você se entender, se libertar de
padrões e ser livre como você acha que deve ser, sem
aceitar as interferências e preconceitos e imposições
sociais. (Relato de Carla).

Assim, um dos focos das preocupações está no perfil da sociedade


brasileira: uma sociedade de tradição patriarcal, que traz as questões de
aparência e vaidade como fatores para julgamento, que passam pela questão da
existência de um dado padrão físico.

[...] por mais que você seja uma pessoa que se ama,
que se cuida, se você não for uma mulher vaidosa,
você fica meio que fora de muita coisa, e essa coisa da
vaidade passa pelo estar magra, e passa pelo além de
estar magra, além de cuidar do cabelo, das unhas,
cuidar da depilação, da maquiagem, da roupa. (Relato
de Carla).
36

Além disso,

[...] nós, mulheres gordas, não temos muito acesso à


roupas de marca, a gente tem roupas caras, que não
são de marca, que vendem em qualquer lojinha,
shopping, e ainda assim são roupas caras. [...] hoje em
dia melhorou muito (não é o ideal ainda), mas
melhorou muito. (Relato de Carla).

Enfim, aqui se retoma a questão estrutural da dificuldade enfrentada por


mulheres gordas, de consumo consciente e acessível.

3.2.2 Lourani Maria Baas

Lourani Maria Baas nasceu em Sapeaçu, Bahia e veio para Salvador em


2005, para fazer Faculdade de Publicidade e Propaganda, formação concluída em
2009. Sua formação encaminhou-lhe para o trabalho com assessoria de
comunicação e marketing dentro do terceiro setor, em uma ONG. Segundo
Lourani, desde quando morou no interior, ela percebia e sabia que trabalharia com
moda, pois, assim como ela relata, o ambiente da moda era e é um espaço não
considerado como pertencente ao público gordo.

Em 2015, seus questionamentos voltados ao público feminino e à


sociedade, aumentaram, sendo nesse mesmo ano, o início de seu contato com o
Movimento Plus Size, o que a conduziu a outros trabalhos.

[...] eu comecei a ficar sabendo da questão do


empoderamento da mulher, empoderamento do corpo,
‘meu corpo, minhas regras’ e ai eu ouvi falar do
Movimento Plus Size, que foi em 2015, que foi daquele
concurso “A Mais Bela Gordinha” que eu participei que
eu ganhei em terceiro lugar. (Relato de Lourani).

A partir deste momento, assumiu uma postura militante perante as Causas


Gordas, e seu anseio por moda intensificou-se, percebendo que o universo Plus
Size carecia de um novo olhar, pois além da dificuldade em encontrar roupas,
outra questão abordada e fortalecida por falas de várias mulheres, refere-se à
modelagem das peças: por entender que assim como um corpo magro não é igual
a outro corpo magro, os corpos gordos também não são iguais (algumas mulheres
37

têm o quadril, seios, região abdominal, pernas maiores que outras mulheres),
assim, em 2018 ela decidiu fazer faculdade de Moda, que concluirá em 2020.1.

E foi em 2018 também foi na faculdade que eu conheci


Vera. Pela minha militância na faculdade, em questão
da representatividade, em favor da diversidade, que ela
falou para eu fazer uma palestra lá no CRAS. (Relato
de Lourani).

Devido à sua postura de militância gorda em seu curso na Faculdade,


Lourani relata que as primeiras falas dela nos eventos no CRAS do Bairro da Paz,
abordaram sobre a importância da luta contra Gordofobia, que até então a Liga só
abordava sobre o tema.

[...] em 2019, a gente começou a falar de protagonismo


da mulher, começou a falar de independência
financeira da mulher, de tudo que gera
empoderamento da mulher, na questão de submissão
e de opressão da sociedade patriarcal. (Relato de
Lourani).

Hoje como Blogueira, Digital Influencer e Modelo Plus Size, ela utiliza essas
inserções também como forma de empoderar outras mulheres. Participou da São
Paulo Fashion Week, ao qual pretende ir novamente esse ano, por gostar muito,
tem uma coluna de moda e um blog no site da TV(televisão) Aratu, recentemente,
criou o projeto chamado FreeSize, que trata da luta contra gordofobia através da
prática de atividades físicas, que também faz parte da Liga, por ser um projeto
social.

