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Máquinas Térmicas

Prof. Carlos Gurgel


Dep. Engenharia Mecânica – FT
Universidade de Brasília

Capítulo III – Substância de Trabalho (Eastop and McConkey, 1993)

1. Líquido, Vapor e Gás

O estado da massa contida nas fronteiras de um sistema é definido por duas


propriedades termodinâmicas. A substância de trabalho pode estar na fase líquida,
vapor ou gasosa. Todas as substâncias podem existir em qualquer das três fases,
contudo, em termodinâmica, é costume se identificar a substância pela fase em que
ocorre nas condições de equilíbrio para as quais a pressão e a temperatura são
atmosféricas.
Quando um líquido é aquecido a pressão constante, a evaporação ocorre à
temperatura fixa. Quanto maior a pressão, maior a temperatura de vaporização. Num
diagrama p – v a curva apresenta uma certa inclinação, conforme a Fig. III-1 indica.

p R p R’
pR pR
Q pQ pQ
Q’
pp pp
P P’

v v

Ponto de ebulição Ponto de evaporação completa

Figura III-1: Ponto de ebulição e de evaporação completa num diagrama p – v.

Quando o líquido atinge o ponto de ebulição, qualquer adição de calor, a pressão


constante, provoca mudança de fase da substância, de líquido para vapor. Durante a
mudança de fase, tanto a temperatura como a pressão, permanecem constantes. O
calor adicionado é denominado entalpia específica de vaporização. Quando o volume
específico atinge um certo valor a vaporização se encerra e uma nova linha pode ser

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definida; pontos P’, Q’ e R’, conforme está ilustrado na Fig. III-1. Esta duas curvas
podem ser estendidas para alta pressões e em algum ponto se encontrarão (Fig. III-2).
Este ponto particular é chamado de ponto crítico. No ponto crítico a entalpia de
vaporização é zero. Substâncias que se localizam abaixo deste ponto e dentro das
curvas apresentam duas fases, líquido e vapor seco. Esta mistura é denominada vapor
úmido. O estado para o qual uma mudança de fase pode ocorre sem alterações na
pressão e temperatura é conhecido como estado de saturação. A linha definida pelos
pontos P, Q e R é denominada linha de líquido saturado. De maneira similar, a linha
definida pelos pontos P’, Q’ e R’ é denominada linha de vapor saturado. Usualmente,
o vapor saturado é chamado de vapor seco saturado, uma vez que não contem líquido.
A Figura III-2 mostra as linhas de temperatura constantes, isotérmicas, num diagrama
p – v.

TC
p

R’

T3
Q’
T2

T1 P’

Figura III-2: Isotérmicas de vapor num diagrama p – v.

Seguindo se qualquer isotérmica, na região de líquido, observamos que a curva de


temperatura, imediatamente após interceptar a linha de líquido saturado, confunde-se
com uma isobárica. Neste ponto, defini-se a temperatura de saturação para uma dada
pressão de saturação. A linha de temperatura crítica, apenas toca o ponto crítico.
Quando um vapor seco saturado recebe uma certa quantidade de vapor, sua
temperatura aumenta imediatamente tornando-se super aquecido. Pode-se, então,
definir o grau de superaquecimento do vapor como a diferença entre a temperatura
deste e do vapor saturado seco na pressão do vapor saturado seco. Entre as linhas de
líquido saturado e vapor seco saturado, a temperatura a pressão não são

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independentes pois para diversos valores de v, tanto T quanto P são constantes,
portanto, P e T não são propriedades independentes nesta região. Portanto, dado, P ou
T, uma segunda propriedade deve ser fornecida para se definir por completo o estado
termodinâmico da mistura. Conforme se observa na Fig. III-2, o volume específico
pode ser combinado com outra propriedade, P ou T, para se definir um dado estado na
região de vapor úmido. Nesta região, costuma-se identificar o volume específico pelo
título (x), grau de secura, da mistura. Isto é,

massa de vapor
x=
massa da mistura

Desta forma, título igual a 1 significa vapor saturado e título igual a zero, líquido
saturado.

