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Pesquisa

VENDA PROIBIDA | DISTRIBUIÇÃO GRATUITA

ANO XI | N° 42 | ABRIL 2018

Fungos que funcionam


como inseticidas
Estudo testa controle biológico
do mosquito transmissor da dengue,
zika, febre amarela e chikungunya

Viagem pelo tempo em cavernas, tanques


naturais e fósseis no Nordeste do País
Em visitas a sítios paleontológicos, pesquisadores procuram desvendar
como a fauna de vertebrados foi fossilizada nos últimos 125 milhões de anos

GOVERNO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO | SECRETARIA DE ESTADO DE CIÊNCIA, TECNOLOGIA E DESENVOLVIMENTO SOCIAL
SUMÁRIO

12

3 | ASTRONOMIA
Software desenvolvido por
19
pesquisador no Observatório de
Valongo pode ajudar a desvendar
detalhes dos corpos celestes no
Sistema Solar
15 | REPORTAGEM DE CAPA
Estudo de sítios paleontológicos
6 | MATEMÁTICA no Nordeste, com a participação
Brasil entra no grupo das nações de pesquisadores da Uerj, ajuda a
mais desenvolvidas do mundo em desvendar como era a vida na região
pesquisa na área da Matemática nos últimos 125 milhões de anos

19 | SAÚDE
9 | CULTURA Pesquisador da UFRJ avalia os riscos
Voltado ao público infantil, livro O
do uso dos parabenos, usados como
Corcovado conta histórias estimula o
conservantes nos fotoprotetores
conhecimento histórico do bairro de
Botafogo

24 | MEMÓRIA
Reedição de livro de autoria de
12 | BIOLOGIA Castro Maya celebra a memória da
Pesquisa desenvolvida na UFRRJ testa
Floresta da Tijuca
controle biológico do mosquito Aedes
aegypti

28 | MUDANÇAS CLIMÁTICAS
Organizado por FAPERJ e UFRJ,
workshop visa promover o estudo
e monitoramento do Atlântico Sul,
conectando tecnologias diversas
por meio cooperação científica
internacional

9 30 | EDITORAÇÃO
Programa Auxílio à Editoração (APQ
3) da FAPERJ, criado em 2000,
vem promovendo a preservação da
memória fluminense e fornecendo
obras de referência para várias áreas
do conhecimento

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CARTA AO LEITOR

O
aprendizado da Matemática, O Impa, felizmente, não é uma ilha
disciplina que em anos recen- refugiada em sua excelência, isolada
tes vem ganhando, ao lado do do resto do País. Desde 2005, o insti- SECRETARIA DE
CIÊNCIA, TECNOLOGIA E
DESENVOLVIMENTO SOCIAL
Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo
à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro

ensino de Ciências, atenção especial de tuto organiza a Olimpíada Brasileira


dirigentes e gestores de políticas públi- de Matemática das Escolas Públicas
Governo do Estado do
cas na área da educação, permanece (OBMEP), por onde já passaram nada
Rio de Janeiro
sendo um desafio para aqueles que têm menos que 18 milhões de jovens es-
a tarefa de escolarizar alunos de nível tudantes. Mas por falta de uma maior Governador:
Luiz Fernando de Souza Pezão
Fundamental e Médio. Bem à imagem visibilidade, poucos sabem que se o
da realidade social do País, repleto de País ainda não tem um Prêmio Nobel
Secretaria de Estado de Ciência,
contrastes, o cenário é inteiramente para chamar de seu, já tem um nacio-
Tecnologia e Desenvolvimento Social
distinto quando se observa a mesma nal que conquistou a Medalha Fields,
Matemática, desta vez praticada no considerada o “Nobel da Matemática”. Secretário:
Gabriell Carvalho Neves Franco dos Santos
nível mais alto da educação superior Não podemos terminar sem dizer o
brasileira. nome desse carioca que tem reconhe- Fundação Carlos Chagas Filho de
Reportagem que começa à pág. 6 mos- cimento internacional quando o País é Amparo à Pesquisa do Estado do
tra como o País foi capaz de estruturar, chamado a apresentar suas credenciais Rio de Janeiro – FAPERJ
a partir de meados do século XX, um em pesquisa de ponta com os números: Presidente:
bem-sucedido plano de fomento às pes- Artur Ávila. Que outros estudantes Ricardo Vieiralves de Castro
quisas no campo da Matemática. Um sigam o caminho de Ávila e que o
Diretor Científico:
projeto que deixou para o Rio, antiga País consiga superar as desigualdades
Jerson Lima Silva
capital federal, herança desse esforço que fazem as salas de aula daqueles
ao ser escolhido para sediar o Instituto que estão na educação básica, debru- Diretora de Tecnologia:
de Matemática Pura e Aplicada (Impa). çados sobre problemas de álgebra e Eliete Bouskela
Foi ali, nas dependências do instituto, geometria, parecerem tão distantes Diretor de Administração e Finanças:
localizado no Jardim Botânico, que e desconectadas do mais alto degrau Ana Paula T. Fernandes da Rocha
comemorou-se, em janeiro, a entrada da escala educacional onde brilham o
do Brasil no chamado “Grupo 5”, a Impa e outras instituições de ensino e Rio Pesquisa. Ano XI. Número 42
elite mundial da Matemática. Uma pesquisa brasileiros quando o assunto Abril/2018
conquista excepcional que demonstra é a Matemática. Boa leitura!
a capacidade de mobilização da socie- Coordenação editorial e edição:
Paul Jürgens Paul Jürgens
dade em torno de assuntos relevantes Coordenador do Núcleo de Difusão
para o desenvolvimento nacional. Científica e Tecnológica Redação:
Danielle Kiffer, Débora Motta
Gravura: Fisquet e Vilma Homero
Diagramação:
Mirian Dias
Revisão:
Katia Martins
Periodicidade:
Quadrimestral

Foto de capa:
Minicânion em Lajedo de Soledade (RN),
por Hermínio Ismael de Araújo Júnior

Av. Erasmo Braga, 118/6° andar - Centro


Rio de Janeiro - RJ - CEP 20020-000
Tel.: 2333-2000 | Fax: 2332-6611
riopesquisa@faperj.br

As opiniões expressas em
Retratada na gravura acima, realizada pelo empresário e mecenas Raymundo Ottoni artigos de colaboradores e
francês Fisquet no início do século XIX, a de Castro Maya. Cinquenta anos depois da pesquisadores convidados são de
Cascatinha da Tijuca está na reedição da edição de estreia, o volume ganhou uma responsabilidade de seus autores
obra A Floresta da Tijuca, de autoria do nova impressão. Confira à pág. 24.

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ASTRONOMIA

Para enxergar longe e


com precisão
Danielle Kiffer

Batizado de ‘Praia’,
S
ejam eles românticos, sonha-
dores, aventureiros, apaixo- software desenvolvido
nados, pensadores ou apenas
distraídos. Muitos são os admirado- por pesquisador no
res de uma noite estrelada. Contudo,
além de “enfeitar” o céu, o brilho Observatório de Valongo
das estrelas tem uma função extre-
mamente importante para a Astrono- pode ajudar a desvendar
mia. Essa luz que as estrelas emanam
pode revelar diversos aspectos dos
nosso Sistema Solar
corpos celestes mais longínquos do
Sistema Solar. Quando um objeto es-
pacial, por mais distante que esteja,
e por menor que seja, passa na frente

Foto: Divulgação
de uma estrela, seja um planeta, um
asteroide ou um satélite, a conse-
quente queda aparente do brilho da
estrela é capaz de revelar a presença
ou não de atmosfera, o tamanho,
forma e até densidade e composi-
ção desse corpo. Esse fenômeno
é chamado de ocultação estelar. E Imagem de Júpiter, captada em 2009
descobrir quais as datas precisas em pelo telescópio do Observatório
que determinados corpos celestes do Pico dos Dias (MG): o software
Praia foi usado na fotometris das
passarão na frente de uma estrela, observações de uma rara ocultação
e de onde na Terra isso poderá ser estelar do próprio planeta
visto, tem sido o trabalho de um
grupo de astrônomos brasileiros, roides, satélites – do nosso Sistema Para ajudar nesse trabalho tão im-
conhecidos no Brasil e no exterior Solar por serem a única técnica que portante, Assafin criou e desenvol-
como o “Grupo do Rio”, em alusão permite, da Terra, inferir o tamanho veu um software chamado Pacote
ao fato de praticamente todos eles e a forma do corpo com precisão de de Redução Automática de Imagens
estarem sediados em instituições de poucos quilômetros, mesmo que este Astronômicas (Praia), uma ferra-
pesquisa e ensino na cidade do Rio seja relativamente pequeno e se en- menta que, entre outras funções,
de Janeiro. contre a grandes distâncias de nós”, ajuda na predição de quando um
O grupo brasileiro mantém estreita afirma Marcelo Assafin, professor corpo celeste passará em frente a
colaboração com grupos internacio- do Observatório do Valongo (OV), uma estrela, e onde na Terra isso
nais de observação de ocultações vinculado a Universidade Federal do será visível. “A partir do uso de
estelares. “As ocultações estelares Rio de Janeiro (UFRJ), e astrônomo modernos catálogos astrométricos,
ganharam enorme importância no afiliado ao Laboratório Interinstitu- que contém posições de referência
estudo de corpos – planetas, aste- cional de e-Astronomia (LIneA). precisas para as estrelas do céu, o