3.2.3 Isabele da Costa

Isabele da Costa, fotógrafa autoral, adepta do movimento Body Positive 2 foi


magra durante sua infância, adolescência e parte da vida adulta. Nascida em uma

2
Trata-se de uma iniciativa que surgiu com o objetivo de fazer as mulheres pararem de se
comparar a um padrão de beleza único e inatingível. O objetivo do movimento é
proporcionar o olhar positivo para o próprio corpo e aparência. A ideia é entender que,
independentemente de seu tamanho, peso, cor ou forma, devemos valorizar quem somos.
Fonte: Site https://www.mulheresbemresolvidas.com.br/movimento-body-positive/)
38

família composta majoritariamente de médicos, ela relatou ter pânico de engordar.


O que remete, a questão discutida no enfrentamento da Gordofobia no que tange
a “confusão” entre gorda e obesa.

Isabele estudou e atuou com dança contemporânea, era frequentadora


assídua de academias e era adepta de dietas, relatando que quando chegava a
engordar entre 1 a 2 kg, quando saía da dieta, intensificava a dietas para eliminar
aqueles “quilinhos a mais”. No período que era adepta de dietas, ela relata ter
adquirido um “pavor” de engordar, mesmo quando seu manequim da época só
chegava a 40, que ela achava estar gorda.

Fiz todas as dietas das modas da época da década de


80 e década de 90 que você se têm notícia. Minha
primeira dieta, foi no processo da adolescência, acho
que uns 13 anos... foi quando eu comecei a esse
processo de engorda e emagrece, [...] e aí eu fiz dieta
da sopa, dieta da lua, vigilantes do peso, várias dietas.
Vivia nisso. O que tinha de dieta da moda eu tava
fazendo... (Relato de Isabele).

Ainda, mantinha esse ritual até a chagar aos usos de medicamentos, como
o Femproporex3, Sibutramina, e a disseminação das anfetaminas.

[...] até que chegaram as anfetaminas, Femproporex,


sibutramina. Na minha época, eu lembro que teve uma
febre total com um tal de mãe natureza, que era uma
bomba, e eu tomava, entendeu? Na época da
faculdade, já com 20 anos, eu fumava muito... e aí
minha vida foi sendo levada dessa forma. [...] Saía,
fumava muito, me entupia de anfetamina, bebendo
álcool... daquele jeito. (Relato de Isabele).

Como consequência, quando ela deu um intervalo no uso das anfetaminas,


vieram os distúrbios alimentares, queresultaram na compulsão alimentar, em que

3
Femproporex é um fármaco, também conhecida como Perphoxene, que tem como
propósito suprimir o apetite, agindo assim para o tratamento em casos de sobrepeso. Da
família das drogas sintéticas (anfetaminas) a substância em questão, é a coadjuvante
para tratamentos clínicos contra a obesidade. Ela é antiga, no entanto em muitos países
foi banida após constatação do consumo desenfreado. (Fonte: Site
https://www.dicasdetreino.com.br/o-que-e-a-femproporex-para-que-serve/)
39

ela relata não entender o motivo do distúrbio, consequentemente não entendendo


o que acontecia com ela naquela época.

Ainda nessa época, já na faculdade, Isabele tinha um grupo de amigas, e


elas iam juntas a vários eventos e lugares – “eram todas magras todas lindas,
todas “high society”-, e mantinham o hábito de provocar o vômito após as
refeições, e ela não entendia aqueles atos como algo um desenvolvimento de
quadro de bulimia, mas quando chegada a vez dela, não obtinha êxito, chegando
a muitas vezes arranhar e colocar o dedo na própria garganta, na tentativa de
colocar para fora o que comera.
A gente saia para os eventos, para os coquetéis,
aquelas coisas todas, comia, se entupia de comer, e aí
elas faziam "quem vai ser primeiro?". Aí tinha os
alimentos, inclusive, eu me lembro disso... a escolha
dos alimentos, por que não machucava a garganta na
hora de vomitar entendeu? (Relato de Isabele).

A fotógrafa relatou que não desenvolveu o processo de bulimia, mas que


por outro lado, se viciou em purgantes (laxantes) e chegava a usar grandes
quantidades do medicamento, por já comer uma quantidade descontrolada de
alimentos, e por não conseguir provocar o vômito, mantendo esse hábito até os
seus 35 anos, quando veio morar em Salvador.

