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INTERAÇÃO DE TUNELADORAS COM FACE MISTA

TRANSICIONAL

D.G.G. de Oliveira & M.S. Diederichs


Queen’s University, Kingston, Ontario, Canada
M.A.A. Peixoto da Silva
Andrade Gutierrez, São Paulo, Brasil

Condições de faces mistas em túneis escavados por tuneladoras são bastante conhecidas por
apresentarem desafios, sendo extremamente exigentes tanto para os tuneleiros como para as
respectivas máquinas (Thewes 2004).
Estas condições surgem quando dois materiais de comportamento distintos estão presentes em uma
mesma face frente ao túnel. Alguns exemplos são o contato entre um calcário competente e um xisto,
ou uma camada de solo sobre uma superfície rochosa. A camada competente pode apresentar paleo-
relevo, tornando extremamente desafiante a previsão do modelo geológico. Neste caso, contudo, a
transição entre os dois materiais geralmente está bem definida.
Uma variante dessas condições é a face transicional, ou mais especificamente, a face mista
transicional, onde há uma zona composta de solo/rocha, com componentes de força e integridade
variáveis, porém de mesma origem geológica. Tal ambiente seria uma interface de solo residual,
saprolito e rocha, onde nem sempre a transição está bem definida. Estas condições são tipicamente
encontradas em ambientes de clima tropical, onde há intenso intemperismo físico e químico das
formações rochosas.
Ambas as condições representam obstáculos e comportamentos específicos, tanto conhecidos assim
como inesperados, frente às escavações mecanizadas. Uma falha em antecipar estas adversidades em
um projeto, pode resultar em atrasos em sua execução, ou mesmo, aumento de custos. Problemas
comuns incluem: perda de solo; recalques; instabilidades; baixas taxas de avanço das máquinas;
desgaste e danos de ferramentas; intervenções frequentes e longas; entupimentos; blow-outs. Estes
desafios serão aqui discutidos, abordando várias questões relacionadas a operação das tuneladoras e
mecanismos de perda de solo, assim como outros pontos e soluções potenciais.

1 INTRODUÇÃO
Condições de faces mistas, todavia, apresentam um cenário desafiador para escavações mecanizadas
com tuneladoras, conforme mencionado por vários autores (Della Valle 2001, Shirlaw 2015 e 2016,
Thewes 2004, Tóth 2013, Zhao et al. 2007, Maidla et al. 2016, Comulada et al. 2016, Gong et al. 2016,
Oliveira e Diederichs 2016). Estas condições podem ser encontradas em praticamente qualquer lugar
do mundo, mas é principalmente em ambientes urbanos, onde estas condições nem sempre podem ser
evitadas, principalmente devido às restrições de alinhamento dos túneis.
As TBMs (tuneladoras) são projetadas principalmente para faixas específicas de terrenos, tais como os
escudos abertos (Open-Shields) para as rochas competentes, a EPB (Earth Pressure Balance) para solos
argilosos (coesivos) e a Slurry-Shield para solos arenosos (não coesivos), sendo estas duas últimas
citadas, escudos fechados (Closed-Shields). No caso de tuneladoras com escudo fechado, a Figura 1
exemplifica o domínio originalmente definido para cada tipo de máquina, de acordo com a Sociedade
Britânica de Túneis (British Tunnelling Society 2005).
Isaman (2016) afirma: "Infelizmente nem todas as condições do solo são uma faixa perfeita de um
material, e a necessidade de uma máquina mais diversificada é evidente". Recentemente, estes
domínios típicos estão sendo expandidos, auxiliado pelo avanço tecnológico dos aditivos, tais como
polímeros e a espuma usada para condicionamento do material escavado, bem como injeções de
bentonita. Um exemplo a ser citado é a escavação da Linha 4S do Metrô do Rio de Janeiro, detalhado por
Maidlb et al. (2016), onde a escavação principal se deu ao longo de areias médias a grossas, domínio
clássico de uma Slurry-Shield, entretanto escavado por uma máquina EPB híbrida, consequentemente,
aumentando o campo de aplicação deste tipo de máquina.
Figura 1: Gráfico com curvas de distribuição granulométrica de solo e domínio típico para tuneladoras de escudo fechado
(British Tunnelling Society 2005).