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ASTRONOMIA
Imagens: Reprodução

Praia processa as imagens tiradas


por telescópios e mede com grande
precisão as posições de cada corpo
celeste permitindo refinar a órbita
de cada um desses objetos. Com
órbitas bem determinadas, podemos
prever com precisão quando poderá
acontecer uma ocultação estelar,
e onde ela será visível na Terra”,
explica o astrônomo.
Assafin faz parte de grupos nacio-
nais e internacionais de observa-
dores, que incluem astrônomos e
astrofísicos profissionais e também
observadores amadores, que se
dedicam à observação de oculta-
ções estelares, principalmente de
objetos transnetunianos (TNO),
quer dizer, corpos que estão além da
órbita de Netuno, o oitavo e o mais
distante planeta do sistema solar.
Previsão da região de visibilidade da ocultação estelar por Febe de Saturno, em julho de 2017,
“Os transnetunianos têm extrema sobre a Terra (linhas em azul) e já fora dela (em vermelho): observações tratadas com o Praia
importância no entendimento da
origem e evolução do Sistema
Solar. Porém, são bem longínquos que uma UA corresponde aproxi- O Praia também tem funções de
e difíceis de serem observados. Para madamente à distância média entre fotometria, quer dizer, ele é capaz
se ter uma ideia, eles se localizam a Terra e o Sol, que é de cerca de de gerar medidas de variação do
a distâncias de 15 a 100 unidades 150 milhões de quilômetros”, diz o brilho que servem para determinar
astronômicas (UA) ou mais – sendo pesquisador. o formato do objeto espacial. “Para
explicar melhor, darei um exemplo
exagerado: imagine que exista um
asteroide alongado, em forma de
um charuto. Esse objeto gira em
torno do seu eixo menor. Sendo
observado da Terra, nessa rotação,
ele se apresentará em formas dife-
rentes, ora como um longo cilindro
e ora como uma roda, sempre refle-
tindo a luz do Sol. Essa mudança

Curva de luz obtida a partir das observações


da ocultação de Febe de Saturno na cidade
de Hamamastu, no Japão. A figura mostra
a evolução da luz observada da estrela
com o tempo (da esq. para a dir.). A queda
abrupta no gráfico indica a ocorrência da
ocultação. Logo após a queda, aparece
um ponto intermediário detextado pelo
Praia, indicando que naquele momento, a
estrela encontrava-se apenas parcialmente
obstruída pelo satélite de Saturno

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ASTRONOMIA

Fotos: Divulgação
análise precisa das características de outros profissionais, os astrôno-
desse objeto, de forma independen- mos Roberto Vieira Martins, Julio
te das observações feitas pela sonda I. B. Camargo e Gustavo Benedetti
Cassini. “Essas descobertas são Rossi, do Observatório Nacional
fundamentais para que possamos (ON); Felipe Braga-Ribas, da Uni-
entender os mecanismos prováveis versidade Tecnológica Federal do
para a evolução do sistema solar até Paraná (UTFPR); e Altair Ramos
hoje e também para que saibamos o Gomes Júnior, que recentemente
que pode vir a acontecer no futuro”, defendeu seu doutorado na UFRJ
conta Assafin. sob minha orientação. Estamos
empenhados em divulgar o Praia
O software desenvolvido pelo as-
para toda a comunidade nacional
trônomo também tem sido utilizado
e internacional e disponibilizá-lo
por pesquisadores internacionais,
em uma plataforma on-line. Para
sendo os últimos a fazer trabalhos
isso, tenho contado com o apoio
com essa ferramenta, do Instituto de
do LIneA, que tem cedido toda a
Mecânica Celeste e Cálculo de Efe-
infraestrutura para que isso se torne
Marcelo Assafin, o astrônomo que criou mérides do Observatório de Paris,
o software Praia: utilização em pesquisas possível”, finaliza o astrônomo.
nacionais e internacionais
França (IMCCE – Observatoire de
Paris). O Praia também vem sendo Pesquisador: Marcelo Assafin
usado para auxiliar na colaboração Instituição: Universidade Federal do
aparente da sua silhueta causa uma do levantamento internacional Dark Rio de Janeiro (UFRJ)
variação da luz refletida com o tem- Energy Survey (DES), que tem o Fomento: Auxílio à Pesquisa (APQ 1)
po. O Praia processa essas imagens objetivo de estudar a natureza da
captadas de asteroides e gera as energia escura, responsável pela
chamadas curvas de luz oriundas da expansão acelerada do universo.
variação do brilho com o tempo. A
análise dessas curvas de luz permite O astrônomo conta que, para de-
determinar quais são as dimensões senvolver o Praia, ele se baseou em
relativas desse asteroide, ou seja, quase 30 anos de experiência obser-
as proporções dos eixos principais vacional e no tratamento de posi-
do corpo”. ções e brilho de objetos em imagens
digitais. Agora, ele trabalha na
Com o auxílio do Praia, importantes atualização de algumas caracterís-
descobertas foram feitas recente- ticas da ferramenta. “Nessa tarefa,
mente no campo da Astronomia. venho contando com a colaboração
Uma delas foi a descoberta que
o objeto Chariklo, um pequeno
asteroide de 200 quilômetros de
diâmetro, atualmente confinado Febe de Saturno: com
entre as órbitas de Saturno e Urano o auxílio do software,
em torno do Sol, possui dois anéis foi realizado a predição
bem-sucedida da primeira
bem definidos, com um espaça- ocultação estelar
mento de aproximadamente nove observada até hoje de um
quilômetros entre eles. É a primeira satélite irregular

vez que se observa um anel em


torno de um asteroide. Outra foi a
predição bem sucedida da primeira
ocultação estelar observada até hoje
de um satélite irregular, o Febe
de Saturno, que permitirá a única

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MATEMÁTICA

Jogando na primeira divisão


de Matemática Pura e Aplicada
Débora Motta (Impa), tradicional instituição lo-
calizada no Jardim Botânico, no
Rio. Na ocasião, participaram da
Brasil entra no
S
e o ensino e o aprendizado
da Matemática enfrentam mesa o presidente da Sociedade
Brasileira de Matemática (SBM),
grupo da elite dificuldades nas escolas, o
Brasil já é reconhecido interna- Paulo Piccione; o diretor-geral do
Impa, Marcelo Viana; e os secretá-
cionalmente por sua excelência na
mundial da pesquisa em Matemática. No início rios-executivos dos ministérios da
Educação e da Ciência, Tecnologia,
de 2018, o País ingressou no seleto
pesquisa em grupo das nações mais desenvolvi-
das do mundo em pesquisa na área
Inovações e Comunicações, Maria
Helena de Castro e Elton Zacarias,

Matemática da Matemática. O País se junta,


assim, ao chamado “Grupo 5” –
respectivamente.
“A entrada no Grupo 5 da IMU é
Alemanha, Canadá, China, Estados o reconhecimento da evolução do
Unidos, França, Israel, Itália, Japão, nosso País na área de Matemática,
Reino Unido e Rússia –, que for- mesmo diante do atual cenário de
mam uma “primeira divisão” dentre dificuldades econômicas, devido à
as nações que participam da União redução do orçamento destinado à
Matemática Internacional (IMU, na pesquisa. Como nação em desen-
sigla em inglês). Com sede em Ber- volvimento, entramos apenas em
lim, a IMU tem 76 países-membros, 1954 na IMU, no Grupo 1, o mais
Apesar do bom desempenho
na pesquisa em Matemática, divididos em cinco grupos, segundo baixo, e, que eu saiba, somos o úni-
popularizar o gosto pela ordem de excelência. O anúncio co país-membro que conseguiu sair
disciplina no ensino básico
ainda é um desafio
foi realizado na segunda quinzena dessa categoria e chegar ao Grupo
de janeiro, na sede do Instituto 5”, diz o diretor-geral do Impa, o