Devido a um acidente sofrido por ela, em que a deixou imobilizada em cima


de uma cama durante um período de mais ou menos um ano, utilizando muita
medicação, dentre delas Corticoide, começou a ganhar peso (chegando a pesar
em torno de 62 kg), e nesse período iniciou o processo de aceitação do seu corpo.
Paralelo a isso, Isabele conheceu e passou a frequentar as reuniões virtuais da
irmandade conhecida como Comedores Compulsivos Anônimos (CCA), em que
ela tomou conhecimento do distúrbio que tinha, causado pelas constantes dietas
restritivas, pelo uso dos remédios, e pelo estado psicológico fragilizado que se
encontrava, e nesse mesmo período,ela, enquanto fotógrafa, passou a novamente
olhar para si de outra forma.

[...] comecei a fazer um processo de autorretratos, de


me permitir, me olhar, né... Também tem o lance do
amadurecimento, das vivências, de outras coisas que
foram acontecendo também na minha vida, nesse
40

período eu comecei a olhar para mim com mais


carinho, comecei a ter coragem, porque o fato de eu
engordar interferia até na minha vida sexual, porque eu
tinha vergonha de transar com a luz acesa, tinha
vergonha de ficar nua na frente do meu parceiro, tinha
vergonha… sabe? (Relato de Isabele).

Isabele afirma que ao olhar as suas fotos hoje, se questiona até se não
desenvolveu algum processo Anoréxico, por conta de não poder ser considerada
como nomeamos de “gorda menor”, pois não chegou a passar dos 65 kg quando
considerou estar gorda, e que o trabalho com os autorretratos, os encontros do
CCA, entendendo o que ela tinha e entendendo-se enquanto pessoa, fez crescer
seu olhar de carinho para si.

Nessa caminhada de reconhecimento, conheceu uma amiga, também


fotógrafa, que ao tomar conhecimento da vivência de Isabele naquele período,
encantou-se com o trabalho feito por ela, e a incentivou a expandir sua proposta,
direcionando Isabele ao primeiro contato com o Movimento Gordo, onde entre os
anos de 2015-2016, levou Isabele a conhecer a coordenadora do Movimento “Vai
Ter Gorda”, Patrícia Tizatto, que interessada pelo projeto realizado pela fotógrafa,
pousou para a mesma, e desse ensaio, resultou o trabalho de Isabele nomeado
como “Gorda”,contando ainda com outras mulheres envolvidas no trabalho.
Trabalho até então nunca realizado em Salvador, por uma mulher gorda (A
fotógrafa já passava dos 80 kg).

Com o desenvolvimento do projeto, que teve como culminância, o


lançamento da exposição “GORDA”, Isabele conheceu Carla Leal, que além de
posar para o trabalho, ainda ajudou na divulgação e organização da exposição.

[...] que inclusive foi Carla leal e Cláudia Rosa, muito


carinhosamente toparam, se apaixonaram pelo projeto
de cara, e aí fizeram a produção, e aí tudo começou
em 2017, 2018… culminou na exposição GORDA, que
é uma exposição itinerante, onde a gente organizou
rodas de conversa com psicólogos, com blogueiras,
com advogadas de direitos humanos... as meninas que
participaram, que foram fotografadas por mim, Adriana
Santos, do Vai Ter Gorda, onde a gente falava sobre
gordofobia, sobre esse processo de aceitação, de auto
aceitação, processo do auto amor, e foi aí efetivamente
que eu considero que eu entrei de fato como militante
41

no movimento gordo de Salvador, no movimento anti


gordofobia. (Relato de Isabele).

Após esse processo, Isabele deixou de lado a fotografia comercial e de eventos,


deu início a outro processo profissional, e hoje tem um estúdio itinerante em
Salvador, onde trabalha com fotografia autoral de empoderamento de corpo,
independentemente do tipo de corpo, mas basicamente com corpos gordos, pela
sua inserção no movimento gordo e ser feminista militante anti-gordofobia.

[...] mas enquanto fotógrafa autoral ativista do “corpo


livre”, eu trabalho com o empoderamento de corpo de
uma forma geral, entendeu? O que é o questionamento
desse padrão estético posto e que adoece e que tem
matado as pessoas literalmente. (Relato de Isabele).