A distinção entre gás e vapor super aquecido não é muito rígida. Em elevado graus de
super aquecimento, uma isotérmica no diagrama p – v tende para uma hipérbole (pv =
constante). Sabemos que a equação dos gases perfeitos é dada por

pv
= constante .
T

Quando uma linha de temperatura constante segue uma lei hiperbólica, a equação
acima é satisfeita. Todas as substâncias tendem a obedecer aquela equação em
elevados graus de super aquecimento. Oxigênio, nitrogênio, hidrogênio, denominados
gases, são simplesmente vapores altamente super aquecidos em temperaturas
atmosféricas. Substâncias que ocorrem normalmente no estado de vapor precisam ser
aquecidas a altas temperaturas antes de iniciarem comportamento típico de gás
perfeito.
As propriedade de vapor saturado podem ser encontradas em tabelas ou em programa
de computadores. Seguem algumas observações.

A mudança de entalpia específica de hf para hg é dada pelo símbolo hfg. Aplicando-se


a primeira lei para sistema fechado na mudança de líquido saturado para vapor
saturado temos,

Q +W = u2 − u2 = ug − u f

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O trabalho é dado pela área sobre a curva no diagrama p – v. Isto é,

W = −( v g − v f ) p

Portanto,

Q = (u g − u f ) + p(v g − v f )

Q = (u g + pv g ) − (u f + pv f )
Da definição de entalpia,

Q = h g − h f = h fg

Na região de vapor úmido, o volume total da mistura é dado pela soma do volume do
líquido presente mais o volume da vapor seco. O volume específico é dado por,

vol. liq. + vol. vap.


v=
massa total da mistura

Portanto, se em 1 kg mistura identificamos uma quantidade de x de vapor seco, onde


x é o título, o volume específico é dado por,
v = v f (1 − x ) + v g x .

Para a entalpia e energia interna,

h = h f (1 − x ) + xhg u = u f (1 − x ) + xu g

h = h f + xh fg u = u f + x(u g − u f )

Na região de vapor super aquecido, a temperatura e a pressão são propriedades


independentes. Portanto, quando a temperatura e pressão são fornecidas, o estado da
substância fica determinado.

Exemplo III-1:

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Utilize o programa apropriado e calcule o volume específico, a entalpia específica e a
energia interna de vapor úmido a 18 bar com título igual a 0.9. Determine os valores
da propriedades nas linhas de saturação e verifique os valore obtidos empregando as
equações acima.

Escolhendo p e x para as propriedades do vapor, e introduzindo-se os valores acima,


obtêm-se:

T = 207.1 °C, h = 2606 kJ/kg, v = .09949 m3/kg e u = 2457 kJ/kg.

Vamos aplicar a teoria. Das tabelas de vapor os valores de v, h e u poderiam ser


obtidos e consequentemente, as mesmas propriedades poderiam ser obtidas com título
igual a 0.9. Contudo pode-se utilizar o programa e determinar estas propriedades para
Saturation.
Desta forma, para alinha de vapor saturado,

vg = 0.1152 m3/kg, hg = 2797 kJ/kg e ug = 2598 kJ/kg e para a linha de líquido

saturado vf = .0.0011678 m3/kg, hf = 884.6 kJ/kg e uf = 882.5 kJ/kg.

v = xv g = 0.9(0.1152) = 0.10368 m3/kg,

h = h f + xh fg = 884.6 + 0.9(2797 − 884.6) = 2605.8 kJ/kg

u = u f + xu fg = 882.5 + 0.9(2598 − 882.5) = 2426.5 kJ/kg

Portanto, pode-se determinar tais propriedades por intermédio de tabelas, aplicando-se


as equações acima ou, diretamente de um programa apropriado.

Exemplo III-2:
Vapor a 7 bar tem entalpia específica de 2600 kJ / kg. Calcule a temperatura, o
volume específico, a energia interna e o título.

Utilizando se o programa, T = 164.97 °C, u = 2424 kJ / kg e v = 0.2514 kg / m3.

Exemplo III-3:

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Utilizando o programa apropriado, calcule:
a) a entalpia, a temperatura e o volume específico a 1.902 bar, título 0.95;
b) a entalpia o volume específico e o título a 8.57 bar, 60 °C.

Com auxílio do programa,


a) T = -19,774 °C, h = 1352 kJ / kg e v = 0.587 kg / m3.

b) h = 1570 kJ / kg, v = 0.17832 kg / m3 no estado superaquecido.