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MATEMÁTICA

matemático Marcelo Viana. Em


1978, o Brasil ascendeu ao grupo 2;
País ingressa no 2014, da Medalha Fields – consi-
derada o “Nobel” da Matemática.
em 1981, ao grupo 3; e, em 2005, chamado Grupo 5 “O Impa tradicionalmente atrai
ao grupo 4. mentes brilhantes, como o Artur
da IMU, formado Ávila e o Carlos Gustavo Moreira,
Ele lembra que, nos anos 1950, a
pesquisa no Brasil – em Matemática pelas nações mais porque oferece uma flexibilidade na
admissão desses talentos, sem dei-
e em outras áreas – ainda era feita
de forma amadora, sem o apoio de
avançadas em xar de exigir qualidade. Temos, por
exemplo, casos de alunos que foram
uma rede de fomento, já que não pesquisa na área aceitos no mestrado sem a exigên-
existia o atual Sistema Nacional
de Desenvolvimento Científico e da Matemática cia de conclusão do Ensino Médio,
e casos de admissão no doutorado
Tecnológico (SNDCT), formado
sem a exigência do mestrado como
por instituições como o Conselho
à IMU em 1954. Descobrimos que pré-requisito. Prezamos o talento,
Nacional de Desenvolvimento
não foi iniciativa do Brasil, foi um acima da burocracia”, pondera.
Científico e Tecnológico (CNPq),
a Coordenação de Aperfeiçoamen- convite da IMU”, conta. Outra característica do Impa que
to de Pessoal de Nível Superior Viana recorda que essa trajetória da vem contribuindo para alavancar a
(Capes) e as agências estaduais de institucionalização do apoio à pes- Matemática brasileira no exterior é
fomento, como a FAPERJ. “Nossa quisa no País também passou pelo a internacionalização. “Metade dos
comunidade científica era muito fortalecimento da pós-graduação nossos alunos são estrangeiros. Os
despreparada na época. O Impa só do Brasil, nos anos 1970, e pela que não ficam no Brasil depois do
foi criado em 1952; o CNPq, em consolidação do Impa como uma curso voltam aos seus países, onde
1951, e a FAPERJ, em 1980. Era instituição de ponta internacional, acabam se tornando embaixadores
um País diferente. Há pouco tempo, tornando-se um celeiro de jovens da nossa Matemática no exterior”,
nem tínhamos o registro histórico talentos, entre eles o matemático disse Viana. O instituto também
de como foi essa adesão do Brasil carioca Artur Ávila, ganhador, em investe no aprimoramento de

Foto: Reprodução

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MATEMÁTICA Foto: Divulgação/Impa

são necessárias. “Entrar no ‘Grupo


5’ não resolve todos os problemas,
mas aumenta a autoestima dos nos-
sos alunos. Infelizmente, o Brasil
é um país que investe muito pouco
em ciência. Hoje, apenas cerca de
1% do PIB é destinado à pasta de
ciência, tecnologia, inovações e co-
municações. Deveríamos investir
pelo menos o dobro, pois ciência
não é gasto, é investimento. Países
com visão estratégica sabem que a
aplicação de recursos em ciência
tem o melhor retorno para sair da
crise.”
Imagem: Acervo Dimas/Biblioteca Nacional

Outra boa nova para a Matemá-


tica brasileira é que, neste ano de
2018, o Rio vai sediar o Congresso
Internacional de Matemáticos, um
dos principais eventos mundiais na
área, que ocorre a cada quatro anos.
Diretor-geral do Impa, Marcelo Viana destaca a importãncia de investimentos na educação “Estamos no Biênio da Matemática
básica em Matemática e a contribuição do Impa como celeiro de novos talentos na pesquisa
(2017-18), conforme foi estabeleci-
do pela Lei 13.358, especialmente
para a realização, no Brasil, dos
professores de Matemática. “Ofe- 2017, também das escolas privadas,
dois maiores eventos matemáticos
recemos formação continuada de participaram da Olimpíada. É um
internacionais. Em meados de 2017,
professores do Ensino Médio, desde esforço enorme para aproximar a
sediamos a Olimpíada Internacional
os anos 1990. Hoje, temos mais de Matemática das crianças e desfazer
de Matemática e, este ano, vamos
70 polos de ensino de Matemática a a imagem ruim dessa disciplina jun-
receber o Congresso Internacional
distância, pela Internet, espalhados to às crianças e famílias”, afirma.
de Matemáticos”, diz Viana, coor-
pelo Brasil”, completa.
O matemático destaca que mudan- denador do comitê organizador do
No entanto, mesmo com potencial ças estruturais na educação do País congresso.
para a pesquisa na área, a Matemá-
tica no Brasil ainda é vista, pela Foto: Divulgação/Impa
maioria dos alunos em idade escolar
e até pela população em geral, como
um “bicho-papão”. Uma iniciativa
importante para desmistificar essa
ideia e atrair novos talentos é a
realização da Olimpíada Brasileira
de Matemática das Escolas Públicas
(OBMEP), organizada pelo Impa
desde 2005. “Cerca de 18 milhões
de jovens, de escolas públicas e, em
A partir da esq., Paulo Piccione, Marcelo
Viana, Maria Helena de Castro e Elton
Zacarias, durante o anúncio da boa nova:
reconhecimento internacional da evolução
do País na área de Matemática

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CULTURA

Um Rio de histórias
Danielle Kiffer nhecimento in loco através de pas-
seios que podem ser realizados pelo Destinado a
crianças, livro
J
á imaginou poder embarcar em bairro, especialmente para crianças
um passeio para conhecer me- do 2° ao 4° ano fundamental e,
lhor Botafogo, um dos bairros dessa forma, viabilizar e estimular O Corcovado
mais tradicionais do Rio, com todo um turismo diferente, em que esses
o seu conteúdo histórico? Com o jovens passam a reconhecer o lo- conta histórias
livro recém-lançado pela editora cal e, ao mesmo tempo, aprendem
Ex-Libris O Corcovado conta his- sobre seu legado histórico, vendo a estimula o
tórias, isso é possível. Dando asas cidade com outros olhos”, explica
à imaginação, a historiadora Kaori Kaori. A publicação contou com conhecimento
Kodama, da Fundação Oswaldo
Cruz (Fiocruz), se utilizou da ficção
o auxílio da FAPERJ por meio do
edital Apoio à Produção e Publi-
histórico do
para mostrar o bairro, desde a era de
um Brasil recém-descoberto pelos
cação de Livros e DVDs Visando
à Celebração dos 450 Anos da Ci-
bairro de
portugueses, no ano de 1568, e dade do Rio de Janeiro. O projeto Botafogo
habitado primordialmente pelos ín- foi idealizado pela historiadora
dios. “A intenção, ao escrever esse com a equipe da Espaço e Vida,
livro, foi proporcionar um material empresa especializada em turismo
que unisse história, geografia e co- educacional.

Livro conta a história do tradicional bairro


da Zona Sul, desde a época de um Brasil
recém-descoberto pelos portugueses

Ilustração: Guto Lins

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Ilustração: Guto Lins
CULTURA

Reprodução de um trecho do
livro, em que os personagens
são apresentados a Botafogo
por um índio tupinambá

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CULTURA

Foto: Divulgação
Tudo começa quando dois amigos,
Clara e Pedro, decidem subir o Cor-
covado, o personagem central do
livro. Em determinado momento, é
o próprio morro-símbolo da cidade
que toma vida e passa a conversar
com as crianças, contando a história
do bairro. “Além de o Corcovado
ser um ponto de referência turística
na cidade, lá do alto consegue-se
ver Botafogo por inteiro”, diz a his-
toriadora. Ainda perplexas por con-
versar com o próprio Corcovado,
Clara e Pedro acham uma máquina
do tempo. A partir daí, começa o
mergulho histórico no bairro.
Em 1568, as crianças encontram
O ilustrador, Guto Lins, e a autora, Kaori Kodama: para ela, ilustrações têm papel fundamental
o indiozinho tupinambá Teçá, que para tornar a leitura atraente, não apenas para as crianças, mas também para os adultos
lhes mostra os rios que corriam pelo
bairro e que hoje, em sua maioria,
passam por debaixo do asfalto. Em res, por exemplo, podem tornar-se bairro. Neste ano de 2018, o livro
uma canoa, passam pelo rio Ber- mediadores e guias turísticos para tem sido levado a escolas propondo
quó, que, conforme explica o livro, os mais jovens, criando roteiros atividades para as crianças do ensi-
pode ter um trechinho canalizado, que permitam conhecer histórica e no Fundamental I.
visto dentro do Cemitério São João culturalmente o bairro”, explica. O Pesquisadora: Kaori Kodama
Batista. Elas veem, deslumbradas, livro pode ser adquirido através do Instituição: Fundação Oswaldo Cruz
um bairro bastante diferente, ainda shotsite https://espacoevida2017. (Fiocruz)
despovoado. Depois de aprender wixsite.com/corcovado Além do Fomento: edital Apoio à Produção
um pouco da linguagem dos tu- livro à venda, é possível baixar o e Publicação de Livros e DVDs
pinambás e de ver os botos-cinza, caderno de atividades em formato Visando à Celebração dos 450
figurinhas fáceis na enseada de de e-book. Anos da Cidade do Rio de Janeiro
Botafogo à ocasião, Clara e Pedro O Corcovado conta histórias foi
continuam sua viagem pelo tempo. lançado em maio de 2017, no pátio
Agora, eles rumam para 1700 e do Museu Villa-Lobos, situado
são recepcionados por Rita, filha na tradicional Rua Sorocaba, em
de escravos, que lhes apresenta Botafogo, em evento marcado pela
um Botafogo ainda rural, cheio de apresentação da orquestra Tuhu,
plantações. Em cada época, as duas formada por jovens do projeto
crianças encontram personagens social “Villa Lobos e as Crianças”.
que lhes contam curiosidades e Uma equipe de recreação e outra
diferentes aspectos do bairro. de contadores de histórias leram
Tudo isso se soma às divertidas trechos do livro e brincaram com
ilustrações de Guto Lins, tornando as crianças. Certamente, foi um
o livro aprazível não só para crian- jeito divertido de aprender sobre o
ças, como também para adultos.
“É muito interessante que todos se
interessem pela leitura, pois com- A obra reúne História, Geografia
e conhecimento in loco, com
plementa muito o objetivo do meu sugestões de passeios que podem
trabalho. Pais, mães, tios, professo- ser realizados pelo bairro