Os obstáculos enfrentados em faces mistas e transicionais, no entanto, permanecem, sendo essencial


caracterizar e compreender estes tipos de terreno e sua interação com as tuneladoras.

2 TERRENO MISTO E TRANSICIONAL


Se compreende por face mista a presença de dois, ou mais, materiais que apresentem comportamentos
notavelmente distintos, tais como valores muito diferentes de resistência, coesão, consistência e
rigidez, ou diferenças em seu grau de alteração, no comportamento hidrogeológico, assim como
quaisquer outras características geológico-geotécnicas, que impliquem em um desempenho
relevantemente diverso para a escavação e/ou processo de estabilização do maciço.
Enquanto muitos autores (como Gong et al. 2016 e Tóth 2013) incluem os terrenos de mesma formação
geológica, porém diferentes graus de alteração, como sendo uma face mista apenas, aqui separa-se em
uma categoria distinta, denominada de face (ou terreno) mista transicional, também chamado de MTG
(Mixed Transitional Ground) por Oliveiraa et al. (2017). É fundamental mencionar que nem todos os
materiais que são classificados como face transicional são classificados também como face mista, e vice-
versa.
O terreno transicional, exemplificando, por ser heterogêneo e variável, tanto horizontal como
verticalmente falando, muitas vezes apresenta um núcleo de rocha competente, cercado por um solo
residual maduro, o que, neste caso, implica em um típico terreno misto transicional. Por outro lado,
também pode ocorrer uma transição gradual, a partir da rocha matriz, passando gradualmente para
uma camada saprolítica, com rocha muito alterada a alterada, gradando para um solo jovem e,
posteriormente, um solo maduro no topo, neste caso sendo apenas um terreno (ou face) transicional,
porém não misto. Obviamente, esta classificação também dependerá do diâmetro do túnel, ou uma
simples questão de escala.
Nem sempre é possível prever essa transição, sendo este um dos principais aspectos que torna o
terreno misto transicional um grande desafio para escavações mecanizadas, pois não há o caráter
flexível existente nas escavações convencionais. Tanto a máquina, como a equipe de operação, tem de
lidar constantemente com um cenário de incerteza à sua frente, exigindo um ajuste constante da
operação da máquina e parâmetros de condicionamento do terreno.
Uma das principais características da face mista transicional é sua heterogeneidade e o aspecto
irregular em seu grau de alteração, um produto de processos meteóricos intensos, especialmente em
regiões de climas tropicais e subtropicais, conforme detalhado em Oliveiraa et al. (2017). Este terreno
pode chegar a espessuras consideráveis em solos brasileiros, como citado por Vargas (1981). Para
ilustrar estes aspectos, a Figura 2 apresenta duas seções geológicas feitas para um mesmo trecho. A
seção superior foi elaborada no início do projeto, antes de uma ruptura ocorrer. Posteriormente, essa
mesma seção foi reajustada após a obtenção de mais furos de sondagens, onde o topo rochoso foi
redefinido (Shirlaw 2015). As Figuras 3 e 4 ilustram os aspectos, acima citados, da face mista
transicional.
Figura 2: Seções geológicas, elaborada no início do projeto (seção superior) e sua reavaliação (seção inferior; Shirlaw 2015).

Figura 3: Afloramento de terreno transicional misto, Segamat, Figura 4: Escavação sequencial em terreno transicional
Malásia (Abad et al. 2016). misto de gnaisse, embasamento da Bacia de São Paulo.

A Tabela 1 apresenta a compilação de dados de alguns solos residuais tropicais de São Paulo e algumas
localidades da Malásia, apontando suas principais propriedades físicas. Uma compilação mais completa,
contando com 519 dados de distintas localidades, pode ser acessada em Oliveiraa et al. (2017).
Tabela 1: Parâmetros físicos de algumas amostras de solo residual do Brasil e da Malásia.