Gás Perfeito

Em temperaturas bem acima da temperatura crítica ou em pressões bem baixas o


vapor tende a obedecer a equação

pv
= constante = R .
T

De fato, nenhum gás segue rigorosamente esta lei mas nas aplicações práticas é uma
boa aproximação. Um gás imaginário que obedeça tal lei é denominado gás perfeito.
Na equação, R é a constante específica dos gases [N m / kg K ou kJ / kg K] cujo valor
é característico do gás em questão. Desta forma,

pv = RT pV = mRT

Introduzindo-se o conceito de quantidade de substância (mol ou kmol), pode se


expressar a equação na forma molar. Esta quantidade é definida como um sistema
contendo a substância de interesse tal que possua o mesmo número de entidades
(átomos, moléculas, íons, elétrons ou outras partículas) a mesma quantidade
encontrada em um sistema com 0.012 kg de carbono-12.
~ como,
Para isto, definimos m

~=m
m
n

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Na equação acima, n é a quantidade de substância em moles [kmol] e m é a massa
~ tem a unidade [kg / kmol]. Equação do gás perfeito pode ser escrita
[kg]. Portanto, m
como,

~ RT .
pV = nm

A hipótese de Avogrado estabelece que 1 kmol de qualquer substância gasosa ocupa o


mesmo volume de 1 kmol de qualquer outro gás quando ambos estão à mesma
temperatura e pressão. Portanto, a razão V / n é constante para todos os gases com
valores iguais de p e T. Manipulando-se a equação acima, podemos isolar a constante
R de forma,

pV ~
= mR .
nT

O termo do lado direito pode ser transformado numa única constante fornecendo,

~
pV = nR T .

~
O termo R é denominado constante universal do gases (molar) e vale
8314.5 N m / kmol K. O valor da constante para um gás específico pode ser achado
simplesmente dividindo-se a constante universal pelo peso molecular do gás.

Exemplo III-4:
Um vaso de volume 0.2 m3 contem nitrogênio a 1.1013 bar e 15 °C. Se 0.2 kg de
nitrogênio é bombeado para o tanque, calcule a nova pressão quando o vaso retornar à
sua temperatura inicial. O massa molecular do nitrogênio é 28 kg / kmol e este pode
ser assumido como gás perfeito.

A constante específica do gás é

~
R 8314.5
R= ~ = = 296.95 N m / kg K
m 28

Com as condições iniciais aplicadas à lei dos gases perfeitos de terminamos m1.

p1V1 = m1 RT1

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desta forma,

p1V1 1.013 × 10 5 × 0.2


m1 = = = 0.237 kg
RT1 296.95 × 288

Foi adicionado 0.2 kg de nitrogênio, portanto, a massa total m2 é

m 2 = 0.2 + 0.237 = 0.437 kg.

Nesta condição, aplicamos a lei dos gases perfeitos para determinar a pressão uma vez
que o volume e a temperatura são conhecidos e a massa foi calculada,

p 2V 2 = m 2 RT 2

m 2 RT1 0.437 × 296.95 × 288


p2 = = = 1.87 bar
V1 10 5 × 0.2

O calor específico de um sólido ou líquido, é usualmente definido como o calor


requerido para se elevar em um grau a temperatura de uma massa unitária. Isto é,

dQ = mcdT .

Nesta equação, c é o calor específico.


No caso de gases, existem infinitas maneiras pelas quais o calor pode ser adicionado
entre duas temperaturas distintas. Contudo, em termodinâmica somente dois calores
específicos são definidos; calor específico a volume constante, cv, e calor específico a
pressão constante, cp.

Um tratamento rigoroso do assunto nos daria as seguintes expressões,

⎛ ∂u ⎞ ⎛ ∂h ⎞
cv = ⎜ ⎟ cp = ⎜ ⎟ .
⎝ ∂T ⎠ v ⎝ ∂T ⎠ p

Partindo-se da definição, podemos escrever

dQ = mc p dT para um processo reversível a pressão constante (sistema) e

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dQ = mc v dT para um processo reversível a volume constante (sistema).
No caso de gases perfeitos, os calores específicos deveriam ser constantes para todas
as temperaturas e pressões. Contudo, variações nos calores específicos de gases reais
são observadas como conseqüência da mudança na temperatura. Assumindo-se que
não ocorre dependência para pequenas variações de temperatura, podemos integrar as
equações acima obtendo

Q = mc p (T2 − T1 ) Q = mc v (T2 − T1 ) .