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BIOLOGIA

Fungos que funcionam


como inseticidas
Débora Motta ria bassiana, considerados promis- trole biológico desses mosquitos,
sores no controle biológico de di- totalmente natural. “O desen-

A
lguns fungos podem ajudar, ferentes espécies de invertebrados, volvimento de formulações que
naturalmente, no combate incluindo mosquitos e carrapatos. potencializem a virulência desses
a mosquitos, como o Aedes fungos é um passo extremamente
Ao entrarem em contato com esses
aegypti, transmissor de vírus que importante para a implementação
invertebrados, os fungos normal-
causam doenças como dengue, zika, de novas estratégias de controle
mente aderem à superfície externa
febre amarela urbana e chikun- desses mosquitos. A ideia não é
do corpo deles, na forma de espo-
gunya, e ao inseto conhecido popu- substituir totalmente o uso de pro-
ros microscópicos – geralmente
larmente como “mosquito-palha”, dutos químicos, mas pelo menos
esporos assexuados, denominados
do gênero Lutzomyia, responsável minimizar o seu uso, a partir de
conídios. Quando submetidos a
pela transmissão do agente etioló- um manejo integrado de controle.
condições adequadas de tempe-
gico da leishmaniose. Denominados Reduzir o uso de inseticidas artifi-
ratura e umidade elevada, esses
fungos entomopatogênicos, pela ciais é importante para gerar menos
esporos germinam, desenvolvem
capacidade de parasitar e até de impactos ambientais e evitar danos
hifas e colonizam a cutícula do
matar esses insetos, agindo como a humanos e animais, além de ser
inseto, podendo perfurá-la e atin-
“inseticidas” biológicos, eles são o bastante eficaz”, destaca.
gir a cavidade corporal do inseto,
objeto de um estudo desenvolvido
causando sua morte. Inseticidas sintéticos têm sido uti-
na Universidade Federal Rural do
lizados para o controle de larvas
Rio de Janeiro (UFRRJ), no mu- “Estamos desenvolvendo uma
e adultos de Aedes aegypti, entre-
nicípio fluminense de Seropédica, formulação líquida, à base de
tanto vários estudos mostraram a
sob a coordenação da professora e fungos e óleo natural de aroeira,
resistência desse mosquito a três
médica veterinária Isabele da Costa que protege os fungos contra a
importantes grupos de inseticidas:
Angelo, que é Jovem Cientista do radiação solar, para ser adicionada
organofosforado, piretroides e car-
Nosso Estado, da FAPERJ. em locais de risco, que costumam
bamatos. “O uso indiscriminado
acumular água e onde nascem as
“O objetivo da pesquisa é testar a de pesticidas químicos também
larvas de mosquitos. No laborató-
eficácia de isolados fúngicos, sele- apresenta essa desvantagem. Já o
rio, estamos testando a virulência
cionando os mais virulentos, que
de isolados de fungos, nas formas
tenham potencial de controle sobre
de conídio e blastosporos. Os re-
os mosquitos Aedes aegypti e Lut-
sultados preliminares já indicam
zomyia sp”, diz Isabele, professora
que os blastosporos são ainda mais
do Departamento de Epidemiologia
virulentos quando comparados com
e Saúde Pública. No Laboratório de
os conídios”, conta Isabele. “Em
Controle Microbiano, localizado no
uma segunda etapa do projeto, ao
Instituto de Veterinária da UFRRJ
longo desse ano de 2018, vamos
e chefiado pela médica veterinária
testar também a eficácia dessa
Vânia Bittencourt, que é Cientista
formulação no combate a mosquitos
do Nosso Estado da FAPERJ, a
na fase adulta”, acrescenta.
equipe envolvida no projeto testa
os efeitos da aplicação dos fungos A vantagem da pesquisa é propor
Metarhizium anisopliae e Beauve- a utilização de um método de con-

12 | Rio Pesquisa - nº 42 - Ano XI


BIOLOGIA

Estudo desenvolvido na
UFRRJ testa controle
biológico do mosquito
Aedes aegypti

O Aedes aegypti: transmissor


Foto: Muhammad Mahdi Karim

dos vírus da dengue, zika, febre


amarela e chikungunya

Rio Pesquisa - nº 42 - Ano XI | 13


BIOLOGIA

Foto: Divulgação/UFRRJ

Teste de laboratório para verificar o potencial do fungo B. bassiana como inseticida biológico: à esq., larvas de mosquito são colocadas
em meio de cultura para propiciar o crescimento fúngico; à dir., observa-se o crescimento do fungo e a morte das larvas, dez dias depois

controle biológico não gera resis- nandes e Caio Marcio de Oliveira Pesquisadora: Isabele da Costa
tência por parte dos insetos e têm Monteiro; na Universidade Federal Angelo
se mostrado uma alternativa impor- do Recôncavo Baiano (UFRB), o Instituição: Universidade Federal
tante para reduzir a sobrevivência professor Wendell Marcelo de Sou- Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ)
desses mosquitos, que são vetores za Perinotto; e na Utah University Fomento: Programas Cientista
do Nosso Estado (CNE) e Jovem
de diversas doenças tropicais que State, nos EUA, o doutor Donald
Cientista do Nosso Estado (JCNE)
representam um enorme prejuízo à Roberts.
saúde pública”, conclui.
Além de Vânia e Isabele, participam Foto: Divulgação/UFRRJ

da equipe, na UFRRJ, a professora


Patrícia Golo, os professores Dou-
glas Chaves e Emerson G. Pontes,
a pós-doutoranda Mariana Guedes
Camargo, os doutorandos Ricardo
O. B. Bitencourt, Caio Junior B.
Coutinho Rodrigues e Allan Felipe
Marciano, a mestranda Fernanda
Souza Faria e as doutorandas Na-
thália Alves de Senne e Jéssica de
Paulo Fiorotti; na Universidade
Federal de Goiás (UFG), os pro-
fessores Everton Kort Kamp Fer-

A partir da esq., as pesquisadoras Vânia


Bittencourt, Isabele Angelo e Patrícia Gôlo:
testando a eficácia de isolados fúngicos

14 | Rio Pesquisa - nº 42 - Ano XI


REPORTAGEM DE CAPA

Caminhar sobre o passado para


entender o nosso presente e futuro
O estudo de sítios paleontológicos Vilma Homero

no Nordeste ajuda a desvendar


U
ma combinação de fatores,
como o clima quente e seco
como era a vida, a flora, a fauna e em alguns momentos do
passado, e a abundância de rochas
os ecossistemas na região ao longo calcárias que só existem na região,
transformaram vários pontos do
dos últimos 125 milhões de anos Nordeste em importantes depósitos
de vestígios da flora e fauna que
habitaram a área ao longo de mi-
lhões de anos. A bacia do Parnaíba,
por exemplo, exibe registros dessa
história desde a era paleozoica, a
partir de 500 milhões de anos, até a
metade da era mesozoica, por volta
de 100 milhões de anos. Durante
todo esse tempo, foram muitas
Foto: Divulgação/Uerj

Pesquisadores escavam depósito de fósseis


do período Quaternário, localizado
no Rio Grande do Norte

Rio Pesquisa - nº 42 - Ano XI | 15


REPORTAGEM DE CAPA

Foto: Divulgação/Uerj

O trabalho de campo da equipe envolve a escavação de fósseis de dinossauro no Ceará (à esq.); em um tanque fossilífero em Pocinhos, na Paraíba ...

as mudanças por que passou toda grandes savanas de clima seco e grandes extensões de plataforma
aquela região, que viveu, como árido, habitadas por preguiças-gi- marinha. Era um ambiente para
todo o planeta, a Era do Gelo e o gantes, mastodontes, tatus-gigantes os fortes!
surgimento e a extinção de animais. e tigres dentes-de-sabre. Anfíbios
Para reconstituir esse cenário, pes-
Além disso, viu chegar o degelo e basais e peixes povoavam am-
quisadores, como Hermínio Ismael
as transformações locais, que foram bientes aquáticos continentais e as
de Araújo Júnior, do Departamento
tornando as áreas de terra firme em águas rasas dos mares que cobriam
de Estratigrafia e Paleontologia,
da Faculdade de Geologia, da
Universidade do Estado do Rio de
Janeiro (Uerj), recorrem a técnicas
da tafonomia. “Estudamos os pro-
cessos biológicos e geológicos que
se sucedem à morte de um orga-
nismo vivo até sua transformação
em fóssil. E com a paleoecologia,
pesquisamos como seriam os ecos-
sistemas e o modo de vida dos
animais extintos”, explica Araújo
Júnior, Jovem Cientista do Nosso
Estado, da FAPERJ. Ele e sua
equipe se ocupam em estudar justa-
mente como se formaram os vários
sítios paleontológicos nordestinos,
onde permaneceram acumulados
restos dos diferentes vertebrados
que habitaram a região durante eras
distintas.