Rocha- Granulometria % γnat c’ φ’


Amostra e
mãe Argila Silte Areia Cascalho kN/m3 kPa °
Vila Anastácio* Gn 40 38 22 NI 16.7 1.1 34 29.3
Pinheiros* Gn 5.3 28.3 50.3 NI 18.9 0.68 14 29.5-36.2
Rodoanel* Gn 18 34.2 47.6 NI 17 0.84 30 31.7
Caxingui* Gn 10 42 40 8 20.4 0.6 37.3 26.2
Santo André* Gn 43 17 40 NI 16.3 1.2 39 30
Osasco* Gn 44 14 42 NI 18.3 0.83 23 34.4
Jandira* Gn 15 53 32 NI 15 1.18 14-34 29
Mandaqui* Gn 40 38 22 NI 16.7 1.1 34 29.3
Vila Albertina* Gr 45 20 34 NI 18.9 0.81 16.5 30.1
Cheras, Kuala Lumpur** Gr 49 13 38 0 NI NI NI NI
Nilai, Negeri Sembilan** Gr 34.3 31.1 34.6 NI NI - -
Melaka, Malasia** Gr 10-45 32-50 10-53 - NI NI 9.5-28 8-17.5
ITM Shah Alam, Malasia** Gr 23 77 - NI NI 28 39
UTM, Johor, Malasia** Gr 53 12 35 NI NI 10-13 31-33
* Dados
compilados por Futai el al. 2012. ** Dados compilados por Salih 2012. NI – Não informado, Gn – Gnaisse, Gr – Granito.
Nesta tabela, assim como no artigo mencionado, o que pode ser claramente notado é a heterogeneidade
desses solos residuais. Os solos da Malásia são mais arenosos, até mesmo com proporções significativas
de cascalho, enquanto que os solos de São Paulo são predominantemente siltosos e até mesmo
argilosos.
Notado por vários autores, e também já esperado como resultado do processo de intemperismo, os
solos residuais jovens apresentam uma quantidade maior de areia e cascalho, enquanto que a porção
madura tem uma frequência mais elevada de argila, o que implica nas diferenças de consistência do
material, influenciando valores de NSPT, como mencionado por Futai et al. (2012). A camada saprolítica
também preserva as características estruturais da rocha-mãe e geralmente são impenetráveis a
sondagem percussiva.
Existem outros aspectos que podem ser mencionados sobre este material, como permeabilidade e
demais parâmetros mecânicos, estando estes resumidos em Oliveiraa et al. (2017), além de diversos
outros autores aí também citados. Da mesma forma, há uma proposta de classificação para as condições
do solo mistos, especialmente com relação ao avanço da tuneladora, publicado por Tóth (2013) e,
recentemente resumidos por Gong et al. (2016).

3 PRINCIPAIS DESAFIOS
Depois de vários incidentes com tuneladoras de escudos fechados, a Sociedade Britânica de Túneis
elaborou uma diretriz sobre o assunto. Parte dessa, inclui-se uma pesquisa de dados adquiridos sobre
incidentes de colapso ou perdas de solo excessivas, em projetos com escudos fechados ao redor do
mundo. Considerou-se um total de 100 locais, como mencionado no documento da Sociedade Britânica
de Túneis (British Tunnelling Society 2005). A Tabela 2 resume estes dados sobre os incidentes.
Tabela 2: Resumo das características dos incidentes em máquinas de túnel de face fechada (British Tunnelling Society 2005).

Classe de incidente Slurry Shield EPB


Número total de incidentes 14 47
Problemas durante manutenção ou com a tuneladora 4 8
Obstruções do terreno 1 4
Sobre-escavações 8 16
Obstruções do sistema/Outros 0 4
Causa desconhecida 0 6
Condições de terreno em face mista 5 13
Erro humano 4 15
Decisões técnicas inapropriadas 0 13
Partida/Chegada da tuneladora 0 9

O que se pode observar é uma quantidade significativa de incidentes em condições de terreno misto:
27,6% dos incidentes em EPB e 35,7% em máquinas do tipo Slurry. Há um número considerado de
publicações recentes, já mencionadas na introdução deste trabalho, relatando os desafios e problemas
que compreende as condições de face mista em escavações mecanizadas. Os problemas, nestas
publicações, se assemelham demasiadamente e podem ser resumidos abaixo:
- Perdas de solo;
- Rupturas com reflexos na superfície;
- Taxas lentas de avanço;
- Desgaste rápido de ferramentas, especialmente discos de corte;
- Danos a ferramentas, braços misturadores e outras partes da TBM;
- Intervenções muito frequentes e longas;
- Clogging;
- Blow-outs;
- Elevadas temperaturas dentro da câmara de escavação, evitando intervenções.
Fundamentalmente, as causas destes problemas encontrados estão conectadas, e podem ser
sintetizadas em certos aspectos, descritos a seguir com o auxílio do esquema proposto por Thewes
(2004) e apresentado nas Figuras 5 e 6. Primeiramente, ao se considerar a proporção de solo-rocha na
face, há dois cenários principais que levariam aos piores cenários enfrentados durante a escavação da
tuneladora, neste caso, especificamente uma EPB. A Figura 5 mostra a tuneladora, em modo fechado,
com uma pequena proporção de rocha na base e de solo (ou rocha muito alterada) no topo. A principal
questão para esta situação apresentada é a elevada carga de impacto que os discos cortantes venham a
sofrer ao girar de um solo macio (ou rocha muito alterada e menos competente) para um material mais
competente (rocha sã ou menos alterada).