Com a culminância do projeto, já conhecendo Carla, Isabele conheceu a


estudante de moda Lourani, que apresentaram a proposta do projeto “A Liga
Transforma”, a mesma passou a compor o projeto, participando com a realização
do registro das ações realizadas e de forma direta nos momentos de discussão
nas palestras realizadas pela Liga.
42

CAPÍTULO 4 - ATIVISMO E EDUCAÇÃO, UM EXEMPLO CONTRA


A GORDOFOBIA: A LIGA TRANSFORMA.

4.1 O projeto "A Liga Transforma"

O projeto "A Liga Transforma” foi idealizado no final do ano de 2018 no


âmbito da parceria com o CRAS - Centro de Referência de Assistência Social 4,
por Lourani Maria (Publicitária e Fashion Designer), que ao receber o convite de
Vera Lúcia Cidade (Assistente Social, pós-graduanda em Seguridade Social,
concluinte do curso de design de moda e coordenadora do CRAS Bairro da Paz)
para a realização de uma palestra sobre empoderamento feminino e gordofobia,
estendeu o convite à Carla Leal (Ativista das Causas Gordas) para participar de
uma exposição sobre a temática. Nascia aí a composição da coordenação do
projeto.

Foto 1 – Logomarca da Liga Transforma

Fonte: Instagram

4
Os Centros de Referência de Assistência Social (CRAS) são unidades públicas integrantes do
Sistema Único de Assistência Social (SUAS). Estão localizados em bairros com elevados índices
de vulnerabilidade e risco social. São oferecidos nesses espaços serviços e programas soco
assistenciais de proteção social básica, prestando acolhimento, informação e orientação sobre a
assistência social. (Fonte: Site https://www.mpba.mp.br/area/caoca/crascreas )
43

De acordo com as idealizadoras/coordenadoras, o objetivo do projeto é


levar informação sobre qualquer tipo de preconceito às mulheres das
comunidades que possuam uma unidade do CRAS, incluindo o enfrentamento da
gordofobia. Através das palestras, são discutidos temas como Protagonismo e
Empoderamento Feminino, Empreendedorismo Feminino, Qualidade de Vida,
Violência contra a Mulher, além de conversas sobre o preconceito existente com
pessoas gordas (Gordofobia), e suas demandas sociais. De modo geral, o projeto
busca mudar a rotina de mulheres carentes através da valorização da autoestima
e convívio social entre elas.

Isto porque as unidades do CRAS caracterizam-se como um local público,


localizado prioritariamente em áreas de maior vulnerabilidade social, onde são
oferecidos os serviços de Assistência Social, com o objetivo de fortalecer a
convivência com a família e com a comunidade. A partir do adequado
conhecimento do território e do perfil das comunidades que abrigam as unidades,
a equipe do CRAS apoia ações comunitárias, por meio de palestras, campanhas e
eventos, atuando junto à comunidade, visando a construção de soluções para o
enfrentamento de problemas comuns, como falta de acessibilidade, violência no
bairro, trabalho infantil, falta de transporte, baixa qualidade na oferta de serviços,
ausência de espaços de lazer, cultural, entre outros.

De tal modo, de acordo com as demandas das temáticas que as


coordenadoras do projeto recebem, elas realizam convites às voluntárias, segundo
o lugar de fala de cada uma. Juntas, organizam e administram palestras e rodas
de conversas nas periferias da cidade de Salvador, caracterizando uma
metodologia participativa.
44

Foto 2 - Palestra de Ilza Bitencourt no Bairro da Paz

Foto: Isabele Costa ©


Fonte https://www.faroldabahia.com/noticia/a-liga-transforma-rede-de-fortalecimento-e-
afirmacao-para-mulheres-em-salvador

Assim, hoje, podemos citar como voluntárias, denominadas como


“embaixadoras”: além das três coordenadoras; a modelo e empresária Cynthia
Paixão; a advogada Cássia Eugenia Gonçalves Cordeiro e a vendedora e modelo
Plus Size, Ilza Carla Bitencourt. Além disso, desde o ano de 2019, o projeto
contou com a entrada da fotógrafa profissional Body Positive, Isabele Costa –
inserção para o registro das atividades, bem como, para participar nas palestras
também.
45