Fóssil de dinossauro do período Cretáceo,


compreendido entre 145 e 65 milhões de anos
atrás, que foi encontrado em solo cearense

16 | Rio Pesquisa - nº 42 - Ano XI


REPORTAGEM DE CAPA

... e em outro tanque localizado em Taperoá, na Paraíba; além da análise de ovos de dinossauro encontrados na Bacia do Potiguar, no Ceará

Pelo que já constataram os especia-


listas, o Nordeste do País é um caso
Condições “Muito da fauna que vemos hoje
em lugares do interior do Brasil –
único. “No Sul do Brasil, na bacia climáticas secas veados, onças, antas, capivaras –,
do Paraná – uma das principais ba- já existia no período quaternário.
cias sedimentares brasileiras – que e abundância de Podemos dizer que são remanescen-
abrange principalmente áreas do
Rio Grande do Sul, Paraná, Santa
calcário no solo tes daquela época. O modo como a
fauna reage às alterações ambien-
Catarina e São Paulo –, apesar de permitiram uma tais é, para nós, um ótimo indicador
idade semelhante à bacia do Parnaí- das mudanças climáticas”, garante
ba, não há registros de achados tão boa conservação Araújo Júnior.
expressivos.” de fósseis em vários A partir dos fósseis encontrados,
Por isso mesmo, o foco de seu pro- o pesquisador quer investigar a
jeto são doze sítios paleontológicos
pontos do Nordeste real causa da mortandade da fau-
do Nordeste. “Alguns deles são na. “Até que ponto o motivo foi
depósitos do período quaternário Como explica Araújo Júnior, a Era as alterações climáticas e até que
– parte da era cenozoica, que teve do Gelo, fria e seca, foi intercalada ponto essa mortandade se deu pela
início há cerca de 2,6 milhões de por períodos interglaciais, de cli- influência da chegada do homem
anos e perdura até hoje. Esses ves- ma mais quente e úmido. “A cada às Américas.” Responder a esta
tígios permaneceram enterrados em uma dessas mudanças de clima, pergunta será determinante para
depressões, denominadas tanques sucedia-se uma pequena mortan- saber há quanto tempo a presença
naturais, preenchidas com fósseis dade da fauna que não conseguia humana está no continente e nos
e sedimentos do quaternário. Lá se adaptar a essas alterações”, diz ajudará a traçar mais um período
estão vertebrados, especialmente o pesquisador. Muitos desses ani- dessa história”, fala. Isso porque,
mamíferos da Era do Gelo, que ali mais migravam para os locais de enquanto na América do Norte e
permaneceram naturalmente pre- fontes de água, mas vários deles Europa muitos fósseis de animais
servados, devido às condições da terminavam morrendo no entorno trazem as marcas dos instrumentos
região. E apesar de esses achados – tal como ainda ocorre hoje em que os mataram, e há mesmo sítios
terem sido descobertos há mais de diversas regiões áridas do mundo. que se depreende que foram locais
200 anos, ainda estamos distantes de Enxurradas acabavam transportan- de matança, na América do Sul,
entender como se deu esse processo do esses restos de animais mortos quase não há registros semelhantes.
de preservação”, diz o pesquisador. para o interior dos tanques. “Isso nos leva a supor que talvez o

Rio Pesquisa - nº 42 - Ano XI | 17


REPORTAGEM DE CAPA

Foto: Divulgação/Uerj
sítios, porque eles é que sabiam a
exata localização. Nossa presença
também despertou a curiosidade
dos moradores dos municípios
próximos e por isso mesmo preten-
demos realizar palestras explicando
a importância dos fósseis e, por
tabela, dos sítios paleontológicos
e de toda aquela área. Muitos deles
também ofereceram ajuda e termi-
naram contribuindo para o trabalho
de escavação. Com isso, temos o
envolvimento da comunidade no
trabalho. Conhecer e saber da im-
portância é o primeiro passo para
se comprometer com a preservação.
Além do mais, tudo isso certamente
Em atividade em sítio paleontológico na Bahia, Hermínio de Araújo Jr., Jovem Cientista do
Nosso Estado da FAPERJ, exibe fóssil de animal que viveu durante o período Cenozóico atrairá turistas para a região, geran-
do alternativas de trabalho e renda
para os moradores.” O começo de
homem tenha chegado mais tarde “Quero que o meu trabalho seja
uma nova fase para aqueles muni-
às Américas – numa época em que o pontapé inicial para novas dis-
cípios nordestinos.
os animais já estavam morrendo por sertações de mestrado e teses de
influência do clima –, ou que esse doutorado. E que não fique apenas Pesquisador: Hermínio Ismael de
humano ainda não havia desenvol- no trabalho científico, mas que con- Araújo Júnior
vido técnicas de matança.” tribua para o desenvolvimento da Instituição: Universidade do Estado
do Rio de Janeiro (Uerj)
comunidade local”, diz. Ele explica
Baseada em Mossoró, na Univer- Fomento: Programa Jovem Cientista
como isso acontece. “Antes de mais do Nosso Estado (JCNE)
sidade do Estado do Rio Grande
nada, foram os habitantes da região
do Norte (Uern), a equipe vem se
que nos ajudaram a chegar até esses
deslocando para o Maranhão, Cea-
rá, Paraíba, Pernambuco, Bahia e
o próprio Rio Grande do Norte, Foto: Divulgação/Uerj
onde há quatro sítios paleontoló-
gicos para visitar. “No Ceará e no
Maranhão, esses sítios, da era me-
sozoica, são de ambientes fluviais,
que preservam restos de dinossau-
ros, peixes e crocodilos”, explica.
Para Araújo Júnior, esses estudos
são importantes não apenas pelas
informações que revelam, mas tam-
bém por funcionar como subsídios
para novas pesquisas.

Um esforço de diferentes instituições: a partir


da esq., Lílian Bergqvist (UFRJ); Kleberson
Porpino, Valdeci Jr. e Juliana Carvalho
(todos da Uern); Hermínio (Uerj) e Daniel
Villar, proprietário da área onde o sítio
paleontológico foi descoberto, no RN

18 | Rio Pesquisa - nº 42 - Ano XI


SAÚDE

Protetores solares
excluem parabenos
de suas fórmulas
Em países europeus, algumas
marcas já excluem os parabenos
de seus fotoprotetores. A
medida deve ser adotada por
aqui também, já que o uso
repetido e constante dessas
substâncias pode deixar danos
na pele humana
Vilma Homero

M
uito se fala das conse-
quências da exposição
ao sol e dos riscos de
câncer de pele. A recomendação dos
dermatologistas é para o uso diário
de protetor solar, sobretudo para os
que têm pele muito clara. Em al-
guns países da Europa, no entanto,
muitos fabricantes estão mudando
a formulação de seus produtos e
deles excluindo os parabenos, usa-
dos como conservantes. Segundo o
farmacêutico Bryan Hudson Hossy,
recém-doutor pelo Programa de
Pós-graduação em Clínica Médica
Foto: Divulgação

Rio Pesquisa - nº 42 - Ano XI | 19


SAÚDE

Foto: Divulgação/UFRJ

Camundongo sem pelos, sob analgesia, é mantido no interior de equipamento que simula a emissão da luz solar, com a radiação UV

da Universidade Federal do Rio de vêm alertando para seu potencial Para embasar seu trabalho, Hossy
Janeiro (UFRJ), mestre em Ciências alergênico, que afetaria até 1% analisou a fórmula de um dos pro-
Farmacêuticas pela mesma univer- da população mundial”, adverte tetores solares comercializados no
sidade e doutorando “Nota Dez”, da Hossy. Ainda não se preconiza Rio de Janeiro, com Fator de Pro-
FAPERJ, essa restrição, cada vez complementar estes ensaios com a teção Solar (FPS) 30, contendo em
mais adotada mundialmente, tam- observação de possíveis alterações sua composição parabenos (metil e
bém deveria ser seguida no Brasil, histológicas e moleculares. “Mas os propilparabeno) e outras substân-
já que o uso repetido e constante pesquisadores têm voltado seus es- cias. A pesquisa, coordenada por
dessas substâncias pode deixar da- tudos para avaliar a segurança des- ele, sob a orientação das professoras
nos na pele humana. ses conservantes e seus possíveis Nádia Campos de Oliveira Miguel,
Em geral, os protetores solares efeitos fotossensibilizantes. É nesse do Instituto de Ciências Biomédicas
contêm em sua fórmula filtros caso que se enquadram os parabe- (ICB) e Márcia Ramos e Silva, do
solares e substâncias conservantes nos. Alguns autores apontam, por Serviço de Dermatologia, da Facul-
– entre eles, metilparabeno, propi- exemplo, que o metilparabeno pode dade de Medicina (FM), contou ain-
lparabeno e aminometilpropanol. induzir estresse oxidativo, produção da com a colaboração do professor
“Os parabenos são conservantes de óxido nítrico, oxidação lipídica Marcelo de Pádula, da Faculdade
bastante comuns em cosméticos. das células e sua consequente morte de Farmácia (FF), todos da UFRJ.
Atualmente, no entanto, um nú- quando submetidos à radiação UV”, No laboratório, Hossy submeteu o
mero crescente de ensaios clínicos explica. produto a testes in vivo, usando para