Figura 5: EPB em face mista com pequena quantidade de Figura 6: EPB em face mista com grande quantidade de
rocha na base (Thewes 2004). rocha (Thewes 2004).

Estes altos impactos levam a um alto desgaste e danifica os discos cortantes, como pode ser observado
na Figura 7, do projeto de metrô da Linha 5 de São Paulo, e na Figura 8, discos aplainados devido ao
desgaste, em um projeto em Cingapura. Esta questão também levaria a outros problemas, afetando a
máquina, como explicado claramente por Comulada et al. (2016): "A força de contato da ferramenta é
concentrada nas áreas da face com rocha dura, levando a um risco de sobrecarga sobre os discos de
corte. Portanto, em condições de face mista, é imperativo limitar a força de empuxo para evitar
sobrecarga sobre os discos de corte, o que acaba por limitar ainda mais a velocidade de avanço da
máquina".

Figura 7: Disco cortante achatado devido ao desgaste Figura 8: Discos aplainados devido ao desgaste, em
(Comulada et al. 2016). Cingapura (Shirlaw 2015).

Outra questão que o desgaste das ferramentas de corte conduz, são as intervenções frequentes e longas,
mencionadas por todos os autores e quantificadas em detalhes por Shirlaw (2015). Mais intervenções
significam diretamente uma menor utilização da máquina, com baixo desempenho e atrasos crescentes.
Posteriormente, se considerado o oposto da situação anterior, ou seja, uma quantidade maior de rocha
coberta por uma baixa quantidade de solo e presença de água subterrânea (Figura 6), o primeiro
problema é a incapacidade de se manter a pressão de frente na face. Isso ocorre devido a elevada
quantidade de fragmentos de rocha dentro da câmara de escavação, não sendo possível atingir a
desejável trabalhabilidade da mistura do material escavado, mesmo que condicionado. Esta situação,
com grande porcentagem de rocha (ou clastos, no caso de um conglomerado, por exemplo), estaria no
campo em branco, canto lateral direito, apresentado na Figura 1. Ou seja, nestes trechos rochosos, com
as ferramentas tradicionais e atuais de uma EPB, ou até mesmo uma Slurry-Shield, não seria indicada a
escavação com tuneladoras.
Portanto, materiais diferentes (blocos de rocha e solo) não se misturam a ponto de formarem uma
pasta homogênea. Por consequência, uma segregação dos materiais na antecâmara ocorre
naturalmente, com a sedimentação do material mais denso por baixo do material de menor densidade,
e formação de uma bolha de ar na porção superior devido à adição de espuma necessária à lubrificação
dos materiais. A presença de ar na porção superior da antecâmara torna-se um risco às escavações, com
fuga de ar para o maciço; repentina perda de pressão de frente; e formação de instabilidades e fuga de
material para o interior da antecâmara.
Para minimizar tais efeitos com a tecnologia EPB convencional (ou seja, manter a antecâmara sempre
preenchida), ter-se-ia que imprimir rotações elevadas na cabeça de corte, muito provavelmente acima
dos limites recomendados para a condição de face mista, sujeitando as ferramentas e a própria roda de
corte a severos danos.
Para contornar o problema, Slurry-Shields ou mesmo sistemas híbridos, em que se converte a tecnologia
EPB em Slurry-Shield, têm sido escolhidos para tais situações adicionando-se lama bentonítica à frente
de escavação. Dessa forma, consegue-se minimizar a formação da bolha de ar na calota da antecâmara,
evitando-se assim a fuga de ar para o maciço.
Corroborando para o exposto, Shirlaw (2016) comenta que, a experiência acumulada de 30 anos de
escavação com máquinas tuneladoras em face mista, países asiáticos têm tido a tendência de optar por
equipamentos do tipo Slurry-Shields nessas condições, justamente para solucionar o problema de perda
de pressão de frente verificado na tecnologia EPB.