Foto 3- Mulheres Membros da Liga Transforma: Algumas Voluntárias e


as Embaixadoras
(Da esquerda para direita: Isabele Costa, Ilza Bitencourt, Carla Leal,
Lourani Maria e XX)

Fonte: https://www.faroldabahia.com/noticia/a-liga-transforma-rede-de-fortalecimento-e-
afirmacao-para-mulheres-em-salvador

Assim sendo, além de palestras, passaram à realização de publicações


sobre empoderamento feminino e gordo com o compartilhamento de fotos e
vídeos no Instagram, trabalho esse coordenado por Isabele Costa, em parceria
com suas colegas de projeto e outras mulheres de perfil real e também com
imagens retiradas de outras fontes, com mensagens sobre combate a gordofobia,
ao machismo e incentivo ao protagonismo feminino. Entretanto, o projeto não
conta com relatórios dos encontros realizados em parceria com o CRAS.

Como exemplos já citamos aqui a ação “Protagonismo e


empreendedorismo feminino”, quando o CRAS do Bairro do Calabetão realizou um
bate papo com a “Liga Transforma” e as mulheres da comunidade.
46

Foto 4 - Ação no CRAS Calabetão por Carla Leal

Foto: CRAS Fonte: Instagram

Foto 5 - 2ª Ação no CRAS Calabetão

Foto: Isabele Costa © Fonte: Instagram


47

A Liga conta ainda com um vídeo, presente no Instagram, que traz o


registro de uma das palestras realizadas. Futuramente elas pretendem ter algum
retorno por parte das mulheres que participaram ou participarem das palestras.

Foto 6-Capa do Vídeo no Instagram

Fonte: Instagram

Como essa nova forma de comunicação pretende-se atingir um público


maior nas ações da Liga, o grupo já vinha pensando em realizar outras ações, que
visam o combate à Gordofobia partindo de outros olhares, como é o exemplo do
movimento de combate à gordofobia a partir da prática de exercícios, chamado
FreeSiize, que possui uma página própria em paralelo à conta da Liga. As ações
do movimento contou com duas edições até o presente momento: uma em 08 de
fevereiro, na quadra do Jardim dos Namorados, onde as mulheres contaram com
aulas de alongamento, zumba e boxe dance, além de distribuição de lanche e
sorteio de tickets promocionais de uma loja parceira da 1 a edição; outra em 13 de
fevereiro, no Deck do Porto da Barra, onde aconteceu uma aula de Yoga.
48

Foto 7 – Aula de alongamento na 1ª edição do FreeSiize

Fonte: Instagram do Movimento FreeSiize

Foto 8 – Aula de Yoga na 2ª edição do FreeSiize

Fonte: Instagram do Movimento FreeSiize

A Liga também colabora com outros eventos e projetos, como o Baile das
Gordas, que esteve, agora em 2020 em sua terceira edição. O bloco
49

carnavalesco, que sai todos os anos no pré-carnaval de Salvador, no circuito


Barra-Ondina, tem como principal objetivo ocupar os espaços com beleza e
diversidade de corpos no evento; e exposições de trabalhos como o da fotógrafa
autoral Body Positive, Isabele Costa, que também compõe o projeto.

Foto 9 – Bloco carnavalesco “Baile das Gordas” no carnaval de Salvador

Foto: Etiqueta GG - Aratu Online


Fonte:http://blogs.tvaratu.com.br/etiquetagg/2020/02/17/representatividade-na-folia-bloco-
baile-das-gordas-animou-pre-carnaval/?unapproved=4&moderation-
hash=edec197cf06c683c2ab183b89fd5ed69#comment-4
50

4.2 De algumas observações participantes

No mês de setembro de 2019, o projeto recebeu o convite para um "Fat


Talk" no 1° Festival Bahia Plus, evento promovido para debater as histórias de
pessoas gordas e a aceitação destes corpos na sociedade, que contou com o
apoio da Secretaria Municipal de Políticas para as Mulheres, Infância e Juventude
(SPMJ). Neste dia, o evento teve como expositora Carla Leal e Lourani Maria –
coordenadoras do projeto –, com a temática “A mulher gorda contemporânea". Em
tal exposição foi dito sobre os desafios encontrados por mulheres gordas na
sociedade, como: a inadequação do tamanho das catracas dos transportes
coletivos, a insensibilidade das pessoas ao não cederem o assento preferencial
para os obesos nos transportes, além de questões sobre saúde pública e
inadequação desses locais ao público gordo e mercado de roupas.