20 | Rio Pesquisa - nº 42 - Ano XI


SAÚDE

isso camundongos hairless de seis ções, os pesquisadores lançaram


semanas de vida, e posteriormente mão do modelo in vitro, as Saccha- O uso repetido
procedeu a análises in vitro, em- romyces cerevisiae. “Utilizamos
pregando cepas de Saccharomyces os conservantes presentes na for-
e constante de
cerevisiae, um tipo de levedura mulação dos fotoprotetores (mitil parabenos na
bastante utilizada como micror- e propilparabeno) e um agente
ganismo-modelo alternativo para alcalinizante (aminometilpropa- formulação de
ensaios pré-clínicos na indústria
farmacêutica e cosmética. Como
nol), sozinhos ou associados, sobre
estas células, expondo-as à luz solar
filtros solares e
essas leveduras são unicelulares, simulada. Percebemos que cada um outros cosméticos
têm estrutura relativamente se- desses compostos tinha algum nível
melhante à das células humanas de fototoxicidade, e que o propi- pode causar danos
e podem crescer em meios de
cultura definidos, elas permitem
lparabeno era, entre eles, o mais
fototóxico”, afirma o pesquisador.
à pele humana
ao pesquisador controlar todos os
parâmetros ambientais. Versáteis, Foto: Divulgação/UFRJ
também são comumente emprega-
das na produção do pão, da cerveja
e até do etanol.
Foram separados quatro grupos
de camundongos hairless para
um teste comparativo: no grupo
1, animais, usando fotoprotetor e
sem exposição à luz solar simulada
(radiação UV); no grupo 2, os ani-
mais, sem proteção, foram expostos
à luz solar simulada; no grupo 3, os
camundongos foram tratados com
protetor solar e expostos à luz solar
simulada; enquanto no grupo 4, os
animais receberam somente um gel
creme contendo substâncias con-
servantes, entre elas os parabenos.
“Vimos que o grupo de animais
tratados apenas com substâncias
conservantes (grupo 4) e expostos
à luz solar simulada foram os que
tiveram as alterações de pele mais
acentuadas, com alterações morfo-
lógicas mais pronunciadas do que
os demais grupos. Para confirmar
qual das substâncias veículo po-
deria estar causando essas altera-

No laboratório da Faculdade de Farmácia


da UFRJ, Bryan Hossy faz uma simulação do
experimento em tubos de ensaio

Rio Pesquisa - nº 42 - Ano XI | 21


SAÚDE

No esquema, na etapa A, camundongo sem pelos é submetido, sob analgesia, a crescente tempo de exposição no aparelho simulador de
luz solar. Na etapa B, amostras de pele são coletadas e, em C, passam por exame histológico, que revela os danos da radiação à pele

Extrapolando para os humanos, “No caso de exposições extremas, tos. “Em alguns países europeus,
Hossy explica que, como a aplica- como a de pessoas que trabalham marcas como a francesa L’Oreal,
ção do produto sobre a pele dificil- ao ar livre, por exemplo, e para já excluem os parabenos de seus
mente é regular – o que significa indivíduos de pele muito clara ou fotoprotetores. E, mesmo sem ter o
que sempre há camadas mais densas com histórico familiar de câncer de uso proibido, várias delas alardeiam
em determinados pontos –, pode pele, a foto proteção é necessária e no rótulo e em sua publicidade que
acontecer de uma maior quantidade indispensável. Já pessoas de pele seus produtos são ‘livres de parabe-
de conservante ficar concentrada escura, que têm maior concentração no’. Pelo que estamos vendo, a ten-
em uma área mais sensível da de melanina e uma maior capacida- dência é de retirá-los das fórmulas.”
pele. Isso pode levar a dermatites de de eritematosa – ou seja, o quanto
Segundo o pesquisador, no Brasil,
contato e alergias, gerando também de radiação solar aquela pele mais
estamos num momento de transi-
fototoxicidade. “Como se indica resistente é capaz de suportar –, não
ção. “Embora 63% de marcas de
que o uso do protetor solar seja precisam de um uso tão constante
protetores solares pesquisadas nas
diário, e muitas vezes sua aplicação de protetores solares”, afirma o
farmácias do estado do Rio de Ja-
acontece mais de uma vez por dia, farmacêutico.
neiro tenham feito um movimento
pode haver uma repetição dessas
E para todos, sejam os de pele clara de mudança de conduta, ainda há
dermatites e alergias. E isso pode
ou pele escura, o melhor é procu- 36% que, de acordo com o que
acabar levando exatamente ao que
rarem produtos que não contenham registram nos rótulos, fazem uso
se deseja prevenir, ou seja, à forma-
parabenos. “Embora seja uma de parabenos em suas fórmulas.
ção de fotodermatoses e, em casos
alternativa barata de conservante Mas a tendência é de que progres-
extremos, a câncer de pele”, afirma
para a indústria e esteja presente em sivamente isso mude”, acredita
o pesquisador.
diversos produtos, como as pastas Hossy, que também acha que isso
Segundo Hossy, a pele humana con- de dentes, os parabenos estão sendo não acontecerá em curto ou médio
ta com a proteção natural biológica progressivamente substituídos nas prazo. “Até porque é preciso que
da melanina, da ação antioxidante formulações, como consequência antes haja uma mudança na nossa
da melatonina e do ácido urocânico. dos estudos que vêm sendo fei- legislação sanitária. Metilparabeno,

22 | Rio Pesquisa - nº 42 - Ano XI


SAÚDE

propilparabeno e aminometilpro- Segundo Hossy, pesquisas sobre (ICB), Instituto de Biofísica Carlos
panol sequer constam das listas de insumos e formulações cosméticas Chaga Filho (IBCCF), Faculdade
risco da legislação brasileira. Ao ainda representam um universo pe- de Farmácia (FF), Faculdade de
contrário, estão presentes em di- queno no País. “Mas com um mer- Medicina (FM), a que se soma-
versos cosméticos comercializados cado aquecido e uma infinidade de ram o Instituto de Biologia (IB) e
no País, como xampus e produtos insumos que podem ser estudados a Faculdade de Medicina (FM) da
de maquiagem”. De acordo com o partir de nossa biodiversidade, em- Universidade Federal Fluminense
pesquisador, o Brasil movimenta presas nacionais e até estrangeiras (UFF). A partir de contribuições
o quarto maior mercado mundial vêm estudando e produzindo ativos, expressivas e de diferentes olhares
no setor, atrás de Estados Unidos, excipientes e formulações cosmé- dos pesquisadores, conseguimos
na primeira posição nesse ranking, ticas aproveitando este potencial. atingir os resultados publicados.
a China, o segundo colocado, e o Mas para que possamos inovar e Estimular e fortalecer essas intera-
Japão, que ocupa o terceiro lugar. encontrar soluções para problemas ções subsidiará ainda mais novos
“Sendo um mercado tão importante, como os pesquisados pelo nosso avanços.”
o mais provável é que, a exemplo grupo são necessárias a formação Pesquisador: Bryan Hudson Hossy
do que já vem ocorrendo na Europa, de redes de pesquisa, como a que Instituição: Universidade Federal do
isso também aconteça com a indús- conseguimos criar entre diferentes Rio de Janeiro (UFRJ)
tria brasileira.” institutos e faculdades da UFRJ: Fomento: Programa Doutorado
Instituo de Ciências Biomédicas Nota 10
Hossy ressalta ainda que, mesmo
com a possibilidade de fototoxici- Foto: Divulgação/UFRJ
dade, o uso de protetores solares
ainda se impõe como umas das
únicas estratégias eficazes e consi-
deradas seguras para a prevenção
dos danos causados pela radiação
solar. Diante de exposição aguda
e prolongada ao sol, indivíduos de
pele clara e sensível, portadores de
doenças induzidas pelo sol – como
erupção polimórfica à luz e ceratose
actínica crônica –, pacientes com
risco potencial de desenvolvimen-
to de câncer de pele, bem como
aqueles que já tenham removido
lesões e estejam curados – precisam
ser orientados por um profissional
quanto ao uso de fotoprotetores de
alta proteção solar. Nesses casos,
como orienta a Sociedade Brasileira
de Dermatologia, recomendam-se
os de FPS 30, usados com critério
e parcimônia para evitar-se os ex-
cessos.