A lei de Joule estabelece que a energia interna é função única da temperatura.


Esta função pode ser avaliada num processo de adição de calor para um sistema fixo,
a volume constante. Da primeira lei,
Como o volume permanece constante, o trabalho é nulo. Logo,

dQ = du .

Substituindo-se o calor envolvido pela equação apropriada obtemos,


Que após integração fica,

u = cvT + k .

Na expressão acima, k é uma constante de integração.


Como a energia interna é função única da temperatura a relação entre estas
propriedades deve ser linear. Portanto podemos dizer que quando T = 0, u = 0, o que
torna k também igual a zero. Desta forma, para um gás perfeito,
u = cvT .

Façamos agora a adição de calor se processar a pressão constante.


O trabalho é dado por

W = − p (V 2 − V1 ) .

Utilizando-se da equação de estado dos gases perfeitos, podemos escrever,

W = − mR (T2 − T1 )

Sabemos que a primeira lei para sistema fixos no fornece,

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Q +W = U 2 −U1 .

Esta expressão pode ser rescrita com auxílio do calor específico a volume constante
na forma

Q + W = mc v (T2 − T1 ) .

Substituindo-se pela expressão do trabalho calculada anteriormente obtemos,

Q − mR(T2 − T1 ) = mc v (T2 − T1 ) .

Desta forma,

Q = m(c v + R)(T2 − T1 )

Igualando-se esta expressão com o calor em processo a pressão constante na forma,

Q = m(c v + R)(T2 − T1 ) = mc p (T2 − T1 )

que após simplificação nos fornece,

c p − cv = R .

A razão entre o calor específico a pressão e o calor específico a volume constante é


cp
muito útil e tem o símbolo γ = .
cv
Manipulando-se estas equações, obtêm-se algumas relações úteis, tais como

R γR
cv = e cp =
(γ − 1) (γ − 1)

Exemplo III-5:

Calcule o calor rejeitado por um gás perfeito de massa molecular 26 kg / kmol e γ

igual à 1.26, nos seguintes processos:

(a) quando uma unidade de massa do gás está contida num vaso rígido a 3 bar e 315

°C e é resfriado até a pressão cair para 1.5 bar;

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(b) quando um fluxo de massa unitário entre numa tubulação a 280 °C e flui, em

regime permanente até o final do tubo onde a temperatura é de 20 °C. Desprezar

as mudanças de velocidade na tubulação.

Constante R do gás é
~
R 8314.5
R= ~ = = 319.8 N m / kg K
m 26

Os calores específicos são

R 319.8
cv = = 3 = 1.229 kJ / kg K
(γ − 1) 10 (1.26 − 1)

c p = γc v = 1.26 ×1.229 = 1.548 kJ / kg K.

(a) Tanto o volume quanto a massa permanecem constantes. Portanto, o volume


específico também é constante. Então

RT1 RT2
v1 = = v2 =
p1 p2

isolando-se T2

p2 1 .5
T2 = T1 = 588 × = 294 K.
p1 3

Para um processo a volume constante,

Q = c v (T2 − T1 ) = 1.229(294 − 588) = −361 kJ/kg.

Isto é, o calor rejeitado foi de 361 kJ / kg.

(b) Invocamos a primeira lei para processos em regime permanente na forma

⎛ C12 ⎞ & & ⎛ C2 ⎞



m& ⎜ h1 + ⎟ + Q + W = m& ⎜ h2 + 2 ⎟
⎝ 2 ⎟


⎝ 2 ⎟⎠

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Como a mudança de velocidade é desprezível e o trabalho é nulo, podemos escrever

m& h1 + Q& = m& h2

Para um gás perfeito,

h = c pT

Portanto,

Q& = m& c p (T2 − T1 ) = 1× 1.54(20 − 280) = −403 kW.

A taxa de calor rejeitado foi de 403 kW.

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