Ainda assim, dependendo da porcentagem de fragmentos rochosos, mesmo com uma Slurry-Shield, não
é possível evitar instabilidades da frente de escavação. Isso é facilmente observado ao se realizar testes
do tipo slump, tradicionalmente utilizados para se avaliar o condicionamento de materiais com
espumas e demais aditivos. No caso de uma alta proporção de fragmentos rochosos (acima de 85%), é
praticamente impossível de se obter um valor satisfatório no teste de slump, mesmo sendo adicionada
bentonita (Thewes 2016, informação pessoal).
Resumindo, esse cenário, com alta proporção de fragmentos de rocha em modo fechado da EPB, pode
resultar em perdas de solo, assentamentos e, em alguns casos, rupturas com possíveis reflexos na
superfície. O cenário descrito tem sido encontrado em vários projetos e um deles foi o da Linha 5, São
Paulo, onde em alguns casos as perdas de solo ultrapassaram 5%, levando a instabilidades locais que
precisaram ser preenchidas posteriormente (Peixoto da Silva et al. 2016).
Ainda com relação à trabalhabilidade do material, ou do muck1, Maidl et al. (2012) demonstraram que a
consistência necessária deste material situa-se no campo entre 0,4 a 0,75, referente ao seu índice de
consistência (CI = (LL-W)/(LL-PL)), representado na Figura 9 pela seta dupla verde. Neste mesmo
diagrama, Hollman e Thewes (2012) definiram os campos de susceptibilidade ao clogging, ou
entupimento de ferramentas e orifícios devido a tendência de material argiloso aderir a uma superfície
metálica. Conforme detalhado em Thewes (2012), este diagrama avalia materiais e sua respectiva
tendência a ter problemas de entupimento devido a presença de argila (clogging), considerando na
abscissa a diferença do limite de plasticidade e o teor de umidade, e na ordenada, a diferença do limite
de liquidez e o teor de umidade de um solo.
Este diagrama mostra claramente quão crítico é alcançar a consistência desejada e, ao mesmo tempo,
evitar a área potencial de entupimento, deixando como opção o campo que é definido pela área dupla
marrom no diagrama. Ou seja, o cenário enfrentado pelas faces mistas se revela extremamente
desafiador, pois ao se buscar atingir a trabalhabilidade ideal do muck, do meio de suporte, adicionando
condicionantes, há uma possibilidade grande de se atingir também um campo de alta tendência de
clogging. Em termos práticos, a fim de se atingir este campo ideal, água, condicionantes (espuma,
aditivos, bentonita) tem que ser adicionados, trazendo a lama para esta "condição perfeita", que
poderia ser praticamente chamada de "A Arte de Sentir a Lama" (traduzido de “The Art of Feeling the
Muck”, segundo Oliveira e Diederichs 2016).
Neste mesmo diagrama, foram plotadas amostras compiladas de dados publicados de solos residuais de
São Paulo (círculos em roxo) e de Cingapura (diamantes alaranjados), conforme citado em Oliveiraa et

1 Muck: termo utilizado referir-se ao material escavado mais os condicionantes (espuma, polímeros, solos finos injetados).
al. (2017). Fica claro que as amostras de São Paulo estão principalmente concentradas no campo
denominado rígido e muito rígido, enquanto que os solos de Cingapura estão no campo “macio”. Para as
amostras de São Paulo, se faz necessário adicionar líquidos (espuma, água), para se atingir o campo
ideal de trabalhabilidade, segundo Maidl et al. (2012). Ao se aumentar os teores de umidade,
certamente as amostras passarão pelo campo de elevada tendência ao clogging. Seguramente estes
aspectos deverão ser mais investigados, considerando principalmente os tipos de argila (Esmectita,
Caolinita, Illita), sua influência no total de uma amostra bem graduada, assim como outros minerais e
sua influência na tendência para o clogging, como detalhado em Oliveirab et al. (2017).