Nova tendência: segundo Hossy, a indústria


de cosméticos está em vias de eliminar os
parabenos das fórmulas dos seus produtos

Rio Pesquisa - nº 42 - Ano XI | 23


MEMÓRIA

Homenagem
ao espaço
verde mais
visitado do País
Reedição de
livro de Castro
Maya celebra
a memória da
Floresta da Tijuca

Gravura: J. M. Rugendas

24 | Rio
Rio Pesquisa
Pesquisa -- nº
nº 42
42 -- Ano
Ano XI
XI
MEMÓRIA

Gravura: J. B. Debret
Débora Motta

C
onsiderada a maior floresta
urbana do mundo, a Flo-
resta da Tijuca é um dos
grandes símbolos do Rio. Para ce-
lebrar a memória desse patrimônio
carioca, o livro A Floresta da Tijuca
– escrito por Raymundo Ottoni de
Castro Maya (1894-1968) e lançado
inicialmente em 1966 (Bloch Edito-
res, 102 p.) –, ganhou uma segunda
edição, revisada e comentada, por
ocasião do aniversário de 450 anos
do Rio de Janeiro (Ed. Andrea
Jakobsson Studio, 2015, 112p).
A reedição foi contemplada pela
FAPERJ, por meio do edital Apoio
à produção e publicação de livros e
DVDs visando à celebração dos 450
anos da cidade do Rio de Janeiro.
Imagens que contam a história do Rio: aquarela de Debret, intitulada ‘Carregamento de café a
Na primeira metade do século XX, caminho da cidade’, de 1826, reproduz uma caravana de escravos descendo a Serra da Tijuca
o multifacetado Castro Maya – que
era administrador da Companhia
implantou paisagismo decorativo O livro nasceu a partir de um relató-
Carioca Industrial e da Companhia
em recantos pitorescos, organizou rio escrito por Castro Maya sobre o
Nacional de Óleos Vegetais, entre
serviços de drenagem e beneficia- seu trabalho de revitalização e traz
outros empreendimentos, além
mentos no represamento de água e um conjunto de 33 pranchas com
de ser advogado, editor de livros,
muros de contenção. Para realizar imagens de rara beleza e informa-
colecionador de obras de arte e,
essa empreitada, trabalhou volun- ções sobre os principais pontos da
sobretudo, um mecenas e humanista
tariamente, tendo recebido apenas Floresta da Tijuca, como cascatas,
– assumiu o desafio de restaurar a
o simbólico valor de um cruzeiro jardins, pontes e caminhos inter-
extensa área da Floresta da Tijuca.
por ano. Contou com uma equipe de nos. Há reproduções de aquarelas
Ele esteve à frente da comissão res-
cerca de 60 homens e mobilizou o
ponsável por remodelar o principal
premiado paisagista e artista plásti-
parque da então capital do País, de
co Roberto Burle Marx e o arquiteto
1943 a 1947, durante a gestão do
Wladimir Alves. Sua vida, por sinal,
prefeito do antigo Distrito Federal,
foi retratada no documentário Cas-
Henrique Dodsworth.
tro Maya, dirigido pelo cineasta
Castro Maya realizou diversas carioca Sylvio Tendler, que conta a
intervenções, combinando melho- relação dele com a cultura e as artes
rias para recuperar a infraestrutura no Rio de Janeiro.
e ampliar a visitação ao local.
Demarcou os limites do parque,
reconstruiu inúmeras edificações
e instalações de restaurantes, re- Capa da segunda edição, revista e
cuperou estradas, pontes e cami- comentada, da obra que celebra
nhos, limpou lagos e cachoeiras, a recuperação da Floresta da Tijuca

revitalizou praças e áreas de lazer,

Rio Pesquisa - nº 42 - Ano XI | 25


Fotos: Humberto e José Moraes Franceschi
e gravuras de pintores como Jean- arte oriental. Destaca-se ainda a co-
-Baptiste Debret, Nicolas Antoine leção Brasiliana, que reúne cerca de
Taunay, Johann Rugendas e La 1.700 imagens avulsas que retratam
Touanne, além de imagens publi- quase quatro séculos de paisagem e
cadas na primeira edição do livro, costumes brasileiros.
de autoria dos fotógrafos Humberto
“Eu tinha esse desejo de organizar
e José Moraes Franceschi, que
uma segunda edição da obra A
revelam recantos encantadores do
Floresta da Tijuca, de Castro Maya,
parque.
que é o patrono dos Museus. A edi-
A iniciativa de lançar uma edição ção original, que já estava esgotada,
atualizada, revisada e comentada, era uma brochura rara, um relatório
da obra partiu da direção dos Mu- do seu trabalho. Hoje sabemos que
seus Castro Maya – que são um é muito atual a necessidade de se
complexo formado pelo Museu do prestar contas dos gastos públicos,
Açude, localizado no Alto da Boa de se ter accountability, transparên-
Vista, junto à Floresta da Tijuca, cia, mas na época em que Castro
e pelo Museu da Chácara do Céu, Maya fez questão de deixar esse
no bairro de Santa Teresa, ambos relato, ele foi pioneiro nesse senti-
subordinados ao Instituto Brasi- do”, afirma a diretora dos Museus
leiro de Museus (Ibram). Os dois Castro Maya, Vera Alencar.
museus são um legado deixado
Há uma coincidência: o lançamento
por Castro Maya, com o objetivo
de preservar, pesquisar e divulgar da nova edição do livro ocorreu
a sua coleção de arte. Eles perten- por ocasião do aniversário de 450
ciam, inicialmente, a uma fundação, anos do Rio e, quando em vida,
e posteriormente, em momento Castro Maya foi o coordenador da
de crise e falta de recursos para a comissão que organizou as come-
manutenção desses espaço, foram morações de 400 anos da cidade.
incorporados ao patrimônio da “Castro Maya estava intensamente
União. O acervo dos museus possui envolvido com a vida cultural do
mais de 22 mil peças, a maior parte Rio. Depois de seu trabalho de
adquirida por Castro Maya entre revitalização da Floresta da Tijuca,
as décadas de 1920 e 1960. Ambos realizado em apenas três anos, a
abrangem amplos conjuntos de arte visitação ao local aumentou aproxi-
brasileira a partir do século XVI madamente dez vezes. Ele foi ainda
(destacando-se as maiores coleções o primeiro presidente do Museu de
públicas de obras de Jean-Baptiste Arte Moderna (MAM), impediu a
Debret e Cândido Portinari), arte construção de imóveis que destrui-
europeia dos séculos XIX e XX riam a Praça Paris, foi um bibliófilo,
(incluindo um vasto núcleo de azu- criou a sociedade Os Amigos da
lejaria e louça do Porto) e arte Gravura, em 1952, a fim de incenti-
popular (mestre Vitalino), além de var e difundir a produção gravurista
brasileira, entre outros feitos. Foi
mesmo um homem à frente do seu
tempo”, completou Vera.
Pontos históricos no interior do parque: no
alto, a ponte Job de Alcântara, construída O trabalho de reedição da obra en-
em 1862; ao centro, a fachada da Capela volveu uma equipe multidisciplinar,
Mayrink, que foi totalmente remodelada
por Castro Maya; e, ao lado, o interior da
incluindo a produção editorial, que
capela, com pinturas de Cândido Portinari ficou sob a responsabilidade de

26 | Rio Pesquisa - nº 42 - Ano XI


MEMÓRIA

Foto: Humberto e José Moraes Franceschi

Portão simbólico da entrada da Floresta da Tijuca, que foi revitalizada durante as obras conduzidas por Castro Maya, entre 1943 e 1947

Andrea Jakobsson Estúdio. Por sua Floresta da Tijuca. Foi um homem


vez, a doutora em Educação e mes- da preservação da história da cida-
Foto: Divulgação/Museus Castro Maya
tre em Artes pela Universidade de de e das artes”, concluiu Denise,
São Paulo (USP) Denise Grinspum que assinou o Projeto Editorial &
trabalhou no relançamento da obra, Pesquisa, junto com Vera, e hoje
como assessora técnica dos Museus coordena a área da Educação do
Castro Maya, e foi a proponente do Instituto Moreira Salles.
projeto junto à FAPERJ. “Resgatar
Pesquisadora: Denise Grinspum
a memória de Castro Maya é olhar
Instituição: Fundação Raymundo
para um homem que tinha uma Ottoni de Castro Maya
visão de futuro, um ambientalista Fomento: Edital Apoio à produção
que tinha noção da importância e publicação de livros e DVDs
dos espaços da cidade. Ele tinha visando à celebração dos 450
a preocupação de transformar a anos da cidade do Rio de Janeiro
floresta em um parque que fosse
nacionalmente visitado, e o parque
ganhou essa importância nacional. Vera e Denise: iniciativa de lançar
uma edição atualizada, revisada e
Ele tinha um olhar pioneiro sobre o comentada da obra partiu da
patrimônio cultural e ambiental da direção dos Museus Castro Maya