No “Fat Talk” sobre os desafios da mulher gorda na contemporaneidade,


cheguei um pouco mais cedo, para conhecer o evento, já que o mesmo contou
também com a realização de desfiles, oficinas, workshops e bate-papos. Como já
tinha certa proximidade com a organizadora do evento, a empresária Cínthia
Paixão, que também faz parte da Liga, aproveitei para conhecer um pouco mais
sobre a proposta do evento. Como tratava-se de um evento voltado para o público
gordo, causa ainda muito estigmatizada e negada pela sociedade, nos
conhecendo, acabamos por conversar sobre as demandas reais da nossa
discussão e briga social para aceitação da importância sobre o respeito ao público
gordo, assunto que também foi abordado no “Fat Talk” por Carla, Lourani, Cínthia
e os demais presentes para o momento.

Neste momento, Cínthia me fez o convite para participar também da roda


de discussão apresentando um pouco sobre a minha proposta de pesquisa, pois
“tudo que vem a agregar nos fortalece enquanto causa”, segundo ela.

Nos organizamos espacialmente para a realização da discussão e ouvindo


as falas de Carla, Lourani, Cínthia, e também da ativista Sandra Priscila e do
modelo e mister Plus Size WeyvansTayllon, percebi que nossa identidade é
51

formada por “múltiplas identidades”, que naquele momento, representava para


mim, o queestava sendo agregado à nossa identidade, vindo da identidade de
outros sujeitos também pertencentes do mesmo perfil identitário que o nosso, e
naquele dia sai do evento com um pouco de cada indivíduo ali presente.

Na discussão que aconteceu no dia seguinte, a mesa “O corpo que habito”,


me ausentei do papel de expositora/pesquisadora e assumi o papel apenas de
pesquisadora, onde pude concluir, a partir do que observei, o que discutimos com
frequência sobre os aspectos relacionados à saúde da população gorda: o
estereótipo do indivíduo gordo como sinônimo de adoentado, desleixado, “não-
miss”, “não-bonito”, e o quanto a discussão é tratada como algo cômico, devido a
diversas piadas feitas por alguns expositores.

Na ocasião do evento, apesar da temática da gordofobia ser central, não foi


difícil ouvir algumas falas de comparação do termo “miss” à magreza, ao estado
lindo e maravilhoso do corpo, inclusive partindo de um profissional de saúde, além
de percebermos que o público gordo, quando acompanhado por vários setores da
área da saúde, não é tratado nas suas particularidades. Além disso, que nesse
corpo não é visado a melhoria de sua saúde, e sim de forma generalizada, com a
indicação, em muitos casos, do procedimento cirúrgico para redução estomacal e
a dieta, que é disfarçada ainda por muitos profissionais com o termo “reeducação
alimentar”, pois trata-se de um passo a passo já preestabelecido sem levar em
conta o objetivo do paciente ou suas particularidades, na grande maioria.

No mesmo mês e mesmo evento, a coordenadora Carla Leal participou de


uma mesa de discussão, como mediadora. A mesa constituía da apresentação da
exposição fotográfica intitulada “O corpo que habito”,trazendo o trabalho com
modelos com alguma deficiência física. Além de discutir sobre saúde e
acessibilidade para as pessoas com deficiência, Carla Leal representou a voz do
público gordo, visto que na composição da mesa de discussões, estavam
presentes um cirurgião bariátrico, uma psicóloga, uma nutricionista, uma jornalista
e uma maquiadora, trazendo cada um à sua contribuição sobre a discussão
proposta a mesa.
52

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Há uma pressão vindo de fora (sociedade/ estrutura social), a gorda agora


incomoda o mundo, não só por hoje ela estar percebendo-se mais, cultivando o
amor próprio e desconstruindo-se perante o olhar da sociedade, mas pelo fato de
ela estar assumindo outra postura perante os padrões, e questionando o que
antes ninguém questionava, e se questionava, era considerado como algo menor
(ainda é, mas muitas ideias já foram desconstruídas e muitas identidades já foram
reconstruídas, e perceberemos isso a partir de relatos vindos de mulheres reais,
que na sua caminhada de descoberta de si, passaram a incentivar outras
mulheres e assumirem outras posturas, e contribuíram e contribuem para a
continuidade e fortalecimento das discussões sobre Gordofobia e o feminino.