Figura 9: Diagrama de avaliação de tendência ao clogging, com os intervalos de consistência típica para que o muck funcione
como suporte da frente (seta verde) de acordo com Maidl et al. 2012 e da área parcial menos suscetível ao clogging (seta
marrom) (modificado de Hollman e Thewes 2012). Os círculos roxos representam amostras da cidade de São Paulo e os
diamantes laranjas representam amostras de Cingapura, dados compilados e apresentados em Oliveira a et al. (2017).

Há formas disponíveis de se controlar esta consistência ideal do muck, ao controlar a pressão de frente
através dos sensores presentes na câmara de escavação, além do auxílio de softwares de controle
disponíveis para tuneladoras, como, por exemplo, o TPC (Babendererde 2015) e o PROCON (Maidla et al
2016). No entanto, levando em conta a frequência com que a frente de escavação varia em condições de
face mista transicionais, assim como o atraso a ser considerado para que o material da face chegue
finalmente na esteira, juntamente com as limitações de investigação do local na previsão destas
mudanças, exatamente ao longo do alinhamento do túnel, ajustar os parâmetros da máquina o mais
rápido possível, sem perder a pressão de frente, se caracteriza como um constante desafio, onde a
realidade prática não está muito longe da expressão "The Art of Feeling the Muck".
Além disso, observou-se um tipo de entupimento secundário, devido ao cozimento deste mesmo
material, causado pelo superaquecimento da máquina ao escavar a face mista, onde a argila é
literalmente cozida e presa sobre as ferramentas de escavação. Estes fatores adicionais certamente
precisam de ser abordados no futuro.
4 MEDIDAS DE MITIGAÇÃO
A primeira medida de mitigação para ajudar a diminuir os riscos envolvidos na escavação deste tipo de
terreno, sem dúvida, é uma boa campanha de investigação geológico-geotécnica, antes e durante a
operação da máquina, associada a uma boa campanha de monitoramento. Para o caso do terreno de
transição, sugere-se a inclusão de várias sondagens inclinadas, além de um bom método geofísico, de
modo a aproximar tanto quanto possível os limites reais do topo rochoso ao longo do alinhamento do
túnel. Entretanto, mesmo com uma investigação de campo ideal, é possível não ser factível definir com
precisão o topo correto, levando em consideração o padrão errático dos paleo-vales típicos dessas
unidades geológicas. Portanto, isso deve ser sempre considerado na escolha e definição da máquina, ou
seja, mesmo que uma campanha não indique necessariamente a presença de materiais competentes,
como rocha, isto deve ser sempre ponderado durante o projeto e a execução de um túnel.
A escolha da máquina, bem como seus parâmetros e características, parece ser um fator essencial na
diminuição de vários problemas enfrentados com a face mista transicional. É importante definir a
máquina adequada, bem como seus principais parâmetros, visando completar com êxito os desafios a
serem enfrentados na escavação. Ao escavar com um terreno de tal natureza heterogênea, a máquina
tem que ser flexível o suficiente para lidar com imprevisíveis trechos de rocha.
Menciona-se, também, o avanço tecnológico de máquinas híbridas, como a Variable Density
(Herrenknecht), descrita por Burger (2013) e mostrada na Figura 10, ou a máquina Crossover (Robbins
Company), como descrita por Sandell e Stypulkowski (2015) e ilustrada na Figura 11.

Figura 10: Variable Density, modo aberto EPB (canto superior Figura 11: Crossover SXE (Sandell e Stypulkowski
esquerdo), modo fechado EPB (canto superior direito), modo 2015).
Slurry de alta densidade (inferior esquerdo) e modo Slurry
(inferior direito) (Burger 2013).