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MUDANÇAS CLIMÁTICAS

Evento foi o Um oceano de


primeiro passo
para a instalação oportunidades para
de um polo de o desenvolvimento
monitoramento do Na cerimônia de abertura, o mi-
Por Ascom Faperj
Oceano Atlântico, nistro da Ciência, Tecnologia e
Ensino Superior de Portugal, Ma-
conectando
U
m workshop realizado no
nuel Frederico Tojal de Valsassina
Parque Tecnológico da
Heitor, fez uma apresentação sobre
tecnologias de Universidade Federal do
Rio de Janeiro (UFRJ), na segunda os principais pontos do programa.
águas profundas metade de fevereiro, colocou em
Estavam presentes Paulo Ferrão,
presidente da Fundação para a
debate novos conhecimentos sobre
a tecnologias mudanças climáticas e questões Ciência e Tecnologia de Portugal
(FCT); Roberto Leher, reitor da
relacionadas ao oceano Atlânti-
espaciais por co. Organizado pela UFRJ e pela UFRJ; José Carlos Pinto, diretor
do Parque Tecnológico da UFRJ;
meio de uma FAPERJ, o evento Rio 2018 Atlan-
tic Interactions representou um
Ricardo Vieiralves de Castro, pre-
sidente da FAPERJ; Augusto C.
cooperação global primeiro passo para a instalação de
um polo do Atlantic International Raupp, subsecretário de Ciência
e Tecnologia do Estado do Rio de
entre América Research Center (AIR Center) no
Janeiro; Andrei Polejack, coorde-
estado do Rio de Janeiro. A ini-
Latina, Europa, ciativa visa promover o estudo e
nador geral de Oceanos, Antártida
e Geociências do Ministério da
monitoramento do Atlântico Sul,
África e EUA conectando tecnologias de águas
Ciência, Tecnologia, Inovações
e Comunicações (MCTIC); entre
profundas a tecnologias espaciais
outros participantes.
por meio cooperação científica
entre pesquisadores da América À ocasião, o presidente da FCT
Latina, Europa, África e Estados de Portugal, Paulo Ferrão, e o
Unidos. presidente da FAPERJ, Ricardo

28 | Rio Pesquisa - nº 42 - Ano XI


MUDANÇAS CLIMÁTICAS

Vieiralves de Castro, assinaram O diretor do Parque Tecnológico da quisadores, empresas e governos”,


um memorando para o financia- UFRJ, José Carlos Pinto, enfatizou explicou o ministro.
mento de recursos humanos no o interesse daquela instituição a
O evento também contou com a par-
Rio de Janeiro e em Portugal para acolher o Centro. “Estamos muito
ticipação de pesquisadores, repre-
a realização de um intercâmbio motivados a participar dessa ini-
sentantes da Universidade do Minho
de pesquisadores entre os dois ciativa e de braços abertos para
(Portugal), universidades e centros
países. De acordo com Vieiralves, receber a instalação de um polo do
de pesquisa do estado do Rio de Ja-
o documento é fundamental para AIR Center num futuro próximo”,
neiro, Carnegie Mellon University,
confirmar o interesse do Rio de informa José Carlos.
Marinha do Brasil, Petrobras, labo-
Janeiro em receber o AIR Center e Durante o evento, o ministro por- ratórios da Coppe/UFRJ e empresas
promover a troca de conhecimentos tuguês Manuel Heitor destacou residentes do Parque Tecnológico
entre pesquisadores. “A partir de que desenvolvimento econômico, da UFRJ. Além da criação do AIR
agora, iremos começar a atuar para tecnológico e social só é possível Centre Data Intelligent Network,
atingir, pouco a pouco, os objetivos através do conhecimento e da cria- foram debatidos temas como o
do AIR Center. Esse é um trabalho ção de uma agenda científica inclu- desenvolvimento e a integração
de longo prazo e extrema impor- siva. “Criar e transformar o oceano de tecnologias espaciais e oceâni-
tância e temos, no nosso estado, Atlântico num centro de desenvol- cas, ciência dos dados, estratégias
um amplo número de cientistas vimento social e econômico só é de novos negócios intensivos em
gabaritados que vêm pesquisando possível com mais conhecimento. conhecimento no contexto das inte-
mares e oceanos há muito tempo. O desafio que estamos partilhando rações atlânticas, políticas públicas
De início, pretendemos montar com o Brasil e países da América e cooperação entre União Europeia
uma rede de pesquisadores, com Latina, África, Europa, além de e Brasil. No final, os participantes
financiamento da FAPERJ e um uma série de instituições norte-ame- foram convidados a conhecer o
mínimo de burocracia possível”, ricanas, é desenvolver uma agenda Laboratório de Tecnologia Naval e
disse o presidente da FAPERJ. que seja inclusiva e que consiga Oceânica da Coppe, localizado no
Vieiralves também enfatizou a im- reunir instituições científicas, pes- Parque Tecnológico da UFRJ.
portância da ciência, tecnologia e
inovação para o desenvolvimento
do estado. “O Rio de Janeiro vem Foto: Beatriz Correa
passando por uma crise nos últimos
dois anos e a principal lição que
aprendemos é que o estado precisa
diversificar suas atividades econô-
micas para se reerguer. Em minha
opinião, a melhor forma de fazer
com que essa diversificação acon-
teça é por meio do investimento
em ciência, tecnologia e inovação”,
complementou.

Mesa de abertura do workshop (a partir


da esq.): José Carlos Pinto, Vieiralves de
Castro, Manuel Heitor e Roberto Leher

Rio Pesquisa - nº 42 - Ano XI | 29


EDITORAÇÃO
EDITORAÇÃO

Livros e obras digitais divulgam a ciência e preservam a memória


A FAPERJ mantém, desde o ano
2000, uma modalidade de fomento
à publicação de livros e à edição de
quisa, ciência, tecnologia e inovação
nas instituições de ensino e pesquisa
sediadas no RJ, públicas e privadas,
cimento. Este apoio se dá por meio de
programas específicos e editais gerais
ou temáticos, permitindo alternativas
obras audiovisuais e digitais que tem além de promover a preservação da me- para a apresentação de projetos edito-
contribuído para divulgar o resultado mória fluminense e fornecer obras de riais. Conheça, abaixo, algumas obras
do investimento do Estado em pes- referência para várias áreas do conhe- editadas com o apoio da Fundação.

Coleção O Rio por Escrito Sentidos do melodrama: reflexões e


dramaturgia
Esta coleção, em três volumes (Editora
Batel, 2017, livro 1, 132 p., livro 2, 124 Esta obra consolida um esforço de estudo,
p., livro 3, 128 p.), reúne uma seleção reflexão e experimentação a respeito de
de textos de Machado de Assis, Cecília um gênero popular no teatro, o melodrama.
Meireles e Manuel Bandeira. Com orga- Organizado pelo professor e pesquisador em
nização e coordenação da professora e artes cênicas da Unirio, Paulo Merisio, Senti-
pesquisadora da UFF, Stefania Chiarelli, é uma homenagem dos do melodrama: reflexões de dramaturgia
ao Rio de Janeiro através de um recorte temático que destaca (Ed. 7Letras, 2017, 200 p.) reúne uma série de investigações
a presença da cidade como cenário ou mesmo como perso- do gênero melodramático, com uma parte dedicada a mesas-
nagem na obra destes autores, em três distintos gêneros de -redondas e palestras com grandes nomes da área e outra com
criação literária: contos, crônicas e poesias. textos de pesquisas sobre artes cênicas.

A Biblioteca Nacional na Crônica Crédito & Descrédito: Relações


da Cidade sociais de empréstimos na Amé-
Volume I - A cidade / O leitor rica – séculos XVIII ao XX
Elaborado pelos pesquisadores da Biblio- Importante contribuição para a nossa his-
teca Nacional, Iuri Lapa e Lia Jordão, este tória econômica, esta coletânea (Niterói,
primeiro volume de “A Biblioteca Nacional Eduff, 2018, 386 p.), organizada por Carlos
na Crônica da Cidade” está dividido em dois Gabriel Guimarães e Luiz Fernando Sarai-
capítulos - A Cidade e O Leitor. O segundo volume, em pre- va, professores da Universidade Federal
paro, terá também dois capítulos – O Trabalho e O Acervo. A Fluminense (UFF), é constituída por 11 artigos que apresen-
obra (Editora FBN, 2017, 248 p.) é um trabalho de memória tam um extenso e diverso panorama das formas de crédito
que segue um percurso distinto das narrativas institucionais existentes no Brasil ao longo de sua história, cobrindo, além
clássicas, apresentando ao leitor uma compilação inédita de do crédito institucionalizado realizado por meio de bancos
textos e imagens sobre a relação da Biblioteca Nacional com comerciais, as redes interpessoais e os circuitos de emprés-
o cotidiano da cidade do Rio de Janeiro. timos, ampliando assim a compreensão do tema.

Direção de arte e transmidialidade


Este livro (Editora UFRJ, 2018, 200 p.), orga- profissional para a área audiovisual. É também
nizado por Amaury Fernandes e Katia Augusta uma obra transmídia, pois as ilustrações são
Maciel, foi concebido para atender às exigên- acessadas por meio da tecnologia QR code. Pela
cias do conteúdo programático das disciplinas ausência de publicação disponível com perfil
do Programa de Pós-Graduação em Tecnologias semelhante, no mercado interno ou externo, a
e Linguagens da Comunicação (PPGTLCOM), obra condensa, em volume único, uma ampla
da UFRJ, oferecendo material de referência e discussão correlacionando essas duas grandes
incentivando a reflexão crítica sobre processos áreas de atuação dos profissionais em meios
criativos, além de novas demandas de formação digitais.

30 ||Rio
30 RioPesquisa
Pesquisa--nº
nº42
42--Ano
AnoXIXI

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