O desenvolvimento da presente pesquisa possibilitou o início de uma nova


discussão no que se refere ao processo de construção de identidade de um grupo
que, atualmente, vem buscando espaço e inserção de suas discussões não só no
espaço acadêmico, pois esse processo é mais facilitado, como na sociedade,
ambiente de maior disputa entre os indivíduos, e onde tudo acontece.

Tal estudo também possibilitou a apresentação de uma proposta de


trabalho que traz como finalidade não só enriquecer o cenário do Movimento
Gordo na Bahia, mais especificamente, em Salvador, como levar informação,
conhecimento e conscientização a um público que não encontra facilidade no
acesso às informações sobre feminismo, sociedade patriarcal, e preconceitos,
como a Gordofobia.

Realizar a referida pesquisa, fez com que, através de histórias de trajetórias


das mulheres envolvidas no Projeto “A Liga Transforma”, possamos perceber que
hoje em dia, lidamos com algo estrutural, que está levando, ainda, dificuldade e
falta de acesso a pessoas desse grupo: pessoas gordas. Além disso, podemos
perceber através de tais relatos, os motivos iniciais que levam grupos a iniciarem
discussões partindo de si, que foi o motivo inicial que a pesquisadora a insistir na
53

construção do trabalho: responder aos próprios anseios e querer lutar pelo


fortalecimento de outras mulheres.

Os relatos de Carla Leal, Isabele Costa e Lourani Maria, nos revela


problemas enfrentados por mulheres gordas que tenham contato com tal trabalho,
pois todas ou a maioria já devem ter enfrentado problemas para encontrar roupas
do seu gosto, mas devido a processos exaustivos, tiveram que usar aquilo que
cabia (assim como Carla), além de ter consciência de que discutir sobre
Gordofobia também perpassa por pensar na “dor de mundo” que inquietava
Lourani ao tomar a iniciativa de estudar moda, e ainda ,levando em consideração
a área de atuação dentro do ambiente educacional – falar sobre Gordofobia, falar
sobre bullying com pessoas gordas, dentre outras, é algo já presente e exigido no
trabalho curricular de todo professor -, também por terem mulheres que
vivenciaram processos idênticos aos vividos por Isabele, ao chegar ao ponto de
agressão ao próprio corpo.

Pesquisar e escrever sobre a construção da identidade de outras mulheres,


conhecer um pouco mais sobre os dramas enfrentados por elas, me fez perceber
a importância de fortalecermo-nos não só enquanto mulheres, mas enquanto
mulheres gordas, que precisam ser ouvidas, para assim poder viver, e não
somente sobreviver na sociedade.
54

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Referência de Assistência Social – CRAS. Disponível em
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Acesso em setembro de 2019.
57

APÊNDICES

Carta de Apresentação
58

UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB

DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO – DEDC – CAMPUS I – SALVADOR


COMPONENTE CURRICULAR: TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO II
DOCENTE: Profª Dra. CLEIDE MAGÁLI SANTOS
DISCENTE: NATÁLIA FERREIRA LIMA

ROTEIRO DE ENTREVISTA

● O que levou Lourani e pensar no projeto? Em que ano se deu o projeto?


Oficialização.
● Quando e como surgiu o convite para as outras?
● Como se iniciou a parceria com o CRAS e como são esses convites e a
definição da pauta? Como são feitas as escolhas das comunidades?
● Como surge o convite do CRAS para as rodas de conversa junto à
comunidade?
● Qual o direcionamento e participação de cada uma nos momentos de
conversa?
● Vocês encontraram alguma resistência quando iniciaram o projeto?
Comunidade, CRAS?
● Em quais comunidades vocês já estiveram presentes com o projeto?
● De que forma elas buscam estabelecer esses diálogos?
● Existe algum documento oficial para o registro desses momentos?
● Vocês procuram um retorno dessas mulheres após os encontros? De que
forma? Vocês já têm algum registro dessas devolutivas?
● Qual a visão de vocês sobre a utilização do termo GORDA no meio de
discussão?
● Durante os momentos de diálogo, vocês trazem a discussão sobre
Gordofobia como tema principal ou vocês buscam “encaixar” durante as
discussões.

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