Embora estas máquinas ainda não tenham sido testadas no terreno de transição típico, a maioria delas
tem escavações completadas ao longo de faces mistas, como Kuala Lumpur e Cidade do México. Essas
máquinas poderiam ser consideradas como uma possibilidade em futuros projetos ao longo de terrenos
mistos transicionais em áreas tropicais.
Deve-se citar também os novos avanços nos métodos geofísicos à frente das máquinas, como o sistema
em desenvolvimento pela NFM Technologies (Camus 2016). Este sistema, e outros, poderiam trazer
grande vantagem em prever matacões e topo rochoso à frente de escavação. Espera-se que todas estas
máquinas e novas tecnologias contribuam para a diminuição destes desafios enfrentados. No entanto, é
certamente necessário investigar o comportamento deste tipo de terreno e a interação com essas novas
máquinas e suas tecnologias.
Quanto aos aspectos operacionais, Comulada et al. (2016) descrevem com precisão os desafios
enfrentados e as soluções propostas durante a operação ao longo de uma face mista transicional para a
Linha 5 em São Paulo. Eles mencionam, por exemplo, a operação em modo de transição, com ar
comprimido no topo da câmara de escavação, a fim de melhorar o fluxo de material, reduzindo o torque
e o desgaste secundário. No entanto, este modo leva a problemas de instabilidade devido ao alto teor de
areia nas camadas saprolíticas. Como solução, foi por vezes aplicado o modo de transição da máquina
com injeção de bentonita, compensando o "vazio" na antecâmara criado pelo ar comprimido e
reduzindo as instabilidades locais. No entanto, a adição de lama quebra as estruturas da espuma. Em
uma condição de aquecimento da máquina, a lama torna-se menos viscosa, favorecendo inclusive o
entupimento da frente.
Obter parâmetros corretos de condicionamento do material na câmara de escavação é extremamente
crucial. A compreensão da influência dos principais parâmetros de condicionamento de solo, como o
FER (proporção de expansão da espuma), e FIR (proporção de injeção de espuma), além da
investigação do comportamento de componentes principais de solos tropicais residuais, como a
presença de certos argilo-minerais, minerais micáceos, além de variâncias na granulometria,
consistências e teores de umidade, certamente contribuirá para o controle do processo de escavação e
estabilidade de frente, consequentemente, diminuindo os riscos, conforme detalhado em Oliveirab et al.
(2017).
E, finalmente, uma equipe eficiente e bem informada de supervisão e operação, é certamente uma
diferença na resposta e atuação frente a quaisquer questões críticas que possam surgir durante a
escavação, com tempo suficiente para tomar as medidas necessárias, evitando quaisquer incidentes.

5 CONCLUSÃO
Faces mistas transicionais, como exposto até agora, ainda apresentam um ambiente altamente
desafiador, chamado de "A Caixa de Pandora" da escavação mecanizada, por Oliveira e Diederichs
(2016).
Sem dúvida, há uma clara necessidade de investigar mais a fundo todos esses tipos de terrenos mistos
de clima tropical e entender seu comportamento frente à escavação com tuneladoras. Deve considerar-
se não só o terreno e a máquina, mas também o seu comportamento relativo a todas as opções atuais de
agentes condicionantes, incluindo água e bentonita, juntamente com as suas proporções (FER e FIR), e
futuras soluções propostas de aditivos.
Ao se compreender melhor o condicionamento destes tipos de terreno, “The Art of Feeling the Muck”
poderá deixar de se caracterizar tanto como uma “arte”, ou como um processo intuitivo, e se tornar
muito mais baseado em conhecimentos empíricos e investigações científicas.
Os avanços tecnológicos nas máquinas e suas ferramentas também terão um papel importante na
solução de alguns dos problemas. Por exemplo, um sistema de suspensão para os discos de corte
poderia diminuir a carga de impacto, diminuindo o seu dano em condições de face mista.
Concluindo-se, devido ao caráter operacional integrado de uma tuneladora, onde processos de
escavação e suporte se dão simultaneamente, espera-se que as soluções venham a surgir a partir de
uma abordagem multidisciplinar, de caráter holístico, onde geologia, geotecnia, engenharias civil,
mecânica e química, interajam, propondo medidas eficientes para mitigar um cenário tão complexo e
desafiador.

6 AGRADECIMENTOS
Os autores gostariam de agradecer o apoio técnico de Brad Grothens (The Robbins Company), Karin
Bäppler (Herrenknecht) e Thomas Camus (NFM). Também gostaríamos de expressar grande apreço
pelas valiosas discussões sobre o assunto com o engenheiro Nick Shirlaw (Golden Associates), Prof.
Markus Thewes (Universidade de Ruhr, Bochum), Prof. Adam Bezuijen (Universidade de Ghent), Lars
Babendererde (Babendererde Associates), Marc Comulada, Benno Ring e Hans Gaumann (Maidl
Consultants) e Gustavo Aguiar (Universidade de São Paulo).

REFERENCIAS
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